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Os documentos, para este período de cerca de 40 anos, são poucos e os que existem em
quase nada satisfazem a curiosidade do investigador e publico interessado. Sem duvida,
aquele que se nos apresenta mais importante pela informação que contem, suplanta o seu
mbito cronológico. a resposta do infante D. Fernando s reclamações dos moradores
feitas por dois procuradores idos da ilha1. As soluções e respostas aos pedidos permitem
rastrear a situação vivida no tempo de governo do infante D. Henrique.
parte a documentação diplomática, existe um conjunto variado de fontes narrativas que
abordam estes primeiros anos de ocupação do arquipélago. Aqui, a principal dificuldade
encontrar uma versão consensual para as diversas dúvidas que nos assaltam. E,
lamentavelmente, a historiografia tem-se dedicado mais a descobrir as diferenças do que as
suas semelhanças.
Por tudo isto, a História dos primeiros quarenta anos de ocupação do arquipélago, faz-se
mais pelas dúvidas do que pelas certezas. A cada historiador ou erudito, que se debruça sobre
a Época, corresponde uma nova e, por vezes, original versão. A mais recente, a de José
Hermano Saraiva2. Por isso, porque não nossa intenção entrar nesta lista, decidimo-nos por
outro caminho, assim a nossa atenção será centrada na exposição nas dúvidas e certezas,
reservando-se espaço separado para o debate dos temas polémicos e que permitem várias
leituras. A intenção tão só colocar o leitor perante um conjunto variado de informações que
lhe possibilitem a sua leitura.
Mesmo assim possível retirar deste conjunto de dúvidas e certezas uma opinião
un nime sobre o que ter o sido os primeiros anos de ocupação e valorização económica das
ilhas. Aqui a presença do Infante D. Henrique foi fundamental. A duvida principal levanta-se
quanto ao período de duração da mesma. Acresce, ainda, que o conhecimento aprofundado de
tudo o que se passou no arquipélago da Madeira fundamental para a compreensão do
fenómeno daí decorrente. A Madeira, para além de ter sido a primeira terra portuguesa do
Novo Mundo Atl ntico, foi, por isso mesmo, modelo para todas as iniciativas levadas a cabo
em novas reas de ocupação.
1
RGCMF, t. I, fl. 203-211, publ. AHM, XV (1972), 11-20.
2
Temas de hist\ria de Portugal. espaHo PortuguLs, Vol.
II, Lisboa, 1989, 109-123.
intencionalidade? Para muitos ela prende-se com a disputa em torno das Canárias e da
necessidade de preservar a sua posse quando aquelas estavam irremediavelmente perdidas.
Aqui, fez-se valer o "praescritio longissimo temporis" do direito romano e, por isso mesmo,
havia que argumentar a prioridade lusíada. Da resulta uma relação directa entre os dois
arquipélagos, nos começos da expansão atl ntica.
D. João II, em 14934, peremptório na reclamação dos direitos de posse pelos
portugueses da ilha de Madeira, "porquanto essa ylha não foy de nossos antepassados nem
della teveram dereyto algum ou domínio ante de ser descoberta y ocupada pello sennor rey
noso bisavou...". idêntica ideia surge em alguns cronistas, como Jerónimo Dias Leite.
Esta mesma argumentação foi aduzida no debate em torno do descobrimento da ilha por
Roberto Machim, no século XIV. Para alguns, foram os ingleses que criaram a "lenda" no
século XVII para mais facilmente conseguiram a sua posse, como se vinha reclamando no
dote de infanta D. Catarina5.
Para além desta polémica que envolveu o descobrimento da Madeira por Machim, há a
considerar todo o debate sobre o descobrimento das ilhas, encetado a partir da segunda
metade do século XIX. Desde então até hoje a controvérsia manteve-se, alimentada num
número inaudito de publicações. Não há consenso possível, mas, hoje, parece ganhar corpo a
ideia de que o descobrimento das ilhas teve lugar em Época anterior sendo a acção dos
navegadores portugueses do século XV entendida como reconhecimento, ou como o referem
alguns, descobrimento oficial6.
As duvidas começam a surgir quando procuramos resposta para os aspectos de pormenor.
A eterna questão de quem, como e quando foi descoberto o arquipélago não parece de fácil
solução. Os inúmeros estudos sobre o tema lan aram-nos para um mar de dúvidas e
incertezas. As datas exactas do encontro e início do povoamento, situação que serve as
efemérides e o empenho da sociedade politica, não encontram fácil solução, porque algumas
das mais credíveis fontes coevas divergem neste particular. A isto associa-se a dificuldade em
4
Saudades da Terra, ed. 1873, p. 675-677.
5
Confronte-se Eduardo PEREIRA, Ilhas de Zargo, Vol. II,
Funchal, 1989, pp. 856-865; "A Lenda de Machim" in Congresso
do Mundo PortuguLs, Vol. III, T. I, Lisboa, 1940, pp. 189-207.
6
Durante muito tempo discutiu-se o alcance dos seguintes
conceitos: reconhecimento, descobrimento e achamento. Veja-se
J. VIDAGO, O conceito da palavra descobrimento no sJculo XVI,
separata n 155-156 revista VJrtice; Gago COUTINHO, Nautica dos
descobrimentos, vol. II, Lisboa, 1952; Jaime CORTESmO, "O que
J o descobrimento ?", in Os descobrimentos portugueses, vol.
IV, Lisboa, 1981, pp.909-923; Armando CORTESmO, "Descobrimento
e descobrimentos", in Garcia da Orta, n especial, 1972,
pp.191-200; Joaquim Barradas de CARVALHO, "A prP-hist\ria e a
hist\ria das palavras Descobrir e descobrimento (1055-1567)-
(em busca da especificidade da expansno portuguesa)" in
Hist\ria, n .6, Lisboa, Abril de 1980, 30-38; LuRs de
ALBUQUERQUE, "Algumas reflextes a proposito da palavra
descobrimento", in Islenha, n .1(1987), 7-11.
3
7
As RelaHtes do descobrimento de GuinJ e das ilhas dos
AHores, Madeira e Cabo Verde, sep. do Boletim da Sociedade de
Geografia, 1898-1899.
8
Tenha-se em conta as comemoraHtes do IV centen<rio de
sua morte (1960) que teve reflexos evidentes nesta realidade,
sendo de realHar a colecHno henriquina da responsabilidade de
Costa Brochado. Veja-se Duarte LEITE, Coisas de V<ria Hist\ria,
Lisboa, 1941; Ant\nio Domingues de Sousa COSTA, Infante D.
Hemrique na Expansno Portuguesa, Braga, 1963 A Madeira nno
ficou alheia a isto como se pode verificar pelo
volume do Arquivo Hist\rico de Madeira (XII-1960-61). A este
prop\sito J de realHar os textos publicados por Eduardo
PEREIRA, "Infante Don Henrique e a Geografia Hist\rica das
capitanias de Madeira" in AHM, XII, 21-54; "V Centen<rio
henriquino, Sua projecHno na Hist\ria da Madeira", AHM, XIII,
(1962-63), 42-70; Ernesto GONGALVES, "O infante e a Madeira",
in Portugal e a Ilha,
Funchal, 1992, 19-22.
4
9
Alberto VIEIRA, "O infante Don Henrique e o senhorio de
Lanzarote: implicaHtes polRticas, sociais e econ\micas", in II
Jornadas de hist\ria de Lanzarote e Fuerteventura, Tomo I,
1990, 261-274.
10
Temos notRcia do seu cumprimento nos sJculos XVI e
XVII, recebendo os vig<rios 3000 rs da Provedoria da Fazenda.
Veja-se ANTT, Provedoria da Fazenda do Funchal, n .964, fl.
