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REFERÊNCIAS BÁSICAS PARA O EXERCÍCIO DE ATELIÊ

D
ando seqüência às etapas do ateliê, o roteiro de projetação ambiental urbana
proposto ao longo deste capítulo objetiva aportar metodologicamente a
construção de uma síntese projetual das referências empíricas apreendidas
da cidade, a partir da análise ambiental (módulo I - capítulo III), atuando na
superação de conflitos identificados e no atendimento das demandas sócio-espaciais
urbanas.

Trata-se pois de um exercício de desenho urbano que se encaminha através da


resolução do sistema de interfaces que estruturam a cidade e o território, enfatizando
a articulação de propostas à macro-escala.

Sustentabilidade, Esta síntese projetual pode ser entendida como a montagem de um conjunto de
diversidade diretrizes que incidam sobre a conflitualidade do sistema ambiental urbano,
e estabilidade constituindo-se em alternativas projetuais com capacidade de resposta aos conflitos
identificados, no sentido de reordenar/reconfigurar a estrutura da cidade para garantir
sustentabilidade ao sistema.

Conforme foi discutido nos capítulos anteriores, a sustentabilidade está intimamente


relacionado com dois aspectos:

A estabilidade, ou seja, o grau de coesão do tecido sócio-espacial e sua capacidade


de manutenção e reciclagem dos fluxos de matéria, energia e informação que
alimentam as demandas do sistema; e a diversidade, ou seja, a multiplicidade de
agentes e de oportunidades econômicas, sociais e culturais que denotam a
complexidade do sistema urbano, e através da qual se manifestam múltiplos
significados, valores e “visões de mundo”, configurando um fascinante mosaico de
sub-culturas (Alexander,1980:64-70).
atuar sobre a estrutura urbana 2

A metodologia de avaliação preliminar dos conflitos, potencialidades e demandas do


sistema urbano - a análise ambiental - foi construída, ao longo do capítulo III, através
de três procedimentos de investigação aplicados à cidade escolhida como estudo de
caso para o ateliê: i) a identificação e avaliação de interfaces físicas; ii) a
identificação e avaliação de interfaces sociais e: iii) o mapeamento de aspectos da
cultura subjetiva, pesquisados desde a percepção que a população tem da sua
cidade.

A projetação ambiental se define essencialmente como um processo cíclico de


investigação-ação, podendo ser melhor compreendida como uma cadeia de ações
1
apoiadas na contínua leitura dos padrões estruturadores do ambiente. Trata-se
agora de arriscar o salto de uma instância analítica (a compreensão do conjunto de
padrões ambientais que, a grosso modo, descrevem o sistema urbano) para um
momento propositivo (a ação transformadora sobre este conjunto de padrões, desde
sua interpretação, no sentido de responder aos conflitos, demandas e
oportunidades).

Requisitos Como coloca Pesci, “sem conflito não há projeto”, significando que a compreensão
para dos padrões estruturadores existentes (consolidados, conflitivos e/ou potencialmente
um projeto articuladores) sinaliza as variadas alternativas de resolução, cabendo ao projetista
ambiental
responder, técnica e politicamente, às demandas espaciais legitimadas pela história
social da cidade.

Um padrão é uma “entidade” que ”descreve um problema que se coloca, vez por
outra, em nosso entorno, e logo explica o núcleo da solução para este problema, de
tal maneira que se possa utilizar desta solução mais de um milhão de vezes sem
2
necessidade de repeti-la nunca exatamente” (Alexander et al,1980:9) .

Trabalhar metodologicamente com a noção de padrões pressupõe “interpretações e


leituras sintéticas e eficientes de como se comportam fenomenologicamente os
3
sistemas ambientais” (Accatolli,1995:154) .

Em outras palavras, os padrões ambientais definem um conjunto de relações entre


espaço e sociedade e podem ser descritos dentro de uma certa generalidade (a
necessidade de abrigo e de contato social geram a arquitetura e as cidades, e isto é
um traço em comum à maioria das culturas, por exemplo), mas sua interpretação
exige a compreensão fenomenológica do lugar, o genius loci que resulta da
interação cultural entre homem e ambiente (a arquitetura e as cidades são diferentes,
nas distintas culturas). Na perspectiva de Accatolli, ao se fazer a transposição da
noção de padrão para o ambiente da cidade, estes constituem-se efetivamente nos
“recipientes da urbanidade”, ou seja, os espaços adaptados ao modo de vida urbano.

Assim, a síntese projetual - metodologicamente, o objetivo do módulo II - deverá


resultar em uma pauta preliminar de projetos e ações referenciadas especificamente
à dimensão sócio-espacial (relacionando espaços e práticas sociais no sentido de
“lugares recipientes”) da cidade, constituindo-se em uma tradução dos padrões
ambientais urbanos identificados, interpretados e (re)propostos.

Nesta perspectiva, a natureza da pauta, seus conteúdos e encaminhamentos


projetuais, deve refletir o contexto da atuação: o lugar, as condições naturais, a
economia, as práticas sociais, a cultura, a arquitetura do território, etc.. Sua
construção espelha as escolhas do projetista. E seu ponto de vista - suas

1
No sentido dado por Alexander et al (1980). Pattern no original.
2
Tradução livre do autor, a partir da versão em espanhol: Alexander et al (1980). A Pattern Language / Un Lenguage de
Patrones. Barcelona, Gustavo Gili.
3
Tradução livre do autor. Accatolli (1995). Los Patrones.
atuar sobre a estrutura urbana 3

“ideologias”, convicções, valores, julgamentos e opções metodológicas - deve estar


subordinado às lições do ambiente.

Da mesma forma, implícito à relação projetual espaço-práticas sociais, a noção de


interface subsidia o processo de decisão pela indicação de espaços potenciais de
abordagem. À macro-escala, isso significa localizar espacialmente, e de forma
articulada, os componentes da estrutura urbana sobre os quais a atuação será
dirigida de maneira decisiva.

Como ponto de partida, como arcabouço metodológico aberto e adaptável a distintos


contextos de cidade e ambiente - seguindo as considerações de Pesci para a
4
construção da cidade sustentável (1995b:98-112) - sugere-se um roteiro projetual
que atenda aos seguintes requisitos:

1. Definição de um tema gerador para o processo de projetação, com


capacidade de resposta para a ação concertada sobre o ambiente
(Pesci,1995a:42);
2. Definição e qualificação dos elementos de centralidade urbana com vistas a
uma estruturação multifocal;
3. Definição e qualificação de uma rede de interfaces sociais que se traduza
em oportunidades e justiça social na cidade;
4. Definição e qualificação de uma rede de espaços abertos que aporte a
(re)construção da urbanidade cotidiana;
5. Definição e qualificação dos canais da estrutura viária principal como
5
suporte construído para o acesso democrático à cidadania;
6. Definição de hipóteses de crescimento urbano que se antecipem e/ou
6
respondam à Leonia, Zora e Pentesilea ;
7. Definição das diretrizes básicas quanto aos processos produtivos urbanos
reconhecendo vocações culturais e redirecionando fluxos econômicos;
8. Definição de mecanismos de participação e gestão na perspectiva de uma
concertação ampla entre os agentes do desenvolvimento urbano.

A pauta Guardando coerência com a análise ambiental, a resposta a este conjunto de


projetual requisitos pode ser descrito na forma da pauta projetual preliminar incluindo:

1. A programação geral de propostas e ações a serem implementadas, tais


como: equipamentos de uso público, abertura de novas vias, investimentos
em saneamento, educação, saúde, etc., com justificativa na avaliação prévia
dos conflitos, potencialidades e demandas detectados;

2. A definição, a partir da programação geral, de critérios qualitativos e


quantitativos para o desenvolvimento das ações e propostas: a localização
dos equipamentos urbanos e seu dimensionamento em função da demanda,
a população a qual se destinam os investimentos, as articulações viárias
necessárias a consolidação das propostas, os dimensionamentos espaciais,
critérios de projeto para a inserção de elementos novos na paisagem urbana,
etc.

