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O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como Facilitador da

Formação de uma Racionalidade Substantiva

REGIS TOCACH
Mestrando em Organizações e Desenvolvimento pela UniFAE – Centro Universitário Franciscano
do Paraná, especialista em Direito Empresarial Societário pelo UnicenP – Centro Universitário
Positivo, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O mecanismo de desenvolvimento limpo. 3. A


racionalidade funcional sob a ótica de Guerreiro Ramos. 4. A racionalidade
substantiva sob o enfoque de Guerreiro Ramos. 5. A adoção do mecanismo de
desenvolvimento limpo como facilitador da alteração da racionalidade
hegemônica. 6. Conclusões.

RESUMO: O mecanismo de desenvolvimento limpo criado pelo art. 12 do Protocolo de Quioto é um


instrumento cuja finalidade precípua é fomentar um processo de desenvolvimento dos países
excluídos do Anexo I do referido Protocolo. Para que um projeto venha a ser validado como um
MDL é necessário que este cumpra alguns requisitos além de proporcionar o mero crescimento
econômico, mas deve promover a distribuição de renda, a redução das desigualdades sociais e
incrementar o desenvolvimento local. Nesse sentido o projeto de MDL deve ser visto como um
instrumento de consecução da formatação de uma nova racionalidade: a substantiva, haja vista
que a racionalidade hegemônica, a formal, não contém os elementos suficientes para assegurar o
sucesso desses projetos.

PALAVRAS-CHAVE: Mecanismo de desenvolvimento limpo – Racionalidade formal – Racionalidade


substantiva – Guerreiro Ramos – Protocolo de Quioto.
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1. INTRODUÇÃO.

A perpetuação da espécie humana sobre o Planeta Terra é objeto de estudo de diversos


estudiosos, sendo a sustentabilidade de sua existência analisada sob diversos enfoques
diferentes. A coexistência de crescimento econômico e populacional com a preservação dos
estoques naturais existentes e a recomposição daqueles já degradados é um pseudo-paradoxo
sobre o qual muito já se produziu.

Ocorre que o grande problema enfrentado pelos estudiosos para analisar a questão
referente à adoção de um processo de desenvolvimento sustentável realmente eficiente esbarra
na dificuldade existente em romper-se com o atual modelo de racionalidade hegemônico, que
Guerreiro Ramos (1989) vai chamar de funcional. Somente se torna possível identificar a solução
para os grandes problemas mundiais se esse enfoque for profundamente alterado, retornando-se
a uma racionalidade conceituada como substantiva.

Para tanto o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) concebido no artigo 12 do


Protocolo de Quioto pode servir de facilitador no processo de alteração do referido modelo de
racionalidade, haja vista que algumas características importantes do mecanismo podem ser
vislumbradas como indicativos dessa alteração tão significativa.

É certo que a simples adoção do MDL não é, de forma alguma, um ponto de ruptura, mas
sim, um facilitador do processo de substituição do modo de pensar dos homens, com limites bem
específicos.

2. O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO

Conforme descrito supra, o MDL é fruto da criação do artigo 12 do Protocolo de Quioto que prevê
a criação de um Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no qual os países não incluídos no seu
chamado Anexo I – que inclui os países desenvolvidos e aqueles em transição para uma
economia de mercado – poderiam comercializar as reduções certificadas de gases de efeito
estufa (GEE) com os países incluídos no Anexo I.

Isto porque os países listados no referido Anexo I e signatários do referido Protocolo


comprometeram-se a reduzir suas emissões de GEE a níveis equivalente a 95% (noventa e cinco
por cento) das emissões registradas em 1990 e, em caso de não conseguirem cumprir suas
metas, poderão adquirir os certificados de reduções de GEE dos países excluídos do referido
Anexo I.

Com essa estrutura de comercialização de reduções certificadas de GEE pretendeu-se


inicialmente criar uma alternativa para aqueles países que não conseguissem cumprir suas metas
previamente estabelecidas e fomentar a redução das emissões dos países qualificados como “em
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desenvolvimento” através de um mecanismo que reunisse não só o a redução da emissão de
GEE, mas fosse um catalisador de “boas práticas” (FRANGETTO; GAZANI, 2002, p. 120).

A implementação de projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo implicam,


necessariamente, a transferência de tecnologias limpas e outros compromissos acessórios dos
países listados no referido Anexo I para com os países dele excluídos (FRANGETTO; GAZANI,
2002, p. 59). Esses compromissos acessórios e a própria transferência de tecnologias mais limpas
aos países considerados “em desenvolvimento” demonstram um rompimento, ainda que parcial,
da forma de pensar e agir dos países listados no Anexo I que abandonam conceitos até então
consolidados de precificação e reificação do conhecimento científico e tecnológico.