191v , 193v , 195, 22 de Outubro de 1599, 17 de MarHo e 12 de
Junho de 1600; n .980, fl.363-364v , 15 de Maio de 1650;
5
a estas quatro vers es-base que a Historiografia vai buscar os argumentos para a
defesa das múltiplas teorias que se colocam. Neste contexto merecem a nossa atenção os
20
EdiHno de Jean Fontvieille, "A lenda de MAchim. une
dJcouverte bibliographique B la bibliotheque MusJe du Palais
Ducal de Bragance B Vila ViHosa(Portugal)", in Actas do
Congresso Internacional de Hist\ria dos Descobrimentos, vol.
III, Lisboa, 1961, pp.197-238.
21
Epan<fora Amorosa, Braga, 1975 (ediHno de JosJ MAnuel
de Castro.
22
"DescriHno da ilha da Madeira", in A Madeira vista por
estrangeiros, Funchal, 1981, pp.79-82.
23
Hist\ria da ilha da Madeira, Funchal, 1930 (ediHno
anotada por Fernando Augusto da Silva).
24
"RelaHtes do descobrimento da GuinJ e das ilhas dos
AHores, Madeira e Cabo Verde", in Boletim da Sociedade de
Geografia de Lisboa, 1898-99, pp. 25-28.
7
25
"Nota III. Descobrimento do archipelago da Madeira Por
Zargo e Tristno Vaz", "Nota IV. Descobrimento do archipelago
da Madeira: diversas tradiHtes, lendas e noticias", "Nota V.
Descobrimento da ilha da Madeira por ingleses: caso de Machim
e Anna de Arfet", publicado in Saudades da Terra(...),
Funchal, 1873, pp. 329-339, 340-348, 348-429.
26
Confronte-se Arquivo Hist\rico da Madeira, vol. XII,
1960-61.
27
Pe. Fernando Augusto da SILVA, "Quincentenario do
descobrimento da Madeira", in Elucid<rio Madeirense, vol. III,
pp. 163-168. A prop\sito disto foi feita um publicaHno
comemorativa: V centen<rio do descobrimento da Madeira,
Funchal, 1922.
8
fundamento histórico,
- os que perfilham uma opinião eclética, fazendo coincidir as versões anteriores no
conhecimento da ilha.
Esta tese foi definida pela primeira vez, em 1812, por N. C. Pitta34, a que se seguiu,
em 1869, H. Major35. No entanto, só a partir deste último mereceu a sanha de Álvaro
Rodrigues de Azevedo e Camilo Castelo Branco36, que lançaram uma onda de
descrédito sobre a aventura de Machim. Na actualidade, A. G. Rodrigues37, Pita
Ferreira38 e Armando Cortesão39 retomaram-na procurando apagar o descrédito
vigente. Assim António Gonçalves Rodrigues preocupa-se em comprovar
documentalmente a existência das personalidades envolvidas no relato, através de uma
busca nos arquivos ingleses. Pita Ferreira, por seu turno, procura fundamentar a
veracidade do relato dado por Francisco Alcoforado e os factos que se relacionam com o
achado da cruz, que o testemunha, por Robert Page40. Entretanto Armando Cortesão
contraria a critica dos seus detractores ao referir que as versões da aventura são todas
portuguesas, não sendo razoável a opinião divulgada da sua origem inglesa. Não
obstante, a intenção destes dois últimos não a defesa da descoberta de Machim, mas
sim enquadrar o facto no conhecimento trecentista, ou na tradição remota, conforme
atestam as fontes greco-romanas.
A defesa do descobrimento da ilha por Machim esta subjacente existência e
34
Account of the island of Madeira, Londres, 1812.
35
Vida do Infante D. Henrique, Lisboa, 1876.
36
Sentimentalismo e Hist\ria, Porto, 1897.
37
D. Francisco Manuel de Melo e o descobrimento da
Madeira, Lisboa, 1935, sep. Biblos; "Machim, Machico, Melo e
Madeira", in Biblos, vol. XVI, t.II, pp. 567-571.
38
Notas Para a Hist\ria da ilha da Madeira. Descoberta e
inicio do povoamento, Funchal, 1957; A relaHno de Francisco
Alcoforado, Funchal, 1961(sep.DAHM, n .31); "O caso Machim B
face dos documentos", in Das Artes e Da Hist\ria da Madeira,
n .25-26-27, 1957.
39
"O descobrimento do Porto Santo e da Madeira e o
Infante D. Henrique", Revista da Universidade de Coimbra, vol.
XXIII, 1973, pp.305-317; "A Hist\ria do descobrimento da ilha
da MAdeira por Roberto Machim em fins do sJculo XIV", in
Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXIII, pp. 292-409.
40
Isto valeu-lhe um ataque cerrado do Visconde do Porto
da Cruz(Revista Portuguesa, n .84) e Eduardo Pereira("Adenda",
in Ilhas de Zargo, vol. II, pp. 857-865). A resposta do autor
surgiu em "As notas para a Hist\ria da ilha da Madeira"no
Pelourinho, Funchal, 1959.
10
4. TESE ECL TICA, os que procuram uma opinião de consenso entre as várias
fontes e versões, perfilhando soluções intermédias, ou reforçando a sua dúvida em face
de todas.
Assim, Jordão de Freitas44 e João Franco Machado45 procuram conciliar as fontes
que atestam um conhecimento trecentista com aquelas que apontam apenas para o
século seguinte, concluindo por um processo contínuo de conhecimento ou
reconhecimento e divulgação na Europa. Armando Cortesão e J. A. Betencourt46
defendem a ideia do seu conhecimento desde tempos imemoráveis. No entanto,
concordam, ainda que parcialmente, com as restantes versões, buscando nelas a
informação necessária e esclarecida para a sua fundamentação.
Após esta enunciação das principais opiniões ou versões parece-nos ilógico continuar
a defender a opinião, embora comummente aceite, do seu primeiro conhecimento em 2
de Julho de 1419, por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira. Esta, luz do que
atrás foi dito, carece de fundamento histórico. além disso, a opinião de Gaspar Frutuoso
parece-nos pouco válida, uma vez que o autor relata um facto que não presenciou e que
se passara há mais de 160 anos, recorrendo, por isso, tradição escrita e oral. Por outro
41
"Estudo da RelaHno de Francisco Alcoforado ", "Algo
mais acerca da RelaHno de Francisco Alcoforado ", im Portugal
e a Ilha, Funchal, 1992, pp. 235-255, 257-268.
42
"O texto de Francisco Alcoforado", in Atl>ntico, n .5,
1986, pp. 19-26.
lado, o mesmo autor, que serve de fundamento versão oficial, nos cinco volumes que
dedicou história das ilhas do Atl ntico não apresenta uma certeza do descobrimento
quatrocentista e henriquino, antes fica-se pela compilação do maior número de versões
existentes até a data da sua escrita. E, deste modo, o texto que serviu de base
fundamentação tese oficial poderá ser utilizado na defesa da descoberta de Machim.
Perante informação tão contraditória que credibilidade merece uma tese
fundamentada apenas numa perspectiva? Que razões encontrou a historiografia do
século XIX e princípios do século XX para valorizar a denominada versão oficial? Que
motivos levaram a historiografia a alhear-se das fontes coevas, como Zurara,
Cadamosto, Francisco Alcoforado, Diogo Gomes e Jerónimo Dias Leite ?
2. A "LENDA" DE MACHIM
27, 1957.
51
"Machin and Madeira", in Gloucestershire
Illustrations, Londres, 1861, pp.5-23.
52
"Machen Family, Gloucestershire", in Bristol and
Gloucestershire Arcaelogical Transactions for the year 1943,
pp.96-112.
53
Juan ALVAREZ DELGADO, "El episodio de Juan Machin en
la Madera", in Das Artes e Da Hist\ria da Madeira, vol. VI,
n .31, 1961.
54
Livro de Marinharia, Lisboa, 1903, pp. XXIII-XXIV;
Frei Ayres de S;, Frei GonHalo Velho, Lisboa, 1899, pp. CXVII-
CXXIII
13
mestre de barca em Lisboa, que foi motivo de regozijo para todos os que se
preocupavam em negar a relação deste local com Machim. Este era sem dúvida um
argumento mais plausível que a associação ao topónimo Monchique.