4
A pauta de requisitos para o projeto ambiental foi tomada inicialmente de um memorável curso ministrado por Rubén Pesci
no PROPUR-UFRGS, sobre La Ciudad de la Urbanidad (1994). Já se encontrava esboçada no Manifesto In-Conformista que
faz parte de La Ciudad In-Urbana (1985) e foi melhor sistematizada no artigo La Construcción de la Ciudad Sustentable
(1995). Como guia projetual foi acionada com sucesso pelo seu autor e equipe da Fundación CEPA no projeto Asunción 2000
(1995). Aqui sua aplicação está livremente adaptada às necessidades e demandas do ateliê. A eventual mas sempre produtiva
convivência com Pesci tem sido, neste sentido, muito rica para o aperfeiçoamento de sua utilização.
5
O termo acesso é utilizado, neste caso, na perspectiva de Lynch (1982): acessibilidade, oportunidade, escolha como
condições à uma cidade socialmente justa.
6
Referência ao livro La Ciudad In-Urbana, de Rubén Pesci (1985), analisado com maior profundidade no capítulo II.
atuar sobre a estrutura urbana 4

2
APRENDENDO DE ECLETA

P
ara discutir com alguma profundidade cada um destes requisitos e suas
interrelações, se recorrerá à formulação de uma "cidade imaginária". Este
7
cenário urbano virtual funcionará como espaço-modelo ao mesmo tempo
descritivo e propositivo, para a discussão de um conjunto de considerações de
caráter teórico-metodológico, na forma de um roteiro básico para o processo de
8
projetação .

É o primeiro contato com um modelo que será examinado nos diferentes aspectos de
sua estrutura. Por estrutura, entenda-se um conjunto dinâmico de elementos e
fatores interdependentes que guardam entre si articulações sistêmicas. Modificações
que incidam sobre os elementos, alterações dos fatores que trazem estabilidade a
esta estrutura, trarão reflexos sobre o sistema como um todo. Desde este ponto de
vista, a estrutura de uma cidade ou território pode ser compreendida como um
sistema ambiental complexo.

A cidade "imaginária" chama-se ECLETA.

ECLETA, a cidade das contradições

Aspectos Ecleta localiza-se às margens de uma baía fluvial imaginária. junto ao rio "Que-Não-
geográficos Existe". A paisagem próxima é exuberante, caracterizada por uma floresta nativa
e econômicos
remanescente. Suas principais atividades econômicas dizem respeito a um parque
industrial consolidado e às atividades agrícolas desenvolvidas nas proximidades. É
também um centro universitário, e a presença do rio empresta-lhe uma vocação
turística, principalmente em função da área de praia situada na direção SO, e do
florescimento dos esportes náuticos.

A cidade das Ecleta tem sido chamada por seus críticos - políticos, técnicos ou simplesmente
contradições curiosos - de "cidade das contradições".

Isto pode ser explicado recordando-se a original interpretação de Pesci (1985) para
algumas das cidades invisíveis de Italo Calvino (1991). Conforme foi examinado no
capítulo II, Pesci elege três das narrativas de Calvino como paradigmas ilustrativos
da conflitualidade crescente da cidade contemporânea.

7
Na perspectiva teórica lançada por Françoise Choay (1985:153). O espaço-modelo é uma abstração que representa os
traços conceituais característicos de uma determinada ideologia projetual. De forma complementar, o espaço-retrato é a
materialização da paisagem espacial desta mesma ideologia.
8
Dada a evidente simplificação em termos de modelo descritivo/prescritivo que esta "cidade imaginária" representa, as
questões assinaladas ao longo deste capítulo deverão ser complementadas através de leituras, discussões e exemplificações
fundamentadas no projeto em andamento no ateliê.
atuar sobre a estrutura urbana 5

Leonia (Pesci,1985:9-23) é a "cidade voraz", das tramas produtivas e do alucinante


valor de troca: tudo consome. E a tudo que consome, transforma em dejeto.

Pentesilea (Pesci,1985:27-39) é a "cidade in-urbana", caracterizada pela perda dos


referenciais de centralidade, pela ausência de uma imagem coletiva, pela anomia e
falta de arraigamento. Pentesilea faz parte da periferia das grandes cidades.

Zora (Pesci,1985:43-61) é a "cidade artificial", resultante de uma ação urbanística


9
disciplinar sobre o espaço. É o resultado do projeto urbano moderno: cada coisa em
seu lugar, abrindo mão da diversidade, em troca de uma estabilidade que não leva
em conta a cultura de seu povo.

Ecleta é a cidade das contradições porque configura-se como um puzzle entrópico


onde convivem os três paradigmas. Ecleta é, ao mesmo tempo. Leonia, Pentesilea e
Zora. Ecleta não difere muito das tantas cidades de médio e grande porte que se
encontram por ai. O aventureiro Marco Polo não teria maiores dificuldades para
reconhecê-la.

Contexto Agora que já se conhecem algumas das características desta cidade imaginária,
regional
pode-se visualizá-la em seu contexto regional, o que permite perceber suas relações
com as cidades vizinhas:

ECLETA e o contexto regional:


Leonia ( a cidade "voraz"); Zora (a cidade "artificial"); Pentesilea (a cidade "ïn-
urbana").
A interpretação de Pesci (1985) para os paradigmas de conflito da cidade
contemporânea.

O cenário imaginado se completa com a inserção da cidade na região. São visíveis


algumas vantagens da localização geográfica da cidade. Ecleta não é o "centro do
mundo", mas certamente polariza e exerce poder (político, econômico, sócio-cultural)
sobre sua região de influência.

As decisões estratégicas - técnicas e/ou políticas - em relação à Ecleta afetarão,


conseqüentemente, a uma parcela bem maior do território.

Personagens As personagens que fazem de Ecleta uma cidade viva - a população residente, os
no cenário visitantes eventuais, gente que vem negociar, trabalhar, estudar, etc. - também são
imaginário inventados. Isto não significa que elas não tem importância. Ao contrário, Ecleta,
imersa em suas contradições, pretende ser uma cidade democrática, onde a
participação e o engajamento na solução dos problemas urbanos reflitam-se
concretamente nos desígnios da cidade.

Por que não?

9
Disciplina como estrutura de controle. Ao disciplinamento do espaço corresponde o controle sobre a sociedade. Como em
Foucault (1977,1982).
atuar sobre a estrutura urbana 6

3
REQUISITOS PARA UMA PAUTA DE AÇÕES E PROJETOS URBANOS

E
cleta configura, como foi mencionado na seção anterior, um modelo para a
reflexão projetual. É um instrumento, um recurso do pensamento, para que
se possa pôr em evidência alguns aspectos da cidade real.

A cidade virtual tornar-se-á tangível a medida em que, para além das teorias, retrate
situações concretas de configuração urbana, recorrentes à cidade contemporânea,
tão mais urgentes quando referidos à cidade brasileira. Desde este ponto de vista, o
roteiro metodológico para a projetação ambiental será construído a partir do exame
dos distintos requisitos relacionados a este processo vis-a-vis com algumas
características incorporadas ao modelo.

tema gerador: a construção da abordagem

Definição do O tema gerador (Pesci,1995:42) consiste na definição em um marco projetual a


tema gerador
partir do qual estarão encadeadas todas as ações de projetação sobre o ambiente.
Encerra, neste sentido, o amadurecimento de uma postura política frente ao
problema do projeto urbano e, também, a interpretação conceitual sobre a cidade e
os conflitos urbanos.

Assim, a definição do tema gerador encaminha o necessário reconhecimento do(s)


conflito(s) estrutural(ais) do sistema urbano em que se esteja atuando. A adequação
na determinação do tema gerador sinaliza o processo decisório para a
implementação da pauta projetual, um “ponto de alavanca” (Pesci,1995:42) onde se
apoia o projetista no sentido de obter legitimidade social ao processo de projeto. Em
outras palavras, ao se delimitar o tema gerador, se está estabelecendo o eixo da
ação projetual: é preciso reconhecer os elementos do sistema capazes de alavancar
um processo de desenvolvimento urbano factível e sustentável, a partir do qual
poder-se-á, com maior possibilidade de lograr os objetivos, implementar a pauta de
projetos/ações no sentido de uma transformação positiva do ambiente urbano.

