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Os documentos, para este período de cerca de 40 anos, são poucos e os que existem em
quase nada satisfazem a curiosidade do investigador e publico interessado. Sem duvida,
aquele que se nos apresenta mais importante pela informação que contem, suplanta o seu
mbito cronológico. a resposta do infante D. Fernando s reclamações dos moradores
feitas por dois procuradores idos da ilha1. As soluções e respostas aos pedidos permitem
rastrear a situação vivida no tempo de governo do infante D. Henrique.
parte a documentação diplomática, existe um conjunto variado de fontes narrativas que
abordam estes primeiros anos de ocupação do arquipélago. Aqui, a principal dificuldade
encontrar uma versão consensual para as diversas dúvidas que nos assaltam. E,
lamentavelmente, a historiografia tem-se dedicado mais a descobrir as diferenças do que as
suas semelhanças.
Por tudo isto, a História dos primeiros quarenta anos de ocupação do arquipélago, faz-se
mais pelas dúvidas do que pelas certezas. A cada historiador ou erudito, que se debruça sobre
a Época, corresponde uma nova e, por vezes, original versão. A mais recente, a de José
Hermano Saraiva2. Por isso, porque não nossa intenção entrar nesta lista, decidimo-nos por
outro caminho, assim a nossa atenção será centrada na exposição nas dúvidas e certezas,
reservando-se espaço separado para o debate dos temas polémicos e que permitem várias
leituras. A intenção tão só colocar o leitor perante um conjunto variado de informações que
lhe possibilitem a sua leitura.
Mesmo assim possível retirar deste conjunto de dúvidas e certezas uma opinião
un nime sobre o que ter o sido os primeiros anos de ocupação e valorização económica das
ilhas. Aqui a presença do Infante D. Henrique foi fundamental. A duvida principal levanta-se
quanto ao período de duração da mesma. Acresce, ainda, que o conhecimento aprofundado de
tudo o que se passou no arquipélago da Madeira fundamental para a compreensão do
fenómeno daí decorrente. A Madeira, para além de ter sido a primeira terra portuguesa do
Novo Mundo Atl ntico, foi, por isso mesmo, modelo para todas as iniciativas levadas a cabo
em novas reas de ocupação.

2. "...E NOVAMENTE ACHEI"

Foi desta forma que o infante D. Henrique reclamou em 8 de Setembro de 14603 o


descobrimento das ilhas do arquipélago da Madeira. Novamente aqui interpretado por
todos como pela primeira vez, o que quererá significar que antes não haviam sido
encontradas ou se o foram delas não ficara rastro na memória colectiva. Esta afirmação
contraria a tradição histórica que testemunha o seu conhecimento desde meados do século
XIV. também, contradiz os textos coevos que apontam uma diversidade de versões para o seu
encontro em Época muito anterior ao infante. Sendo assim como interpretar semelhante

1
RGCMF, t. I, fl. 203-211, publ. AHM, XV (1972), 11-20.
2
Temas de hist\ria de Portugal. espaHo PortuguLs, Vol.
II, Lisboa, 1989, 109-123.

I de notar a forma como tudo surge na "RelaHno de


3

Francisco Alcoforado". O autor, depois de referir o


descobrimento de Machim, refere que el-Rei ordenou a Jono
GonHalves Zarco que "fose descobrir aquella terra".
2

intencionalidade? Para muitos ela prende-se com a disputa em torno das Canárias e da
necessidade de preservar a sua posse quando aquelas estavam irremediavelmente perdidas.
Aqui, fez-se valer o "praescritio longissimo temporis" do direito romano e, por isso mesmo,
havia que argumentar a prioridade lusíada. Da resulta uma relação directa entre os dois
arquipélagos, nos começos da expansão atl ntica.
D. João II, em 14934, peremptório na reclamação dos direitos de posse pelos
portugueses da ilha de Madeira, "porquanto essa ylha não foy de nossos antepassados nem
della teveram dereyto algum ou domínio ante de ser descoberta y ocupada pello sennor rey
noso bisavou...". idêntica ideia surge em alguns cronistas, como Jerónimo Dias Leite.
Esta mesma argumentação foi aduzida no debate em torno do descobrimento da ilha por
Roberto Machim, no século XIV. Para alguns, foram os ingleses que criaram a "lenda" no
século XVII para mais facilmente conseguiram a sua posse, como se vinha reclamando no
dote de infanta D. Catarina5.
Para além desta polémica que envolveu o descobrimento da Madeira por Machim, há a
considerar todo o debate sobre o descobrimento das ilhas, encetado a partir da segunda
metade do século XIX. Desde então até hoje a controvérsia manteve-se, alimentada num
número inaudito de publicações. Não há consenso possível, mas, hoje, parece ganhar corpo a
ideia de que o descobrimento das ilhas teve lugar em Época anterior sendo a acção dos
navegadores portugueses do século XV entendida como reconhecimento, ou como o referem
alguns, descobrimento oficial6.
As duvidas começam a surgir quando procuramos resposta para os aspectos de pormenor.
A eterna questão de quem, como e quando foi descoberto o arquipélago não parece de fácil
solução. Os inúmeros estudos sobre o tema lan aram-nos para um mar de dúvidas e
incertezas. As datas exactas do encontro e início do povoamento, situação que serve as
efemérides e o empenho da sociedade politica, não encontram fácil solução, porque algumas
das mais credíveis fontes coevas divergem neste particular. A isto associa-se a dificuldade em

4
Saudades da Terra, ed. 1873, p. 675-677.
5
Confronte-se Eduardo PEREIRA, Ilhas de Zargo, Vol. II,
Funchal, 1989, pp. 856-865; "A Lenda de Machim" in Congresso
do Mundo PortuguLs, Vol. III, T. I, Lisboa, 1940, pp. 189-207.
6
Durante muito tempo discutiu-se o alcance dos seguintes
conceitos: reconhecimento, descobrimento e achamento. Veja-se
J. VIDAGO, O conceito da palavra descobrimento no sJculo XVI,
separata n 155-156 revista VJrtice; Gago COUTINHO, Nautica dos
descobrimentos, vol. II, Lisboa, 1952; Jaime CORTESmO, "O que
J o descobrimento ?", in Os descobrimentos portugueses, vol.
IV, Lisboa, 1981, pp.909-923; Armando CORTESmO, "Descobrimento
e descobrimentos", in Garcia da Orta, n especial, 1972,
pp.191-200; Joaquim Barradas de CARVALHO, "A prP-hist\ria e a
hist\ria das palavras Descobrir e descobrimento (1055-1567)-
(em busca da especificidade da expansno portuguesa)" in
Hist\ria, n .6, Lisboa, Abril de 1980, 30-38; LuRs de
ALBUQUERQUE, "Algumas reflextes a proposito da palavra
descobrimento", in Islenha, n .1(1987), 7-11.
3

identificar os verdadeiros protagonistas: quem ordenou as expedições quatrocentistas e quem


as realizou? A tradição, que filia a ideia do encontro quatrocentista, releva o real
protagonismo dos homens da casa do infante D. Henrique (João Gonçalves Zarco aliado de
Tristão Vaz), que como quem diz do próprio infante. De parte ficam Roberto Machim, os
anónimos castelhanos e o incógnito navegador, Afonso Fernandes, referido apenas por Diogo
Gomes7.
Todavia, para o tema que nos motiva, o mais importante saber quem ordenou e
financiou tais expedições que levaram ao reconhecimento e ocupação da Madeira: o infante
D. Henrique ou o rei D. João I?
Esta duvida liga-se como outra global sobre o real protagonismo da coroa e da casa do
infante nos portugueses nos descobrimentos. O debate não novo e tão pouco deverá
considerar-se encerrado neste momento de comemoração da morte do infante D. Henrique8.
Tudo isto foi sustentado por Gomes Eanes de Zurara, com o texto que ficou conhecido por
Crónica de Guiné. Deste modo, questionou-se a forma de intervenção do monarca e do
infante no (re)descobrimento e ocupação do arquipélago.
O infante refere que, desde 1425, participou activamente neste processo mas a
documentação oficial só o menciona como tal a partir de 1433, data em que recebeu do rei o
direito de posse das mesmas ilhas. também, compilando as informações disponíveis,
nomeadamente nos cronistas, constata-se que não fácil diferenciar até onde chegou o real
protagonismo de ambos.
Certo, certo, que a partir de 1433 o infante D. Henrique actuou de pleno direito nestas
ilhas, comandando todo o processo efectivo de povoamento e valorização económica. , na
verdade, a partir da década de trinta que as ilhas passam a assumir import ncia no contexto
dos descobrimentos portugueses. Elas afirmam-se com reas de cultivo de produtos com alto
valor mercantil, caso dos cereais, vinho e a car, e como porta charneira para a expansão
al m-atl ntico, uma vez perdidas as esperanças na posse das Canárias. Note-se que as
expedições de D. Fernando de Castro (1424) e António Gonçalves da C mara (1427) foram

7
As RelaHtes do descobrimento de GuinJ e das ilhas dos
AHores, Madeira e Cabo Verde, sep. do Boletim da Sociedade de
Geografia, 1898-1899.
8
Tenha-se em conta as comemoraHtes do IV centen<rio de
sua morte (1960) que teve reflexos evidentes nesta realidade,
sendo de realHar a colecHno henriquina da responsabilidade de
Costa Brochado. Veja-se Duarte LEITE, Coisas de V<ria Hist\ria,
Lisboa, 1941; Ant\nio Domingues de Sousa COSTA, Infante D.
Hemrique na Expansno Portuguesa, Braga, 1963 A Madeira nno
ficou alheia a isto como se pode verificar pelo
volume do Arquivo Hist\rico de Madeira (XII-1960-61). A este
prop\sito J de realHar os textos publicados por Eduardo
PEREIRA, "Infante Don Henrique e a Geografia Hist\rica das
capitanias de Madeira" in AHM, XII, 21-54; "V Centen<rio
henriquino, Sua projecHno na Hist\ria da Madeira", AHM, XIII,
(1962-63), 42-70; Ernesto GONGALVES, "O infante e a Madeira",
in Portugal e a Ilha,
Funchal, 1992, 19-22.
4

inconclusivas para as reais aspirações Henriquinas. Ademais, neste processo as gentes


fixadas na Madeira tiveram uma participação activa9, daqui resultando uma ligação que só as
represálias inerentes guerra de restauração conseguiram alterar.
Em 1460, quando o Infante D. Henrique, beira da morte, declarava os seus últimos
desejos não se esqueceu de enunciar os feitos insulares e o seu empenho no progresso das
ilhas, nomeadamente religioso. Por isso mesmo, consignou aos madeirenses a obrigação
perpétua de lhe rezarem uma missa todos os sábados do ano nas igrejas do arquipélago.
Sabemos do seu cumprimento na MAdeira até ao século XVIII10, caindo depois no
esquecimento. Somente em 1960 a celebração do centenário da sua morte veio colocar a
questão da divida não cumprida.

9
Alberto VIEIRA, "O infante Don Henrique e o senhorio de
Lanzarote: implicaHtes polRticas, sociais e econ\micas", in II
Jornadas de hist\ria de Lanzarote e Fuerteventura, Tomo I,
1990, 261-274.
10
Temos notRcia do seu cumprimento nos sJculos XVI e
XVII, recebendo os vig<rios 3000 rs da Provedoria da Fazenda.
Veja-se ANTT, Provedoria da Fazenda do Funchal, n .964, fl.
191v , 193v , 195, 22 de Outubro de 1599, 17 de MarHo e 12 de
Junho de 1600; n .980, fl.363-364v , 15 de Maio de 1650;
5

2.1. DUVIDAS E CERTEZAS

1.AS VERSÕES DO DESCOBRIMENTO DA MADEIRA E PORTO SANTO

De acordo com o texto de Gaspar Frutuoso o descobrimento da Ilha da Madeira teve


lugar a 1 de Julho de 1419, desembarcando os portugueses na baía de Machico no dia
seguinte, da visitação de Santa Isabel11. Esta versão poderá ser considerada como a
oficial e foi a que conquistou a aprovação do madeirense que a estabeleceu como o
marco para o dia da Região Autónoma.
O descobrimento da Madeira, tal como Gaspar Frutuoso o apresenta, embora
considerado como uma verdade adquirida e intransponível, carece de fundamentação e
merece, luz da crítica histórica, inúmeros reparos. Estamos perante uma opção
oitocentista que teve como base os testemunhos dos cronistas dos séculos XV e XVI,
mais divulgados e que possibilitam a fundamentação desta tese oficial, isto , de Gomes
Eanes de Zurara12, João de Barros13, Gaspar Frutuoso14. de salientar que todas as
demais fontes que contrariam esta visão foram ignoradas, como aconteceu com os textos
de Cadamosto15, Duarte Pacheco Pereira16, Damião de Góis17, Valentim Fernandes18 e
António Galvão19, ou então vilipendiadas, como sucedeu com o relato de Francisco

Note-se que atJ esta data J questionada B luz de um


11

estudo do calend<rio, uma vez que em 1419 o dia 2 de Julho nno


foi num domingo, como o pretende afirmar Gaspar Frutuoso. Por
curiosidade anote-se que em 1590, uma das datas apontadas para
a redaHno do livro sobre a Madeira, o dia 2 de Julho coincide
com um domingo o que poder< ter levado o autor a semelhante
equRvoco.
12
Cr\nica de GuinJ, Porto, 1937, cap. CXXXII, pp.189-196.
13
Asia, decada I, livro I, caps. II e III.
14
Saudades da Terra. livro segundo, Ponta Delgada, 1979,
cap.I a VIII
15
"Primeira NavegaHno", publ. in A Madeira vista por
estrangeiros, Funchal, 1981, pp.35-36.
16
Esmeraldo de situ orbis, ed. 1975, pp. 14, 97-98.
17
Cr\nica do principe D. Jono, Coimbra, 1790, cap. VIII,
pp.13-14.
18
O manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940,
pp.155-159, 219.
19
Tratado dos descobrimentos antigos e modernos, Porto,
1944, pp.82-83, 114-119.
6

Alcoforado20, D. Francisco Manuel de Melo21, Giulio Landi22 e Manuel Constantino23.


Na actualidade, com a revelação de algumas fontes, como o texto de Francisco
Alcoforado (1878-1961), de Jerónimo Dias Leite (1947) e o aparecimento de novos
dados, tarefa urgente reformular o ide rio subjacente ao descobrimento da ilha. Eis
uma síntese das nossas conclusões.
Todos os autores referenciados são un nimes em considerar o povoamento do
arquipélago como obra portuguesa, tendo como obreiro o infante D. Henrique e por
executor João Gonçalves Zarco, com ou sem o apoio de Tristão Vaz Teixeira. Apenas
Giulio Landi tem opinião diferente, pois para ele tudo foi feito por Machim. A polémica
tem lugar quanto data do descobrimento e sua autoria. Para uns, as ilhas foram
descobertas por portugueses: João Gonçalves Zarco com Tristão Vaz, ou Afonso
Fernandes. Para outros esta da iniciativa de estrangeiros: castelhanos (o Porto
Santo), ou ingleses (Madeira).
Numa breve síntese podemos afirmar que existem quatro versões coevas, que
serviram de base a todas as restantes:

1. relação de Francisco Alcoforado atribui o descobrimento da ilha ao inglês Robert


Machim e o reconhecimento aos portugueses;
2. relação de Diogo Gomes24 apresenta o descobrimento como sendo de iniciativa do
piloto português Afonso Fernandes e o povoamento a João Gonçalves Zarco e Tristão
Vaz;
3. Zurara atribui a João Gonçalves Zargo e Tristão Vaz o achamento das ilhas bem
como o seu reconhecimento e povoamento;
4. Cadamosto aponta o descobrimento pelos homens do infante D. Henrique e o seu
povoamento por João Gonçalves Zargo e Tristão Vaz.

a estas quatro vers es-base que a Historiografia vai buscar os argumentos para a
defesa das múltiplas teorias que se colocam. Neste contexto merecem a nossa atenção os

20
EdiHno de Jean Fontvieille, "A lenda de MAchim. une
dJcouverte bibliographique B la bibliotheque MusJe du Palais
Ducal de Bragance B Vila ViHosa(Portugal)", in Actas do
Congresso Internacional de Hist\ria dos Descobrimentos, vol.
III, Lisboa, 1961, pp.197-238.
21
Epan<fora Amorosa, Braga, 1975 (ediHno de JosJ MAnuel
de Castro.
22
"DescriHno da ilha da Madeira", in A Madeira vista por
estrangeiros, Funchal, 1981, pp.79-82.
23
Hist\ria da ilha da Madeira, Funchal, 1930 (ediHno
anotada por Fernando Augusto da Silva).
24
"RelaHtes do descobrimento da GuinJ e das ilhas dos
AHores, Madeira e Cabo Verde", in Boletim da Sociedade de
Geografia de Lisboa, 1898-99, pp. 25-28.
7

textos de João de Barros e Gaspar Frutuoso. Ambos foram e continuam a ser o


principal sustentáculo da tese oficial do descobrimento henriquino. Os seus arautos,
aproveitando-se das lacunas do texto de Zurara, afinam pela visão posterior de Barros,
repetida com grande evidência em Frutuoso. No entanto, quanto a este último, apenas o
fazem de modo parcelar, uma vez que ignoram todas as outras versões aí compiladas. A
divulgação de fontes inéditas, que apresentam argumentos contraditórios desta versão,
não os convencem, pois tudo o que o contrariasse era considerado como falso ou
apócrifo.
O debate que teve lugar a partir do século XIX, tendo como ponto de partida o
estudo de Álvaro Rodrigues de Azevedo25, deu origem ao aparecimento de várias teses
sobre o descobrimento da Madeira. A polémica recrudesceu na décadas de cinquenta e
sessenta, por altura da comemoração da morte do Infante D. Henrique26. Entretanto,
para três ficara a evocação do quarto centenário do descobrimento da Madeira, que foi
uma importante manifesta o de relevo na Madeira do primeiro quartel do nosso
século27.
Não obstante, o vasto número de estudos existentes que, de um ou de outro modo,
abordam a questão, podemos dizer que todo este movimento editorial orienta-se de
acordo com quatro ideias-base, que resumem toda a informação e fundamentação do
problema:

1. TESE QUATROCENTISTA, os que argumentam, a partir de Zurara, João de


Barros e Gaspar Frutuoso, considerando o arquipélago descoberto pelos portugueses no
século XV, destacam a acção de Zargo e Tristão Vaz e o infante D. Henrique. A sua
formulação e fundamentação foi definida, a partir de 1873, por Álvaro Rodrigues de
Azevedo. Mais tarde, com o quinto centenário do descobrimento da ilha, retomada
por Fernando Augusto da Silva, saindo reforçada em 1960, no momento do quinto
centenário da morte do infante D. Henrique, por Eduardo Pereira.
Em todos os autores que defendem esta tese manifesta a intenção nacionalista e
patriótica, quer na hipervaloriza o da iniciativa dos portugueses, quer na
marginalização de outras versões, assumindo Álvaro Rodrigues de Azevedo e Eduardo
Pereira uma crítica cerrada versão de Machim.