A descoberta recente de dois documentos dos arquivos brit nicos parecem trazer
nova Luz. Em 137355 surge o apelido Macheco atribuído a um patrão de navio de
Portugal que se dirigia para St. Mallo. Mais tarde, uma ordem de expulsão de Henrique
IV datada de 140656 apresenta uma lista de estrangeiros a expulsar da Inglaterra, temos
um Macheco e um Machim. Este último documento adquire import ncia uma vez que
faz associar o Machim ao Macheco e diz-nos que os mesmos teriam sa do de Inglaterra
em 1406. Se a este facto juntarmos o relato de Francisco Alcoforado teremos uma maior
consistência entre a aventura de Machim e o descobrimento de João Gonçalves Zarco
por intermédio da informação do piloto João de Amores. Note-se, que a disparidade de
datas entre ambos os factos um dos argumentos mais seguros na contestação da
relação. Entre este facto e o reconhecimento por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz
mediaram apenas treze anos, enquanto em relação anterior data (1344) passavam
setenta e cinco anos, o que seria impossível a transmissão do relato por meio de
sobreviventes.
Deste modo muito plausível que estes tenham sido os protagonistas da façanha
relatada por Francisco Alcoforado, sendo Macheco, o mestre da embarcação que em
Machico encalhou e que por isso mesmo teria dado o nome ao porto de salvamento.
Tendo em conta a proximidade de datas entre este e o referido em 1416 em Lisboa
muito natural que seja o mesmo ou um familiar seu, que concerteza não esteve alheio a
esta realidade. A forma como o relato foi escrito por Francisco Alcoforado pode ser
justificada pela necessidade de enfabular o feito, de acordo com os c nones da Época,
apresentando-o como resultado de uma aventura amorosa. Esta não uma situação
inédita na tradição literária que testemunhou a revelação do oceano Atl ntico.
A partir daqui poder-se- afirmar, com segurança, a veracidade do relato sem que
isso ponha em causa a prioridade lusíada na sua revelação, pois um dos protagonistas
marinheiro português. Por outro lado o nome dado baía radicar-se-ia, como vimos, a
origem neste Macheco, filho de marinheiros lusos, e não deverá ser entendido como uma
corruptela de Monchique ou Machim. Esta foi uma atitude comum entre os
marinheiros portugueses.
55
Public Record Office, Calendar of close Rolls, ref.
23/59 X/II 7137, pp. 488 a 489.
56
Public Record Office, Parliament.VII & VIII Hen.IV,
ref. RR11/84 83227, pp. 571-572.
14
Uma das questões mais debatidas nos primórdios da História da Madeira prende-se
com o real protagonismo do rei e do infante D. Henrique, no processo de
(re)descobrimento e ocupação das ilhas do arquipélago57.
A leitura das crónicas coevas e quasi-coevas leva-nos a concluir que tudo começou
sob a orientação da coroa. De todos o mais esclarecedor a "relação de Francisco
58
Alcoforado" . De acordo com esta o infante ordenou a João Gonçalves Zarco "fosse
logo a El Rey a Lisboa" e foi o rei quem mandou preparar as embarcações para a
viagem de reconhecimento da ilha59 como, depois, de povoamento60.
O próprio infante D. Henrique testemunha este real protagonismo de seu pai ao
afirmar em 1460 que "Por serviço de El Rey meu senhor e padre de virtuosa memória,
(...) comecei a povoar a minha ilha de Madeira haverá ora XXXb anos, E assim mesmo
a de Porto Santo E dessy prosseguindo a deserta (...)". Todavia esta ideia contrasta com
outra veiculada pelo próprio infante nas cartas de doação das capitanias de Madeira e
Porto Santo. Em 1440, ao conceder a posse da capitania de Machico a Tristão Vaz, ele
declara que este havia sido "um dos primeiros que por seu mandado fora povoar as
ditas ilhas". O mesmo surge quanto ao Porto Santo em 1446 e ao Funchal em 1450.
Neste último caso o infante considera João Gonçalves Zarco como "o primeiro que por
seu mandado povoara a ilha".
Entretanto em 1443 D. Duarte reclamava a sua intervenção referindo as ilhas "que
agora novamente o dito infante per nossa autoridade pobra". Mas, já o rei D. Afonso V,
em 1454, tem outra opinião ao afirmar que "por serviço de Deus e nosso conquistou e
povoou" as ilhas de Madeira e Porto Santo. Esta ideia expressa, mais tarde, pelo
capitão do Funchal, Simão Gonçalves da C mara: "esta ilha era uma horta do senhor
infante e ele pôs e trouxe a semente e plantou estas canas e a deu a toda a ilha sua
própria custa (...)"61.
57
Confronte-se Vitorino Magalhnes GODINHO, Os
descobrimentos Portugueses e a economia mundial, vol. II,
Lisboa, 1982, p.232. AR releva-se a acHno de Jono Afonso, vedor
da Fazenda.
58
. Utilizamos a versno publicada em 1961 por Jean
FONTVIEILLE. Publicada: "A Lenda de Machim (...)" in Actas do
Congresso Internacional de Hist\ria dos Descobrimentos, III,
Lisboa, 1961, 197-238.
59
. "mandoulhe ell Rey fazer prestes hum navjo e hum
barynel..." o regresso ao reino: "levou ellRey muyto prazer do
que tynha Jono Gez feito..."
60
. "no verno syguinte na etrada de Mayo mandou el Rey
fazer prestes trLs navjos (...) e as que ouveses devedor
mandou ell Rey dar os omeziados e comdenados que ouvese polas
cadeas e reynos (..) EllRey cada verno mandava navjos e ferro
e aHo e sementes e gados..."
61
ANTT, C.C., parte I, maHo 27, doc. 22, carta ao rei
15
O infante D. Henrique não se ficou apenas pela Madeira pois manifestou empenho
na conquista de algumas das ilhas das Canárias. Daqui resultou o conflito bélico e
diplomático que perdurou até 1479. A questão não era nova, pois arrastava-se já desde o
século XIV, novos são os protagonistas e os interesses em jogo. Note-se que esta
divergência de opiniões e interesses contagiou os cronistas da Época e repercutiu-se nas
vis es veiculadas pela Historiografia peninsular62. A import ncia do conflito não se
esgota na expressão das ambições dos seus protoganistas, uma vez que se reflecte no
62
Eis os estudos mais importantes: P. MEREA, "Como se
sustentaram os direitos de Portugal sobre as Can<rias", in
Estudos de Hist\ria de Direito, Coimbra, 1923, fols. 137 y
segs.; E. SERRA RAF[LS, "Portugal en las islas Canarias", in
Congresso do Mundo PortuguLs, Vol. III, Lisboa, 1940, p<gs.
211-241; Los portugueses en Can<rias, La Laguna, 1941; Id,
"Lancelloto Malocello en las islas Can<rias", in Congresso
Internacional de Hist\ria dos Descobrimentos, Actas, Vol. III.
Lisboa, 1961, p<gs. 467-478; F. PIREZ EMBID, Los
Descobrimientos en el Atlantico y la rivalidad castelhano-
portuguesa hasta el tratado de Tordesilhas, Sevilha, 1948; V.