Alguém já disse que o "título é o melhor resumo de um trabalho". Esta expressão


pode valer uma analogia bastante simples para o que se está discutindo. Definir um
“título” - e o enredo correspondente - significa comprometer-se com uma idéia
central (o tema gerador) e, a partir deste comprometimento (político, conceitual e
metodológico), estabelecer uma pauta projetual passível de ser socialmente
legitimada.

Posicionamento Por outro lado, a sintonia entre o tema gerador proposto e o quadro real dos conflitos
conceitual e demandas, condição precípua à factibilidade e à legitimação social do projeto, exige
versus subsistema do projetista ambiental a clara compreensão da lógica determinante dos conflitos
decisor
estruturais. Em outras palavras, é preciso entender a natureza e a grandeza dos
fatores ambientais que incidem na geração do próprio conflito, definidores das
instâncias de decisão quanto a forma de atuação projetual.

É o que Pesci define como subsistema decisor, ou seja, o conflito cuja superação é
decisiva para o encadeamento de um processo amplo de transformações sobre o
ambiente. Pesci coloca que “(…) podem haver mais de um subsistema decisor e mais
de um tema gerador, e é comum que hajam. Quando se trata de um sistema
ambiental social, muito coeso, que funciona como um sistema, é comum que haja um
prioritário” (Pesci,1995:42).
atuar sobre a estrutura urbana 7

A definição do subsistema decisor passa, portanto, pela compreensão, dentro do


conjunto de conflitos e potencialidades identificadas, de que elemento(s) e fator(es)
produz(em) os maiores desajustes no sistema para, desde a definição de objetivos
que atuem sobre a problemática detectada, estruturar a estratégia de projetação.

As demandas urbanas exigem uma concertação que é, ao mesmo tempo técnica e


política. Neste sentido, o urbanista deve atuar como um mediador dos distintos
conflitos e interesses entre os atores sociais, renunciando a neutralidade do técnico
facilitador e assumindo o papel de articulador do processo de projetação continuada.

Estabelecido o tema gerador como linha-mestra do processo de projetação, sendo o


subsistema decisor a agenda prioritária para a ação projetual, estes devem balizar a
coerência entre os diferentes níveis de intervenção (o desenho, o planejamento e a
gestão da cidade), os diferentes recortes espaciais (as instâncias cotidianas, urbanas
e territoriais), e as múltiplas inserções temporais (de curto, médio e longo prazo, por
exemplo).

A modo de exemplo, pode-se construir um quadro simulado referido à imaginária


cidade de Ecleta. Os resultados de uma hipotética análise ambiental poderiam
identificar o seguinte quadro de conflitos e demandas:

1. A perda da competitividade do setor industrial, gerando o fechamento de


empresas e postos de trabalho;
2. A crise do setor turístico, levando a um aumento do desemprego e afetando
consideravelmente a arrecadação municipal;
3. O crescimento desordenado da cidade que avança sobre a área rural através de
loteamentos e ocupações irregulares. A cidade está crescendo ilegalmente e, na
periferia, as pessoas vivem em meio ao lixo;
4. O porto teve uma queda significativa no movimento de cargas. Fala-se em
privatização;
5. Por outro lado, a área portuária, outrora orgulho dos cidadãos de Ecleta,
transformou-se em uma zona decadente, tanto em termos do abandono das
construções, quanto do crescimento da criminalidade;
6. O alto grau de contaminação do rio “Que-Não-Existe” por dejetos industriais e
domésticos;
7. Da mesma forma, a cidade não sabe mais o que fazer com o lixo urbano. As
áreas de depósito estão saturadas e contaminam os arroios formadores da bacia
do rio “Que-Não-Existe”;
8. A construção de um grande conjunto habitacional voltado para famílias com
baixos ingressos de renda na periferia NE da cidade. Segundo muitos
moradores, isto desvalorizará os terrenos das zonas próximas e propiciará a
depredação da mata nativa remanescente na região;
9. O centro da cidade tornou-se congestionado e inseguro. Os edifícios construídos
recentemente o foram as custas da destruição do patrimônio cultural;
10. A falta de opções culturais. O único cine-teatro da cidade foi fechado,
transformado em estacionamento pago.

Não é difícil perceber algumas relações sistêmicas entre os distintos conflitos. Na


verdade, em seu conjunto, os conflitos e demandas contam a história dos desajustes
ambientais urbanos em Ecleta. Uma cidade assim tem sérios problemas de
sustentabilidade que se refletem tanto na dimensão econômica, quanto na
deterioração do ecossistema natural que dá suporte vital à cidade e na
impossibilidade do exercício pleno da cidadania pela “periferização” física e social da
10
população .

10
Sobre esta questão, referindo-se à cidade brasileira, ver Campos Filho (1989:54), por exemplo.
atuar sobre a estrutura urbana 8

A tabela abaixo relaciona os diferentes conflitos, construindo uma avaliação


hierárquica entre eles:

CONFLITO CSI CST CRD CAP DFR CRQ PLU CCH DCV FOC P
Crise no setor IS 2
industrial (CSI)
Crise no Setor IS 2
turístico (CST)
Crescimento IFS 1
desordenado(CED
)
Crise na atividade IS 2
portuária (CAP)
Decad. Física IFS 2
área portuária
(DFP)
Contaminação do IF 1
rio (CRQ)
Problemas com o IF 3
lixo urbano (PLU)
Construção conj. IFS 3
Habit. (CCH)
Decadência IFS 1
“centro velho”
DCV)
Falta de opções IS 2
culturais (FOC)
Somatório Import. 9 12 7 10 9 13 10 5 13 6 T
Relacional

• A última coluna da matriz aponta o grau de importância perceptiva de cada


conflito, na avaliação estruturada da cultura subjetiva: P = f(percepção),
assumindo os valores (1) grande importância; (2) importância média; (3) pouca
importância para os moradores;
• A diagonal T avalia as tipologias de interfaces envolvidas (IFS - interfaces sociais
e físicas; IS - interfaces sociais; IF - interfaces físicas);
• A última linha aponta a importância hierárquica relacional de cada conflito, pelo
somátório das colunas: quadro negro = 2 pontos; quadrado cinza = 1 ponto;
quadrado branco = 0 pontos.

Da mesma forma, o diagrama abaixo permite visualizar a rede interrelacional que se


forma entre o conjunto dos conflitos:
atuar sobre a estrutura urbana 9

Diagrama de conflitos: rede interrelacional


A interpretação da matriz permite definir níveis hierárquicos de importância
11
relacional para o conjunto de conflitos:

Nível 1 Nível 2 Nível 3


Contaminação do rio 13 Problema do lixo 10 Falta de opções 06
“Que-Não-Existe” urbano culturais
Decadência do “centro 13 Crise na atividade 10 Construção do 05
velho” portuária conjunto habitacional
Crise no setor turístico 12 Crise no setor 09
industrial
Decadência física da 09
área portuária
Crescimento 07
desordenado
Quadro-síntese: hierarquia relacional de conflitos

A avaliação política deste quadro hipotético poderia gerar uma reflexão, por exemplo,
sobre i) a importância da interrelação cidade/rio, negligenciada no processo de
crescimento urbano recente; ii) a necessidade de um redesenho econômico da
cidade e da região, resgatando o seu papel de centralidade regional em um
panorama de economia globalizada; iii) a urgência de ações revitalizadoras para o
“centro velho” e a área portuária; iv) a necessidade de políticas para o campo social
e; v) a rediscussão dos parâmetros de ordenação urbanística de Ecleta.

Na instância de tomada de decisões, o conselho político do governo municipal


poderia definir as prioridades no sentido da construção de uma estratégia para a
superação deste quadro. Conscientes da importância da percepção da população na
detecção e avaliação dos problemas ambientais urbanos de Ecleta e, no sentido de
formar opinião e convocar à participação, os publicitários encarregados poderiam
chegar à definição do mote projetual.

11
A importância relacional diz respeito ao grau de encadeamento de cada conflito em relação ao conjunto. Por exemplo, a
contaminação do rio tem impactos em relação à decadência do centro velho, à crise no setor turístico, ao problema do lixo
urbano, etc.
atuar sobre a estrutura urbana 10

Sentinela de Ecleta
Ano LXX - Volume 256 Ecleta, 21 de abril de 1997.