A transferência de conhecimento e a concessão de oportunidades aos países “em


desenvolvimento” deixam de ser moedas de troca para se tornarem condição necessária, conditio
sine qua non, para o desenvolvimento mútuo e o cumprimento das metas estabelecidas pelos
próprios países signatários do Protocolo de Quioto.

O princípio basilar do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é o do Poluidor-Pagador, no qual o


agente causador de qualquer dano ou impacto ao ambiente deve restaurá-lo às condições
anteriores e arcar com os custos da recomposição e do período que em o ambiente manteve-se
degradado. Mas, com a grande diferença fundada na necessidade de adequar-se a
responsabilidade, e resgatar o potencial do impacto acumulado durante os longos anos de
crescimento econômico desregrado dos países ricos, tem-se uma alteração substancial no modo
de se entender o problema e enfrentá-lo, pois rompe-se com o raciocínio imediatista, de curto
prazo com foco principal no meio pelo qual pretende-se atingir os fins delineados.

A assunção de responsabilidade pretérita pelos países signatários do Protocolo e listados no


Anexo I demonstra a existência de um elemento diferenciado que até então não se podia
identificar em negociações internacionais: a formação de uma consciência de que os atos de
todas as nações geram alterações significativas no ambiente dos demais países.

Tal concepção vai além da adoção do princípio do poluidor-pagador, extrapola o princípio da


precaução, beirando a consolidação da adoção da Teoria do Dano Ambiental Futuro que nada
mais é que a responsabilização do agente pela prevenção ou redução drástica das conseqüências
futuras de atos já praticados (CARVALHO, 2007, p. 74).

Se até então vigia o princípio da precaução, através do qual eram proibidas as ações
potencialmente lesivas ao ambiente que não tivessem sua segurança comprovada de forma
científica, agora passa-se a responsabilizar todo e qualquer ato que tenha ou venha a ter
conseqüências danosas, compelindo-se o agente a prevenir ou reduzir de forma considerável o
impacto futuro de sua atividade.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo vai ainda além, pois compele os países do Anexo I a
resgatar o passivo gerado pelo processo de crescimento econômico e incentiva aqueles que não
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possuam tal encargo em um primeiro momento a se comprometerem de forma tão ou mais
intensa.

Portanto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é muito mais que um mero instrumento


financeiro que permite às nações signatárias do Protocolo de Quioto e comprometidas em reduzir
seus níveis de emissão de GEE a patamares inferiores àqueles havidos em 1990 cumprirem suas
metas, é, em verdade, um grande delimitador do desencadear de um processo complexo de
mudanças.

3. A RACIONALIDADE FUNCIONAL SOB A ÓTICA DE GUERREIRO RAMOS.

A razão moderna é alvo de duras críticas de Guerreiro Ramos (1989) que faz a sua análise a
partir da influência dessa razão sobre a Teoria da Organização, mas que pode facilmente ser
estendida para os demais campos de estudo da ciência social ocidental. Essa racionalidade é
definida como instrumental, precisamente como a habilidade adquirida pelo esforço que permite
ao sujeito realizar o cálculo utilitário de conseqüências (RAMOS, 1989, p. 3 apud HOBBES, 1974,
p. 45), fazendo com que a razão deixe de ser normativa para tornar-se formal e meramente
instrumental.

Através desse entendimento.

O próprio Guerreiro Ramos identifica a racionalidade funcional como aquela legitimadora do


sistema de mercado vigente em que “um alto grau de desenvolvimento técnico e econômico pode
corresponder a um baixo desenvolvimento ético” (RAMOS, 1989, p. 7). Isto porque as ciências
sociais, ao adotarem a racionalidade funcional, irão valer-se dos métodos de estudo das ciências
naturais para validar suas hipóteses, de modo que o fim pretendido pelo cientista já é previamente
determinado e o meio pelo qual serão as hipóteses validadas seja mais importante que a própria
hipótese.

Por esses motivos a racionalidade funcional tornou-se hegemônica e maculou toda a capacidade
humana de assimilação racional do fenômeno histórico. Ramos cita que “Quando a viabilidade e a
experiência substituem a verdade como o critério de linguagem dominante, há pouco, se é que há
alguma, oportunidade para a persuasão das pessoas através do debate racional. A racionalidade
desaparece, num mundo em que o cálculo utilitário de conseqüências passa a ser a única
referência para as ações humanas” (1989, p. 18-19). Nessa lógica, os valores que antes eram
humanos passam agora a serem entendidos como valores econômicos. Como o mercado não
aceita subjetividade humana, a sociedade precisa se ater a fatos, deixando os valores de lado.