25
"Nota III. Descobrimento do archipelago da Madeira Por
Zargo e Tristno Vaz", "Nota IV. Descobrimento do archipelago
da Madeira: diversas tradiHtes, lendas e noticias", "Nota V.
Descobrimento da ilha da Madeira por ingleses: caso de Machim
e Anna de Arfet", publicado in Saudades da Terra(...),
Funchal, 1873, pp. 329-339, 340-348, 348-429.
26
Confronte-se Arquivo Hist\rico da Madeira, vol. XII,
1960-61.
27
Pe. Fernando Augusto da SILVA, "Quincentenario do
descobrimento da Madeira", in Elucid<rio Madeirense, vol. III,
pp. 163-168. A prop\sito disto foi feita um publicaHno
comemorativa: V centen<rio do descobrimento da Madeira,
Funchal, 1922.
8

2. TESE TRECENTISTA contrapõe ao conhecimento quatrocentista a prova


documental e cartográfica do seu achamento no século XIV. Estes, no entanto, divergem
entre si, quanto autoria das expedições que conduziram ao seu conhecimento. Assim,
para uns, a descoberta deveu-se a genoveses, catalães ou venezianos; outros apontam as
mesmas expedições, mas ao serviço da coroa portuguesa, o que valoriza a iniciativa
nacional deste empreendimento. No último caso de destacar a polémica mantida entre
M.d'Azevac28 e J. Costa Macedo29 e o Visconde de Santarém30.
Em abono da autoria portuguesa do descobrimento temos, em 1894, a opinião de
Brito Rebelo31 que, baseado num documento de 1379, tenta esboçar uma explicação
para o topónimo Machico. Segundo ele teria sido um certo Machico, mestre de barca,
quem descobriu a ilha da Madeira, tendo desembarcado no local que mereceu o seu
nome.

3. TESE DE MACHIM, os que argumentam, em complemento da segunda tese, que


o conhecimento do arquipélago resultou da aventura de Machim.
vasta bibliográfica sobre esta tese, sendo, no entanto, poucas as perspectivas aí
enunciadas, uma vez que se denota um apego s vis es clássicas, quer na afirmativa,
quer na sua negação. Neste último caso a ideia expressa-se de acordo com a enunciação
de Álvaro Rodrigues de Azevedo32 e Eduardo Pereira33. Assim, em 1873, Álvaro
Rodrigues de Azevedo referia já sete perspectivas diferentes da referida tese, que no
essencial se resumem a três opiniões, amplamente divulgadas:

- os que afirmam ser o relato pura lenda, carecendo de fundamento histórico,


baseando a sua argumentação nas crónicas coevas,
- os que defendem afincadamente a veracidade do relato, apresentando o necessário

Sles de l'Afrique, Paris, 1847; Notice des dJcouvertes


28

faites au Moyen-Age dans l'ocean Atlantique, Paris, 1845.


29
"Mem\rias para a Hist\ria das navegaHtes e
descobrimento dos portugueses", in Mem\rias da Academia Real
de Ciencias de Lisboa, vol. IV, Lisboa, 1819, pp.1-19;
"Aditamento B primeira parte da mem\ria sobre as verdadeiras
Jpocas em que principiarno as nossas navegaHtes e descobrimento
do oceano Atl>ntico", in Mem\rias da Academia Real de CiLncias,
vol. IX, Lisboa, 1831, pp. 177-230.
30
Mem\ria sobre a prioridade dos descobrimentos
portugueses na costa ocidental africana, Lisboa, 1958.
31
Livro de Marinharia, Lisboa, 1903.
32
Ob.cit., nota V.
33
"A lenda de Machim", in Congresso do Mundo PortuguLs,
vol. III, tomo 1, Lisboa, 1940, pp. 188-208.
9

fundamento histórico,
- os que perfilham uma opinião eclética, fazendo coincidir as versões anteriores no
conhecimento da ilha.

Esta tese foi definida pela primeira vez, em 1812, por N. C. Pitta34, a que se seguiu,
em 1869, H. Major35. No entanto, só a partir deste último mereceu a sanha de Álvaro
Rodrigues de Azevedo e Camilo Castelo Branco36, que lançaram uma onda de
descrédito sobre a aventura de Machim. Na actualidade, A. G. Rodrigues37, Pita
Ferreira38 e Armando Cortesão39 retomaram-na procurando apagar o descrédito
vigente. Assim António Gonçalves Rodrigues preocupa-se em comprovar
documentalmente a existência das personalidades envolvidas no relato, através de uma
busca nos arquivos ingleses. Pita Ferreira, por seu turno, procura fundamentar a
veracidade do relato dado por Francisco Alcoforado e os factos que se relacionam com o
achado da cruz, que o testemunha, por Robert Page40. Entretanto Armando Cortesão
contraria a critica dos seus detractores ao referir que as versões da aventura são todas
portuguesas, não sendo razoável a opinião divulgada da sua origem inglesa. Não
obstante, a intenção destes dois últimos não a defesa da descoberta de Machim, mas
sim enquadrar o facto no conhecimento trecentista, ou na tradição remota, conforme
atestam as fontes greco-romanas.
A defesa do descobrimento da ilha por Machim esta subjacente existência e
34
Account of the island of Madeira, Londres, 1812.
35
Vida do Infante D. Henrique, Lisboa, 1876.
36
Sentimentalismo e Hist\ria, Porto, 1897.
37
D. Francisco Manuel de Melo e o descobrimento da
Madeira, Lisboa, 1935, sep. Biblos; "Machim, Machico, Melo e
Madeira", in Biblos, vol. XVI, t.II, pp. 567-571.
38
Notas Para a Hist\ria da ilha da Madeira. Descoberta e
inicio do povoamento, Funchal, 1957; A relaHno de Francisco
Alcoforado, Funchal, 1961(sep.DAHM, n .31); "O caso Machim B
face dos documentos", in Das Artes e Da Hist\ria da Madeira,
n .25-26-27, 1957.
39
"O descobrimento do Porto Santo e da Madeira e o
Infante D. Henrique", Revista da Universidade de Coimbra, vol.
XXIII, 1973, pp.305-317; "A Hist\ria do descobrimento da ilha
da MAdeira por Roberto Machim em fins do sJculo XIV", in
Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXIII, pp. 292-409.
40
Isto valeu-lhe um ataque cerrado do Visconde do Porto
da Cruz(Revista Portuguesa, n .84) e Eduardo Pereira("Adenda",
in Ilhas de Zargo, vol. II, pp. 857-865). A resposta do autor
surgiu em "As notas para a Hist\ria da ilha da Madeira"no
Pelourinho, Funchal, 1959.
10

veracidade da relação de Francisco Alcoforado. Para muitos uma criação do século


XVII e, por isso mesmo, carece de fundamento a versão que veicula. Muito se escreveu
sobre isto, mas apenas Ernesto Gonçalves41 teve a coragem de avançar com uma análise
de crítica interna, onde veio a revelar-nos alguns problemas. Mais recentemente, luís de
Sousa Melo42 retoma este tipo de análise com novos dados. A isto acresce a mais recente
aporta o de David Pinto Correia que procura enquadrar op relato dentro do
panorama literário da Época43. Todavia este um percurso ainda inacabado, a merecer
redobrada atenção de historiadores e linguistas.

4. TESE ECL TICA, os que procuram uma opinião de consenso entre as várias
fontes e versões, perfilhando soluções intermédias, ou reforçando a sua dúvida em face
de todas.
Assim, Jordão de Freitas44 e João Franco Machado45 procuram conciliar as fontes
que atestam um conhecimento trecentista com aquelas que apontam apenas para o
século seguinte, concluindo por um processo contínuo de conhecimento ou
reconhecimento e divulgação na Europa. Armando Cortesão e J. A. Betencourt46
defendem a ideia do seu conhecimento desde tempos imemoráveis. No entanto,
concordam, ainda que parcialmente, com as restantes versões, buscando nelas a
informação necessária e esclarecida para a sua fundamentação.

Após esta enunciação das principais opiniões ou versões parece-nos ilógico continuar
a defender a opinião, embora comummente aceite, do seu primeiro conhecimento em 2
de Julho de 1419, por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira. Esta, luz do que
atrás foi dito, carece de fundamento histórico. além disso, a opinião de Gaspar Frutuoso
parece-nos pouco válida, uma vez que o autor relata um facto que não presenciou e que
se passara há mais de 160 anos, recorrendo, por isso, tradição escrita e oral. Por outro

41
"Estudo da RelaHno de Francisco Alcoforado ", "Algo
mais acerca da RelaHno de Francisco Alcoforado ", im Portugal
e a Ilha, Funchal, 1992, pp. 235-255, 257-268.
42
"O texto de Francisco Alcoforado", in Atl>ntico, n .5,
1986, pp. 19-26.

"Da hist\ria B literatura-ainda o descobrimento da


43

Madeira", in Actas III Col\quio Internacional de Hist\ria da


Madeira, Funchal, 1993, pp.201-206.
44
Quando foi descoberta a Madeira ?, Lisboa, 1911.
45
"O conhecimento dos arquipJlagos no sJculo XV",in
Hist\ria da Expansno Portuguesa no Mundo, vol. I, pp. 269-273;
"A relaHno de Francisco Alcoforado", in Arquivo Hist\rico da
Marinha, vol.I, 1936, pp.317-329.
46
Descobrimentos, guerras e conquistas dos Portugueses
em terras do ultramar nos sJculos XV e XVI, Lisboa, 1881-82.
11

lado, o mesmo autor, que serve de fundamento versão oficial, nos cinco volumes que
dedicou história das ilhas do Atl ntico não apresenta uma certeza do descobrimento
quatrocentista e henriquino, antes fica-se pela compilação do maior número de versões
existentes até a data da sua escrita. E, deste modo, o texto que serviu de base
fundamentação tese oficial poderá ser utilizado na defesa da descoberta de Machim.
Perante informação tão contraditória que credibilidade merece uma tese
fundamentada apenas numa perspectiva? Que razões encontrou a historiografia do
século XIX e princípios do século XX para valorizar a denominada versão oficial? Que
motivos levaram a historiografia a alhear-se das fontes coevas, como Zurara,
Cadamosto, Francisco Alcoforado, Diogo Gomes e Jerónimo Dias Leite ?

2. A "LENDA" DE MACHIM

No debate do descobrimento da Madeira surge uma importante questão: a relação


da viagem de Machim pode ser considerada como verdadeira ou, ao invés apenas
uma lenda? Esta , sem dúvida, a versão que mais tem entusiasmado o público,
preocupado os historiadores e eruditos que se debruçam sobre a História dos
primórdios da ilha.
Tal como vimos atrás, desde finais do século XVI, com a célebre compilação de
Gaspar Frutuoso, que a História da Madeira se debate com o problema da data e
propriedade da sua descoberta sem que seja possível uma opinião de consenso e de
acordo com as fontes históricas. Aqui, os interesses políticos sobrepuseram-se aos
testemunhos históricos conduzindo-a para uma profissão de fé, alheando-se dos dados
concludentes da cartografia ou da veracidade da polémica relação de Francisco
Alcoforado. Este relato atribui o primeiro descobrimento da ilha a Robert Machim,
antes de 1344, aquando da sua fuga de Bristol com Ana Arfet. E, de acordo com o
testemunho de Valentim Fernandes, o nome dado baía onde aportaram foi Machim,
sendo o Matchico a sua corruptela. Estava assim encontrada a relação entre Machim e
Machico.
Todavia, o facto deste relato ter chegado ao conhecimento dos eruditos sob a forma
de opúsculo anónimo, editado em 167147 em Paris, e através do texto novelesco de D.
Francisco Manuel de Melo, a Epan fora Amorosa, não colheu muitas opiniões a seu
favor. E, deste modo, a partir da sua defesa por Henry Major em 186848 logo se
47
Desta ediHno fez-se uma reproduHno no sJculo dezanove
que figura com a mesma data.
48
Chama-se a atenHno para o facto de que a primeira
ediHno em inglLs do texto de Francisco Alcoforado J de 1675
(The first discovery of the island of Madeira), seguindo-se
outra em 1750 ( An historical account of the discovery of the
island of Madeira, abridged from the portugueze original to
which is added, an account of the present state of the island,
in a letter to a friend) Em 1845 Terence Mahon Hughes publicou
um poema (The ocean flower. A poem preceded by an historical
and descriptive account of the island of Madeira).
12

levantaram inúmeros protestos da Historiografia nacional. O primeiro a ditar a


sentença foi Álvaro Rodrigues de Azevedo em 1873 nas anotações s Saudades da
Terra. A extensa nota V49, lida e relida pelos eruditos locais foi o veredicto final contra a
veracidade do relato. Com isso ignorou-se, por exemplo, o aparecimento dos
manuscritos que serviram de fonte a esta versão: primeiro o da Biblioteca Nacional de
Madrid revelado em 1878 por Cesareo Fernandes Duro, depois o da Biblioteca do paços
Ducal de Vila viçosa, apresentado ao público em 1960 por Juan Fontvieille.
Foi o Padre Pita Ferreira50 o único, entre os eruditos madeirenses, que se atreveu a
defender a veracidade deste relato não colhendo qualquer apoio. O tema apaixonou a
geração dos historiadores do cenáculo e dela passou ao público. Mas, disto pouco ou
nada resultou, uma vez que todos se preocuparam em defender aprioristicamente a sua
versão, esquecendo o estudo crítico do documento e a necessidade de inserção ou não na
contextualidade da Época. Aqui a existência de documentos que corroborassem a
existência dos protagonista e a ausência de anacronismos no relato eram e continuam a
ser o único meio capaz de assegurar a sua veracidade. Todos ignoraram crítica
interna do texto e preocuparam-se mais com o acolhimento que o tema merecia junto
dos literatos ingleses. O espectro do medo que isto fosse usado para reivindicação da
posse por parte dos ingleses foi o mote para a sua negação como facto histórico.
Em 1861 o Rev. Samuel Lysons51 preocupou-se com a questão e escreveu um
opúsculo apresentando provas documentais que atestavam a veracidade do relato. Foi
ele quem primeiro encontrou documentos probatórios da existência do par amoroso que
protagonizou a aventura. Aliás, em 1943, H. A. Machen52, um dos descendentes deste
Machim trecentista, tra ou-nos de forma precisa a genealogia dos seus ascendentes.
Em 1940 António Gonçalves Rodrigues apresento parte destas provas genealógicas dos
Machins de Bristol, corroborando a veracidade do relato.
A tudo isto acresce a existência de dois outros Machins. Nas Canárias
referenciado um Juan Machim53, enquanto em Lisboa no ano de 1544 temos um
Machym Fernandes. Entretanto, em 1894 Brito Rebelo54 revela-nos um Machico,
49
"Descobrimento da ilha da Madeira por inglezes: Caso
de Machim e Anna de Arfet", pp.348-429

"O caso Machim B face dos documentos", in DAHM, n .25-


50

27, 1957.
51
"Machin and Madeira", in Gloucestershire
Illustrations, Londres, 1861, pp.5-23.
52
"Machen Family, Gloucestershire", in Bristol and
Gloucestershire Arcaelogical Transactions for the year 1943,
pp.96-112.
53
Juan ALVAREZ DELGADO, "El episodio de Juan Machin en
la Madera", in Das Artes e Da Hist\ria da Madeira, vol. VI,
n .31, 1961.
54
Livro de Marinharia, Lisboa, 1903, pp. XXIII-XXIV;
Frei Ayres de S;, Frei GonHalo Velho, Lisboa, 1899, pp. CXVII-
CXXIII
13

mestre de barca em Lisboa, que foi motivo de regozijo para todos os que se
preocupavam em negar a relação deste local com Machim. Este era sem dúvida um
argumento mais plausível que a associação ao topónimo Monchique.
A descoberta recente de dois documentos dos arquivos brit nicos parecem trazer
nova Luz. Em 137355 surge o apelido Macheco atribuído a um patrão de navio de
Portugal que se dirigia para St. Mallo. Mais tarde, uma ordem de expulsão de Henrique
IV datada de 140656 apresenta uma lista de estrangeiros a expulsar da Inglaterra, temos
um Macheco e um Machim. Este último documento adquire import ncia uma vez que
faz associar o Machim ao Macheco e diz-nos que os mesmos teriam sa do de Inglaterra
em 1406. Se a este facto juntarmos o relato de Francisco Alcoforado teremos uma maior
consistência entre a aventura de Machim e o descobrimento de João Gonçalves Zarco
por intermédio da informação do piloto João de Amores. Note-se, que a disparidade de
datas entre ambos os factos um dos argumentos mais seguros na contestação da
relação. Entre este facto e o reconhecimento por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz
mediaram apenas treze anos, enquanto em relação anterior data (1344) passavam
setenta e cinco anos, o que seria impossível a transmissão do relato por meio de
sobreviventes.
Deste modo muito plausível que estes tenham sido os protagonistas da façanha
relatada por Francisco Alcoforado, sendo Macheco, o mestre da embarcação que em
Machico encalhou e que por isso mesmo teria dado o nome ao porto de salvamento.
Tendo em conta a proximidade de datas entre este e o referido em 1416 em Lisboa
muito natural que seja o mesmo ou um familiar seu, que concerteza não esteve alheio a
esta realidade. A forma como o relato foi escrito por Francisco Alcoforado pode ser
justificada pela necessidade de enfabular o feito, de acordo com os c nones da Época,
apresentando-o como resultado de uma aventura amorosa. Esta não uma situação
inédita na tradição literária que testemunhou a revelação do oceano Atl ntico.
A partir daqui poder-se- afirmar, com segurança, a veracidade do relato sem que
isso ponha em causa a prioridade lusíada na sua revelação, pois um dos protagonistas
marinheiro português. Por outro lado o nome dado baía radicar-se-ia, como vimos, a
origem neste Macheco, filho de marinheiros lusos, e não deverá ser entendido como uma
corruptela de Monchique ou Machim. Esta foi uma atitude comum entre os
marinheiros portugueses.