Ecleta no patamar do terceiro milênio:


o reencontro entre a cidade e a natureza
Conselho Político do Governo define
estrategia para projeto ambiental

a mídia !

Este poderia ser o “título” que resumisse a estratégia e a construção do tema


gerador: alavancar um processo de desenvolvimento sustentável a partir da
recuperação da interface cidade/rio, na busca da reconciliação possível entre os
ecossistemas urbano e natural.

Trata-se pois de uma temática de resolução de interfaces, socialmente legitimada


pela história cultural da cidade, arraigada na memória coletiva de seus cidadãos.
Pode significar o desejado ponto de alavanca às ações de recuperação ambientais.
Ao mesmo tempo, enseja claramente a definição do subsistema decisor: a
recuperação do patrimônio natural através de projetos de descontaminação da bacia
do rio “Que-Não-Existe”.

a estruturação multifocal12

Elementos de A noção de multifocalidade diz respeito à existência de diferentes polos de interação


centralidade social no território urbano, ou seja, lugares que se caracterizem por elevada
urbana
centralidade social, no sentido de se constituírem efetivamente em interfaces sociais
positivas: lugares onde se faz reconhecer a urbanidade.

Multifocalidade Nesta perspectiva, a centralidade pode ser reconhecida - e potencializada - pela


, justaposição de atividades atratoras, conformando lugares urbanos onde existam as
centralidade, maiores oportunidades de encontro e troca entre as pessoas estejam. Um lugar
acessibilidade
central é um lugar onde acontecem coisas que importam ao cotidiano das pessoas.
E, neste sentido, os centros, em diferentes níveis de articulação hierárquica, são
espaços na cidade percebidos e valorizados pela população da cidade como
importantes para a realização plena da vida urbana. Sem legitimação social, não
existe centralidade.

Legitimidade Desde este ponto de vista, centralidade e acessibilidade são conceitos intimamente
social relacionados: espaços projetados para serem apropriados como centros da vida
urbana somente serão socialmente legitimados se for garantido o acesso franco aos
cidadãos.

No âmbito do projeto ambiental urbano, é importante que se possa identificar a


presença de centros consolidados ou potenciais, a partir da qual se buscará
reforçar/construir um caráter aglutinador destes lugares urbanos.

Conceito de Uma interessante conceituação de centro, enquanto espaço urbano dotado de certas
centro qualidades sócio-espaciais que excepcionalizam determinadas “partes” da cidade, foi
de Alexander
construída por Alexander e sua equipe do Center of Enviromental Structures (1987:

12
As questões sobre multifocalidade, centralidade e interfaces sociais são objeto de uma reflexão mais aprofundada ao longo
da seção 2 do capítulo V.
atuar sobre a estrutura urbana 11

92-99) em A new theory of urban design, de onde destacam-se, resumidamente, as


seguintes características:

i. O centro é uma "entidade" urbana: pode ser um edifício, um espaço aberto,


um jardim, uma borda, uma "porta" urbana, ou um "lugar" complexo em que
muitas - ou todas - essas coisas aconteçam ao mesmo tempo;
ii. De um modo geral, um "centro" apresenta algum tipo elementar de simetria,
como uma regularidade de desenho;
iii. Um "centro” é um espaço articulado física e perceptivamente com seu
entorno;
iv. Uma cidade deve apresentar pequenos, médios e grandes "centros", o que
estabelece distintos níveis de percepção e apropriação por parte da
população.

De imediato, deve-se reconhecer a relação hierárquica entre estes diferentes níveis,


tanto no que tange à diversidade das interfaces sociais, quanto à intensidade de uso
e ao significado cultural, vinculado à memória coletiva, de cada centro. Ao se admitir
a relação centralidade/acessibilidade, o conjunto de centros identificáveis pode
permitir a visualização de uma estrutura em rede, cujas conexões efetivas tendem a
reforçar, ou não, a estrutura de centralidade.

A ausência de referências claras de centralidade remete à noção de uma cidade in-


urbana (Pesci,1985:27-39), insustentável do ponto de vista cidadão. Cidades como
Pentesilea são amontoados de construções que não configuram uma estrutura de
centralidade. A ausência de atributos culturalmente sensíveis reduz a urbanização a
uma forma de periferia sem imagem. Ou antes, uma imagem de pesadelo. Ou como
acentua Pesci, citando Maurice Cerasi, "a verdadeira história da cidade
contemporânea é a história da periferia. E é na periferia onde, com efeito, se verifica
a produção desta cidade in-urbana" (1985:29).

Não deve ser perder de vista que, entre os conflitos detectados em Ecleta, a perda de
significação histórica e cultural da área central da cidade e o crescimento
desordenado, particularmente da periferia, foram elementos importantes na definição
da estratégia global de projetação.

Diante desta perspectiva, é importante enfatizar a necessária interrelação entre a


noção de centralidade e os demais atributos ambientais da estrutura urbana. Em
outras palavras, os elementos de centralidade, os espaços abertos, os canais e
setores produtivos, etc. devem ser pensados como partes articuladas de uma
complexa interface social que constitui-se no locus da urbanidade.

Tomando este ponto de vista, a urbanidade pode ser compreendida como uma
qualidade sócio-espacial que se recria cotidianamente, através da percepção, da
fruição e da apropriação dos espaços públicos da cidade. E também no interior do
espaço privado dos indivíduos, famílias e grupos sociais.

Intervalo entre Neste sentido, estabelece-se entre público e privado, um intervalo sócio-espacial a
o público e o ser compartilhado (Hertzberger,1996), uma interface entre o cotidiano individual e a
privado
vida urbana construída coletivamente.

Observe-se a mapa esquemático abaixo, que procura representar a estrutura de


centralidade da cidade de Ecleta:
atuar sobre a estrutura urbana 12

Diagrama de Centralidade: hierarquia e conexões imediatas

A partir de critérios quantitativos, é possível mensurar a hierarquia relativa de cada


centro identificado. Isto pode ser feito, por exemplo, através da medição de fluxos de
pessoas e bens, pela densidade de atividades terceárias, pelo grau de contiguidade e
permeabilidade das edificações com usos comerciais, pelo gradiente de valores
fundiários, etc.

Qualitativamente, esta avaliação pode ser construída através da percepção


estruturada de como as pessoas interagem com o ambiente, nos espaços centrais,
seu comportamento e “práticas de lugar” (Castello et al,1986, 1995; Certeau,1985).

No caso específico, verifica-se a existência de um grande centro articulador (nível 1 -


coincidindo com o “centro velho” da cidade), articulado imediatamente com centros
menores (níveis 2 - centro especializado - e 3 - centros de bairro). Observa-se ainda
a presença de centros de nível 4, que, no caso, representam polarizações incipientes
e/ou potenciais.

Hipótese Uma hipótese projetual, no sentido de reforçar a estrutura de centralidade em Ecleta,


projetual revitalizando os distintos centros como interfaces sociais e culturais, poderia, por
exemplo, conduzir ao modelo abaixo:

Hipótese projetual para reforçar a estrutura de centralidade

A hipótese de projeto persegue os seguintes objetivos:

i. Revitalizar funcionalmente o centro velho, através de projetos de recuperação


urbana que incluíssem a redesenho de espaços públicos, a valorização do
patrimônio arquitetônico e a implementação de uma programação cultural para
voltar ocupar os “espaços” do centro da cidade;
ii. Produzir, através de projetos específicos, novos fatos urbanos, multiplicando a
oferta de interfaces sociais positivas, particularmente junto à orla e à periferia
(quadrados cheios);
iii. Reforçar o caráter multifocal, através do aumento de acessibilidade entre centros
de diferentes níveis, criando novas rotas de transporte e valorizando os marcos
referenciais da paisagem urbana;
atuar sobre a estrutura urbana 13

iv. Potencializar a estruturação dos centros de nível 4, através de projetos


específicos e incentivos normativos; (quadrados vazados).

as interfaces sociais
e a oferta de espaços e equipamentos públicos

Dando seqüência à construção desta abordagem, é fácil reconhecer que a estrutura


13
urbana comporta-se como um sistema de interfaces tanto no que se refere ao
suporte físico das atividades urbanas - interfaces construídas ou espaços naturais
adaptados - quanto ao “modo de vida” das pessoas na cidade. Em uma perspectiva
projetual, particular atenção deve ser dada ao caso das interfaces sociais
institucionais - cívicas e/ou culturais - pois permitem compreender melhor o sistema
urbano a partir da visualização espacial da distribuição dos equipamentos públicos de
interesse social.