Tanto o ser humano, quanto o mercado, segundo tal lógica, preocupar-se-ão exclusivamente com
sua autopreservação, deixando de agir racionalmente para reagir a estímulos. Com isso, torna-se
possível a dominação e a redução do homem a mero espectador dos fenômenos sociais,
extirpando-lhe a condição de ator.
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Ou seja, a racionalidade funcional torna-se hegemônica ao retirar a capacidade de auto-crítica dos
atores e agentes envolvidos no mesmo processo histórico, de modo que nenhum embate racional
se torna possível para a persuasão e alteração do modo de pensar e agir dos envolvidos. Não se
busca a verdade, mas se contenta em criar experiência e em se demonstrar a viabilidade do
processo ou da hipótese, de modo que essa formatação do pensamento, através da própria
linguagem, impede que se valha desse mesmo pensamento para oferecer-lhe crítica formando
uma barreira inexpugnável para que a hegemonia do pensamento seja desarticulada através de
suas próprias premissas.

Ainda, se a racionalidade funcional vem a ser tida como a legitimadora do sistema de mercado
vigente, nada mais natural que sua construção derive de um conjunto de instrumentos que partam
do próprio mercado para justificá-lo em si mesmo. E para que a crítica ao sistema de mercado
vigente e à racionalidade funcional hegemônica possa ser compreendida é necessário que se
conceba inicialmente um facilitador externo que possa superar a limitação de linguagem e de
método criada propositalmente para permitir a sobrevivência do modo de pensar atual.

4. A RACIONALIDADE SUBSTANTIVA SOB O ENFOQUE DE GUERREIRO RAMOS.

O que se convencionou identificar como racionalidade funcional veio a ser caracterizada como um
legitimador do sistema de mercado, alterando substancialmente o modo de pensar, primando-se
pela forma e pelo método e negando-se o interesse pela apreensão da verdade e do
conhecimento profundo do objeto.

Entretanto tal racionalidade é específica de um período histórico em que o sistema de mercado


adquire a primazia sobre as demais formas humanas de associação e existência, perdurando até
os tempos atuais.

Antes da formação desse ideário havia uma racionalidade fundada em valores éticos e na razão
que tinha por preocupação inicial a apreensão completa do seu objeto para alcançar a verdade
existente nas hipóteses formuladas.

Essa racionalidade substantiva perdura por longo período histórico, sendo uma teoria normativa
(RAMOS, 1989, p. 27). Com isso se pretende identificar uma diferente forma de entender os
fenômenos humanos que não apenas através da criação de experiência ou da demonstração de
viabilidade de hipóteses, mas de forma a identificar a verdade contida nos fenômenos e permitir a
apreensão de sua essência.

A racionalidade substantiva, portanto, servirá de elemento libertador da amarra restrita criada pelo
modo hegemônico de pensamento, permitindo a ampliação das relações humanas e o
alargamento das interdependências do homem para com o próprio homem e para com o ambiente
no qual ele está inserido. Através de tal ampliação é dado ao homem perceber as necessidades
havidas para a sua manutenção e sobrevivência, algo até então por ele ignorado, uma vez que o
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objeto não lhe era revelado pela forma hegemônica de apreensão do problema. Em outras
palavras, somente através da alteração de racionalidade é que se pode conhecer a verdade e
vislumbrar-se de forma efetiva os problemas em que o homem está inserido.

Desta forma, a racionalidade funcional é a categoria de análise da teoria formal, e representa uma
elaboração lógica, sendo, portanto, nominalista. Já a racionalidade substantiva é a categoria de
análise da teoria substantiva, sendo ordenativa, o que a caracteriza como normativa. Assim, a
teoria substantiva está ligada ao processo de realidade, enquanto a teoria formal é formada de
meros instrumentos convencionais de linguagem.

Para Guerreiro Ramos (1989, p. 29), é característica essencial para a formatação da racionalidade
substantiva a regulação política da economia, o que leva o homem a agir por iniciativa própria,
desvencilhando-o do dilema da mera existência voltada à sua sobrevivência.