MAGALHmES GODINHO, Documentos sobre a expansno portuguesa,
Vol. I, Lisboa, 19, p<gs. 193-206; Ch. VERLINDEN, "Les
dJcouvertes portugaises et la collaboration italienne
d'Alphonse IV", in Congresso Internacional da Hist\ria dos
Descobrimentos. Actas, Vol. III, 1961, p<gs. 593-610; Id,
"Lanzarotto Malocello et la dJcouverte portugaise des
Canaries", in Revue Belge de Phillologie et d'Histoire, Tomo
XXXVI, 1958, ndm. 4; Id., "Henri le navigateur et les Tles
Canaries", in VIII Col\quio de Hist\ria Canario Americana, t.I,
Las Palmas, 1991, pp. 39-51; A. PIREZ VOITEREZ, Problemas
jurRdicos internacionales de la conquista de Canarias, La
Laguna, 1958; P.E. RUSSEL, "El descubrimiento de las Canarias
y el debate medieval acerca de los derechos de los prRncipes y
pueblos paganos", in Revista de Hist\ria Can<ria, Tomo XXXVI,
1978, p<gs. 9-32; Id, "Fontes documentais para a Hist\ria da
expansno portuguesa na GuinJ nos dltimos anos de D. Afonso V",
in Do Tempo e da Hist\ria, IV, 1971, p<gs. 5-33; Id, O Infante
D. Henrique e as ilhas Can<rias. Uma dimensno mal comprendida
da biografia henriquina, Lisboa, 1979.
16
63
"Esbozo de un estudio de la influencia portuguesa en
la cultura internacional canaria", in Homenaje a Elias Serra
R<fols, I, 1970, p<g. 372; idem, Los portugueses en canarias.
portuguesismos, Las Palmas de Gran Canaria, 1991.
64
Veja-se Costa BROCHADO, Histori\grafos dos
Descobrimentos, Lisboa, 1960.
65
Veja-se os trabalhos publicados na Revista de
Hist\ria, da universidade de La Laguna e El Museo Canario.
66
Gomes Eanes de ZURARA, Cr\nica de GuinJ, Porto, 1973,
caps. LXVIII, LXIX, LXXIX,LXXXV, XCV; J.de BARROS, Da Asia,
dJcada primeira, parte primeira, Lisboa, 1973, caps. XI-XIII;
Ruy de PINA, Cronique del rey Dom Joham II, Coimbra, 1950,
p<g. 26; Garcia de RESENDE, Cr\nica de Dom Jono II, Lisboa,
1973, p<g. 45; G. FRUTUOSO, Saudades da Terra, 1 L , Ponta
Delgada, 1966, cap. IX, p<gs. 65-76.
67
Ibid., p<g. 69, O cronista das ilhas dever< referir-se
B letra sicenre devotionis de 2 de Maio de 1421 (Monumenta
Henricina, Vol. III, Lisboa, 1961, ndm. 8, p<gs. 14-17) ou
entno B bula Romani Pontificis de 30 de Abril de 1437 que
revoga a bula Rex Regum de 8 de Setembro de 1436, veja-se
Monumenta Henricina, Vol. VI, 1964, ndm. 21, p<gs. 41-53;
Ibid., Vol. V, v 90, p<gs. 214-216; Ibid., ndm. 97, p<gs. 230-
234. A Monumenta Henricina, 14 Vols., Coimbra, 1960-1973,
17
A disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de outras e do confronto de
objectivos exclusivistas, bem patentes nos reinos peninsulares. A defesa do Mare
Clausum e os problemas sucess ricos das coroas provocaram o afrontamento entre
Portugal e Castela, ao mesmo tempo que catalizaram as atenções da Europa para uma
intervenção directa ou indirecta no conflito. Tudo começou no mundo insular, pois o seu
domínio assegurava a hegemonia e exclusivo das navegações e comércio no Atl ntico.
A intervenção do infante D. Henrique, a partir de finais do primeiro quartel do
século XV, deu um novo rumo querela. Com ele retomou-se a pretensão portuguesa
ao domínio e cristianização das Canárias. O alheamento parcial da coroa castelhana
favoreceu e reforçou a posição henriquina em face da burguesia andaluza. A esta
interessava a posse das Canárias pelo facto de serem um importante mercado de
escravos e materiais corantes e, mesmo, base de apoio para as posteriores incursões no
litoral africano68. O monarca de Castela, grato pela intervenção da família de Las
Casas, decidiu premiar o seu esforço solicitando, em 2 de Maio de 1421, ao papa a
confirmação da posse das ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Gomera e La Palma a
Afonso de Las Casas69.
Perante isto, ao infante D. Henrique restavam apenas duas alternativas: por um
lado a solução diplomática, fazendo valer aos direitos portugueses junto do papado e,
por outro, o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada, no
sentido de ocupar as ilhas ainda não conquistadas. Assim, tivemos as expedições de D.
Fernando de Castro (1424-1440) e de António Gonçalves da C mara (1427). No mbito
diplomático as vitorias foram efémeras. A concessão papal em 1436 do direito de
conquista das ilhas não ocupadas por cristãos durou enquanto não surgiu a reacção
castelhana, isto , menos de um mês70. Todavia D. Duarte, ignorando as alegações
apresentadas pelo bispo de Cartagena ao concílio da Basileia (1435) e a deliberação
71
Ibid., Ix, ndm. 95, p<gs. 121-123.
72
Ibid., IX, ndm. 174, p<gs. 273-275, 9 de MarHo de 1448.
73
Ibid., XI, ndm. 138, p<gs. 172-179, 25 de Maio de 1452;
ibid., ndm. 236, p<gs. 239-245, 10 de Abril de 1454.
74
Ibid., XII, ndm. 144, p<gs. 30-32, 27 de Maio de 1456;
ibid., XIII, ndm. 151, p<gs. 315-316.
75
Ibid., XIV, p<gs. 239-332, nota 2.
76
Ibid., XIV, ndm. 140, p<gs. 322-324; ibid., ndm. 145,
p<gs. 318-333.
77
A. Artur SARMENTO, "Madeira & Can<rias", in Fasquias e
Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.
78
M. H., Vol. XI, 172-179.
19
aproximação dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias
de contacto e comércio. Do nosso lado foi o saque fácil de mão-de-obra escrava para a
safra do a car e o recurso ao cereal e carne, necessários nossa dieta alimentar79.
Pelas Canárias foi o recurso Madeira com porto de abrigo das gentes molestadas com
a conturbada situação que aí se viveu no século XV. Esta corrente emigratória começou
com Maciot de Bettencourt. O sobrinho do conquistador de Lanzarote preferiu o
sossego da vila do Funchal ao governo da sua ilha80. Este foi o primeiro passo de
ramificação atl ntica desta família normanda81. No desterro de Maciott de Bettencourt
acompanharam-no a sua filha Maria e os seus sobrinhos e netos Henrique e Gaspar.
Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do
relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria de
Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gonçalves da C mara, filho-segundo do
capitão do donatário do Funchal.
79
Veja-se L.SIEMENS e L. BARRETO, "Los esclavos
aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in
Anuario de Estudios Atlanticos, ndm. 20, 1974, p<gs. 111-143 e
o nosso estudo "O ComJrcio de cereais das Can<rias para a
Madeira nos sJculos XVI e XVII", in Col\quio de Hist\ria
Can<rio Americana (1984), Las Palmas, 1988.
80
G. FRUTUOSO, Saudades da Terra, L I, Ponta Delgada,
1966, 69; ibid., L IV, Vol. II, Ponta Delgada, 1981, p<g. 263;
J. Dias LEITE, Descobrimento da ilha da Madeira...,
Coimbra,1947, p<g. 32; M. H., Vol. IX, ndm.174, p<gs. 273-275.
81
G. FRUTUOSO, Ob. Cit., L IV, Vol. I, Ponta Delgada,
1977, p<gs. 103-113; F. Augusto da SILVA, "Bettencourt", in
Elucid<rio Madeirense, Vol. I, Funchal, 1984, 138-139; H.
Henriques DE NORONHA, Nobili<rio Geneal\gico das famRlias que
passaram a viver esta ilha da Madeira..., Vol. I, S. Paulo,
1947, 51-74; Nobili<rio de Canarias, Tomo I, La Laguna, 1952,
p<gs. 595-600; L.DE LA ROSA OLIVEIRA, "Los Bettencourt en Las
Canarias y en AmJrica", in A. E. A. ndm. 2, p<gs. 130-135.