O primeiro momento deste reconhecimento é o da identificação dos elementos do


sistema: sua distribuição espacial, concentração ou dispersão, qualidade relativa do
serviço prestado, acessibilidade, adequação às demandas, capacidade aglutinadora,
potencial de interação social, etc.

Através das investigações no campo da percepção, é possível se descobrir quais os


lugares mais “queridos” pela população em sua experiência cotidiana de apropriação
dos espaços da cidade. Estes serão, de maneira muito provável, espaços
preferenciais para ações respaldadas pela legitimação social.

Centralidade As concentrações percebidas na distribuição geralmente indicam os pontos de


social máxima centralidade social, ou seja, os lugares urbanos onde existem, quantitativa e
qualitativamente, maiores possibilidades de encontros entre as pessoas. A ausência
destas polarizações pode, ao contrário, indicar uma excessiva dispersão das
facilidades urbanas o que, tendencialmente, indica a dificuldade no reconhecimento
de uma imagem coletiva culturalmente significativa, ao nível do usuário. Como já foi
dito, cidades sem centralidade assemelham-se à Pentesilea de que nos fala Pesci.

O mapa esquemático abaixo representa a distribuição de interfaces sociais


institucionais em Ecleta. A contraposição desta distribuição à trama viária permite
intuir as relações entre o conjunto de interfaces sociais, a acessibilidade urbana e a
distribuição dos espaços abertos.

Distribuição de Interfaces Sociais

13
Quanto à abordagem conceitual, retome-se o capítulo II. Para consulta das fontes originais ver Fundación CEPA.1987a;
Perez,1995.
atuar sobre a estrutura urbana 14

A cidade não é Alexander (1988), em A city is not a tree, mostra através de duas representações
uma árvore
teóricas - a árvore e a semigrelha - a distinção entre o que o autor define como
14
cidades naturais e cidades artificiais.

Cidades naturais As cidades naturais, para Alexander, são aquelas que caracterizam-se por um
e artificiais crescimento relativamente espontâneo, resultante de um processo histórico de
produção social. Por outro lado, cidades ou partes de cidades deliberadamente
criadas e projetadas, são definidas pelo autor como artificiais, na medida em que
substituem a lógica histórica de construção urbana por uma ideologia projetual de
ordenação e disciplinamento do espaço.

Os dois modelos podem ser diagramaticamente traduzidos:

representações do autor, baseadas em Alexander(1988)

Alexander é frontalmente crítico em relação aos projetos urbanos estruturados a


partir do modelo árvore que "desconectam" os múltiplos âmbitos urbanos que na
cidade natural - de crescimento espontâneo - acontecem sobrepostos e
interrelacionados. Sua postura projetual é enfática: deve-se reconhecer no modelo
semigrelha uma representação espacial de uma estrutura social multifacetada e
complexa, recuperando valores de urbanidade eventualmente perdidos na
hegemonia do projeto urbanístico moderno.

Semigrelha Aproximando a abordagem da cidade como sistema de interfaces, com as


representações teóricas propostas por Alexander, se pode concluir que Ecleta, dada
a distribuição de suas interfaces sociais e do estabelecimento de suas conexões
axiais imediatas, funciona como uma semigrelha, permitindo múltiplos canais de
interrelações entre as distintas atividades e pontos de interesse.

Ecleta é uma semigrelha

a rede de espaços abertos

14
O trabalho citado de Christopher Alexander está referido com maiores detalhes no capítulo II.
atuar sobre a estrutura urbana 15

Lugares urbanos A noção de estrutura espacial à maneira de uma semigrelha remete inequivocamente
de apropriação
pública
à idéia de uma rede cujos nós desempenham o papel de pontos de interação social,
de convergência cívica e de construção de significados coletivos. Em outras palavras,
trata-se aqui da dimensão espacial da vida pública; atributo imprescindível para a
urbanidade que se revela na estruturação dos espaços abertos (Pesci,1995:107-8).

Desde este ponto de vista, o sentido que se quer dar à expressão espaço aberto
pode ser definido pelo âmbito de apropriação dos diferentes lugares da cidade. Nesta
perspectiva, os espaços urbanos podem ser caracterizados como públicos ou
privados.

Interfaces sociais A rede de espaços abertos é, portanto, o conjunto espacialmente articulado dos
não formalizadas lugares urbanos de domínio público, naturais ou construídos, caracterizados pela
apropriação coletiva. Neste caso, ao projetista ambiental importa muito mais a
percepção e as formas de apropriação do espaço pelos cidadãos do que o estatuto
jurídico de propriedade. Um terreno vazio que é utilizado pelos moradores de um
bairro como ponto de encontro e para o “jogo de bola”, mesmo sendo privado, pode
ser compreendido como aberto no sentido de sua apropriação. Os grandes estádios
de futebol de Porto Alegre, embora pertencentes ao patrimônio dos respectivos
clubes, são indubitavelmente lugares de convergência social, significativos pelo ritual
coletivo que abrigam.

Uma das formas consagradas de avaliar as relações entre as dimensões pública x


privada do espaço urbano é a sua representação como um diagrama de fundo-e-
figura que permite uma visualização gestáltica da questão.

Figura-fundo O mapa esquemático abaixo representa Ecleta na forma de um destes diagramas:

Mapa de figura e fundo

Em negro, estão representados os espaços de apropriação privada, definidos a partir


da maneira com que se configuram os usos e atividades urbanas, e da forma
estabelecida pelos estatutos de propriedade da terra urbana. No caso presente, o
negro representa o fundo.

Em branco estão representados os espaços de apropriação pública, identificando-se


claramente as ruas e praças, mas também os lugares onde desenvolvem atividades
coletivas dentro dos edifícios, como por exemplo, no interior de templos, prédios
públicos, teatros, a universidade, etc. Para este caso, o branco determina a figura.

Área de residência A representação permite visualizar uma relação de proporcionalidade nas formas de
e elementos apropriação do espaço, um padrão de grão do tecido urbano (área de residência, na
primários perspectiva adotada por Rossi,1982), uma estrutura de monumentos (ou elementos
atuar sobre a estrutura urbana 16

primários, na acepção do autor citado), uma relação morfológica no sentido de


continuidade ou não das tramas e das áreas edificadas, etc.

À guisa de comparação, imagine-se que Ecleta tenha sofrido uma operação de


renovação urbana "em grandes doses", utilizando-se aqui uma expressão de
Alexander (1978) para definir os grandes projetos urbanos de cunho racionalista. Os
resultados, em termos de diagrama de figura e fundo, poderiam assemelhar-se ao
esquema abaixo:

Mapa de figura e fundo resultante das operações urbanísticas

A comparação entre o diagrama original e o resultante da intervenção urbana não


deixa dúvida quanto às transformações do tecido, denotando-se as importantes
alterações em termos das relações citadas anteriormente. Neste sentido, os
diagramas de figura-e-fundo consubstanciam uma importante ferramenta de
verificação dos efeitos morfológicos, tanto em operações de redesenho urbano,
quanto para o projeto de novas partes da cidade.

Uma outra forma de representação da rede de espaços abertos prioriza a distinção


15
entre espaços públicos cuja apropriação acontece de maneira não formalizada , ou
seja, de forma gratuita e sem um estatuto legal específico de uso, além da legislação
ordinária (basicamente, ruas, praças, parques, praias, etc.) e espaços públicos de
apropriação controlada (ou seja, os espaços institucionais que funcionam em horários
pré-determinados e cuja utilização é condicionada por um estatuto formal de uso,
como no caso de edifícios públicos, ou, mais modernamente, das ruas e praças
internas dos shopping centers). O mapa esquemático abaixo procura exemplificar
esta forma de representação:

representação dos espaços públicos segundo seu estatuto de apropriação

No caso imaginário de Ecleta, a atuação projetual sobre a rede de espaços abertos é,


em grande medida, determinante do sucesso do projeto ambiental urbano. A área de
praia, a zona portuária, os espaços públicos do “centro velho” formam um conjunto
de interfaces sociais que representam a cidade como instituição urbana. São os
recipientes tangíveis da memória coletiva.