3.A QUEM ATRIBUIR O COMANDO DO DESCOBRIMENTO E


POVOAMENTO DA MADEIRA: O REI OU O INFANTE

55
Public Record Office, Calendar of close Rolls, ref.
23/59 X/II 7137, pp. 488 a 489.
56
Public Record Office, Parliament.VII & VIII Hen.IV,
ref. RR11/84 83227, pp. 571-572.
14

Uma das questões mais debatidas nos primórdios da História da Madeira prende-se
com o real protagonismo do rei e do infante D. Henrique, no processo de
(re)descobrimento e ocupação das ilhas do arquipélago57.
A leitura das crónicas coevas e quasi-coevas leva-nos a concluir que tudo começou
sob a orientação da coroa. De todos o mais esclarecedor a "relação de Francisco
58
Alcoforado" . De acordo com esta o infante ordenou a João Gonçalves Zarco "fosse
logo a El Rey a Lisboa" e foi o rei quem mandou preparar as embarcações para a
viagem de reconhecimento da ilha59 como, depois, de povoamento60.
O próprio infante D. Henrique testemunha este real protagonismo de seu pai ao
afirmar em 1460 que "Por serviço de El Rey meu senhor e padre de virtuosa memória,
(...) comecei a povoar a minha ilha de Madeira haverá ora XXXb anos, E assim mesmo
a de Porto Santo E dessy prosseguindo a deserta (...)". Todavia esta ideia contrasta com
outra veiculada pelo próprio infante nas cartas de doação das capitanias de Madeira e
Porto Santo. Em 1440, ao conceder a posse da capitania de Machico a Tristão Vaz, ele
declara que este havia sido "um dos primeiros que por seu mandado fora povoar as
ditas ilhas". O mesmo surge quanto ao Porto Santo em 1446 e ao Funchal em 1450.
Neste último caso o infante considera João Gonçalves Zarco como "o primeiro que por
seu mandado povoara a ilha".
Entretanto em 1443 D. Duarte reclamava a sua intervenção referindo as ilhas "que
agora novamente o dito infante per nossa autoridade pobra". Mas, já o rei D. Afonso V,
em 1454, tem outra opinião ao afirmar que "por serviço de Deus e nosso conquistou e
povoou" as ilhas de Madeira e Porto Santo. Esta ideia expressa, mais tarde, pelo
capitão do Funchal, Simão Gonçalves da C mara: "esta ilha era uma horta do senhor
infante e ele pôs e trouxe a semente e plantou estas canas e a deu a toda a ilha sua
própria custa (...)"61.
57
Confronte-se Vitorino Magalhnes GODINHO, Os
descobrimentos Portugueses e a economia mundial, vol. II,
Lisboa, 1982, p.232. AR releva-se a acHno de Jono Afonso, vedor
da Fazenda.
58
. Utilizamos a versno publicada em 1961 por Jean
FONTVIEILLE. Publicada: "A Lenda de Machim (...)" in Actas do
Congresso Internacional de Hist\ria dos Descobrimentos, III,
Lisboa, 1961, 197-238.
59
. "mandoulhe ell Rey fazer prestes hum navjo e hum
barynel..." o regresso ao reino: "levou ellRey muyto prazer do
que tynha Jono Gez feito..."
60
. "no verno syguinte na etrada de Mayo mandou el Rey
fazer prestes trLs navjos (...) e as que ouveses devedor
mandou ell Rey dar os omeziados e comdenados que ouvese polas
cadeas e reynos (..) EllRey cada verno mandava navjos e ferro
e aHo e sementes e gados..."
61
ANTT, C.C., parte I, maHo 27, doc. 22, carta ao rei
15

4. O INFANTE DON HENRIQUE CONQUISTA DO SENHORIO DE


LANZAROTE

O infante D. Henrique não se ficou apenas pela Madeira pois manifestou empenho
na conquista de algumas das ilhas das Canárias. Daqui resultou o conflito bélico e
diplomático que perdurou até 1479. A questão não era nova, pois arrastava-se já desde o
século XIV, novos são os protagonistas e os interesses em jogo. Note-se que esta
divergência de opiniões e interesses contagiou os cronistas da Época e repercutiu-se nas
vis es veiculadas pela Historiografia peninsular62. A import ncia do conflito não se
esgota na expressão das ambições dos seus protoganistas, uma vez que se reflecte no

62
Eis os estudos mais importantes: P. MEREA, "Como se
sustentaram os direitos de Portugal sobre as Can<rias", in
Estudos de Hist\ria de Direito, Coimbra, 1923, fols. 137 y
segs.; E. SERRA RAF[LS, "Portugal en las islas Canarias", in
Congresso do Mundo PortuguLs, Vol. III, Lisboa, 1940, p<gs.
211-241; Los portugueses en Can<rias, La Laguna, 1941; Id,
"Lancelloto Malocello en las islas Can<rias", in Congresso
Internacional de Hist\ria dos Descobrimentos, Actas, Vol. III.
Lisboa, 1961, p<gs. 467-478; F. PIREZ EMBID, Los
Descobrimientos en el Atlantico y la rivalidad castelhano-
portuguesa hasta el tratado de Tordesilhas, Sevilha, 1948; V.
MAGALHmES GODINHO, Documentos sobre a expansno portuguesa,
Vol. I, Lisboa, 19, p<gs. 193-206; Ch. VERLINDEN, "Les
dJcouvertes portugaises et la collaboration italienne
d'Alphonse IV", in Congresso Internacional da Hist\ria dos
Descobrimentos. Actas, Vol. III, 1961, p<gs. 593-610; Id,
"Lanzarotto Malocello et la dJcouverte portugaise des
Canaries", in Revue Belge de Phillologie et d'Histoire, Tomo
XXXVI, 1958, ndm. 4; Id., "Henri le navigateur et les Tles
Canaries", in VIII Col\quio de Hist\ria Canario Americana, t.I,
Las Palmas, 1991, pp. 39-51; A. PIREZ VOITEREZ, Problemas
jurRdicos internacionales de la conquista de Canarias, La
Laguna, 1958; P.E. RUSSEL, "El descubrimiento de las Canarias
y el debate medieval acerca de los derechos de los prRncipes y
pueblos paganos", in Revista de Hist\ria Can<ria, Tomo XXXVI,
1978, p<gs. 9-32; Id, "Fontes documentais para a Hist\ria da
expansno portuguesa na GuinJ nos dltimos anos de D. Afonso V",
in Do Tempo e da Hist\ria, IV, 1971, p<gs. 5-33; Id, O Infante
D. Henrique e as ilhas Can<rias. Uma dimensno mal comprendida
da biografia henriquina, Lisboa, 1979.
16

devir histórico consequente ao firmar as conexões humanas e comerciais com a


Madeira63.
A historiografia peninsular dedicou muitas páginas ao tratamento da questão. A
conjuntura histórica em que foram escritos estes textos fez com que se estabelecessem
duas perspectivas de análise diferentes, de acordo com a nacionalidade do seu
proponente. Por Portugal tivemos, num primeiro momento, José da Costa Macedo e o
Visconde de Santarém a defender a prioridade da descoberta e a legitimidade da
soberania lusíada64. Entretanto, a escola historiográfica espanhola, nomeadamente
can ria, reclama a prioridade e soberania castelhana, como se poderá verificar em
Elias Serra R fols e Buenaventura Bonnet65.
Nada disto novidade pois radica-se na opinião veiculada pelo imaginário nacional,
tornada indelével pelos cronistas peninsulares. Assim, em Portugal os cronistas Gomes
Eanes de Zurara, João de Barros, Rui de Pina, Garcia de Resende e Gaspar Frutuoso
haviam justificado perante os homens do seu tempo e testemunhavam aos vindouros as
razões da reivindicação henriquina66. Do último temos o retrato expressivo deste
afrontamento: "... os castelhanos contam com isso doutra maneira que nem El-Rei de
Portugal, nem o infante D. Henrique, as quiseram largar até chegarem a direito diante
do papa Eugénio quarto, veneziano, o qual, vendo isto deu a conquista daquelas ilhas
por sentença a El-Rei D. João de Castela no ano mil quatrocentos e trinta e um, por
onde cessou esta contenda das Canárias entre os reis de Portugal e Castela"67.

63
"Esbozo de un estudio de la influencia portuguesa en
la cultura internacional canaria", in Homenaje a Elias Serra
R<fols, I, 1970, p<g. 372; idem, Los portugueses en canarias.
portuguesismos, Las Palmas de Gran Canaria, 1991.
64
Veja-se Costa BROCHADO, Histori\grafos dos
Descobrimentos, Lisboa, 1960.
65
Veja-se os trabalhos publicados na Revista de
Hist\ria, da universidade de La Laguna e El Museo Canario.
66
Gomes Eanes de ZURARA, Cr\nica de GuinJ, Porto, 1973,
caps. LXVIII, LXIX, LXXIX,LXXXV, XCV; J.de BARROS, Da Asia,
dJcada primeira, parte primeira, Lisboa, 1973, caps. XI-XIII;
Ruy de PINA, Cronique del rey Dom Joham II, Coimbra, 1950,
p<g. 26; Garcia de RESENDE, Cr\nica de Dom Jono II, Lisboa,
1973, p<g. 45; G. FRUTUOSO, Saudades da Terra, 1 L , Ponta
Delgada, 1966, cap. IX, p<gs. 65-76.
67
Ibid., p<g. 69, O cronista das ilhas dever< referir-se
B letra sicenre devotionis de 2 de Maio de 1421 (Monumenta
Henricina, Vol. III, Lisboa, 1961, ndm. 8, p<gs. 14-17) ou
entno B bula Romani Pontificis de 30 de Abril de 1437 que
revoga a bula Rex Regum de 8 de Setembro de 1436, veja-se
Monumenta Henricina, Vol. VI, 1964, ndm. 21, p<gs. 41-53;
Ibid., Vol. V, v 90, p<gs. 214-216; Ibid., ndm. 97, p<gs. 230-
234. A Monumenta Henricina, 14 Vols., Coimbra, 1960-1973,
17

A disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de outras e do confronto de
objectivos exclusivistas, bem patentes nos reinos peninsulares. A defesa do Mare
Clausum e os problemas sucess ricos das coroas provocaram o afrontamento entre
Portugal e Castela, ao mesmo tempo que catalizaram as atenções da Europa para uma
intervenção directa ou indirecta no conflito. Tudo começou no mundo insular, pois o seu
domínio assegurava a hegemonia e exclusivo das navegações e comércio no Atl ntico.
A intervenção do infante D. Henrique, a partir de finais do primeiro quartel do
século XV, deu um novo rumo querela. Com ele retomou-se a pretensão portuguesa
ao domínio e cristianização das Canárias. O alheamento parcial da coroa castelhana
favoreceu e reforçou a posição henriquina em face da burguesia andaluza. A esta
interessava a posse das Canárias pelo facto de serem um importante mercado de
escravos e materiais corantes e, mesmo, base de apoio para as posteriores incursões no
litoral africano68. O monarca de Castela, grato pela intervenção da família de Las
Casas, decidiu premiar o seu esforço solicitando, em 2 de Maio de 1421, ao papa a
confirmação da posse das ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Gomera e La Palma a
Afonso de Las Casas69.
Perante isto, ao infante D. Henrique restavam apenas duas alternativas: por um
lado a solução diplomática, fazendo valer aos direitos portugueses junto do papado e,
por outro, o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada, no
sentido de ocupar as ilhas ainda não conquistadas. Assim, tivemos as expedições de D.
Fernando de Castro (1424-1440) e de António Gonçalves da C mara (1427). No mbito
diplomático as vitorias foram efémeras. A concessão papal em 1436 do direito de
conquista das ilhas não ocupadas por cristãos durou enquanto não surgiu a reacção
castelhana, isto , menos de um mês70. Todavia D. Duarte, ignorando as alegações
apresentadas pelo bispo de Cartagena ao concílio da Basileia (1435) e a deliberação

publicada sob os auspicios da Comissno Executiva das


ComemoraHtes do V Centen<rio da morte do Infante dom Henrique J
o mais importante reposit\rio de documentaHno para o estudo das
pretenstes henriquinas Bs Can<rias.
68
M. A. LADERO QUESADA, "Los seZores de Canarias en su
contexto sevillano (1403-1477)", in Anuario de Estudios
Atl<nticos, ndm 23, 1977, p<gs. 127-128;V. MAGALHmES GODINHO,
"A Economia das Can<rias nos sJculos XIV e XV, in Revista de
Hist\ria, S. Paulo, 1952. Em 1434 o papa EugJnio IV proRbe pela
bula "Regimini gregis" a escravizaHno dos can<rios (M.H., V,
ndm 28, p<gs. 89-93); ndm. 52. p<gs. 118-123, letras "ucator
omnium" de 17 de Dezembro; ibid., ndm. 93, p<gs. 184-185,
letras "oudum nostras" de 13 de Janeiro de 1436.
69
M. H., Ndm. 18, p<gs. 14-16, concedido na mesma data
por 5 anos pela , Vol. III letra "Sincere Devotions", publ.
ibid., ndm. 9, p<gs. 16-17. A 26 de Maio o monarca solicitou a
concessno perpJtua, veja-se ibid., ndm 10, p<gs. 17-18.
70
M. H., Vol. V, ndm. 137, 143.
18

papal, prossegue a política de intervenção directa no arquipélago, concedendo ao


infante D. Henrique em 1446 o exclusivo do comércio e navegação71. E, para assegurar
esta determinação organizaram-se no mesmo ano três expedições.
Em 1448 a questão toma novo rumo com os desentendimentos entre os Bettencourts
e os Perazas, o que veio favorecer os desejos do Infante D. Henrique. Maciot de
Bettencourt aceitou a proposta de venda do direito de posse do senhorio da ilha de
Lanzarote por 20.000 reais brancos ao ano e alguns interesses na Madeira, para onde se
retirou com a família72. Com o objectivo de assegurar a posse do senhorio o infante
enviou em 1440 e 1441 duas armadas, que provocaram imediata reacção de Castela em
145273. A isto seguiu-se o recurso aos missionários franciscanos com o intuito de
evangelizar os aborígenes74.
Entretanto em 1455 o monarca Henrique IV de Castela doa aos Condes de
Atouguia e Vila Real o senhorio das ilhas de Can ria, Tenerife e Palma75. De imediato
a coroa portuguesa solicitou a confirmação papal da referida doação76. Mas, o monarca
castelhano, mediante a reclamação de Fernão de Peraza, teve de voltar atrás na sua
palavra.
A proximidade da Madeira ao arquipélago canário em conjugação com o rápido
surto do povoamento e valorização socio-económica do solo madeirense orientaram as
atenções do madeirense para esta promissora terra. Assim, decorridos apenas 26 anos
de povoamento, os colonos madeirenses actuam na disputa pela posse das Canárias ao
serviço do infante. Em 1446 João Gonçalves, sobrinho de Zargo, enviado pelo infante
a Lanzarote como plenipotenciário para firmar o contrato de compra da ilha.
Acompanham-no caravelas de Tristão Vaz, capitão donatário em Machico e de Garcia
Homem de Sousa, genro de Zargo77. Passados alguns anos, em 1451, o infante enviou
nova armada, organizada pelos moradores de Lagos, Lisboa e Madeira, participando
nela Rui Gonçalves, filho do donatário do Funchal78.
Esta intervenção madeirense na empresa can ria conduziu a uma maior

71
Ibid., Ix, ndm. 95, p<gs. 121-123.
72
Ibid., IX, ndm. 174, p<gs. 273-275, 9 de MarHo de 1448.
73
Ibid., XI, ndm. 138, p<gs. 172-179, 25 de Maio de 1452;
ibid., ndm. 236, p<gs. 239-245, 10 de Abril de 1454.
74
Ibid., XII, ndm. 144, p<gs. 30-32, 27 de Maio de 1456;
ibid., XIII, ndm. 151, p<gs. 315-316.
75
Ibid., XIV, p<gs. 239-332, nota 2.
76
Ibid., XIV, ndm. 140, p<gs. 322-324; ibid., ndm. 145,
p<gs. 318-333.
77
A. Artur SARMENTO, "Madeira & Can<rias", in Fasquias e
Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.
78
M. H., Vol. XI, 172-179.
19

aproximação dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias
de contacto e comércio. Do nosso lado foi o saque fácil de mão-de-obra escrava para a
safra do a car e o recurso ao cereal e carne, necessários nossa dieta alimentar79.
Pelas Canárias foi o recurso Madeira com porto de abrigo das gentes molestadas com
a conturbada situação que aí se viveu no século XV. Esta corrente emigratória começou
com Maciot de Bettencourt. O sobrinho do conquistador de Lanzarote preferiu o
sossego da vila do Funchal ao governo da sua ilha80. Este foi o primeiro passo de
ramificação atl ntica desta família normanda81. No desterro de Maciott de Bettencourt
acompanharam-no a sua filha Maria e os seus sobrinhos e netos Henrique e Gaspar.
Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do
relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria de
Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gonçalves da C mara, filho-segundo do
capitão do donatário do Funchal.