Portanto, uma vez que o homem dotado de racionalidade substantiva pode preocupar-se com
outros dilemas além da mera sobrevivência, bem como tem sua atenção voltada para a busca da
verdade e da essência dos objetos e das relações, é natural que ele passe a identificar hábitos
que possam comprometer sua perpetuação e busque soluções novas para os problemas que lhe
eram até então desconhecidos. O homem pode ver-se como integrante de um sistema maior, do
qual ele depende diretamente e sobre o qual possui considerável influência, tanto positiva, quanto
negativa.

A razão substantiva, pois, forma o senso ético e o conjunto de valores que permitem ao homem
distinguir o que Hume caracteriza como “interesses da sociedade” que permitirão a diferenciação
entre vícios e virtudes (RAMOS, 1989, p. 32)

5. A ADOÇÃO DO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO COMO FACILITADOR DA ALTERAÇÃO

DA RACIONALIDADE HEGEMÔNICA.

Uma vez entendida a diferenciação entre a racionalidade funcional hegemônica e a racionalidade


substantiva, bem como a formatação dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo criado pelo
Protocolo de Quioto, torna-se possível realizar-se a correlação entre tais conceitos e o referido
instrumento.

O Protocolo de Quioto, em seu artigo 10, elenca uma série de obrigações dos países
desenvolvidos para com os países em desenvolvimento, para que se alcance o desenvolvimento
sustentável e, com isso, sejam gerados benefícios para todas as nações. As obrigações
assumidas no Protocolo pelos países desenvolvidos, em especial aquelas descritas no artigo 10,
demonstram que a persuasão através do embate racional tornou-se possível, de modo que a
adoção do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo pode ser entendida como facilitadora da
alteração da racionalidade hegemônica.
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Isto porque esta pode ser vista como uma clara sinalização de que ser humano deixa de ser
meramente reativo e imbuído de espírito autoconservador para tornar-se um sujeito ativo e
integrado no processo de construção histórica. Também é possível efetuar-se a leitura de que a
criação do MDL sinaliza um avanço no sentido de reduzir-se as barreiras sociais e culturais
havidas entre as diferentes nações, haja vista que formalmente os países desenvolvidos se
comprometem a proporcionar o desenvolvimento sustentável dos demais, sem que isso exija
contrapartida imediata.

Somente através da adoção da racionalidade substantiva é possível vislumbrar-se o avanço


representado pela assunção de tais compromissos por parte dos países desenvolvidos, ainda que
tais compromissos se mostrem tímidos para a solução em definitivo dos problemas globais.

A racionalidade hegemônica funcional não permite que se identifique o início de um movimento de


alteração da racionalidade neste ato, pois esse impede que a crítica ao sistema parta de dentro
dele. Nesse sentido, é bastante clara tal posição na visão de Barbosa e Oliveira (2007, p. 129-
130) quando estes afirmam não ser o Princípio do Poluidor-Pagador o fundamento do Protocolo
de Quioto para a prevenção e a reparação dos impactos das emissões descontroladas de GEE,
pois identificam no MDL apenas e tão somente a “compra e venda de um direito de poluir” (2007,
p. 130).

Ainda mais emblemática é a conclusão final do estudo de Barbosa e Oliveira (2007, p. 130) em
que se reconhece que o Protocolo de Quioto é resultado de um processo de cooperação, mas a
grande relevância é dada para a hipotética tentativa dos países industrializados para esquivarem-
se de seus compromissos, fazendo florescer a ótica pura de mercado.

Tal entendimento mostra-se viciado pela ótica funcional, uma vez que estuda os atos humanos
através da visão de mercado, de forma reativa e autopreservacionista. Porém, consoante se
pretende demonstrar, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo serviu como facilitador para a
criação de um lampejo de racionalidade substantiva em tal discurso, pois os autores reconhecem
a existência de cooperação para a preservação de um bem comum.

Em outras palavras, a alteração da racionalidade hegemônica funcional por outra substantiva é


um processo longo, complexo e que não será desencadeado por um único fato, mas sim por
vários fatos justapostos e superpostos que permitirão a emancipação do pensar.

Neste exato sentido é que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deve ser visto como um
facilitador do processo, com repercussões importantes e facilmente verificáveis, dado que da
simples análise do discurso acima é possível identificar um início desse processo.

Portanto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo demonstra inicialmente uma cooperação entre


os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, bem como uma união de esforços em torno de um
fim comum: a preservação da vida humana na Terra. Com a consolidação dessas características
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pode-se identificar que alguns dos requisitos da Teoria Substantiva, tal qual explicitada por
Guerreiro Ramos, estão presentes no processo de formação do Protocolo de Quioto.