20
estamos perante uma porção de terra inabitada cuja paisagem foi humanizada apenas
com a entrada portuguesa83. além disso, a peculiaridade do processo de ocupação
resulta em muito da situação de abandono em que se encontravam as ilhas, o que
permitiu o ensaio de técnicas, produtos e formas de organização do espaço sem
qualquer entrave humano. Os resultados deste ensaio foram de tal modo profícuos que
o exemplo madeirense terá não só um lugar de evidência no contexto da expansão
peninsular, mas surgirá também como ponto de referência ou modelo para as outras
experiências de povoamento que se seguiram.
De acordo com as crónicas quatrocentistas e quinhentistas, o processo, que decorreu
a partir de 1418, foi faseado. Zurara refere quatro expedições ilha antes que o infante
ordenasse o envio dos primeiros colonos e clérigos para o arranque do seu
aproveitamento. A mesma ideia surge na "relação de Francisco Alcoforado". Pe.
Manuel Juvenal Pita Ferreira84 especifica melhor as quatro viagens: Dezembro 141885 e
principio de 1419 ao Porto Santo; Junho de 1419 e Maio de 1420 Madeira. Se
tivermos em consideração as condições técnicas e náuticas das referidas expedições,
teremos de atribuir quatro anos para o reconhecimento cabal da ilha e início da
ocupação efectiva.
A forma de ocupação e valorização económica da Madeira foi ao encontro das
solicitações da conjuntura interna do Reino e do espaço oriental atl ntico. No primeiro
caso, surge como resposta disputa das Canárias e ingente necessidade de encontrar
um ponto de apoio para as operações do litoral africano. Zurara faz disso eco ao referir
que as embarcações portuguesas tinham escala obrigatória na Madeira, onde se
proviam de vitualha as ilhas da Madeira, porque havia aí já abastança de
mantimentos86.
Para os cronistas tudo começou no Verão de 1420. Nesta data o monarca ordenou o
envio de uma expedição comandada por João Gonçalves Zarco para dar início
ocupação da ilha. Acompanhavam-no Tristão Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo,
alguns homiziados que queri o buscar vida e ventura for o muitos, os mais delles do
Algarve87.
De acordo com o capítulo de uma carta régia88, João Gonçalves foi incumbido de
83
Confronte-se o que diz a este prop\sito Carreiro da
COSTA em EsboHo Hist\rico dos AHores, Ponta Delgada, 1978, p.53
84
Notas para a Hist\ria de Madeira. I. Descoberta e
inRcio do povoamento, Funchal, 1957.
85
Note-se que Jordno de FREITAS ( Madeira, Porto Santo e
Deserta. Ilhas que o infante "novamente achou e povoou" , in
C.M.P., Vol. III, T.1, Lisboa, 1940, 169-172). Considera que a
primeira viagem s\ teve lugar em 1419.
86
Cr\nica da GuinJ, cap. XXXII.
87
J. Dias LEITE, ob.cit., 15-16; Gaspar FRUTUOSO,
ob.cit., 53.
88
Esta carta foi pela primeira vez referenciada por
22
1447/Maio/3. Concessão feita por João Gonçalves Zargo a Gil Gonçalves, com
condição de aproveitar em 3 anos91;
1452/Dezembro/2. Concessão pelo mesmo João Gonçalves Zargo a Álvaro
Gonçalves e Briolange Afonso, com condição aproveitar em 5 anos92;
1454/Fevreiro/11. Carta de firmid o das terras que João Gonçalves Zargo tomou
para si, conforme carta de doação93;
1457/Abril/29. Concessão de terras a D. Henrique a Henrique Alemão, por prazo de
5 anos94 com confirmação régia de 18 de Maio;
91
ANTT, Convento de Santa Clara, maHo 1, n 1, publ. J.
M. Silva MARQUES, ob. cit., vol. I, pp. 453-454.
92
Publ. J. M. Silva MARQUES, ob. cit., Vol. I, pp. 453-
454.
93
ANTT, Convento de Santa Clara, maHo 1, n .1, publ.
idem, ibidem, I, pp. 514-515.
94
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 31v , publicado idem,
ibidem, pp. 541-543.
96
Sobre a presenHa e import>ncia das gentes da casa do
infante veja-se Jono Silva de SOUSA, "A casa do infante D.
Henrique e o arquipJlago de Madeira (algumas notas para o seu
estudo)", in Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira,
Vol. I, Funchal, 1989, 108-127.
97
Saudades da Terra, 217-218.
98
Confronte-se Jer\nimo Dias LEITE, ob.cit., p.16.
25
começado a partir do fim do último quartel do século XV. Os seis anos que medeiam
entre esta data e o seu reconhecimento não deverão ser encarados como de total
alheamento, pois o processo não parou.
28
Foi desta forma que o capitão do Funchal em 1511107, em carta dirigida ao rei
definiu o período de governo do infante D. Henrique. Na verdade, assim aconteceu. O
infante, desde 1433, assumiu de pleno direito a posse das ilhas: procedeu distribuição
das terras pelos apaniguados que estiveram empenhados no reconhecimento delas;
estabeleceu os regimentos para o governo das capitanias; definiu os seus direitos e
usufrutos; ordenou o lançamento de sementes - cereais - e o transplante de videiras e
socas de cana. Em pouco tempo a ilha da Madeira transformou-se numa horta que, de
direito, pertencia ao senhor infante. Para aí foi estabelecida uma estrutura institucional
adequada, tendo como ponto de partida o Infante e as prerrogativas estabelecidas pela
coroa em 1433.
1. As capitanias
1. jurisdição cível e crime, limitada: "com sua jurdi om cível e crime salvo em
sentença de morte ou talhamento de membro...".
2. Usufruto de rendas e direitos: "com todollos djreitos e rendas dellas assy como as
nos de djreito avemos e devemos aver".
3. Capacidade de livre intervenção na valorização do espaço: "outrossy lhe damos
poder que elle possa mandar fazer das dictas jlhas todollos proveitos e bemfectorias
aquellas que entender por bem e proveito das dictas jlhas".
4. distribuição de terras pelos seus criados e demais povoadores: "E dar já perpetuo
ou a tempo ou aforar todas as dictas terras a quem lhe aprouver".
107
ANTT, C.C., I, MaHo 27 - n 52, 25 Junho.
108
ANTT, Chancelaria D. Duarte, L I, fl. 18, publ. J. M.
Silva MARQUES, Descobrimentos Portugueses, Vol. I, Lisboa,
1988, 271-272.
109
ANTT, Provedoria da Fazenda do Funchal, n 1150, fl.
101, publ. J. M. Silva MARQUES, ob. cit., supl. Vol. I, pp.
29
1. A doação vitalícia: "e aia de nos em todollos dias de sua vjda as nossas ilhas".
2. justiça: "com sua jurdi om civil e crime salvo em sentença de morte ou
talhamento de membro mandamos que a alçada fique a nos E venha aa casa do cível de
Lixboa".
3. Respeito pelas normas já estabelecidas: "sem perjujzo da forma do foro per nos
dado nas dictas jlhas em parte nem em todo...".
4. Direito cunhar moeda: "E Reservamos pera nos que o dicto jffante nom possa
mandar fazer em ellas moeda mas praz nos que a nossa se corra nella".
Na mesma data a coroa, concedeu todo o espiritual das ilhas ordem de Cristo.
Esta doação feita a pedido do infante: "E por o jffante dom anrrique meu jrm o
regedor e governador de dicta ordem que no llo Requereo". No entanto, a coroa reserva
para si "o foro e o dizimo de todo o pescado que se nas dictas jlhas matar".
A validade deste diploma correspondia ao tempo de governo do monarca. Após a
sua morte, tudo requeria a confirmação do novo rei. E, foi na realidade isso que sucedeu
em 1 de Junho de 1439110, e 11 de Março de 1449111, tendo D. Afonso confirmado a
anterior doação.