79
Veja-se L.SIEMENS e L. BARRETO, "Los esclavos
aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in
Anuario de Estudios Atlanticos, ndm. 20, 1974, p<gs. 111-143 e
o nosso estudo "O ComJrcio de cereais das Can<rias para a
Madeira nos sJculos XVI e XVII", in Col\quio de Hist\ria
Can<rio Americana (1984), Las Palmas, 1988.
80
G. FRUTUOSO, Saudades da Terra, L I, Ponta Delgada,
1966, 69; ibid., L IV, Vol. II, Ponta Delgada, 1981, p<g. 263;
J. Dias LEITE, Descobrimento da ilha da Madeira...,
Coimbra,1947, p<g. 32; M. H., Vol. IX, ndm.174, p<gs. 273-275.
81
G. FRUTUOSO, Ob. Cit., L IV, Vol. I, Ponta Delgada,
1977, p<gs. 103-113; F. Augusto da SILVA, "Bettencourt", in
Elucid<rio Madeirense, Vol. I, Funchal, 1984, 138-139; H.
Henriques DE NORONHA, Nobili<rio Geneal\gico das famRlias que
passaram a viver esta ilha da Madeira..., Vol. I, S. Paulo,
1947, 51-74; Nobili<rio de Canarias, Tomo I, La Laguna, 1952,
p<gs. 595-600; L.DE LA ROSA OLIVEIRA, "Los Bettencourt en Las
Canarias y en AmJrica", in A. E. A. ndm. 2, p<gs. 130-135.
20

2. "(...) QUE AGORA NOVAMENTE O DITO YFANTE PER NOSSA AUTORIDADE


POBORA"

Assim se expressava em 1433 o rei D. Duarte, ao conceder a posse das ilhas da


Madeira, Porto Santo e Deserta ao infante D. Henrique. A partir de então o infante vê
legitimado o seu direito de orientação do povoamento e administração do novo espaço
insular.
O povoamento e o consequente processo de valorização económica da Madeira
surgem, no contexto da expansão europeia dos séculos XV e XVI, como o primeiro
ensaio de processos, técnicas e produtos que serviram de base afirmação dos
Portugueses no espaço atl ntico, continental e insular. Aqui foram lançadas, na década
de 20, as bases sociais e económicas daquilo que será definido como a civilização
atl ntica. Tal situação resulta do facto de a Madeira ter sido a primeira rea atl ntica
a merecer o impacto da humanização peninsular. Enquanto nas Canárias tardava a
pacificação guanche e se esvaneciam as esperanças da posse henriquina, na Madeira os
cabouqueiros europeus lan am-se num plano de exploração intensiva do solo virgem.
Ao empenhamento dos tradicionais descobridores juntam-se os interesses da coroa, do
infante D. Henrique e da comunidade italiana sedeada em Portugal.
A década de setenta dada como o momento de arranque efectivo do povoamento
dos açores e das Canárias. Ora isto sucede numa altura em que a Madeira surgia já
como um importante entreposto de comércio e de apoio navegação. Para isto haviam
contribuído as condições oferecidas pela ilha, a conjuntura atl ntica de então, e o forte
empenhamento dos promotores e principais protagonistas do povoamento. Nos dois
arquipélagos vizinhos os entraves foram enormes. Dum lado os sismos e os vulcões
atemorizam os colonos açorianos, do outro foi a forte resistência dos aborígenes
canários pacificação castelhana.
Os testemunhos dos cronistas são evidentes quanto ao facto da inexistência de uma
população sob o solo madeirense. Assim, para além das referências abordagem do
Porto Santo por castelhanos, vindos das Canárias, e da presença de Machim na baía de
Machico, nada mais indiciava uma preocupação anterior de humanização destas ilhas.
Cadamosto afirma "que fora até então desconhecida" e que "nunca dantes fora
habitada". idêntica a opinião de Jerónimo Dias Leite82, peremptório em afirmar, que
perante os navegadores se deparava uma "terra brava e nova, nunca lavrada, nem
conhecida desde principio do mundo até aquela hora". Desta forma o empenho das
gentes e autoridades peninsulares, aliado ao investimento e experiência italiana,
contribuíram para que em pouco tempo na Madeira a densa floresta fosse substituída
por extensas clareiras de arroteamento.
luz do acima enunciado, torna-se forçoso considerar que a acção lusíada na
década de 20 se define por um processo de povoamento, e nunca colonização, pois
82
Descobrimento da Ilha da Madeira (...), Coimbra, 1957,
p. 9.
21

estamos perante uma porção de terra inabitada cuja paisagem foi humanizada apenas
com a entrada portuguesa83. além disso, a peculiaridade do processo de ocupação
resulta em muito da situação de abandono em que se encontravam as ilhas, o que
permitiu o ensaio de técnicas, produtos e formas de organização do espaço sem
qualquer entrave humano. Os resultados deste ensaio foram de tal modo profícuos que
o exemplo madeirense terá não só um lugar de evidência no contexto da expansão
peninsular, mas surgirá também como ponto de referência ou modelo para as outras
experiências de povoamento que se seguiram.
De acordo com as crónicas quatrocentistas e quinhentistas, o processo, que decorreu
a partir de 1418, foi faseado. Zurara refere quatro expedições ilha antes que o infante
ordenasse o envio dos primeiros colonos e clérigos para o arranque do seu
aproveitamento. A mesma ideia surge na "relação de Francisco Alcoforado". Pe.
Manuel Juvenal Pita Ferreira84 especifica melhor as quatro viagens: Dezembro 141885 e
principio de 1419 ao Porto Santo; Junho de 1419 e Maio de 1420 Madeira. Se
tivermos em consideração as condições técnicas e náuticas das referidas expedições,
teremos de atribuir quatro anos para o reconhecimento cabal da ilha e início da
ocupação efectiva.
A forma de ocupação e valorização económica da Madeira foi ao encontro das
solicitações da conjuntura interna do Reino e do espaço oriental atl ntico. No primeiro
caso, surge como resposta disputa das Canárias e ingente necessidade de encontrar
um ponto de apoio para as operações do litoral africano. Zurara faz disso eco ao referir
que as embarcações portuguesas tinham escala obrigatória na Madeira, onde se
proviam de vitualha as ilhas da Madeira, porque havia aí já abastança de
mantimentos86.
Para os cronistas tudo começou no Verão de 1420. Nesta data o monarca ordenou o
envio de uma expedição comandada por João Gonçalves Zarco para dar início
ocupação da ilha. Acompanhavam-no Tristão Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo,
alguns homiziados que queri o buscar vida e ventura for o muitos, os mais delles do
Algarve87.
De acordo com o capítulo de uma carta régia88, João Gonçalves foi incumbido de

83
Confronte-se o que diz a este prop\sito Carreiro da
COSTA em EsboHo Hist\rico dos AHores, Ponta Delgada, 1978, p.53
84
Notas para a Hist\ria de Madeira. I. Descoberta e
inRcio do povoamento, Funchal, 1957.
85
Note-se que Jordno de FREITAS ( Madeira, Porto Santo e
Deserta. Ilhas que o infante "novamente achou e povoou" , in
C.M.P., Vol. III, T.1, Lisboa, 1940, 169-172). Considera que a
primeira viagem s\ teve lugar em 1419.
86
Cr\nica da GuinJ, cap. XXXII.
87
J. Dias LEITE, ob.cit., 15-16; Gaspar FRUTUOSO,
ob.cit., 53.
88
Esta carta foi pela primeira vez referenciada por
22

proceder distribuição de terras, conforme o regulamento entregue. Estes capítulos de


um pretenso regimento para a distribuição de terras são diferentes dos demais que se
seguiram, pois para além da demarcação social dos agraciados estabelece um prazo
alargado de 10 anos. Assim, os vizinhos de mais elevada condição social e possuidores de
proventos recebem-nas sem qualquer encargo, enquanto os pobres e humildes que
vivem do seu trabalho apenas as conseguiram mediante condições especiais, só
adquirindo as terras que possam arrotear com a obrigatoriedade de as tornar aráveis
num prazo de dez anos. Estas cláusulas, a serem verdadeiras, favoreceram a posição
fundiária dos primeiros povoadores e contribuíram para o aparecimento de grandes
extensões que mais tarde serão vinculadas.
A partir de 1433, com a doação do senhorio das ilhas ao infante D. Henrique, o
poder de distribuir terras uma atribuição do senhorio, mas sem prejuyzo de forma do
foro per nos dado aas ditas ylhas em parte nem em todo nem em alheamento do dito
foro89, o que comprova mais uma vez que a primeira iniciativa e regulamento de
distribuição de terras coube ao monarca. O infante, fazendo uso destas prerrogativas,
delegou nos capit es os seus poderes. A isso junta-se um novo regimento ou foral, que
confirma as ordenações régias, estipulando que as terras deveri o ser distribuídas
apenas por um prazo de cinco anos, findo o qual caducava o direito de posse e a
possibilidade de nova concessão.
A primeira missão dos capit es foi proceder distribuição de terras. Assim o
testemunha Francisco Alcoforado, ao referir que João Gonçalves Zarco, após a segunda
viagem, empenhou-se em tal tarefa. Uma das prerrogativas desta função era a
possibilidade de reservar para si e familiares algumas das terras de sesmarias. E foi isso
que o mesmo fez. Ainda, segundo Francisco Alcoforado, João Gonçalves Zarco
apropriou-se do alto de Santa Catarina, no Funchal e as terras altas de C mara de
Lobos. Mais além, na Calheta, tomou dois Lombas para os seus filhos João Gonçalves e
Beatriz Gonçalves.
Nas décadas seguintes, a concessão de terras de sesmaria e a legitimação da sua posse
geraram vários conflitos, que implicaram a intervenção legislativa do senhorio ou o
arbítrio do seu ouvidor. Em 1461, os madeirenses reclamavam contra a redução do
prazo para aproveitamento das terras de sesmaria, dizendo que estas eram bravas e
fragosas e de muytos arvoredos. Contudo, o infante D. Fernando não abdica do foral
henriquino e apenas concede a possibilidade de alargamento do prazo mediante análise
circunstanciada de cada caso pelo almoxarife90.
Desde 1433 e até 1495, a concessão de terras de sesmaria era feita pelo capitão, em
nome do donatário. A carta deveria ser lavrada pelo escrivão do almoxarifado, na
presença do capitão e do almoxarife. No seu enunciado constavam obrigatoriamente as

;lvaro Rodrigues de AZEVEDO sendo, todavia considerada


ap\crifa por alguns historiadores, como JosJ Hermano SARAIVA
(Temas de Hist\ria de Portugal, vol. II, pp.109-112)
89
A.R.M., C.M.F., registo geral, T. I, fl. 128-132,
publ. in Arquivo Hist\rico da Madeira, vol. XV, pp.20-25.
90
A.R.M., C.M.F., registo geral, T. 1, fls. 204-209,
publ. in AHM, vol XV, pp.11-20.
23

condições gerais que regulavam este tipo de concessão do terreno, capacidade de


produção e a cultura adequada sua exploração, bem como o prazo de aproveitamento.
O colono ou sesmeiro deveria cumprir o clausulado. Findo o prazo estabelecido este
podia vender, doar. escambar o fazer dela e em ela como sua própria coisa.
São poucas as doações de terras que resistiram ao correr dos tempos e que ficaram a
testemunhar e legitimar esta forma de distribuição de terras. Conhecem-se apenas 4
cartas de sesmaria:

1447/Maio/3. Concessão feita por João Gonçalves Zargo a Gil Gonçalves, com
condição de aproveitar em 3 anos91;
1452/Dezembro/2. Concessão pelo mesmo João Gonçalves Zargo a Álvaro
Gonçalves e Briolange Afonso, com condição aproveitar em 5 anos92;
1454/Fevreiro/11. Carta de firmid o das terras que João Gonçalves Zargo tomou
para si, conforme carta de doação93;
1457/Abril/29. Concessão de terras a D. Henrique a Henrique Alemão, por prazo de
5 anos94 com confirmação régia de 18 de Maio;

De todos os documentos o mais completo o de 1457. A surgem exaradas as


condições em que foi estabelecida a posse das terras. Esta poderá ser considerada uma
carta modelo, pois aí juntavam-se todas as recomendações: limites da terra, as
benfeitorias a implantar e o tipo de culturas (vinhas, canaviais, horta)95

O povoamento da ilha, iniciado na década de 20 a partir dos núcleos do Funchal e


Machico, rapidamente alastrou por toda a costa meridional, surgindo novos núcleos em
Santa Cruz, C mara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta. As condições
orográficas condicionaram os rumos da ocupação do solo madeirense, enquanto a
elevada fertilidade do solo e a pressão do movimento demográfico implicaram o rápido
processo de humanização e valorização socioeconómica da ilha. A costa norte tardou em
contar com a presença de colonos, contribuindo para isso as dificuldades de contacto

91
ANTT, Convento de Santa Clara, maHo 1, n 1, publ. J.
M. Silva MARQUES, ob. cit., vol. I, pp. 453-454.
92
Publ. J. M. Silva MARQUES, ob. cit., Vol. I, pp. 453-
454.
93
ANTT, Convento de Santa Clara, maHo 1, n .1, publ.
idem, ibidem, I, pp. 514-515.
94
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 31v , publicado idem,
ibidem, pp. 541-543.

Este enigm<tico Henrique Alemno J considerado o


95

Imperador Ladislau III da Pol\nia. Confronte-se J. Reis GOMES,


O Cavaleiro de Sta Catarina de Varna B Ilha de Madeira,
Funchal, 1941.
24

por via marítima e terrestre. Não obstante, refere-se já na década de 40 a presença de


gentes em S. Vicente, uma das primeiras localidades desta vertente a merecer uma
ocupação efectiva.
Aos primeiros obreiros e cabouqueiros seguiram-se diversas levas de gente,
entusiasmadas com o progresso da ilha. Neste grupo surgem trinta e seis apaniguados
da casa do infante, na sua maioria escudeiros e criados, que adquiram uma posição
proeminente ao nível administrativo e fundiário96. Mesmo assim João Gonçalves Zarco
sentiu dificuldade em encontrar varões de qualidade para desposarem as suas filhas,
tendo solicitado ao monarca o seu envio97. Isto poderá ser o indicativo de que a
aristocracia do reino apostava mais nas façanhas bélicas em Marrocos do que num
projecto de povoamento. A enxada não lhes era familiar. Por outro lado confirma o
fracasso de Zarco no recrutamento de gente nobilitada, que foi suprida com aqueles que
pretendiam "buscar vida e ventura"98. Este processo foi faseado podendo-se definir
três momentos. Logo na década de vinte foram os aventureiros e companheiros de
Zargo e Tristão. Depois em meados da centúria surge novo grupo, atraído pela fama das
riquezas da ilha, alguns deles filhos-segundos de famílias nobilitadas do norte. E,
finalmente, a partir da década de sessenta, após a morte do infante, o entusiasmo
contagiante de estrangeiros, nomeadamente, oriundos das cidades italianas, a quem as
portas se encontravam abertas.

96
Sobre a presenHa e import>ncia das gentes da casa do
infante veja-se Jono Silva de SOUSA, "A casa do infante D.
Henrique e o arquipJlago de Madeira (algumas notas para o seu
estudo)", in Col\quio Internacional de Hist\ria da Madeira,
Vol. I, Funchal, 1989, 108-127.
97
Saudades da Terra, 217-218.
98
Confronte-se Jer\nimo Dias LEITE, ob.cit., p.16.
25

2.1.D VIDAS E CERTEZAS

1.ORIGEM DOS PRIMEIROS COLONOS: DO ALGARVE ?

comum afirmar-se que os primeiros povoadores da Madeira são oriundos do


Algarve. Esta ideia filia-se na tradição algarvia da gesta expansionista e na expressão de
Jerónimo Dias Leite muitos do Algarve99. Todavia, a dedução parece-nos apressada,
uma vez que faltam provas que a corroborem. Senão, vejamos. Numa listagem dos
primeiros povoadores referidos nos documentos e crónicas, a presença nortenha (64%)
superior algarvia (25%). Por outro lado, os registos paroquiais da freguesia da S
(desde 1539), no período de 1539 a 1600, confirmam essa ideia, uma vez que os nubentes
oriundos de Braga, Viana e Porto representam 50% do total, enquanto os provenientes
de Faro não ultrapassam os 3%100. Tudo isto contraria o estudo de Alberto Iria que, ao
contrário do que se possa pensar não foi capaz de responder as duvidas que o tema
suscita101.
Note-se que esta ideia mantem-se na actualidade e continua a merecer a aprovação
de muitos estudiosos102. Todavia, os mais eminentes investigadores madeirenses hesitam
entre a procedência minhota ou algarvia dos primeiros colonos103. Ernesto Gonçalves,
no entanto, peremptório em apontar a ascendência minhota dos primeiros obreiros
do povoamento do arquipélago104.
99
Ob. cit., 16; Gaspar FRUTUOSO, ob.cit., 54.
100
LuRs Francisco de Sousa MELO, "A imigraHno da Madeira"
in Hist\ria e Sociedade, n 6, 1979, 39-57; Idem, "O Problema
de origem geogr<fica do povoamento" in Islenha, n 3, 1988, 19-
34.
101
O Algarve e a Madeira no SJculo XV, Lisboa, 1974, sep.
de Ultramar; confronte-se com a crRtica de Fernando J. PEREIRA
em O Algarve e a Madeira, Braga, 1975.
102
A.T. MATOS, "Do contributo algarvio no povoamento de
Madeira e dos AHores" in Actas das I Jornadas de Hist\ria do
Algarve e Andaluzia, LoulJ, 1987, 173-183; "Origem e
reminiscLncias dos povoadores das ilhas atl>nticas", in
Congresso Internacional. Bartolomeu Dias e a sua Jpoca, Vol.
III, Porto, 1989, 241-252.
103
Fernando Augusto da SILVA, Do comeHo do povoamento
madeirense , in Das Artes e Hist\ria da Madeira, Vol. VIII, n
37, 5; Joel SERRmO, Na alvorada do mundo atl>ntico , in
Ibidem, vol. VI, n 31, 1961, 6.
104
No Minho ao sol de Verno , in Ibidem, vol. IV, n 21,
1955, 45-46; Fernando Vaz PERERIRA FamRlias da Madeira e Porto
Santo, vol. I, Funchal, s.d., pp. 224 (n 1) e 248 (n 1).
26

Tendo em consideração que o povoamento da Madeira um processo faseado, em


que intervêm colonos oriundos dos mais recônditos destinos, e que de todo o Reino
surgem gentes empenhadas nesta experiência tentadora, de prever a confluência de
várias localidades, em especial as reas ribeirinhas - Lisboa, Lagos, Aveiro, Porto e
Viana -, adestradas no arroteamento de terras incultas. Se certo que do Algarve
partem muitos dos apaniguados da casa do infante, com uma função importante no
lançamento das bases institucionais do senhorio, não menos certo que do norte de
Portugal, nomeadamente da região de Entre Douro e Minho, provêm os cabouqueiros
necessários ao desbravamento da densa floresta e preparar o solo para as culturas
mediterr nicas - cereal, vinha, cana-de-açúcar e pastel. O Norte de Portugal, quer pelo
facto de ser a região do país mais densamente povoada, quer pela sua permanente
vinculação economia madeirense, exerceu aqui uma decisiva influência.