15
Refere-se às Interfaces sociais não formalizadas. Ver capítulo II.
atuar sobre a estrutura urbana 17

Práticas A óbvia conclusão que se pode chegar (mas tantas vezes esquecida pelo urbanismo
cotidianas moderno) é de que a cidade não prescinde de uma estrutura de espaços abertos que
reflita as práticas sociais cotidianas (Certeau,1985) dos seus cidadãos. Reconhecer
estes padrões e utilizá-los como ferramenta de projeto reflete a maturidade da
postura urbanística do técnico e potencializa a legitimação social de suas ações.

a estrutura viária principal16

Conectores A estrutura viária principal define, nos âmbitos intra e inter urbanos, o conjunto de
urbanos interfaces de acessibilidade (Fundación CEPA,1987…), ou seja, é a estrutura física
e regionais
de suporte ao sistema de circulação urbana, materializada pela rede de canais que
conectam as diferentes partes da cidade e pelo sistema de controle de tráfego.

Em termos de descrição e/ou projetação do sistema de interfaces de acessibilidade,


alguns critérios são particularmente importantes:

i. A racionalização das redes de transporte público buscando a ubiqüidade dos


serviços, a eficiência econômica e a justiça social;
ii. a qualidade (o estado de conservação, o tipo de pavimento, por exemplo) dos
canais de circulação;
iii. a quantidade e a freqüência das linhas de transporte público;
iv. a localização e adequação dos terminais e pontos de transbordo;
v. a definição de demandas, da capacidade e da adequação tecnológica do sistema.

Interfaces Atuar sobre a estrutura viária principal (ou estrutura de circulação - EC) deve
de acessibilidade significar uma busca no sentido de homogeneizar a acessibilidade urbana. Em outras
palavras, significa tornar acessível para toda a população as facilidades urbanas. EC
deve estar imediatamente articulada em relação aos distintos subsistemas urbanos,
permitindo fluxos rápidos e integrando as diferentes partes do território da cidade.

EC é também, em grande medida, responsável pela imagem e legibilidade da


17
cidade . Neste sentido, a estrutura viária, além de sua função primeira - garantir os
fluxos urbanos -, deve oportunizar a apropriação da rede de espaços abertos,
facilitando a orientação e a identificação de marcos referenciais perceptíveis na
18
paisagem urbana (landmarks) . A estrutura viária é, também, um importante
componente morfológico e, neste sentido, permite ao urbanista (re)criar através do
desenho, relações estruturais no âmbito espaço- sociedade.

O desenho viário deve ser pensado, também, em termos de infraestrutura, uma vez
que consome significativa parcela dos investimentos públicos na cidade (para se ter
uma idéia, os custos da estrutura viária superam a soma dos custos de todos os
19
outros sistemas de infraestrutura) . Significa dizer que a racionalidade do sistema
viário implica em menos custos de implantação, de manutenção de redes, e de
operação do sistema de transportes públicos, entre outros aspectos. Outro aspecto
importante é a adequação da estrutura de suporte viário às tecnologias de transporte
usuais. Não esquecendo que caminhar é sempre uma ótima maneira de andar pela
cidade.

Tramas viárias Consonante com esta perspectiva, Leslie Martin (1975) aponta para o caráter das
como tramas viárias como geradoras da estrutura urbana. Tomando este ponto de vista, as
geradoras da
estrutura urbana
16
Acessibilidade e a estruturação viária são o tema da seção 3 do capítulo V.
17
Neste sentido, ver Lynch (1980), particularmente o capítulo I.
18
Idem, ver especialmente o capítulo III.
19
ver Mascaró (1985)
atuar sobre a estrutura urbana 18

tramas seriam determinantes, em grande medida, o desempenho do sistema urbano,


20
refletindo-se decisivamente na adequação e na eficácia da forma urbana , gerando
além de acessibilidade, uma legibilidade que é particular a cada cidade.

Ao mesmo tempo, a definição de parâmetros geradores da trama - as dimensões dos


canais e quarteirões, os conectores de articulação entre áreas distintas, por exemplo
- permitirá ao urbanista, através de processos de simulação urbana, uma visão prévia
da ocupação das áreas de expansão, podendo-se assim determinar, com maior
factibilidade e consistência, a dimensão morfológica e a programação dos diferentes
usos e equipamentos públicos.

O mapa abaixo representa uma leitura da estrutura viária principal (ou estrutura de
circulação) de Ecleta:

Mapa da Estrutura Viária Principal (EC)

No mapa esquemático estão representados os principais elementos da estrutura


viária principal:

i. Com traço mais grosso, estão representadas as vias principais, que são, ao
mesmo tempo, os principais canais de circulação e principais eixos do
sistema de transportes públicos;
ii. Com traço de espessura média, as vias secundárias, conectores intra-
urbanos;
iii. Com traço fino sobre fundo branco, as vias projetadas no sentido da
expansão da cidade;
iv. Com traço cinza fino, limitando a área urbana, uma avenida de circunvalação
coincidente com a demarcação do perímetro urbano.
v. Os quadrados vazados representam os terminais de transporte, com
destaque para o terminal central;
vi. Os quadrados cheios representam pontos de transbordo do transporte
público;
vii. Os pontos negros apontam os principais nós viários.

O projeto de estrutura viária, conforme representado acima, permite que se observe


algumas intenções estratégicas no âmbito do planejamento do sistema de circulação
e transportes urbanos:

i. Em primeiro lugar, destaca-se a intenção de estabelecer uma hierarquia


aberta para o sistema viário: as vias principais e secundárias definem uma
trama básica que delimita setores urbanos (unidades) de caráter local, sem
que isto signifique um cerceamento de fluxos em qualquer direção;
ii. A existência dos terminais de transporte e os pontos de transbordo permite
que se conclua pela intenção de estabelecer um sistema integrado de
transporte público;
20
Adequação e eficácia são categorias de rendimento apontadas por Lynch (1985) como requisitos para a “boa forma” urbana.
atuar sobre a estrutura urbana 19

iii. O sistema funciona, basicamente, como uma macro grelha direcional,


garantindo uma acessibilidade relativamente homogênea para todas as
partes da cidade;
iv. O sistema está projetado com vistas ao futuro: a definição da trama viária
básica na área de expansão objetiva subordinar o projeto dos novos
loteamentos a uma certa estabilidade e continuidade viária;
v. A existência da via perimetral revela a intenção de determinar um limite
urbano através de uma interface construída. A estratégia é discutível: o anel
de acessibilidade configurado por esta via facilita a ocupação para além do
perímetro urbano;
vi. O destaque dado aos diferentes nós viários faz pensar na necessidade de
projetos específicos para as distintas condições de cruzamentos.

Interpretação É importante destacar que as decisões em termos da estrutura de circulação devem


"aprender" dos padrões existentes no sentido de buscar uma clara adequação do
plano de obras às reais necessidades e recursos disponíveis. Os critérios listados no
início desta seção podem ser tomados como ponto de partida para a avaliação do
desempenho do sistema e, a partir disto, definir as pautas projetuais específicas,
relativas à estrutura de circulação.

Uma vez mais se quer reforçar a idéia de que a estrutura viária é, para além da
função de circulação, um importante referencial da imagem da cidade. Os muitos
lugares configurados pela trama viária podem traduzir-se como referências culturais
muito arraigadas no espírito da população.

O desenho urbano, enquanto ferramenta de organização do território, pode qualificar


a estrutura viária tanto como geradora do tecido urbano e dos fluxos circulatórios,
quanto de lugares urbanos qualificados, definidores de espaços abertos e de
interfaces sociais positivas.

os crescimentos e bordos do sistema21

Hipóteses de O mapa esquemático abaixo representa o macrozoneamento da cidade de Ecleta:


crescimento
urbano:
resolução das
interfaces
intra e
periurbanas

ECLETA: macrozoneamento

As zonas denominadas "A" representam os setores mais antigos da cidade.