Tal como estava preceituado na primeira doação de 1433 o infante D. Henrique
tinha poder de proceder divisão das terras das ilhas e distribui-las como entendesse,
estando apenas limitado quanto aos direitos adquiridos resultantes da intervenção da
coroa. o caso de João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, os primeiros obreiros do
reconhecimento das ilhas. Eles recebem o encargo de, em nome do infante,
coordenarem as tarefas de povoamento dos novos espaços. São os capit es em
representação do donatário, por isso, ficaram conhecidos como capit es do donatário.
O documento que o estabelece juridicamente não surge em simult neo para as três
reas, pois entre eles existe alguns anos de diferença. Primeiro recebeu Tristão Vaz em
8 de Maio de 1440112 o "carrego" das terras entre o caniço e a Ponta de Tristão que
ficou conhecida como a capitania de Machico. Este diploma uma peça fundamental,
uma vez que nele se estabelecem os mecanismos de intervenção dos interessados e
preludia uma nova estrutura de mando. Assim Tristão Vaz exercia o governo em nome
do infante - "que elle a mantenha por mym em justiça e em direiro" - de acordo com as
seguintes condições:
109-110.
110
ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 19, fl. 19v ,
publ. por Monumenta Henricina, VI (1964), pp. 316-317.
111
ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 37, fl. 52v ,
publ. ob. cit., Vol. X (1969), p. 34.
112
ANTT, Chancelaria D. Jono III, 1055, fl. 184, publ. J.
M. Silva MARQUES, ob.cit., Vol.I, pp. 403-404.
30
1. doação hereditária de acordo com lei Mental: "E morremdo elle a mym praz que
o seu filho primeiro ou ho segundo se tall for que tenha este emcarrego pella guisa suso
dita E assy de descemdemte em des emte per linha direita..."
2. administração da justiça, de acordo com os poderes a ele consignados e os foros do
infante: "item me praz que elles tenham em esta sobredita terra e jurdi am por mym e
em meu nome do vell e crime rresalvando morte ou talhamento de membro que a
apella am venha pera mym (...) a mym praz que os meus mandados e correi am seiam
hi compridos como em cousa minha propria".
3. privilégios de fruição própria:
1. Monopólio dos moinhos, excepto nos braçais: " o dito Tristam aja pere si
todolos moynhos que ouverem em a parte desta ilha... E em esto sse nom emtemdo mo o
de brasão que o faço quem quiser nom moendo a outrem... na dita Ribeyra do caniço
elle faça os moynhos que lhe prouver".
2. Monopólio de fornos de poia, excepto fornalha para uso próprio: "Item ma praz
que todollos fornos de pam em que ouver poya seiam seus. E porem nom embargue
quem quiser fazer fornalha pera sseu pam que a faça e nom pera outro nehuu".
3. Exclusivo condicionado da venda de sal: "Item me praz que teemdo elle sall
pera vemder que o nam possa vemder outrem (...). E quando o nom tever que o vendam
os das ilhas aa sua vomtade ataa que o elle venha".
4. Redizima de todas as rendas havidas pelo infante: "outrossy me praz qo de todo
o que eu ouver de renda da dita parte da jlha elle aja de dez huu".
5. Poder de distribuir e retirar terras, sem embargo do o infante o fazer: "item me
praz que elle possa dar per suas cartas a terra desta parte fora pollo forall da jlha a
quem lhe prouver com tall condi am que aquelle a que der dita terra a aproveite ataa
cinquo aunos. E nom a aproveitamdo que a possa dar a outrem(...). E esto nom
embargue a mym que me ouver terra por aproveitar que nom seia dada que eu a possa
dar a quem minha mercee for".
As duas cartas posteriores, que legitimam a posse das capitanias do Porto Santo e
Funchal, seguem de perto esta, acrescentando alguns pormenores, que aqui não
mereceram qualquer referência. Assim, na de 1 de Novembro de 1446113, em que o rei
concedia a posse de ilha do Porto Santo a Bartolomeu Perestrello, acrescenta algumas
regalias mais:
1. Direitos sobre serras de gua e outros engenhos: "item me praz que aje de
todallas serras de gua que hi fizerem de cada hua hum marco de prate em cada hum
anno (...) e esto aje tambem (...) de quallquer enjenho que se hi fezer (...)"
2. Possibilidade de venda das terras de sesmarias: "me praz que os dictos vezinhos
posam vender suas herdades aproveitadas a quem lhe prouver..."
3. Usufruto comum do gado bravio, excepto o pastorado: " os gaados bravos posam
matar os da hilha sem aver hi outra defesa. Resalvando o gaado que amde nos hilheos
ou outro algum lugar arrado..."
A última carta a ser concedida foi a João Gonçalves Zarco, a 1 de Novembro de
1450. Ela segue de perto as duas anteriores, surgindo já com os acrescentos supra
113
ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, l .33, fl. 85, publ.
J. M. Silva MARQUES, ob.cit., Vol. I, pp. 449-450.
31
referidos. Todavia, foi a primeira a merecer a confirmação régia, que teve lugar a 25 de
Novembro do mesmo ano114. Aqui o Rei confirma a doação que passa a perpetua, a
pedido do infante, mas estabelece uma emenda: "E que honde diz na carta do dicto tyo
qe a apella om de morte ou talhamento de membro venha perante elle, queremos que
venham perante nos segundo he contheudo na carta del Rey meu senhor e padre susso
estprita...". As demais doações para Machico e Porto Santo também mereceram a
confirmação da coroa, mas só se conhece a de Machico de 18 de Janeiro de 1452115, que
tem o mesmo teor da do Funchal, apenas não refere a usurpação de alçada cuja
legalidade havia sido já reposta.
No decurso do governo henriquino apenas se colocou o problema da sucessão na
capitania de Porto Santo. Bartolomeu Perestrelo terá morrido em 1457, deixando em
aberto a sucessão, uma vez que o filho varão, Bartolomeu Perestelo, era menor de 7 anos
sem capacidade para assumir ainda o governo da capitania. Entretanto a sua mãe Isabel
Moniz, optou pela venda ao genro, Pedro Correia da Cunha, capit da ilha Graciosa.
Esta operação foi confirmada pelo infante D. Henrique em 17 de Maio de 1458116.
Todavia, na maioridade do referido Bartolomeu Perestrelo, a seu pedido, a coroa
considerou nula a referida venda, já confirmada pelo infante D. Henrique117.
OS REGIMENTOS
114
ANTT, Chancelaria D. Afonso V, l .37, fl. 52v ,publ.J.
M. Silva MARQUES, ob. cit., Vol. I, pp. 488-489.
115
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 21, publ. J. M. Silva
MARQUES, ob. cit, pp. 490-491.
116
Ibidem, fls. 28-29, publ. por J. M. Silva MARQUES, ob.
cit., pp. 547-549; com confirmaHno rJgia de 17 de Agosto de
1459, publicada in Archivo dos AHores, II, pp. 11-14.
117
Conforme confirmaHno rJgia de 15 de MarHo de 1473,
ANTT, Livro das ilhas, fl.93v . Confronte-se Gaspar FRUTUOSO,
Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.
66.
118
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 146v , publ. Saudades da
Terra, 1873, p. 494.
32
119
RGCMF, T. I, fls. 204-209, publ. in AHM, Vol. XV, pp.
11-20.
120
Ob. cit., p. 26
121
PrivilJgio de isenHno da dizima e portagens nas
mercadorias enviadas ao reino: ANTT, Chancelaria de D. Afonso
V, l . 19, fl.17v , carta de 1 de Junho de 1439, publ., J. M.
S. MARQUES, ob.cit., vol.I, Lisboa, 1988, pp.400; ANTT,
Chancelaria de D.Afonso V, l .25, fl. 13v , carta de 18 de
julho de 1449, publ. in idem, ibidem, pp.439-440.
33
apontamentos122.