2. A DATA DE IN CIO DO POVOAMENTO: 1420-1425-1433

Um dos muitos pontos polémicos no início de História da Madeira a data em que o


solo virgem começou a ser desbravado pelos primeiros colonos europeus. Os cronistas
são un nimes em definir o ano de 1420 como o de começo. Todavia, surgem opiniões
diferentes, como a do infante D. Henrique, que em 1460 declarava: "comecei a povoar a
minha ilha da Madeira aver ora XXXb anos...", isto , a partir de 1425 ele iniciara o
povoamento da ilha. Mas, na doação régia de 1433, o monarca afirmara "que agora
novamente o dito infante per nossa autoridade pobra". Quererá isto dizer que
o infante só nesta data assume o comando do processo ? Não. Pelo menos esta não a
opinião do infante, que nas cartas de doação das capitanias apresenta João Gonçalves
Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo, como os primeiros povoadores por seu
mandado.
Será que só podemos falar de povoamento a partir de 1425 ou 1433, contrariando a
opinião dos cronistas ? A resposta parece ser também negativa, luz daquilo que nos
dizem dois documentos. Primeiro, uma sentença do Duque D. Diogo de 6 de Fevereiro
de 1483105 refere que "podia haver cincoenta e sete anos, pouco mais ou menos, que a
essa ilha fora João Gonçalves Zargo, capit que fora nessa ilha, levando consigo sua
mulher e filhos e outra gente...". Depois, noutra sentença Diogo Pinheiro, vigário de
Tomar em 1499, afirma: "podera bem aver oytenta annos que a dicta ilha era achada
pouco mais ou menos e se começara a povoar"106. Esta versão corroborada em 27 de
Julho de 1519 por acórdão da C mara do Funchal em que se dá conta do início do
povoamento há cem anos atrás. Ambos os documentos abonam versões diversas:
enquanto o primeiro coincide com a data apontada pelo infante, o segundo corrobora os
cronistas.
Por tudo isto a única conclusão plausível de que o povoamento efectivo terá
105
ANTT, Convento de Santa Clara, maHo 1, ref. Pe. Manuel
Juvenal Pita FERREIRA, O arquipJlago da Madeira terra do
senhor infante, p.132.

ANTT, Cabido da SJ do Funchal, maHo 1, n 1, 20 de


Fevereiro 1499.
27

começado a partir do fim do último quartel do século XV. Os seis anos que medeiam
entre esta data e o seu reconhecimento não deverão ser encarados como de total
alheamento, pois o processo não parou.
28

3. A " ... HORTA DO SENHOR INFANTE"

Foi desta forma que o capitão do Funchal em 1511107, em carta dirigida ao rei
definiu o período de governo do infante D. Henrique. Na verdade, assim aconteceu. O
infante, desde 1433, assumiu de pleno direito a posse das ilhas: procedeu distribuição
das terras pelos apaniguados que estiveram empenhados no reconhecimento delas;
estabeleceu os regimentos para o governo das capitanias; definiu os seus direitos e
usufrutos; ordenou o lançamento de sementes - cereais - e o transplante de videiras e
socas de cana. Em pouco tempo a ilha da Madeira transformou-se numa horta que, de
direito, pertencia ao senhor infante. Para aí foi estabelecida uma estrutura institucional
adequada, tendo como ponto de partida o Infante e as prerrogativas estabelecidas pela
coroa em 1433.

1. As capitanias

Foi a 26 de Setembro de 1433108 que o infante D. Henrique recebeu das mãos de D.


Duarte a posse vitalícia das ilhas de Madeira, Porto Santo e Deserta. De acordo com
esta doação o infante detinha a seguinte capacidade de intervenção:

1. jurisdição cível e crime, limitada: "com sua jurdi om cível e crime salvo em
sentença de morte ou talhamento de membro...".
2. Usufruto de rendas e direitos: "com todollos djreitos e rendas dellas assy como as
nos de djreito avemos e devemos aver".
3. Capacidade de livre intervenção na valorização do espaço: "outrossy lhe damos
poder que elle possa mandar fazer das dictas jlhas todollos proveitos e bemfectorias
aquellas que entender por bem e proveito das dictas jlhas".
4. distribuição de terras pelos seus criados e demais povoadores: "E dar já perpetuo
ou a tempo ou aforar todas as dictas terras a quem lhe aprouver".

No último ponto a coroa estabelece que a referida concessão de terras se realize


"sem perjuizo da forma do foro per nos dado aas dictas jlhas em parte nem em todo
nem amalheamento do dicto foro", com a capacidade de o poder "quitar parte ou
todo". Esta situação remete-nos para a existência de um diploma anterior da iniciativa
do mesmo monarca, que não possível encontrar e que alguns fazem coincidir com os
capítulos de uma carta de D. João I, inserida noutra de 7 de Maio de 1493109.

107
ANTT, C.C., I, MaHo 27 - n 52, 25 Junho.
108
ANTT, Chancelaria D. Duarte, L I, fl. 18, publ. J. M.
Silva MARQUES, Descobrimentos Portugueses, Vol. I, Lisboa,
1988, 271-272.
109
ANTT, Provedoria da Fazenda do Funchal, n 1150, fl.
101, publ. J. M. Silva MARQUES, ob. cit., supl. Vol. I, pp.
29

Nesta carta de doação estão claramente expressas algumas limitações, isto ,


aspectos que a coroa não abdica da sua própria intervenção:

1. A doação vitalícia: "e aia de nos em todollos dias de sua vjda as nossas ilhas".
2. justiça: "com sua jurdi om civil e crime salvo em sentença de morte ou
talhamento de membro mandamos que a alçada fique a nos E venha aa casa do cível de
Lixboa".
3. Respeito pelas normas já estabelecidas: "sem perjujzo da forma do foro per nos
dado nas dictas jlhas em parte nem em todo...".
4. Direito cunhar moeda: "E Reservamos pera nos que o dicto jffante nom possa
mandar fazer em ellas moeda mas praz nos que a nossa se corra nella".

Na mesma data a coroa, concedeu todo o espiritual das ilhas ordem de Cristo.
Esta doação feita a pedido do infante: "E por o jffante dom anrrique meu jrm o
regedor e governador de dicta ordem que no llo Requereo". No entanto, a coroa reserva
para si "o foro e o dizimo de todo o pescado que se nas dictas jlhas matar".
A validade deste diploma correspondia ao tempo de governo do monarca. Após a
sua morte, tudo requeria a confirmação do novo rei. E, foi na realidade isso que sucedeu
em 1 de Junho de 1439110, e 11 de Março de 1449111, tendo D. Afonso confirmado a
anterior doação.
Tal como estava preceituado na primeira doação de 1433 o infante D. Henrique
tinha poder de proceder divisão das terras das ilhas e distribui-las como entendesse,
estando apenas limitado quanto aos direitos adquiridos resultantes da intervenção da
coroa. o caso de João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, os primeiros obreiros do
reconhecimento das ilhas. Eles recebem o encargo de, em nome do infante,
coordenarem as tarefas de povoamento dos novos espaços. São os capit es em
representação do donatário, por isso, ficaram conhecidos como capit es do donatário.
O documento que o estabelece juridicamente não surge em simult neo para as três
reas, pois entre eles existe alguns anos de diferença. Primeiro recebeu Tristão Vaz em
8 de Maio de 1440112 o "carrego" das terras entre o caniço e a Ponta de Tristão que
ficou conhecida como a capitania de Machico. Este diploma uma peça fundamental,
uma vez que nele se estabelecem os mecanismos de intervenção dos interessados e
preludia uma nova estrutura de mando. Assim Tristão Vaz exercia o governo em nome
do infante - "que elle a mantenha por mym em justiça e em direiro" - de acordo com as
seguintes condições:

109-110.
110
ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 19, fl. 19v ,
publ. por Monumenta Henricina, VI (1964), pp. 316-317.
111
ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 37, fl. 52v ,
publ. ob. cit., Vol. X (1969), p. 34.
112
ANTT, Chancelaria D. Jono III, 1055, fl. 184, publ. J.
M. Silva MARQUES, ob.cit., Vol.I, pp. 403-404.
30

1. doação hereditária de acordo com lei Mental: "E morremdo elle a mym praz que
o seu filho primeiro ou ho segundo se tall for que tenha este emcarrego pella guisa suso
dita E assy de descemdemte em des emte per linha direita..."
2. administração da justiça, de acordo com os poderes a ele consignados e os foros do
infante: "item me praz que elles tenham em esta sobredita terra e jurdi am por mym e
em meu nome do vell e crime rresalvando morte ou talhamento de membro que a
apella am venha pera mym (...) a mym praz que os meus mandados e correi am seiam
hi compridos como em cousa minha propria".
3. privilégios de fruição própria:
1. Monopólio dos moinhos, excepto nos braçais: " o dito Tristam aja pere si
todolos moynhos que ouverem em a parte desta ilha... E em esto sse nom emtemdo mo o
de brasão que o faço quem quiser nom moendo a outrem... na dita Ribeyra do caniço
elle faça os moynhos que lhe prouver".
2. Monopólio de fornos de poia, excepto fornalha para uso próprio: "Item ma praz
que todollos fornos de pam em que ouver poya seiam seus. E porem nom embargue
quem quiser fazer fornalha pera sseu pam que a faça e nom pera outro nehuu".
3. Exclusivo condicionado da venda de sal: "Item me praz que teemdo elle sall
pera vemder que o nam possa vemder outrem (...). E quando o nom tever que o vendam
os das ilhas aa sua vomtade ataa que o elle venha".
4. Redizima de todas as rendas havidas pelo infante: "outrossy me praz qo de todo
o que eu ouver de renda da dita parte da jlha elle aja de dez huu".
5. Poder de distribuir e retirar terras, sem embargo do o infante o fazer: "item me
praz que elle possa dar per suas cartas a terra desta parte fora pollo forall da jlha a
quem lhe prouver com tall condi am que aquelle a que der dita terra a aproveite ataa
cinquo aunos. E nom a aproveitamdo que a possa dar a outrem(...). E esto nom
embargue a mym que me ouver terra por aproveitar que nom seia dada que eu a possa
dar a quem minha mercee for".

As duas cartas posteriores, que legitimam a posse das capitanias do Porto Santo e
Funchal, seguem de perto esta, acrescentando alguns pormenores, que aqui não
mereceram qualquer referência. Assim, na de 1 de Novembro de 1446113, em que o rei
concedia a posse de ilha do Porto Santo a Bartolomeu Perestrello, acrescenta algumas
regalias mais:

1. Direitos sobre serras de gua e outros engenhos: "item me praz que aje de
todallas serras de gua que hi fizerem de cada hua hum marco de prate em cada hum
anno (...) e esto aje tambem (...) de quallquer enjenho que se hi fezer (...)"
2. Possibilidade de venda das terras de sesmarias: "me praz que os dictos vezinhos
posam vender suas herdades aproveitadas a quem lhe prouver..."
3. Usufruto comum do gado bravio, excepto o pastorado: " os gaados bravos posam
matar os da hilha sem aver hi outra defesa. Resalvando o gaado que amde nos hilheos
ou outro algum lugar arrado..."
A última carta a ser concedida foi a João Gonçalves Zarco, a 1 de Novembro de
1450. Ela segue de perto as duas anteriores, surgindo já com os acrescentos supra
113
ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, l .33, fl. 85, publ.
J. M. Silva MARQUES, ob.cit., Vol. I, pp. 449-450.
31

referidos. Todavia, foi a primeira a merecer a confirmação régia, que teve lugar a 25 de
Novembro do mesmo ano114. Aqui o Rei confirma a doação que passa a perpetua, a
pedido do infante, mas estabelece uma emenda: "E que honde diz na carta do dicto tyo
qe a apella om de morte ou talhamento de membro venha perante elle, queremos que
venham perante nos segundo he contheudo na carta del Rey meu senhor e padre susso
estprita...". As demais doações para Machico e Porto Santo também mereceram a
confirmação da coroa, mas só se conhece a de Machico de 18 de Janeiro de 1452115, que
tem o mesmo teor da do Funchal, apenas não refere a usurpação de alçada cuja
legalidade havia sido já reposta.
No decurso do governo henriquino apenas se colocou o problema da sucessão na
capitania de Porto Santo. Bartolomeu Perestrelo terá morrido em 1457, deixando em
aberto a sucessão, uma vez que o filho varão, Bartolomeu Perestelo, era menor de 7 anos
sem capacidade para assumir ainda o governo da capitania. Entretanto a sua mãe Isabel
Moniz, optou pela venda ao genro, Pedro Correia da Cunha, capit da ilha Graciosa.
Esta operação foi confirmada pelo infante D. Henrique em 17 de Maio de 1458116.
Todavia, na maioridade do referido Bartolomeu Perestrelo, a seu pedido, a coroa
considerou nula a referida venda, já confirmada pelo infante D. Henrique117.

OS REGIMENTOS

A administração das ilhas no começo do povoamento fazia-se com poucos


regimentos. O fundamental era o foral do infante e as cartas de doação. Do primeiro
sabe-se apenas ter existido, pois o infante quem o anuncia em 1440, na carta de
doação da capitania de Machico: "E o que eu ey daver na dita ilha he comtheudo no
forall que pera ella mandey fazer". O mesmo confirmado pelo novo foral manuelino
de 6 de Agosto de 1515118. A diz-se: "assi por forall do jffante dom Anrrique seu tio...
esteve sempre e esta em posse de levar e aver, em a dicta sua ylha da Madeira, as rendas

114
ANTT, Chancelaria D. Afonso V, l .37, fl. 52v ,publ.J.
M. Silva MARQUES, ob. cit., Vol. I, pp. 488-489.
115
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 21, publ. J. M. Silva
MARQUES, ob. cit, pp. 490-491.
116
Ibidem, fls. 28-29, publ. por J. M. Silva MARQUES, ob.
cit., pp. 547-549; com confirmaHno rJgia de 17 de Agosto de
1459, publicada in Archivo dos AHores, II, pp. 11-14.
117
Conforme confirmaHno rJgia de 15 de MarHo de 1473,
ANTT, Livro das ilhas, fl.93v . Confronte-se Gaspar FRUTUOSO,
Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.
66.
118
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 146v , publ. Saudades da
Terra, 1873, p. 494.
32

e dereitos seguintes, asi do espirituall (...) do senhorio (...)". também em 3 de Agosto de


1461119 o infante D. Fernando, na resposta s reclamações dos moradores do Funchal,
insiste nos regimentos do senhor infante D. Henrique, que se perderam. Assim ao
referir a reclamação dos moradores para a isenção de algumas dizimas, peremptório:
"A isto que respondo que ei hei por bom o foral e regimento que o senhor infante meu
padre que Deus aja acerca da dizima das ditas coizas tinha feito e mandava que se
fizesse...". O mesmo aparece em Jerónimo Dias Leite120 que da conta de "humas
lembranças" do infante "em que lhe encomendava muito ha justiça principalmente, e
ha lavran a da terra (...)". Delas o autor enuncia algumas, rematando: "e outras
cousas mais meudas com o tudo se contem no regimento e lembrança (que fic o em
meu poder)".
Quanto s estruturas de governo nas capitanias sabe-se que, para além da presença
do capitão e do almoxarife, existia o município. Mas este tinha uma intervenção muito
limitada. Assim, não existem paços do concelho, nem bandeira e selo. A par disso, os
juízes e procurador do concelho eram impostos pelo capitão, contrariando os
regimentos do reino que impunham a eleição dos pelouros. A tudo isto junta-se uma
recomendação ao capitão: "que em esta parte nos não torve", o que nunca aconteceu.
O relativo menosprezo do infante pela regulamentação dos diversos domínios
jurisdicionais do senhorio madeirense deverá resultar do facto de a ilha no período
inicial não necessitar de uma excessiva regulamentação, que poderia ser refreadora do
impulso povoador. Por outro lado poderá enunciar-se que o infante encontrava-se
empenhado num processo mais vasto de conquista das Canárias, de expansão e
descobrimento no litoral africano, sobrando-lhe pouco tempo para se empenhar nas
coisas da sua ilha. Todavia, as referências indirectas a alguns destes documentos, que
não chegaram até nós, atestam o seu real interesse no rápido avanço do povoamento da
ilha. As isenções e privilégios conseguidos junto da coroa para os seus súbditos e
exarados no seu foral, são exemplo disso121.
O extenso rol de reclamações apresentado em 1461, após a sua morte, ao sucessor no
senhorio, o Infante D. Fernando, poderão ser o testemunho deste relativo menosprezo
ou antes da tendência centralizadora da política henriquina. O infante D. Fernando, ao
assumir, em 1460, o governo da casa senhorial do seu tio, herda um pesado fardo
político-administrativo. Procurando adequar o governo de ilha nova conjuntura
política e satisfação das reclamações dos procuradores enviados ao Reino, define em
Agosto de 1461 uma nova din mica institucional, económica e religiosa através dos seus

119
RGCMF, T. I, fls. 204-209, publ. in AHM, Vol. XV, pp.
11-20.
120
Ob. cit., p. 26
121
PrivilJgio de isenHno da dizima e portagens nas
mercadorias enviadas ao reino: ANTT, Chancelaria de D. Afonso
V, l . 19, fl.17v , carta de 1 de Junho de 1439, publ., J. M.
S. MARQUES, ob.cit., vol.I, Lisboa, 1988, pp.400; ANTT,
Chancelaria de D.Afonso V, l .25, fl. 13v , carta de 18 de
julho de 1449, publ. in idem, ibidem, pp.439-440.
33

apontamentos122.
Os poderes discricionários e os privilégios dos capit es sofreram uma grande
machadada mercê da aplicação plena da jurisdição estabelecida nas doações de que se
faz uma p blica-forma de modo que não possa "entender aalem delle em poer outros
foros e a costumes". Ao mesmo tempo estabeleceu-se a necessária vinculação da
jurisdição do capitão s directivas régias e da estrutura municipal, conjugadas com o
reforço da intervenção do almoxarifado. O avanço mais significativo dado com o
município, que se liberta do controlo e intervenção discricionária do capitão, passando
os seus oficiais a serem eleitos entre os homens-bons que fazem parte do rol aprovado
pelo senhorio. Esta autonomia expressa ainda na concessão do selo e da bandeira.
No aspecto económico, os referidos apontamentos anotam a necessidade de adequar
a org nica administrativa ao nível do desenvolvimento económico da ilha. Primeiro
procura-se estabelecer uma adequada repartição das guas, tão necessárias faina
açucareira, depois, o apoio indispensável aos assalariados e pequenos proprietários. No
domínio comercial, a intervenção fernandina pautar-se- por uma abertura da ilha aos
agentes de comércio nacionais e estrangeiros, que motiva a sua discord ncia em favor
da pretensão dos madeirenses para a expulsão dos judeus e genoveses.
Era chegado o momento de mudança, pois havia-se ultrapassado o estado zero de
desenvolvimento e a ilha só poderia avançar com estas mudanças. A sociedade
complexifica-se e requer regulamentos adequados a todas as solicitações do quotidiano.
Foi esta a principal tarefa do infante D. Fernando, que teve continuidade nos seus
sucessores. O Infante D. Henrique havia lançado a semente, cabendo ao seu herdeiro
faz -la medrar e colher o fruto.