Correspondem ao “centro velho” e a área do porto. Neste sentido, apresentam alto
grau de consolidação do tecido urbano, alta densidade residencial, concentração de
equipamentos e instituições públicas, patrimônio cultural tangível significativo e um
certo grau de deterioração física, particularmente na área portuária.

21
Crescimentos e bordos estão analisados com maior profundidade no capítulo V, seção 4.
atuar sobre a estrutura urbana 20

Como hipótese projetual, poder-se-ia especular no sentido de i) conter o


adensamento residencial, garantindo uma relação eficiente com a capacidade de
infraestrutura instalada; ii) buscar alternativas de redesenho para as áreas deprimidas
junto ao porto; iii) estabelecer mecanismos de preservação e revitalização do
patrimônio cultural (histórico/arquitetônico); iv) empreender projetos e ações
específicos que induzam a interação social e resgatem a relação cidade/rio
(redesenho dos espaços públicos, incentivos para a recuperação de fachadas,
programação de eventos); etc.

As zonas denominadas "B" representam as áreas de razoável consolidação do


tecido, aceitável qualidade do meio construído, médias e baixas densidades
residenciais, ociosidade quanto à infraestrutura instalada e tendência à
monofuncionalidade. Historicamente, são as áreas ocupadas pela expansão da
cidade a partir de sua industrialização.

A hipótese projetual sinaliza i) o adensamento a curto e médio prazo, no sentido de


otimizar o desempenho de infraestrutura; ii) o incremento de funções terceárias
(comércio e serviços), buscando garantir maior diversidade ao sistema; iii) o
desenho de interfaces sociais e de referenciais urbanos (espaços públicos,
equipamentos, mobiliário, etc.), procurando acentuar a legibilidade de uma estrutura
perceptiva; etc.

As zonas denominadas "C" representam setores de baixas densidades residenciais,


caracterizadas por escassez de equipamentos sociais, baixa qualidade do meio
construído, baixa consolidação e descontinuidade do tecido ("vazios urbanos") e
tendência à ocupação irregular. São áreas de ocupação mais recente, através de
sucessivos loteamentos originados pela construção do campus universitário e pela
abertura da diagonal sul-nordeste.

A população residente nestes setores carece de canais representativos de


reivindicação de suas demandas comunitárias: são pessoas que vieram de muitos
lugares - muitos saídos do campo para a cidade - e que não reconhecem o "lugar"
onde vivem como "seu lugar". Faltam raízes.

Como hipótese projetual, poder-se-ia especular i) no completamento e alocação de


infraestrutura urbana; ii) no estabelecimento de padrões de desenho-controle
(Krafta,1986), no que se refere à ocupação do solo e a dimensão morfológica; iii)
incentivo ao adensamento a médio e longo prazo; iv) definição de demandas e
programa de implementação de equipamentos sociais; v) implementação de
programas de organização comunitária e educação ambiental (Fundación CEPA,
1987b), etc.

O mapa de macrozoneamento define ainda uma “linha teórica” entre cidade


consolidada e periferia. Esta distinção foi realçada no diagrama no sentido de
enfatizar a necessidade de uma estratégia clara quanto aos crescimentos e os
bordos do sistema urbano. Nesta perspectiva, é preciso consolidar a cidade,
controlando o crescimento e qualificando a periferia. Transformar periferia em cidade
é, sem dúvida, um dos maiores desafios contemporâneos para o projeto ambiental
urbano.

As zonas contíguas à “esta linha teórica” definem a interface periurbana. Neste


sentido, remetem à algumas especulações: na direção NO, localizam-se as
atividades produtivas secundárias (setor industrial); o setor N, por sua vez,
caracteriza-se como interface campo-cidade, a partir do qual se consolida a interface
produtiva primária.
atuar sobre a estrutura urbana 21

Diante destes dados, a hipótese projetual busca viabilizar i) a contenção do


crescimento urbano nas direções N e NE; ii) o incentivo às atividades produtivas
primárias, objetivando a manutenção do homem no campo e o abastecimento de
hortifrutigrangeiros; ii) a inversão da tendência de dispersão da área urbana e,
conseqüentemente, a antecipação aos problemas decorrentes dessa dispersão
(garantir estabilidade ao sistema urbano); etc.

A avenida de circunvalação projetada no plano viário, para que possa desempenhar


o seu papel de continente à dispersão urbana deve ser pensada efetivamente como
uma interface social, e não meramente como um projeto de engenharia de tráfego,
objetivando exclusivamente a acessibilidade. O projeto de um parque linear ao longo
da avenida, tratando de ofertar espaços de convívio gregário e também configurando
uma interface-filtro para a conservação da floresta nativa remanescente pode ser a
resposta em termos do redesenho deste padrão ambiental.

Além do reconhecimento do quadro global da organização territorial decorrente da


ação antrópica (a transformação do ambiente pelo homem), as hipóteses projetuais
para o crescimento urbano devem ser fortemente consonantes com os
condicionantes topológicos: "aprender da paisagem existente é a maneira de ser um
arquiteto revolucionário. E não de um modo óbvio, como esse arrasar Paris para
começar de novo que propunha Le Corbusier nos anos vinte, mas sim de um modo
diferente, mais tolerante: pondo em questão nossa maneira de olhar as coisas." nos
22
ensina Venturi (1978: 22).

a cidade como lugar de produção

O mapa esquemático abaixo aponta as localizações das atividades produtivas


urbanas e o hinterland rural em Ecleta:

Diretrizes para
o sistema
produtivo:
tendências de
localização

ECLETA: zoneamento de Interfaces Produtivas Urbanas

Zoneamento O exame da distribuição dos usos urbanos permite que se intua uma espécie de
ecológico zoneamento ecológico, determinado, em grande medida, por fatores econômicos e
sociais.

Tais tendências de localização relacionam-se, por exemplo, com a competição pelo


solo urbano mais valorizado, pela equação definida entre custos de transporte e
renda da terra, pelo presença de nichos sociais (étnicos, religiosos, de status - no

22
Tradução livre do autor, a partir da versão em espanhol. Venturi, Izenour, Scott-Brown (1978). Aprendiendo de Las Vegas.
Barcelona, Gustavo Gili.
atuar sobre a estrutura urbana 22

caso de Ecleta, talvez as proximidades da Universidade sejam as preferidas por


estudantes e professores -, etc.). Quanto mais fortes, economicamente, e quanto
melhor articulados, social, cultural e tecnologicamente, os indivíduos, os grupos
sociais ou as atividades produtivas, maior será a sua capacidade de competir pelas
23
melhores localizações.

Partindo desta hipóteses teórica, pode-se examinar o mapa de Ecleta:

i. O “centro velho”, correspondende ao DCN - Distrito Central de Negócios -


na tradição da sociologia urbana americana, localizado junto a interface
costeira, representa a principal concentração de negócios terceários:
grandes lojas, comércio e serviços de utilização periódica ou eventual,
bancos e instituições financeiras, etc.;
ii. A Zona Portuária, ocupando a área mais central da Baía, atravessando
um período crítico em termos de movimentação de cargas, e
marcadamente deteriorada física e socialmente;
iii. O Setor da Universidade, junto à interface costeira, na direção SE;
iv. A Zona Industrial localizada no setor NO e sofrendo um processo de
esvaziamento com a fechamento de empresas e postos de trabalho;
v. O hinterland rural, ocupando a região NE, define a interface cidade/campo
e estabelece uma "fronteira" de produção primária, articulada, em termos
regionais, com as cidades vizinhas;
vi. A área clara, que se desenvolve linearmente ao longo da orla, representa
as concentrações terceárias ligadas à indústria e à atividade portuária:
comércio atacadista, grandes armazéns, depósitos, escritórios ligados ao
comércio de exportação, etc.. Concentra também casas noturnas e é o
principal locus de prostituição;
vii. A área marcada com o padrão cinza escuro, que estabelece um cinturão
periférico em torno do “centro velho” e da zona do porto, e que avança ao
longo da diagonal sul-nordeste, define os setores de ocupação mista,
abrigando tendencialmente altas e médias densidades habitacionais e as
atividades de comércio e serviços de suporte à função residencial, sejam
de uso diário ou periódico, e coincidindo fortemente com os principais
eixos de transportes;
viii.Para o Norte, além da zona cinza escuro, envolvendo o setor industrial e
avançando em direção ao campo, a interface periurbana: tecido com
pouca consolidação e grandes carências infra-estruturais;
ix. A sudeste, junto a área de praia, estabelece-se o setor hoteleiro,
fortemente vinculado à área turística. São hotéis, bares, restaurantes,
danceterias, etc., mesclados com habitação multifamiliar em altura.