Os poderes discricionários e os privilégios dos capit es sofreram uma grande
machadada mercê da aplicação plena da jurisdição estabelecida nas doações de que se
faz uma p blica-forma de modo que não possa "entender aalem delle em poer outros
foros e a costumes". Ao mesmo tempo estabeleceu-se a necessária vinculação da
jurisdição do capitão s directivas régias e da estrutura municipal, conjugadas com o
reforço da intervenção do almoxarifado. O avanço mais significativo dado com o
município, que se liberta do controlo e intervenção discricionária do capitão, passando
os seus oficiais a serem eleitos entre os homens-bons que fazem parte do rol aprovado
pelo senhorio. Esta autonomia expressa ainda na concessão do selo e da bandeira.
No aspecto económico, os referidos apontamentos anotam a necessidade de adequar
a org nica administrativa ao nível do desenvolvimento económico da ilha. Primeiro
procura-se estabelecer uma adequada repartição das guas, tão necessárias faina
açucareira, depois, o apoio indispensável aos assalariados e pequenos proprietários. No
domínio comercial, a intervenção fernandina pautar-se- por uma abertura da ilha aos
agentes de comércio nacionais e estrangeiros, que motiva a sua discord ncia em favor
da pretensão dos madeirenses para a expulsão dos judeus e genoveses.
Era chegado o momento de mudança, pois havia-se ultrapassado o estado zero de
desenvolvimento e a ilha só poderia avançar com estas mudanças. A sociedade
complexifica-se e requer regulamentos adequados a todas as solicitações do quotidiano.
Foi esta a principal tarefa do infante D. Fernando, que teve continuidade nos seus
sucessores. O Infante D. Henrique havia lançado a semente, cabendo ao seu herdeiro
faz -la medrar e colher o fruto.
2.IGREJA.
132
"Notas", Saudades da Terra, Funchal, 1873, pp.534-566.
133
SubsRdios para a Hist\ria da Diocese do Funchal,
pp.22-35.
134
EM 1466 continua a referir-se s\ um vig<rio (RGCMF, I,
fls. 216-219v , publ. AHM, XV, pp. 36-40).
37
135
Propositadamente ignoramos a controvJrsia em torno da
posse do senhorio das Can<rias, remetendo o seu conhecimento
para: Jose PERAZA DE AYALA, La sucessi\n del senorio de
Canarias (...) , in Historia General de las islas Canarias,
II, Las Palmas, 1977, 133-166; Miguel A. LADERO QUESADA, Los
senores de Canarias en su contexto Sevillano (1403-1477) , in
Anuario de Estudios Atl>nticos, n 23, 1977, 125-164; Acuerdos
del cabildo de Fuerteventura 1605-1659, Santa Cruz de
tenerife, 1970, 11-15.
136
Esta doaHno enquadra-se no tipo de senhorio existente
em Portugal que fora regulamentado pelas OrdenaHtes Afonsinas e
Lei Mental, veja-se: Ant\nio Manuel HESPANHA, Hist\ria das
InstituiHtes..., Coimbra, 1983, 282-301, 325; Fernando Jasmins
PEREIRA, A Ilha da Madeira no perRodo henriquino (1433-1460),
Lisboa, 1961.
40
137
LuRs Filipe R. THOMAS, Estruturas quasi-feudais na
expansno portuguesa , in Col\quio Internacional de Hist\ria da
Madeira,, vol. I, Funchal, 1986, pp.80-87; Ant\nio MURO
OREGON, Edad Media en Canarias y America , in I Col\quio de
Historia Canario-Americana (1976), Las Palmas, 1977, 43-64;
Alfonso GARCIA-GALLO, Los sistemas de colonizaci\n de Canarias
y AmJrica en los siglos XV y XVI in ibidem, 423-442.
41
138
Le canarien, La Laguna, 1960, 320-323;J. VIERA Y
CLAVIJO, Historia de Canarias, I, 342.
139
Ibidem, 310.
140
Charles MARTIAL DE WITTE, Les bulles pontificales et
l'expansion portugaise au XV eme SiPcle, Louvain, 1958, Les
bulles d'erection de la province eclesi<stique du Funchal , in
Arquivo Hist\rico da Madeira, XIII, 1962-63; Ant\nio BRASIO, O
Padroado da Ordem de Cristo na Madeira , in Arquivo Hist\rico
da Madeira, XII, 1960-61.
141
Joseph de VIERA Y CLAVIJO, Historia de Canarias, II,
1952, 476 e segs.
42
142
Livro Segundo das Saudades da Terra, P.D., 1979, p.
93.
143
Cr\nica de GuinJ, Porto, 1973, p. 347.
144
Ob. cit., p. 94 e 97.
145
Ob. cit., p. 347.
146
Ob. cit., p. 113.
43
147
Confronte-se O manuscrito de Valentim Fernandes,
Lisboa, 1940, 111-112.
148
Ob. cit., p. 20.
150
Confronte-se Ant\nio ARAGmO, A Madeira vista por
estrangeiros, Funchal, 1981, nota 4, pp. 42-45.
151
Diz Cadamosto: "J uma goma, que eles estilam em certo
tempo do ano, e se colhe por esta maneira: fazem alguns golpes
de cutelo no pJ da <rvore, e no auno seguinte em certo tempo,
as ditas cortaduras estilam a goma que cozem, e purificam e
assim se faz o sangue".
44
doa o das terras na Madalena a Henrique Alem o: "com condi o que das ditas
terras e lugar n o pague sen o o diz mo de tudo o que seus der em ele, salvando paus
de teixo, vino, canas e quaisquer tintas que houver e gomas, que tudo seja para mim"152.
Contra isto reclamaram em 1461 os moradores do Funchal ao infante D. Fernando no
que n o tiveram qualquer apoio. Tamb m nas cartas de doa o das capitanias
refere-se a esta importante industria. Assim aqueles que construissem serras de gua153
deveriam entregar ao capit o "um marco de prata em cada um ano ou seu certo valor
ou duas t buas cada semana das que costumarem serrar", enquanto ao infante era
devido "o diz mo de todas as ditas serras segundo pagam das outras coisas o que
serrar as ditas serras". Acresce que nos cap tulos do regimento atribu do a D. Jo o I
valoriza-se esta actividade ligada ao aproveitamento das madeiras. A s o referidos os
"de menos, que vivam do seu trabalho e de cortar de talhar madeiras...".
Outra importante fonte de riqueza ter sido o aproveitamento das ilhas para a
cria o de gado. N o obstante, alguns cronistas referirem a exist ncia de gado
selvagem no Porto Santo, onde os castelhanos faziam carnagem154, o certo que nas
ilhas n o se encontrava qualquer esp cie animal ind gena com utilidade para o
homem. por isso que aqui, a exemplo do que vir a suceder nos A ores, o processo
de povoamento inicia-se com o lan amento de gado trazido do reino155. Isto era uma
forma, n o s de testar a capacidade de sobreviv ncia dos seres vivos, mas tamb m
de assegurar um primeiro suplemento alimentar aos primeiros colonos156. Daqui
resultou que a cria o de gado se transformou numa das primeiras e principais
riquezas. Assim o testemunha, em meados do s culo XV, Cadamosto. Quanto ao Porto
Santo ele refere que " abundante de carne de vaca, porcos selvagens e infinitos
coelhos", enquanto a Madeira "abundante em carnes".
Esta reserva de pastos servia n o s para alimenta o dos primeiros habitantes
da ilha, mas tamb m para o abastecimento das embarca es que demandavam a
152
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 31v .
costa africana que, desde 1455, segundo nos informa Zurara, tinham aqui escala
obrigat ria na ilha.
mandou vir da Sic lia. Neste caso os testemunhos s o claros158, sendo de referir
Cadamosto: "E por ser banhada por muitas guas, o dito senhor mandou p r nesta
ilha muitas canas de a car, que deram muito boa prova"159. Isto documentado,
mais tarde em 1511, por Sim o Gon alves da C mara: que vendo a calidade da terra
desta ilha e a teper a della pareceo-lhe q sse podia ddar a uqres e sabendo ha aspeza
da trra e hos grandes trabalhos q os primeiros pouoradores tinh em ha romperem
detriminou como mt vrtuoso ajudar a seus lauradores e t bee pllo proueito q lhe disso
seguya de m dar trazer a planta das canas a esta trra e ordenou e qis q pondo elle a
dita pranta em cada hum ano e os lauradores poese ho esmoutar e tirar e laurar e
prantar160.