2.IGREJA.

A dois de Julho de 1420 desembarcou João Gonçalves Zarco no vale de Machico e, de


imediato, procedu posse da terra em nome do rei e sua sagra o com a primeira
missa, rezada pelos franciscanos que acompanharam a viagem. O texto de Francisco
Alcoforado muito claro: "(...) detremynou sajr em terra e levar consygo dous padres
que trazia, sajmdo em terra deu gra a a Deos mandou bemzer aguoa e aspargella pello
ar (...) mandou dizer mysa (...) Foy a prymeyra mysa que se dise (...) "123
Em Maio do ano imediato, Jo o Gon alves Zarco regressou ilha com tr s navios
e a disposi o de proceder ao seu povoamento. De novo o desembarque em Machico e
"a primeira cousa que fez foy tra ar huma igreja de Invoca o de Xpo..."124. Depois
122
Veja-se Joel SERRmO, "O infante D. Fernando e a
Madeira, 1461-1470", in Das Artes e da Hist\ria da Madeira, 4,
1950, 10-17; Manuel J. Pita FERREIRA, "O infante D. Fernando,
terceiro senhor do arquipJlago da Madeira, 1460-1470", in
ibidem, 33, 1963, 1-22.
123
A RelaHno de Francisco Alcoforado, publ. por JosJ
Manuel de CASTRO, Descobrimento de Ilha da Madeira ano
1420..., Lisboa, SD, p. 90.
124
Ibidem, p. 93.
34

foi o novo reconhecimento da costa, com o assentamento de colonos. Todos os actos


eram precedidos pela constru o de uma igreja ou ermida. No Funchal foram as
capelas de Santa Catarina e a de Nossa Senhora do Calhau, sendo a ltima considerada
pelo autor "a prymeyra casa de jgreja que se fez na ilha"125. Mais al m em C mara de
Lobos a do Esp rito Santo, na Quinta Grande a de Vera Cruz, nos Canhas a de
Santiago, na Estrela (Calheta) a de Nossa Senhora da Estrela. E conclui o cronista:
"...come ou a por em obra a edifica o das jgrejas e llavran a da terra".
Como se poder verificar o templo religioso o ponto de diverg ncia do processo
de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras habita es de madeira
para dar abrigo a estes colonos. Daqui resulta a import ncia fundamental da igreja em
todo o processo.
De acordo com a doa o r gia de 26 de Setembro 1433126 o infante, como mestre
da Ordem de Cristo, recebeu tamb m a capacidade de interven o na esperitualidade
do novo espa o. O Vig rio de Tomar, local sede da ordem, era quem, em nome do
infante, estabelecia a estrutura religiosa, provendo os ministros. Apenas a arrecada o
127
dos d zimos eclesi sticos permanecia a cargo do almoxarife do infante .
Para cada capitania foi nomeado um vig rio, que dependia directamente do de
Tomar, tendo como fun o a administrar a esperitualidade no recinto da sua
jurisdi o. Destes apenas se conhece o nome dos de Machico e Funchal,
respectivamente Frei Jo o Garcia e Jo o Gon alves.
Parece que esta situa o perdurou por todo o governo do infante D. Henrique, uma
128
vez que em 1461 uma das exig ncias dos moradores do Funchal era o aumento do
clero, de modo que fosse assegurado o servi o religioso aos moradores de C mara de
Lobos, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta.
N o agradou ao infante a pretens o dos franciscanos, oriundos das Can rias, ao
quererem introduzir-se na ilha, ficando subordinados ao vig rio dessas, tal como o
estabelecia a letra "dum ad prellara" do papa Nicolau V em 10 de Dezembro de 1450129.
Estes havi o-se fixado no arquip lago vizinho desde 1436, mediante autoriza o do
Papa Eug nio IV. Tal situa o era entendida como uma inger ncia nos direitos
adquiridos pela Ordem de Cristo e uma afronta, tendo em conta o empenho do infante
na conquista de algumas dessas ilhas.
125
Ibidem, p. 93.
126
J. M. Silva MARQUES, ob. cit., I, p. 273, 400.
127
Fernando Jasmins PEREIRA, "Bens Eclesi<sticos -
Diocese do Funchal" in Estudos sobre Hist\ria da Madeira,
Funchal, 1991, pp. 325-327.
128
RGCMF, T. I, fls. 204-209, publ. AHM, XV, pp. 11-20.
Vejamos o que J dito: "Em esa parte da ylha ho sennor ynfante
meu padre que Deos aja nunca pos mays de hum capellam porque
emtam a gente era pouca E agora he em mays multiplicaHam asy
que hum soo capellam nom pode abrajer a todollos logares..."
129
Confronte-se Monumenta Henricina, III, (1961), pp. 53-
54.
35

O pr prio infante preocupou-se com a administra o religiosa do arquip lago,


ordenando a constru o de igrejas e capelas, conforme se deduz do seu testamento de
1460: "Item estabeleci e ordenei a principal igreja de Sta Maria da ilha da Madeira e
deshi em diante as outras que si ordenaram, e item estabeleci hi da ilha do Porto Santo e
Igreja de Ilha Deserta (...)"130.
Quanto aos diversos templos religiosos, que foram erguendo os povoadores em toda
a ilha, neste per odo, n o existe consenso entre os diversos historiadores nem dados
que abonem com seguran a a data exacta de constru o131. de salientar que a
130
J. M. Silva MARQUES, ob. cit., I, p. 590.
131
Confronte-se Padre Fernando Augusto da SILVA,
SubsRdios para a Hist\ria da Diocese do Funchal, Funchal, 1946,
pp. 22-35, 299-376; Padre Manuel Juvenal Pita FERREIRA, O
ArquipJlago da Madeira Terra do Senhor Infante de 1420 a 1460,
Funchal, 1859, pp. 308-352.
36

tradi o veiculada por lvaro Rodrigues de Azevedo132 e Pe. Fernando Augusto da


Silva133 apresenta algumas par quias criadas em 1430, 1440 e 1450. N o sabemos em
que se fundamenta tal ideia, uma vez que nas reclama es dos moradores do Funchal
em 1461, documento j citado, refere-se a exist ncia de um s capel o que dizia missa
no Funchal134.

132
"Notas", Saudades da Terra, Funchal, 1873, pp.534-566.
133
SubsRdios para a Hist\ria da Diocese do Funchal,
pp.22-35.
134
EM 1466 continua a referir-se s\ um vig<rio (RGCMF, I,
fls. 216-219v , publ. AHM, XV, pp. 36-40).
37

ERMIDAS, CAPELAS E IGREJAS 1420-1460

LOCAL DAT TIPO ORAGO


A

Arco da 1426- Capela S. Br s


Calheta 61

Calheta 1426 Capela N Sr Estrela

1430 Capela Esp rito Santo

C mara de 1420 Capela N Sr Concei o


Lobos

1421- Ermid Esp rito Santo


26 a

1421- Igreja S o Sebasti o (1)


26

1425 Conve S o Bernardino


nto

Canhas 1426 Capela S o Tiago

Deserta 1426- Capela N Senhora (1)


60

Machico 1420- Capela Cristo


21

1426 Ermit S o Francisco


rio

1450 Igreja N Sr Concei o (1)

Madalena 1450 Capela Sta Maria Madalena

Ponta de Sol 1426 Capela N Sr da Luz

Porto Santo 1420- Ermid N Sr Piedade (1)


26 a
38

Quinta 1426 Capela N Sr Vera Cruz


Grande

Ribeira 1426- Ermid S o Bento


Brava 40 a

1426- Capela N Sr Concei o


67

Santa Cruz 1427 Igreja Santa Cruz

S. Vicente 1440 Ermid S o Vicente


a

Funchal 1424 Capela S o Sebasti o

1425 Capela Santa Catarina

1425 Capela N Sr Concei o de Cima

1425- Igreja Sta Maria a Maior/N Sr


60 Calhau (1)

1426 Ermit S. Jo o da Ribeira


rio

1426 Capela S. Pedro e S. Paulo

1454 Capela S. Paulo

1468 capela Santo Amaro


1) Fundadas pelo Infante D. Henrique.
39

4.2.D VIDAS E CERTEZAS

1.O SENHORIO DAS ILHAS

Um dos aspectos de aproxima o do processo hist rico da Madeira ao das


Can rias poder ser a estrutura institucional. O senhorio foi comum a ambos os
arquip lagos e a partir dele desenvolveram-se as estruturas de governo que
acompanharam o porvir hist rico e serviram de modelo s posteriores iniciativas.
Daqui resulta a singularidade e import ncia do conhecimento deste processo
institucional.
A ideia de conquista e posse das Can rias inicia-se com a transmiss o da
titularidade para particulares, adquirida desde 1344, junto do papado. A coroa
castelhana s intervir a partir de 1477 quando Diego Garc a de Herrera lhe cede o
direito de conquista das ilhas de Gran Canaria, La Palma, Tenerife. Esta interven o
da coroa resultou da relativa estabilidade da pen nsula e da necessidade de firmar uma
posi o nas ilhas merc da disputa de particulares e coroa portuguesa135.
O reconhecimento e ocupa o da Madeira, ainda que com forte colabora o
particular, foram de iniciativa da coroa. O empenhamento do infante D. Henrique e dos
homens da sua Casa surge como servi o prestado aos intentos da coroa: era uma
cruzada de reconhecimento e ocupa o e a coroa chamava a si o direito de posse bem
como de administra o. A legitima o institucional para a interven o da casa do
136
infante s ficou estabelecida em 1433 . A partir desta data a gesta de reconhecimento
ou descobrimento do Atl ntico ficarou subordinado ao empenho do gr o-mestre da
Ordem de Cristo - o infante D. Henrique.
O monarca Dom Duarte ao atribuir, em 1433-1439, Ordem de Cristo
responsabilidades na expans o atl ntica ia ao encontro dos interesses e pertin cia do
infante. Ao mesmo tempo lan avam-se as bases para uma nova estrutura institucional
lus ada - senhorio atl ntico insular-, composta pelas ilhas dos arquip lagos da

135
Propositadamente ignoramos a controvJrsia em torno da
posse do senhorio das Can<rias, remetendo o seu conhecimento
para: Jose PERAZA DE AYALA, La sucessi\n del senorio de
Canarias (...) , in Historia General de las islas Canarias,
II, Las Palmas, 1977, 133-166; Miguel A. LADERO QUESADA, Los
senores de Canarias en su contexto Sevillano (1403-1477) , in
Anuario de Estudios Atl>nticos, n 23, 1977, 125-164; Acuerdos
del cabildo de Fuerteventura 1605-1659, Santa Cruz de
tenerife, 1970, 11-15.
136
Esta doaHno enquadra-se no tipo de senhorio existente
em Portugal que fora regulamentado pelas OrdenaHtes Afonsinas e
Lei Mental, veja-se: Ant\nio Manuel HESPANHA, Hist\ria das
InstituiHtes..., Coimbra, 1983, 282-301, 325; Fernando Jasmins
PEREIRA, A Ilha da Madeira no perRodo henriquino (1433-1460),
Lisboa, 1961.
40

Madeira e A ores. Durante mais de sessenta anos (1433-1497) a administra o das


ilhas esteve a cargo da ordem de Cristo por meio do gr o-mestre.
De acordo com a primeira carta de doa o, o infante D. Henrique recebeu o direito
de posse do senhorio das ilhas que comp em o arquip lago da Madeira. O afastamento
do donat rio das reas de ocupa o, as dificuldades nas comunica es com o reino,
em conson ncia com a necessidade de distribuir benemesses pelos principais obreiros
do reconhecimento e ocupa o do arquip lago, implicaram uma nova estrutura nas
institui es insulares: os capit es do donat rio. Eles foram os l dimos
representantes do donat rio que detinham capacidade para administrar a rea
(capitania) concedida por carta de doa o.
Nas Can rias a situa o foi diferente. Em primeiro lugar somos confrontados com
duas formas de interven o na conquista e povoamento do arquip lago. Num
primeiro momento tudo correu por iniciativa particular. E s depois, a partir de 1477,
surgiu a coroa. Daqui resultou uma diferente op o institucional. Assim para as ilhas
conquistadas por particulares, que ficaram conhecidas como senhoriais, vigorou o
senhorio. Ao inv s, naquelas em que a coroa actuou no processo de conquista, enviando
os seus emiss rios, conhecidas como realengas, a presen a r gia materializada na
pessoa dos governadores D. Pedro de Vera e Alonso de Lugo. As prerrogativas
enunciadas nas diversas recomenda es r gias associadas pr tica destes aproxima-
os dos capit es do donat rio da Madeira. Eles, n o obstante a sua situa o de
funcion rios r gios, det m privil gios de tipo senhorial, como sejam, o direito de
sucess o no cargo e o usufruto do t tulo de adelantado.
Ser poss vel uma aproxima o de ambos os modelos institucionais definidos
pelos reinos ib ricos para a expans o atl ntica?
Note-se que, como referimos de ambos os lados, na ilha ou no continente, deparamo-
nos com uma conjuntura diversa que pesou de forma significativa no lan amento das
bases institucionais da nova sociedade. Nas Can rias os condicionalismos internos e
externos conduziram a uma gesta de tipo feudal, enquanto na Madeira surge algo
diferente que se enquadra nos par metros do senhorialismo em Portugal137. Al m
disso, o senhorio das Can rias marcado por la os feudais, como a enfeuda o,
enquanto na Madeira estes n o existem, pois com a doa o r gia de 1433 apenas s o
concedidas algumas prerrogativas jurisdicionais conducentes sua adequada
administra o. Assim o senhorio usava desta jurisdi o em nome do rei, que n o
abdicava de certos dom nios jurisdicionais como a pena de morte, talhamento de
membro, direito de fazer guerra e cunhar moeda. Nas Can rias Jean de Betencourt
usufruia do direito de cunhar moeda.
A posse da Madeira foi feita a ordem do rei e s depois a coroa concedeu o
senhorio. Nas Can rias foi algo inverso. A conquista come ou com uma campanha

137
LuRs Filipe R. THOMAS, Estruturas quasi-feudais na
expansno portuguesa , in Col\quio Internacional de Hist\ria da
Madeira,, vol. I, Funchal, 1986, pp.80-87; Ant\nio MURO
OREGON, Edad Media en Canarias y America , in I Col\quio de
Historia Canario-Americana (1976), Las Palmas, 1977, 43-64;
Alfonso GARCIA-GALLO, Los sistemas de colonizaci\n de Canarias
y AmJrica en los siglos XV y XVI in ibidem, 423-442.
41

normanda e o necess rio acto formal de vassalagem e presta o de pleito e


homenagem (1403-1412) ao monarca de Castela a quem as ilhas pertenciam por bula
papal de 1344. Na Madeira o senhorio subdelegou compet ncias em homens da sua
casa, atribu ndo-lhes a administra o de reas, que ficaram conhecidas como
capitanias. Nas Can rias algo semelhante sucede. Jean de Bettencourt nomeiou para as
ilhas um tenente ou governador geral que assegurava a administra o da justi a138.
Note-se ainda que na ilha de La Gomera o senhorio delegara no alcalde mayor o poder
c vel e de nomear os regedores, alferez, alguacil mayor e escribanos.
Num e noutro arquip lago o senhorio usufru a de determinados proventos
econ micos resultantes do usufruto do monop lio da recolha, fabrico e venda de certos
produtos ou do lan amento de alguns direitos sobre a produ o e com rcio. Assim
nas Can rias ele reservava para si o monop lio do com rcio da urzela, conchas
marinhas, al m de uma renda senhorial (o quinto) que onerava o dinheiro, o gado e o
com rcio139. Na Madeira o senhorio, de acordo com a carta de doa o r gia, detinha
o usufruto de todas as rendas e direitos existentes ou a lan ar nesses dom nios. O
principal tributo era o d zimo que onerava o aproveitamento dos recursos, a
agricultura, pecu ria, pesca, transac es e com rcio. Ao capit o estava reservado o
red zimo dos direitos, alguns privil gios exclusivos e a frui o dos r ditos
resultantes da explora o das suas terras.
O senhorio portugu s das ilhas da Madeira (1433) e A ores (1439) e mais espa o
atl ntico (1443) legitimado pelas bulas papais (1452, 1454) assentava n o s no
dom nio econ mico-social e institucional, mas tamb m espiritual. Assim os
Administradores da Ordem de Cristo, atrav s do Vicariato de Tomar usufru am da
administra o espiritual e religiosa do novo espa o ocupado no Atl ntico Insular.
Esta situa o manteve-se at 1514 altura em que foi criada a diocese do Funchal com
jurisdi o sobre as terras descobertas140. Nas Can rias a coroa nunca delegou o
direito de patronato, atribu do em 1486 pelo papa Inoc ncio VIII, mantendo-o como
seu exclusivo privil gio141.