Regularidades na Pode-se apontar algumas regularidades nestas localizações: padrões de


localização das concentração, relação entre localizações comerciais e eixos de transporte, intensa
atividades valorização do solo urbano junto à orla, localização industrial periférica mas de alta
econômicas
acessibilidade, etc.

Em termos espaciais, verifica-se a importante relação entre a localização das


atividades produtivas urbanas e o preço da terra, definindo diferentes valorizações e
intensidades na ocupação do solo. A mapa esquemático abaixo ilustra a variação dos
valores fundiários em Ecleta.

23
A idéia de um zoneamento ecológico sugere a retomada das tradições da Escola de Chicago, na ecologia humana (ver por
exemplo, Park,1987; Cabral,1982; Delle Donne,1980), e de Alonso & Wingo, na economia urbana (por exemplo, Carrion, 1980;
Cabral, op.cit.; Delle Donne, op.cit.).
atuar sobre a estrutura urbana 23

2
ECLETA: valores fundiários em US$/m

A análise comparada dos dois mapas diagramáticos permite visualizar as vocações


econômicas da cidade: a existência do porto é um forte determinante do perfil
produtivo de Ecleta. A identificação da queda na movimentação de cargas e a
deterioração física do porto e seu entorno, como conflitos importantes, é bastante
significativa.

Notas sobre o Os terrenos junto ao “centro velho” seguem bastante valorizados, uma vez que
mercado contam com os sistemas mais completos de infra-estrutura urbana. A terra mais cara,
imobiliário no entanto, ainda é na área de praia, contígua ao setor hoteleiro. Os terrenos
próximos a área industrial, que contam com excelente infra-estrutura urbana, em que
pese a decadência do setor, seguem relativamente valorizados: a um processo de
especulação imobiliária com a perspectiva de mudanças funcionais importantes na
área.

Os terrenos mais baratos, como não poderia deixar de ser, localizam-se na periferia
NE da cidade. Chama a atenção, no entanto, a grande valorização da área próxima a
universidade, bairro que tem sido preferido pela indústria da construção civil para o
lançamento de novos empreendimentos. Não é a toa que os ecletianos referem-se a
este lugar como “centro novo”.

As decisões no âmbito do sistema produtivo urbano podem, por um lado, reforçar as


tendências de localização identificadas atualmente, ou, por outro, redirecionar o
crescimento da cidade, por exemplo, ao privilegiar determinados setores produtivos.
A refuncionalização do setor industrial é um tema em pauta na agenda ambiental de
Ecleta.

Por outro lado, a rol de centralidade regional que a cidade desempenha permite intuir
na sua gradativa especialização terceária. Ecleta, aos poucos, tornar-se-ia um centro
prestador de serviços, com abrangência regional.

A função de centro universitário não pode ser esquecida. A “Universidade Autônoma


de Ecleta” pode vir a ter um papel decisivo, ao atuar no âmbito da pesquisa e do
desenvolvimento tecnológico. Espacialmente, a área configura-se hoje como uma
emergente e importante centralidade.

Por fim, parece ser o setor turístico o mais afetado pelo quadro relacional dos
conflitos ambientais. A contaminação do rio, a queda no movimento portuário, a
degradação do patrimônio cultural e a falta de opções culturais desenham a crise no
setor, reforçando a adequação na definição do tema gerador do processo de
projetação ambiental proposto.

No que tange ainda à abordagem ambiental do projeto urbano, não é demais


recordar que as intervenções relacionadas aos processos produtivos - no âmbito de
uma política de desenvolvimento - devem estabelecer uma perspectiva de
atuar sobre a estrutura urbana 24

sustentabilidade, ou seja, responder positivamente aos desafios de um crescimento


urbano justo e que garanta a estabilidade do sistema urbano. Do ponto de vista
24
econômico, a cidade deve ser, antes de tudo, eficaz na busca de um equilíbrio na
oferta e demanda de emprego.

Neste sentido, a pauta resultante do processo de projetação deverá levar em conta,


por exemplo, a capacidade de atrair investimentos públicos e privados para o setor
produtivo, a inserção de novas tecnologias (a biotecnologia, a informática, os novos
materiais, etc.) no sistema produtivo, os possíveis incentivos à instalação de novas
atividades econômicas, o impacto dos novos usos no ambiente, sua compatibilidade
e complementariedade em relação ao sistema, etc.

Na perspectiva atual, a ação consorciada dos interesses públicos e privados não


pode deixar de ser levada em conta na definição de estratégias para o
desenvolvimento da cidade.

gestão & participação25

A instância Tudo o que foi pensado em termos da estruturação urbana de Ecleta não deixará de
da gestão ser apenas um exercício intelectual abstrato se não estiver ancorado pela legitimação
e da participação
no processo social. Ou seja, pensar também a “estrutura” de gestão faz parte do processo de
projetação ambiental que se está propondo.

Como já foi enfatizado no capítulo I, esta legitimação acontece de forma encadeada,


respondendo, pelo menos, a três relações básicas: a relação espaço-demandas
técnicas, a relação espaço-demandas políticas, e a relação espaço-demandas
comunitárias. Neste sentido, o projetista ambiental urbano deverá enfrentar algumas
questões básicas, no sentido de garantir a pré-factibilidade política da pauta projetual:

i. A identificação dos agentes de desenvolvimento envolvidos no processo, e o


papel de cada um, em termos de uma gestão compartilhada das
responsabilidades sobre as diferentes ações (lembrando que, segundo
Carlos Nelson do Santos (1988), os atores do desenvolvimento urbano fazem
parte de três grandes grupos de interesse: o governo, as empresas e a
população);

ii. A capacidade de resposta em termos dos distintos mecanismos que regulam


o desenvolvimento urbano, seus limites e o alcance de cada um. Neste
sentido, o projetista deve ser capaz de avaliar criticamente os instrumentos
de planejamento e gestão. Por exemplo: qual o alcance do plano diretor, ou
de uma lei que regule os loteamentos, na configuração da paisagem urbana?
Ou do orçamento municipal, na definição de investimentos públicos de
urbanização?

iii. A necessária discussão relativa aos canais de participação dos diferentes


agentes na gestão ambiental urbana: a organização comunitária, o papel das
associações empresariais e dos sindicatos, as diferentes associações sociais
e culturais, a educação para a cidadania e o ambiente, a comunicação social
e a formação de opinião, etc.

concluindo…

24
Uma vez mais, a noção de eficácia remete aos atributos da boa forma urbana propostos por Kevin Lynch (1985).
25
Os instrumentos de planejamento e gestão urbana são o objeto específico de reflexão ao longo do capítulo VI.
atuar sobre a estrutura urbana 25

As considerações feitas ao longo deste capítulo devem ser tomadas como um guia
metodológico em construção, no sentido de apreender uma maneira de pensar o
urbanismo a partir de uma abordagem ambiental. Isto é, integral e integrativa das
condições sócio-históricas e naturais da cidade, na busca de uma perspectiva
contextualizada de investigação-ação sobre o espaço da cidade.

Os requisitos apontados como partes do processo de projetação ambiental não


fazem sentido se isolados de seu contexto. Tampouco excluem do método projetual
outras possíveis abordagens. São recortes que se justapõem na construção das
estratégias de desenho urbano ambiental. São, neste sentido, interfaces em um
conceito interativo de estrutura urbana. Ou, fazendo analogia com o pensamento de
Alexander (1985), articulam-se e interagem na forma de uma semigrelha. E não
como uma árvore!

É hora, portanto, de arriscar-se ao projeto. Arriscar riscar uma arquitetura para a


urbanidade.

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