A primeira planta o teve lugar no Funchal, num terreno do infante, conhecido
como o campo do duque. Daqui os canaviais foram levados para Machico, onde se
fabricou o primeiro a car - 13 arrobas -, que foi vendido a cinco cruzados a
161
arroba .
Sabe-se que o infante permitiu aos povoadores a constru o de engenhos para a
labora o do a car sujeitando-se ao pagamento de 1/3 da produ o. Destes apenas
temos not cia do constru do por Diogo Teive, conforme autoriza o escrita do
162
pr prio infante de 1452 . Daqui se infere da exist ncia de um lagar propriedade do
senhor infante. Por isso o fabrico do a car fazia-se em exclusivo neste lagar j
existente e no novo engenho de gua, pois "que eu n o d lugar a ningu m que possa
fazer outro semelhante e n o se podendo todo fazer que eu d lugar a quem me
prouver que fa a outro". Do primeiro a car come ou a fazer-se exporta o. Assim
Cadamosto d conta da promissora produ o: "... e fabricaram-se a cares pela
quantidade de quatrocentos c ntaros, tanto na primeira cozedura, como da mistura e
pelo que posso perceber, far-se- com o tempo maior quantidade (...). Fazem-se ali
tamb m muitos doces cobertos com suma perfei o". Para Diogo Gomes os da ilha
"fabricam a car em tal quantidade que exportado para as regi es orientais e
ocidentais".
158
Confronte-se J. Dias LEITE, ob. cit.; Gaspar FRUTUOSO,
ob. cit., p. 146.
159
Ob. cit., p. 37.
160
ANTT, C.C., 1 parte, maHo. 27, doc. 22.
161
J. Dias LEITE, ob. cit., p. 102; Gaspar FRUTUOSO, ob.
cit., pp. 146.
162
RGCMF, T. I, fls. 132-132v , publ. AHM, Vol. XV, pp.
7/8.
47
Este per odo que abrange o governo do infante D. Henrique foi definido como o do
ciclo do trigo. Isto , durante mais de quarenta anos a economia madeirense ter-se-ia
orientado apenas para a aposta na cultura e com rcio do trigo, que, por sua vez,
entendido como um dos principais m beis para a conquista de Ceuta e ocupa o dos
arquip lagos163. O que atr s ficou dito prova precisamente o contrario164.
Tudo isto come ou em 1949, quando Fernand Braudel argumentou que o processo
econ mico das ilhas articulou-se de acordo com o regime produtivo de monocultura165.
Ainda, neste ano Orlando Ribeiro esclarecia, que no caso da Madeira n o poss vel
encontrar rastros de monocultura no regime de explora o agr cola madeirense166. A
mesma opini o tamb m nas Can rias, onde, volvidos vinte anos, Elias Serra Rafols
respondia a Francisco Morales Lezcano, enunciando que nunca existiu um regime de
monocultura, uma vez que a economia can ria foi dominada por uma variedade de
culturas, cuja actua o n o uniforme no tempo e no espa o167. Mais tarde,
163
Confronte-se Vitorino Magalhnes GODINHO, Documentos
sobre a expansno portuguesa, vol. III, Lisboa, 1943; idem,
Hist\ria Econ\mica e social da Expansno Portuguesa, Lisboa,
1947; idem, A expansno quatrocentista portuguesa.Problemas das
origens e da linha de evoluHno, Lisboa, 1944; idem, "Le
problPme du pain das l'Jconomie portugaise. XVe- xVIe siPcle",
in Revista de Economia, vol. XII, 1959, n .47, pp. 87-113;
idem, Os descobrimentos e a economia mundial, vol. III, p.
223-231; Oliveira MARQUES, IntroduHno B Hist\ria da Agricultura
em Portugal, Lisboa, 1978, pp.251-254. Mais recentemente
Fernando Jasmins PEREIRA (Estudos Sobre Hist\ria da Madeira,
p. 64) afirmou que "a cultura cerealRfera constitui a
verdadeira base da colonizaHno madeirense".
164
Confronte-se Joel SERRmO, Temas Hist\ricos
Madeirenses, pp.17-20 e 53-75.
165
Le MJditerranJe et le Monde MJditerranJen(...), ed. de
1949, 123.
166
L'Tle de MadPre (...), Lisboa, 1949, 67.
167
"El gofio nuestro de cada dia", in Estudios Canarios,
XIV-XV1969-1970, 97-99; corroborado por M. A. LADERO QUESADA
(Espana en 1492, Madrid, 1978, 205-218), Eduardo AZNAR VALLEJO
(La integraci\n de las islas Canarias en la corona da
castilla, La laguna, 1983, 455) e Fernando CLAVIJO HERNANDEZ
"Los documentos de fletamentos (...)", in IV C.H.C.A., vol. I,
36. A tese de Victor MORALES LEZACANO baseada em F. Braudel
48
173
Caps. LXVIII, LXX, LXXV, LXXXVII. O mesmo poder< ser
comprovado na biografia que Gaspar Frutuoso faz dos capitnes
do Funchal e Machico.
174
Gaspar FRUTUOSO, Livro Segundo das Saudades da Terra,
Ponta Delgada, 1968; A. SARMENTO, A Madeira e as praHas de
;frica, Funchal, 1932; Jono JosJ Abreu de SOUSA, EmigraHno nos
sJculos XV a XVII , in Atl>ntico, n 1, Funchal, 1985, 46-52.
175
Cap. LXX.
176
Veja-se a resenha de feitos em Alberto Artur SARMENTO,
A MAdeira e as praHas de ;frica, Funchal, 1932; Jono JosJ de
Abreu e SOUSA, "EmigraHno madeirense nos sJculos XV a XVII", in
Atl=ntico, n .1, Funchal, 1985, pp. 46-52.
177
Sobre esta figura veja-se o que diz Ernesto GONGALVES,
Portugal e a ilha, Funchal, 1992, pp.85-118.
51
178
Confronte-se Jono JosJ Abreu de SOUSA, "EmigraHno
madeirense nos sJculos XV a XVII", in Atl>ntico, n .1, Funchal,
1985, pp. 46-52.
52
179
David F. GOUVEIA, "A manufactura aHucareira
madeirense[1420-1550]", in Atl>ntico, n . 10, Funchal, 1987,
p.131.
180
Hist\ria da ColonizaHno Portuguesa do Brasil, vol.
III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de
aHdcar"in Sacharum, n .3, Sno Paulo, 1978, pp. 5-12.
181
Aventura e Rotina, 2 ed., pp 440-446, 448-449
53
182
"Madeira and the beginings of New World sugar cane
cultivation and plantation slavery: a study in constitution
building", in Vera RUBIN e Artur TUNDEN(eds.), Comparative
perspectives on slavery in New World Plantation Societies, N.
York, 1977.
183
"PrJcJdents et paralPlles europeJns de l'esclavage
colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949; "Les origines
coloniales de la civilization atlantique. antJcJdents et types
de structure", in Journal of World History, 1953, pp. 378-398;
PrJcJdents mJdiJvaux de la colonie emn AmJrique, MJxico, 1954;
Les origines de la civilization atlantique, NLuchatel, 1966.
184
Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en
Andalucia...", in Studia, n .47, Lisboa, 1989, pp.165-166;
Alberto VIEIRA, Os escravos no arquipJlago da Madeira. sJculos
XV a XVII, Funchal, 1991.
54
1
Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en
Andalucia...", in Studia, n .47, Lisboa, 1989, pp.165-166;
Alberto VIEIRA, Os escravos no arquipJlago da Madeira. sJculos
XV a XVII, Funchal, 1991.
55
4. Altar da Capela de S. Paulo. Mandada construir por Jo o Gon alves Zarco cerca
1426.