138
Le canarien, La Laguna, 1960, 320-323;J. VIERA Y
CLAVIJO, Historia de Canarias, I, 342.
139
Ibidem, 310.
140
Charles MARTIAL DE WITTE, Les bulles pontificales et
l'expansion portugaise au XV eme SiPcle, Louvain, 1958, Les
bulles d'erection de la province eclesi<stique du Funchal , in
Arquivo Hist\rico da Madeira, XIII, 1962-63; Ant\nio BRASIO, O
Padroado da Ordem de Cristo na Madeira , in Arquivo Hist\rico
da Madeira, XII, 1960-61.
141
Joseph de VIERA Y CLAVIJO, Historia de Canarias, II,
1952, 476 e segs.
42

5. "... TODA ELA UM JARDIM E TUDO O QUE NELA SE APROVEITA


OURO"

Igual a esta observa o de Cadamosto, em meados do s culo XV, contar-se-ia s


centenas se todos os visitantes nacionais e estrangeiros tivessem tido possibilidade de o
expressar. O progresso e a riqueza econ mica da ilha causaram a estupefac o de
todos aventureiros e for o um forte incentivo presen a de novos colonos e de
avan o do processo de reconhecimento das ilhas e litoral Atl ntico. Tudo isto, segundo
Gaspar Frutuoso142, resultou do espir to empreendedor dos primeiros colonos
madeirenses, que sob as ordens dos capit es empenharam-se em "cultivar e beneficiar
a terra para dar fruto".
Jo o Gon alves Zarco, ap s o reconhecimento da costa meridional da ilha, fixa-se
no Funchal enquanto Trist o Vaz recolhe-se ao vale de Machico. a partir destes dois
p los, mais tarde sedes das capitanias, que irradia a for a dos cabouqueiros. O
processo foi r pido tal como o testemunham os cronistas. Zurara refere-nos que "em
breve tempo foi grande parte daquela terra aproveitada"143, sendo corroborado por
Gaspar Frutuoso144: "Foi assim tudo tanto em crescimento em ambas as jurdi es,
com boa dilig ncia de seus capit es, que em breve tempo se povoou e enobreceu a ilha
toda (...). Crescendo as povoa es e moradores com a fama da sua fatalidade..."
Desde o in cio, evidente o contraste entre as ilhas do Porto Santo e Madeira.
Assim, segundo Zurara na primeira "n o se pode em ela fazer lavra"145. A principal
dificuldade estava, segundo Valentim Fernandes146, no "n o aver agoas a terra em sy
steril", o que implicou que "n o se fez tanta obra nella como em a ylha de Madeira...".
Ali s, esta ltima era "mais nobre e mais rica e mais avendosa". A falta de guas s
permitiu as culturas de sequeiro e a valoriza o do pastoreio. Para Zurara a sua
import ncia est na cria o de gado. ele quem refere a praga dos coelhos e que
"criam-se ali muitos gados". Note-se que foi com a carta de doa o da capitania do
Porto Santo que o infante se deu conta da import ncia do gado bravo e apastorado. A
estas duas junta-se a Deserta, que segundo Zurara era "inten o de a mandar povoar
com as outras", lan ando-se para isso gado.
Distribu das as primeiras terras, um longo trabalho os esperava: as queimadas, a
constru o de paredes encosta fora, para reten o da terra, o delineamento das
levadas para o regadio e aproveitamento da for a motriz nos moinhos, serras de gua
e, depois, engenhos a ucareiros.

142
Livro Segundo das Saudades da Terra, P.D., 1979, p.
93.
143
Cr\nica de GuinJ, Porto, 1973, p. 347.
144
Ob. cit., p. 94 e 97.
145
Ob. cit., p. 347.
146
Ob. cit., p. 113.
43

m o de todos estavam as madeiras resultantes do abundante arvoredo que cobria


a ilha da Madeira147. O arroteamento das terras implicava o seu desbaste. E foi a que
o colono encontrou uma das primeiras riquezas, verdadeira d diva da natureza. Com
elas madeiras foi poss vel avan ar na contru o naval e civil, beneficiando a
marinha e a cidade de Lisboa. Assim o refere Jer nimo Dias Leite148: "E neste tempo
pela muita madeira que daqui levav o pera ho rejno come ar o com ella a fazer
navios de gavea, e castello da vante, porque dantes n o havia no rejno..."
Todavia, esta riqueza e preciosidade das madeiras durou pouco tempo. Em pouco
tempo aquilo que existia em abund ncia passou a ser uma raridade. Para isso ter
contribu do a necessidade de desbravar a densa floresta para abrir as arroteias. As
queimadas comuns na Europa, tiveram aqui lugar e for o respons veis por um
duradoiro inc ndio. o que refere Jo o de Barros: "...assy tomou o fogo posse da
ro a e do mais arvoredo, que sete aunos andou vivo no bravio daquellas grandes matas
que a natureza tinha criado avia tantas centenas de aunos. A qual destrui o de
madeira posto que foy proveitosa pera os primeiros povoadores logo em breve
come arem lograr as novidades da terra: os presentes sentem bem este dano, por a
falta que tem de madeira e lenha: porque mais queimou aquelle primeiro fogo do que
dentamente ora podera delepar for a de bra o e machado. Cousa que o infante muyto
sentio e parece que como profecia vio esta necessidade presente que a ilha tem de lenha:
porque dizem que mandava que todos plantassem matas,..."149. A quest o da dura o
das queimadas, de sete ou nove anos, tem provocado alguma pol mica, havendo quem
as considere mais como uma figura de estilo do que uma situa o real150.
A par disso de notar o aproveitamento de outros recursos que na poca tinham
grande valor comercial. Referimo-nos ao sangue de drago151. Em ambas as ilhas eram
abundantes os dragoeiros, mas especialmente no Porto Santo ele mereceu maior
aten o dos povoadores, por ser o primeiro e principal recurso dispon vel.
A import ncia das madeiras est bem patente no facto de o infante ter
determinado, nas cartas de doa o e lembran as e regimentos, de tributar a sua
explora o. O infante tinha direito do dizimo das madeiras usadas na constru o de
habita es e latadas, das lenhas para uso caseiro e industrial. Todas estas, mesmo
situadas nas terras doadas de sesmarias, eram sua propriedade, como se pode inferir da

147
Confronte-se O manuscrito de Valentim Fernandes,
Lisboa, 1940, 111-112.
148
Ob. cit., p. 20.

;sia, dJcada primeira, Coimbra, 1932, p. 19.


149

150
Confronte-se Ant\nio ARAGmO, A Madeira vista por
estrangeiros, Funchal, 1981, nota 4, pp. 42-45.
151
Diz Cadamosto: "J uma goma, que eles estilam em certo
tempo do ano, e se colhe por esta maneira: fazem alguns golpes
de cutelo no pJ da <rvore, e no auno seguinte em certo tempo,
as ditas cortaduras estilam a goma que cozem, e purificam e
assim se faz o sangue".
44

doa o das terras na Madalena a Henrique Alem o: "com condi o que das ditas
terras e lugar n o pague sen o o diz mo de tudo o que seus der em ele, salvando paus
de teixo, vino, canas e quaisquer tintas que houver e gomas, que tudo seja para mim"152.
Contra isto reclamaram em 1461 os moradores do Funchal ao infante D. Fernando no
que n o tiveram qualquer apoio. Tamb m nas cartas de doa o das capitanias
refere-se a esta importante industria. Assim aqueles que construissem serras de gua153
deveriam entregar ao capit o "um marco de prata em cada um ano ou seu certo valor
ou duas t buas cada semana das que costumarem serrar", enquanto ao infante era
devido "o diz mo de todas as ditas serras segundo pagam das outras coisas o que
serrar as ditas serras". Acresce que nos cap tulos do regimento atribu do a D. Jo o I
valoriza-se esta actividade ligada ao aproveitamento das madeiras. A s o referidos os
"de menos, que vivam do seu trabalho e de cortar de talhar madeiras...".
Outra importante fonte de riqueza ter sido o aproveitamento das ilhas para a
cria o de gado. N o obstante, alguns cronistas referirem a exist ncia de gado
selvagem no Porto Santo, onde os castelhanos faziam carnagem154, o certo que nas
ilhas n o se encontrava qualquer esp cie animal ind gena com utilidade para o
homem. por isso que aqui, a exemplo do que vir a suceder nos A ores, o processo
de povoamento inicia-se com o lan amento de gado trazido do reino155. Isto era uma
forma, n o s de testar a capacidade de sobreviv ncia dos seres vivos, mas tamb m
de assegurar um primeiro suplemento alimentar aos primeiros colonos156. Daqui
resultou que a cria o de gado se transformou numa das primeiras e principais
riquezas. Assim o testemunha, em meados do s culo XV, Cadamosto. Quanto ao Porto
Santo ele refere que " abundante de carne de vaca, porcos selvagens e infinitos
coelhos", enquanto a Madeira "abundante em carnes".
Esta reserva de pastos servia n o s para alimenta o dos primeiros habitantes
da ilha, mas tamb m para o abastecimento das embarca es que demandavam a
152
ANTT, Livro das Ilhas, fl. 31v .

Veja-se Jordno de FREITAS, Serras de ;gua da Madeira e


153

Porto Santo, Lisboa, 1937.


154
Valentim Fernandes refere: Os castelhanos em
conquistando as Can<rias vieram ter a esta ilha do Porto Santo
em tempo, e acharam n'ella as cabras de que fizeram carnagem
(...). E de ahi avante quando iam sobre os can<rios sempre
vinham a dita ilha fazer carnagem".
155
"cada veram mandava navios com animaes domesticos,
ferro, e asso, e gado que tudo frutificava grandemente"
(Jer\nimo Dias LEITE, ob. cit., p. 19).
156
Note-se o que suceder< mais tarde nos AHores e aqui
com a ilha Deserta. O testemunho de Zurara J paradigm<tico: "E
fez lanHar gado em outra ilha, que est< a sete lJguas da ilha
da MAdeira, com intenHno de a mandar povoar como as outras, a
qual se chama a ilha Deserta..." (ob.cit., cap.LXXXIII,
p.349).
45

costa africana que, desde 1455, segundo nos informa Zurara, tinham aqui escala
obrigat ria na ilha.

As culturas de subsist ncia e de exporta o.

A organiza o do sector produtivo fez-se de acordo com as exig ncias da dieta


alimentar dos colonos e as solicita es do mercado europeu. Assim, os elementos
t picos da dieta crist -mediterr nica (os cereais, as videiras) s o os primeiros a
embarcar. S , depois, num segundo momento, surjiram os produtos de grande procura
nas cidades europeias: o pastel e cana de a car.
As condi es em que se estabeleceram as primeiras arroteias fizeram com que as
sementes de cereal, lan adas sobre as cinzas das queimadas, frutificassem em
abund ncia. Diz Jer nimo Dias Leite que de um alqueire semeado se colhiam sessenta,
enquanto Diogo Gomes refere "que uma medida dava cincoenta e mais". Cadamosto
corrobora o primeiro mas anota que esta rela o foi baixando devido deteriora o
do solo. Ainda, segundo ele, a ilha produzia 3000 moios de trigo de que s tinha
necessidade de um quarto. O demais era exportado para o reino, tal como o diz Diogo
Gomes: "E tinham ali tanto trigo que os navios de Portugal, que por todos os anos ali
iam, quase por nada o compravam".
Em data, que desconhecemos, estabeleceu o infante D. Henrique ou o rei a
obrigatoriedade de envio de mil moios para a Guin , o que era considerado, na d cada
de sessenta um vexame para os funchalenses, que prontamente reclamaram ao novo
senhor da ilha, no que n o tiveram grande acolhimento por ser "trato de el-Rei".
O vinho outra necessidade alimentar, mas tamb m uma exig ncia do culto
eucar stico crist o, por isso era imprescind vel a presen a de videiras na bagagem
dos primeiros colonos. Todavia, alguns cronistas, a excep o de Zurara e Jo o de
Barros que o n o referem, afirmam ter sido o infante quem, num segundo momento,
ordenou a vinda de bacelos de malvasia de C ndia. Sucede que a cultura da vinha n o
era novidade em Portugal e tinha j uma grande tradi o, nomeadamente no norte.
Por isso, natural, que antes das cepas de malvazia de C ndia tenham aportado ilha
outras do reino157.
A not cia mais detalhada sobre a import ncia deste produto surje em Cadamosto:
Os vinhos da Madeira podem reputar-se muito bons, se se considerar, que foram
transplantados de fresco, e s o em tanta quantidade, que bastam para os habitantes e
ainda sobram para exportar para fora. Entre as outras videiras fez o dito Senhor
plantar bacelos de Malvasia que mandou vir de C ndia, os quais produziram muito
bem: e por ser o terreno t o gordo e bom, criam as videiras quase mais cachos, do que
folhas; e s o eles muito grandes do comprimento de dois a tr s palmos e estou em dizer
que at de quatro; coisa a mais bela do mundo para ver.
Os canaviais aparecem, num segundo momento, por iniciativa do infante que os

Esta ideia J corroborada em carta de Simno GonHalves


157

da C>mara de 25 de Junho de 1511: "naquele tempo que se deram


essas terras nno se sabia que outros frutos havia de dar nela
senno pno e vinho..." (ANTT, C.C., parte I, maHo 27, doc. 22).
46

mandou vir da Sic lia. Neste caso os testemunhos s o claros158, sendo de referir
Cadamosto: "E por ser banhada por muitas guas, o dito senhor mandou p r nesta
ilha muitas canas de a car, que deram muito boa prova"159. Isto documentado,
mais tarde em 1511, por Sim o Gon alves da C mara: que vendo a calidade da terra
desta ilha e a teper a della pareceo-lhe q sse podia ddar a uqres e sabendo ha aspeza
da trra e hos grandes trabalhos q os primeiros pouoradores tinh em ha romperem
detriminou como mt vrtuoso ajudar a seus lauradores e t bee pllo proueito q lhe disso
seguya de m dar trazer a planta das canas a esta trra e ordenou e qis q pondo elle a
dita pranta em cada hum ano e os lauradores poese ho esmoutar e tirar e laurar e
prantar160.
A primeira planta o teve lugar no Funchal, num terreno do infante, conhecido
como o campo do duque. Daqui os canaviais foram levados para Machico, onde se
fabricou o primeiro a car - 13 arrobas -, que foi vendido a cinco cruzados a
161
arroba .
Sabe-se que o infante permitiu aos povoadores a constru o de engenhos para a
labora o do a car sujeitando-se ao pagamento de 1/3 da produ o. Destes apenas
temos not cia do constru do por Diogo Teive, conforme autoriza o escrita do
162
pr prio infante de 1452 . Daqui se infere da exist ncia de um lagar propriedade do
senhor infante. Por isso o fabrico do a car fazia-se em exclusivo neste lagar j
existente e no novo engenho de gua, pois "que eu n o d lugar a ningu m que possa
fazer outro semelhante e n o se podendo todo fazer que eu d lugar a quem me
prouver que fa a outro". Do primeiro a car come ou a fazer-se exporta o. Assim
Cadamosto d conta da promissora produ o: "... e fabricaram-se a cares pela
quantidade de quatrocentos c ntaros, tanto na primeira cozedura, como da mistura e
pelo que posso perceber, far-se- com o tempo maior quantidade (...). Fazem-se ali
tamb m muitos doces cobertos com suma perfei o". Para Diogo Gomes os da ilha
"fabricam a car em tal quantidade que exportado para as regi es orientais e
ocidentais".

158
Confronte-se J. Dias LEITE, ob. cit.; Gaspar FRUTUOSO,
ob. cit., p. 146.
159
Ob. cit., p. 37.
160
ANTT, C.C., 1 parte, maHo. 27, doc. 22.
161
J. Dias LEITE, ob. cit., p. 102; Gaspar FRUTUOSO, ob.
cit., pp. 146.
162
RGCMF, T. I, fls. 132-132v , publ. AHM, Vol. XV, pp.
7/8.
47

5.1. D VIDAS E CERTEZAS

1. O "CICLO DO TRIGO" E A TEORIA DOS CICLOS

Este per odo que abrange o governo do infante D. Henrique foi definido como o do
ciclo do trigo. Isto , durante mais de quarenta anos a economia madeirense ter-se-ia
orientado apenas para a aposta na cultura e com rcio do trigo, que, por sua vez,
entendido como um dos principais m beis para a conquista de Ceuta e ocupa o dos
arquip lagos163. O que atr s ficou dito prova precisamente o contrario164.
Tudo isto come ou em 1949, quando Fernand Braudel argumentou que o processo
econ mico das ilhas articulou-se de acordo com o regime produtivo de monocultura165.
Ainda, neste ano Orlando Ribeiro esclarecia, que no caso da Madeira n o poss vel
encontrar rastros de monocultura no regime de explora o agr cola madeirense166. A
mesma opini o tamb m nas Can rias, onde, volvidos vinte anos, Elias Serra Rafols
respondia a Francisco Morales Lezcano, enunciando que nunca existiu um regime de
monocultura, uma vez que a economia can ria foi dominada por uma variedade de
culturas, cuja actua o n o uniforme no tempo e no espa o167. Mais tarde,

163
Confronte-se Vitorino Magalhnes GODINHO, Documentos
sobre a expansno portuguesa, vol. III, Lisboa, 1943; idem,
Hist\ria Econ\mica e social da Expansno Portuguesa, Lisboa,
1947; idem, A expansno quatrocentista portuguesa.Problemas das
origens e da linha de evoluHno, Lisboa, 1944; idem, "Le
problPme du pain das l'Jconomie portugaise. XVe- xVIe siPcle",
in Revista de Economia, vol. XII, 1959, n .47, pp. 87-113;
idem, Os descobrimentos e a economia mundial, vol. III, p.
223-231; Oliveira MARQUES, IntroduHno B Hist\ria da Agricultura
em Portugal, Lisboa, 1978, pp.251-254. Mais recentemente
Fernando Jasmins PEREIRA (Estudos Sobre Hist\ria da Madeira,
p. 64) afirmou que "a cultura cerealRfera constitui a
verdadeira base da colonizaHno madeirense".
164
Confronte-se Joel SERRmO, Temas Hist\ricos
Madeirenses, pp.17-20 e 53-75.
165
Le MJditerranJe et le Monde MJditerranJen(...), ed. de
1949, 123.
166
L'Tle de MadPre (...), Lisboa, 1949, 67.
167
"El gofio nuestro de cada dia", in Estudios Canarios,
XIV-XV1969-1970, 97-99; corroborado por M. A. LADERO QUESADA
(Espana en 1492, Madrid, 1978, 205-218), Eduardo AZNAR VALLEJO
(La integraci\n de las islas Canarias en la corona da
castilla, La laguna, 1983, 455) e Fernando CLAVIJO HERNANDEZ
"Los documentos de fletamentos (...)", in IV C.H.C.A., vol. I,
36. A tese de Victor MORALES LEZACANO baseada em F. Braudel
48

Fr d ric Mauro, secundado por Vitorino Magalh es Godinho, retomaram a quest o,


enunciando que a economia insular se definiu apenas por um regime de produtos
dominantes e n o de monocultura168.
Deste modo e, de acordo com uma an lise aturada da economia insular, parece-nos
que a mesma n o se regeu por princ pios exclusivistas, de acordo com a prem ncia
das solicita es externas. Antes pelo contr rio, o seu desenvolvimento s cio-
econ mico processou-se de forma variada, sendo a explora o econ mica dominada
por estes vectores dominadores, confrontados com as condi es e recursos do meio
com as solicita es da economia de subsist ncia.
dif cil, sen o imposs vel, conseguir definir um ciclo em que impere a
monocultura de exporta o, num espa o amplo e multifacetado como o do mundo
insular. Os modelos, embora perfeitamente delineados, n o se ajustam realidade
s cio-econ mica, que extremamente variada e enriquecida de m ltiplas matizes.
Embora alguns produtos, como o trigo, o a car, o vinho e o pastel, surjam em pocas
e ilhas deferenciadas, como os mais importantes e definidores das trocas externas, n o
s o os nicos na economia insular.
Quem conhece as ilhas sabe que em todas domina a diversidade geo-econ mica,
fruto da configura o geogr fica. Esta situa o provoca na Madeira um
escalonamento de culturas, impedindo a sua sobreposi o.

surgiu pela primeira vez em Sintesis de la historia economica,


Tenerife,
1966, sendo depois reforHada em Las relaciones Mercantiles
entre inglaterra y los archipJlagos atlantico ibJricos (...),
La laguna, 1970 e em "Cultivos dominantes y ciclos agrRcolas en
la historia Moderna de las islas
Canarias", in Historia General de las islas Canarias, IV, 11-
22.
168
FrJdJric MAURO, Le Portugal et l'Atlantique au XVIIe,
siPcle (...), Paris, 1960, 501; Idem, "Conjoncture Jconomipque
et structure sociale en AmJrique latine depuis d'Jpoque
coloniale", in Conjoncture Iconomique, Sctruture Sociales,.
Hommage B Ernest Labrouse, Paris, 1974, 237-251; Vitorino
Magalhnes GODINHO, "A Divisno da hist\ria de Portugal em
perRodos", in Ensaios II, 2 ed., Lisboa, 1978, 12-14.
49

6. "... QUE DEUS P S NO MAR OCEANO OCIDENTAL PARA ESCALA,


REF GIO, COLHEITA E REM DIO DOS NAVEGANTES..."