Consoante o ensinamento de Enrique Leff (2006) a formação de uma racionalidade substantiva


estaria em estágio muito mais avançado que o descrito supra, não sendo necessária a utilização
de facilitadores, pois já existiria o que ele vem a conceituar “racionalidade ambiental” em
contraposição à “racionalidade econômica” que poderia ser qualificado como partes integrantes da
racionalidade substantiva e funcional, respectivamente.

Porém, a grande contribuição de Leff é propor que a “solução não consiste em submeter a
racionalidade econômica à lógica dos sistemas vivos ou em internalizar um sistema de normas e
condições ecológicas na dinâmica do capital.” (LEFF, 2006, p. 249), pois entende que a análise de
cada objeto demanda um apanhado de ferramentas e metodologias específicas. E descreve que a
união da racionalidade capitalista à racionalidade científico-tecnológica não tem outro fim senão
aumentar o controle social, ou seja, descreve o particular tal qual Guerreiro Ramos descreveu o
todo, e aponta alternativas viáveis para a fase de transição entre uma e outra, já que não se cogita
que isso venha a ocorrer fora de um processo dotado de várias fases.

Isto posto, verifica-se que a adoção dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo como
facilitadores do desencadeamento do processo de alteração da racionalidade hegemônica é
possível e se depender do que Leff conceitua de racionalidade ambiental, também é provável,
entretanto a duração do processo e as fases pelas quais este irá se desenvolver ainda são
incertas.

6. CONCLUSÕES.

Diante do que acima fora descrito, verifica-se que a racionalidade funcional não satisfaz os
requisitos essenciais para a constituição de um modelo que consiga estabelecer a coexistência de
preservação ambiental e crescimento econômico, muito menos o desencadear de um processo de
desenvolvimento sustentável, sendo necessária a mudança radical de racionalidade para que se
possa conciliar interesses que na forma hegemônica de pensar venham a ser dicotômicos.

Para solucionar tal questão valeu-se da construção teórica de Guerreiro Ramos (1989) sobre a
racionalidade substantiva e posteriormente a construção de Leff (2006) acerca de um porção da
racionalidade substantiva que ele convencionou chamar de racionalidade ambiental.

Portanto a alteração de racionalidade não somente é possível, como é necessária para o avanço
dos processos de manutenção da vida humana sobre a Terra, sendo o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo um dos primeiros e principais facilitadores desse processo. A duração
dessa alteração ainda é desconhecida, assim como as fases pelas quais se deverá passar, mas o
seu início já pode ser verificado pelos fundamentos descritos supra.
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Assim, verifica-se que a assunção de responsabilidades pelos países desenvolvidos quando da
assinatura do Protocolo de Quioto, de forma diferenciada dos países em desenvolvimento, bem
como o compromisso de buscar-se o desenvolvimento sustentável de todas as nações,
representam importantes avanços na forma de pensar e agir, incompatíveis com a manutenção
por prazo indeterminado de uma racionalidade funcional fundamentalmente econônico-tecnicista.
Somente através da análise fundamentada na racionalidade substantiva é que tais compromissos
vêm a representar verdadeiramente um apanhado lógico.

Aliado a isso, deve-se verificar o fato dos países desenvolvidos efetivamente estarem se
dedicando ao cumprimento de suas metas e compromissos, transferindo – ainda que de forma
tímida – a tecnologia e o conhecimento necessários para prover processos de desenvolvimento
sustentável em países subdesenvolvidos, rompendo com uma forte resistência da forma
hegemônica de pensar.

Este é um primeiro passo na direção da consolidação de uma racionalidade substantiva


emancipatória, que deverá ser seguido por diversos outros para que se venha a atingir o fim
pretendido com a alteração da racionalidade hegemônica, que é assegurar a manutenção da vida
humana.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, R. e OLIVEIRA, P. O princípio do poluidor-pagador no Protocolo de Quioto. In Revista


de direito ambiental. Ano 11, Out-Dez/2006, n.º 44, p.112-132.

CARVALHO, D. W. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. In


Revista de direito ambiental. Ano 12, Jan-Mar/2007, n.º 45, p. 62-91

FRANGETTO, F. W. e GAZANI, F. R. Viabilização jurídica do mecanismo de desenvolvimento


limpo(MDL) no Brasil. O protocolo de Quioto e a cooperação internacional. São Paulo:
Peirópolis, 2002.

LEFF, E. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2006.

RAMOS, A Guerreiro. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das
nações. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1989
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