Foi o arquip lago o in cio da presen a portuguesa no Atl ntico, e o primeiro e


mais proveitoso resultado desta aventura. O testemunho de Gaspar Frutuoso169 que
encima esta parte disso exemplo.
V rios s o os factores que se conjugaram para este protagonismo. A inexist ncia
de popula o, em conson ncia com a extrema necessidade de valoriza o para o
avan o das navega es ao longo da costa africana, favoreceram a r pida ocupa o
e crescimento econ mico da Madeira. Por isso, a afirma o do arquip lago
madeirense, nos primeiros anos dos descobrimentos, foi evidente: porto de escala ou
apoio para as prec rias embarca es quatrocentistas, que sulcavam o oceano;
importante rea econ mica, fornecedora de cereais, vinho e a car; modelo
econ mico, social e pol tico para as demais interven es portuguesas no Atl ntico170.
A juntar a tudo isso temos que o r pido progresso social, resultado do porvir
econ mico, condicionou o aparecimento de uma aristocracia-terratenente que,
imbu da do ideal cavalheiresco e do esp rito de aventura, se embrenhou na defesa das
pra as marroquinas, na disputa pela posse das Can rias e viagens de explora oe
com rcio ao longo da costa africana e, at mesmo, para Ocidente.
A proximidade da Madeira ao vizinho arquip lago das Can rias, em conjuga o
com o r pido surto do povoamento e valoriza o s cio-econ mica do solo,
orientaram as aten es do madeirense para as ilhas. Assim, decorridos apenas vinte e
seis anos sob a ocupa o, os moradores da Madeira empenharam-se na disputa pela
posse das Can rias, ao servi o do infante D. Henrique. Em 1446 Jo o Gon alves
Zarco, foi enviado a Lanzarote, como plenipotenci rio para afirmar o contrato de
compra da ilha. Acompanham-no as caravelas de Trist o Vaz, capit o do donat rio
em Machico e de Garcia Homem de Sousa, genro de Zarco171. Mais tarde em 1451, o
infante enviou nova armada, em que participaram gentes de Lagos, Lisboa e Madeira,
sendo de salientar, no ltimo caso, Rui Gon alves filho do capit o do donat rio do
Funchal172.
169
Livro primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada,
1979, p.98.
170
Esta ultima ideia ficou expressa no nosso estudo
sobre "A Madeira na rota dos descobrimentos e expansno
atl>ntica", in Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIV,
1988, pp. 571-580.
171
JosJ PEREZ VIDAL, Aportaci\n portuguesa a la
poblaci\n de Canarias. Datos , in Anuario de Estudios
Atl>nticos, n 14, 1968; A. SARMENTO, Madeira & Can<rias , in
Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.
172
Monumenta Henricina, Vol. XI, 172-179.
50

Para a aristocracia madeirense o empenhamento nas ac es mar timas e b licas


, ao mesmo tempo, uma forma de homenagem ao senhor (monarca, donat rio) e de
aquisi o de benesses e comendas. Zurara na Cr nica da Guin 173 confirma isso,
referindo que a participa o madeirense ia ao encontro dos princ pios e tradi es
da cavalaria do reino. O que n o invalida a sua presen a com outros objectivos, como
sucede a partir de meados do s culo XV.
Os principais obreiros do reconhecimento e ocupa o da Madeira, como criados da
casa do infante D. Henrique, foram impelidos para a aventura africana, com
participa o activa nas viagens henriquinas de 1445 e 1460 e nas aventuras b licas
nas pra as africanas do norte, nos s culos XV e XVI174. O capit o de Machico,
Trist o Vaz Teixeira, participou pessoalmente numa das expedi es de 1445,
enquanto Jo o Gon alves Zarco mandou duas vezes uma caravela, sob comando do
sobrinho lvaro Fernandes. Zurara fala-nos das inten es que moveram estes
capit es. Enquanto Jo o Gon alves Zarco surge apenas para bem servir o infante,
Trist o Vaz ia por bom desejo para servi o do Infante e muito ao seu proveito. Mas
lvaro de Ornelas, escudeiro da casa do mesmo senhor, armou caravela por fazer
alguma cousa de sua honra175.
A presen a de gentes da Madeira continuar por todo o s culo XV em tr s
frentes: Marrocos176, litoral africano al m do Bojador e terras ocidentais. Na primeira
e ltima a presen a dos madeirenses foi fundamental. A tradi o refere que o
primeiro homem a lan ar-se aventura do descobrimento das terras ocidentais foi
Diogo de Teive, que em 1451 ter sa do do Faial procura da ilha das Sete Cidades,
mas que no regresso apenas descobriu as ilhas de Flores e Corvo177. Seguiram o seu
exemplo outros madeirenses que gastaram muito de sua fazenda para abrir o caminho,
mais tarde, trilhado por Colombo.

173
Caps. LXVIII, LXX, LXXV, LXXXVII. O mesmo poder< ser
comprovado na biografia que Gaspar Frutuoso faz dos capitnes
do Funchal e Machico.
174
Gaspar FRUTUOSO, Livro Segundo das Saudades da Terra,
Ponta Delgada, 1968; A. SARMENTO, A Madeira e as praHas de
;frica, Funchal, 1932; Jono JosJ Abreu de SOUSA, EmigraHno nos
sJculos XV a XVII , in Atl>ntico, n 1, Funchal, 1985, 46-52.
175
Cap. LXX.
176
Veja-se a resenha de feitos em Alberto Artur SARMENTO,
A MAdeira e as praHas de ;frica, Funchal, 1932; Jono JosJ de
Abreu e SOUSA, "EmigraHno madeirense nos sJculos XV a XVII", in
Atl=ntico, n .1, Funchal, 1985, pp. 46-52.
177
Sobre esta figura veja-se o que diz Ernesto GONGALVES,
Portugal e a ilha, Funchal, 1992, pp.85-118.
51

6.1. D VIDAS E CERTEZAS

1.A MADEIRA TERRA DESCOBERTA E TAMB M DE DESCOBRIDORES

A valoriza o da Madeira no contexto da expans o europeia tem sido diversa. A


historiografia nacional considera-a um simples epis dio de todo o processo e, em face
da posi o geogr fica, hesita no seu enquadramento, sendo levada, por vezes ao
esquecimento. A historiografia europeia, ao inv s, n o duvida em real ar a
singularidade do seu processo neste contexto. Desde F. Braudel (1949), passando por
Pierre Chaunu (1955), Fr deric Mauro (1960) e Charles Verlinden (1960), que se
afirmou esta nova realidade, que s na actualidade come a a ter plena aceita o
entre n s. Para isso contribuiram a cria o do C.E.H.A. (1985) e os tr s col quios
internacionais de Hist ria da Madeira, j realizados (1986, 1989, 1992).
A Madeira, arquip lago e Ilha, afirma-se no processo da expans o europeia pela
singularidade do seu protagonismo. V rios s o os factores que o propiciaram, no
momento de abertura do mundo atl ntico, e que fizeram com que ela fosse, no s culo
XV, uma das pe as-chave para a afirma o da hegemonia portuguesa no Novo
Mundo.
O Funchal foi uma encruzilhada de op es e meios que iam ao encontro da Europa
em expans o. Al m disso ela considerada a primeira pedra do projecto, que lan ou
Portugal para os anais da Hist ria do oceano que abra a o seu litoral abrupto. A
fundamenta o de tudo isto est patente no real protagonismo da ilha e das suas
gentes.
fun o de porta-estandarte do Atl ntico, a Madeira associou outras, como
"farol" Atl ntico, o guia orientador e apoio para as delongas incurs es oce nicas. Por
isso nos s culos que nos antecederam, ela foi um espa o privilegiado de
comunica es, tendo a seu favor as vias tra adas no oceano que a circunda e as
condi es econ micas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e vinha.
Uma e outra condi es contribu ram para que o isolamento definido pelo oceano
fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente
europeu e o Novo Mundo.
Como corol rio desta ambi ncia a Madeira firmou uma posi o de relevo nas
navega es e descobrimentos no Atl ntico. O r pido desenvolvimento da economia
de mercado, em un ssono com o empenhamento dos principais povoadores em dar
continuidade gesta de reconhecimento do Atl ntico, refor aram a posi o da Ilha e
fizeram avolumar os servi os prestados pelos madeirenses. Aqui surgiu uma nova
aristocracia dos descobrimentos, cumulada de t tulos e benemesses pelos servi os
prestados no reconhecimento da costa africana, defesa das pra as marroquinas, ou nas
campanhas brasileiras e ndicas178.
MODELO DA EXPANS O

178
Confronte-se Jono JosJ Abreu de SOUSA, "EmigraHno
madeirense nos sJculos XV a XVII", in Atl>ntico, n .1, Funchal,
1985, pp. 46-52.
52

A Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de


ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto
foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O
arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e
economia do mundo atl ntico: primeiro os açores, depois os demais arquipélagos e
regiões costeiras onde os portugueses aportaram.
O sistema institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar, definida
pelas capitanias. Foi a 8 de Maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base da
nova estrutura ao conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. A partir daqui
ficou definido o sistema institucional que deu corpo ao governo português no Atl ntico
insular e brasileiro.
Sem dúvida o facto mais significativo desta estrutura institucional deriva de a
Madeira ter servido de modelo referencial para o seu delineamento no espaço atl ntico.
O monarca insiste, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao
sistema traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas concedidas aos
novos capitães das ilhas dos açores e Cabo Verde. O mesmo sucede com a demais
estrutura institucional que chegou também a S. Tomé e Brasil179.
também os castelhanos vieram ilha receber alguns ensinamentos para a sua acção
institucional no Atl ntico, como se depreende do desejo manifestado em 1518 pelas
autoridades antilhanas em resolver a difícil situação das ilhas de Cura au, Aruba e La
Margarita com o recurso ao modelo madeirense de povoamento. Isto prova, mais uma
vez, a presença modelar da ilha no contexto da expansão europeia e demonstra o
interesse que ela assumiu para a Europa.
João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia em 1532180
de uma forma perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atl ntico. Segundo ele a
sua família era portadora de uma longa e vasta experiência "porque a ilha da Madeira
meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e meu tio a de São Tomé, e com muito
trabalho, e todas do feito que vê...". Isso dava-lhe o alento necessário e abri-lhe
perspectivas para uma sua iniciativa no Brasil. Ele reclamava o protagonismo do seu
ancestral Rui Gonçalves da C mara que em 1474 comprara a ilha de S. Miguel, dando
início ao seu verdadeiro povoamento.
A mesma percepção surge em Gilberto Freire que em 1952 não hesita em afirmar o
seguinte:
- A irmã mais velha do Brasil o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se
estremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens,...
concorreram para transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia"181.
Outra componente importante da afirmação da ilha como modelo de referência tem

179
David F. GOUVEIA, "A manufactura aHucareira
madeirense[1420-1550]", in Atl>ntico, n . 10, Funchal, 1987,
p.131.
180
Hist\ria da ColonizaHno Portuguesa do Brasil, vol.
III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de
aHdcar"in Sacharum, n .3, Sno Paulo, 1978, pp. 5-12.
181
Aventura e Rotina, 2 ed., pp 440-446, 448-449
53

a ver com a organização da sociedade no espaço atl ntico e da import ncia aí


assumida pelo escravo. Mais uma vez a Madeira o ponto de partida para esta
182
transformação social. De acordo com S. Greenfield ela serviu de trampolim entre o
"Mediterranean Sugar Production" e a "Plantation Slavery" americana. O autor não
faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por Charles Verlinden183 desde a
década de sessenta. Note-se que esta argumentação mereceu alguns reparos na sua
formulação, mercê de novos estudos184.
Na verdade tudo o concretizado em termos do mundo atl ntico português teve por
matriz o sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social, politico e económico, o
ponto de partida para o "mundo que o português criou..." nos trópicos. Neste contexto
sumamente importante o conhecimento do sucedido na Madeira quando pretendemos
estudar e compreender as outras situações.
Bibliografia:
David F. GOUVEIA, "A manufactura aHucareira
madeirense[1420-1550]", in Atl>ntico, n . 10, Funchal, 1987,
p.131.Hist\ria da ColonizaHno Portuguesa do Brasil, vol. III,
p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de aHdcar"in
Sacharum, n .3, Sno Paulo, 1978, pp. 5-12. Aventura e Rotina,
2 ed., pp 440-446, 448-449. "Madeira and the beginings of New
World sugar cane cultivation and plantation slavery: a study
in constitution building", in Vera RUBIN e Artur TUNDEN(eds.),
Comparative perspectives on slavery in New World Plantation
Societies, N. York, 1977."PrJcJdents et paralPlles europeJns de
l'esclavage colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949;
"Les origines coloniales de la civilization atlantique.
antJcJdents et types de structure", in Journal of World
History, 1953, pp. 378-398; PrJcJdents mJdiJvaux de la colonie
emn AmJrique, MJxico, 1954; Les origines de la civilization
atlantique, NLuchatel, 1966.

182
"Madeira and the beginings of New World sugar cane
cultivation and plantation slavery: a study in constitution
building", in Vera RUBIN e Artur TUNDEN(eds.), Comparative
perspectives on slavery in New World Plantation Societies, N.
York, 1977.
183
"PrJcJdents et paralPlles europeJns de l'esclavage
colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949; "Les origines
coloniales de la civilization atlantique. antJcJdents et types
de structure", in Journal of World History, 1953, pp. 378-398;
PrJcJdents mJdiJvaux de la colonie emn AmJrique, MJxico, 1954;
Les origines de la civilization atlantique, NLuchatel, 1966.
184
Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en
Andalucia...", in Studia, n .47, Lisboa, 1989, pp.165-166;
Alberto VIEIRA, Os escravos no arquipJlago da Madeira. sJculos
XV a XVII, Funchal, 1991.
54
1
Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en
Andalucia...", in Studia, n .47, Lisboa, 1989, pp.165-166;
Alberto VIEIRA, Os escravos no arquipJlago da Madeira. sJculos
XV a XVII, Funchal, 1991.
55

7. BIBLIOGRAFIA: ALBUQUERQUE, Lu s de e Alberto Vieira, O arquip lago da


Madeira no s culo XV, Funchal, 1986, FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas, A ilha
da Madeira sob o dom nio da casa senhorial do infante D. Henrique e eus
descendentes, Funchal, 1986, FRUTUOSO, Gaspar, Livro segundo das Saudades da
Terra, Ponta Delgada, 1979, GON ALVES, Ernesto, Portugal e a Ilha.Colect nea de
Estudos Hist ricos e liter rios, Funchal, 1992, IRIA, Alberto; "O Algarve e a ilha de
Madeira no s culo XV(documentos in ditos)", in Studia, n 38, 1974, 131-516, LEITE,
Jer nimo Dias, Descobrimento da ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos
capit es da dita ilha, Coimbra, 1947, MELO, Lu s de Sousa; "O problema da origem
geogr fica do povoamento", in Islenha, n 3, 1988, 19-34(o mesmo estudo j publicado
em Hist ria e Sociedade, n.6, 1979), PEREIRA, Fernando Jasmins; Estudos sobre
hist ria da Madeira, Funchal, 1991, Quinto Centen rio do descobrimento da Madeira,
Funchal, 1922, RODRIGUES, Miguel Jasmins; "Coloniza o e estruturas de poder
(do in cio at ao reinado de D. Manuel, Antigo duque...)", in Islenha, n 3, 1988, 46-59,
SALDANHA, Ant nio Vasconcelos; As capitanias. O regime senhorial na expans o
ultramarina portuguesa, Funchal, 1992, SARAIVA, Jos Hermano; "Para uma
Hist ria da Madeira - o Funchal de Zarco", in Temas de Hist ria de Portugal. Espa o
portugu s, Vol. II, Lisboa, 1982, 109-123, SERR O, Joel; Temas Hist ricos
Madeirenses, Funchal, 1992, SILVA, Fernando Augusto da; "Come o do povoamento
madeirense. 1425-1450", in DAHM, VII, n 37 (1967), VIEIRA, Alberto,

LEGENDAS PARA AS FOTOGRAFIAS

1. Monumento a Jo o Gon alves Zarco (Funchal) do escultor Francisco Franco,


executado em 1927 e inaugurado a 28 de Maio de 1934.

2. Monumento a Trist o Vaz (Machico) de autoria de Anjos Teixeira, inaugurado a 8


de Dezembro de 1792.

3. Capela de Santa Catarina de cerca de 1425, mandada construir por Constan a


Rodrigues, mulher de Jo o Gon alves.

4. Altar da Capela de S. Paulo. Mandada construir por Jo o Gon alves Zarco cerca
1426.

5. Capela dos Milagres. Constru da em 1420 e reconstru da em 1803, ap s o aluvi o,


gravura de 1850.

6. Monumento ao Infante D. Henrique (Funchal) da autoria de Leopoldo de Almeida,


inaugurado a 28 de Maio de 1947.

7. Monumento evocativo do descobrimento do Porto Santo. Escultura de Ant nio


Arag o. Inaugurado a 23 de Fevereiro de 1960.

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