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REGIS TOCACH
Mestrando em Organizações e Desenvolvimento pela UniFAE – Centro Universitário Franciscano
do Paraná, especialista em Direito Empresarial Societário pelo UnicenP – Centro Universitário
Positivo, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Advogado.
Ocorre que o grande problema enfrentado pelos estudiosos para analisar a questão
referente à adoção de um processo de desenvolvimento sustentável realmente eficiente esbarra
na dificuldade existente em romper-se com o atual modelo de racionalidade hegemônico, que
Guerreiro Ramos (1989) vai chamar de funcional. Somente se torna possível identificar a solução
para os grandes problemas mundiais se esse enfoque for profundamente alterado, retornando-se
a uma racionalidade conceituada como substantiva.
É certo que a simples adoção do MDL não é, de forma alguma, um ponto de ruptura, mas
sim, um facilitador do processo de substituição do modo de pensar dos homens, com limites bem
específicos.
Conforme descrito supra, o MDL é fruto da criação do artigo 12 do Protocolo de Quioto que prevê
a criação de um Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no qual os países não incluídos no seu
chamado Anexo I – que inclui os países desenvolvidos e aqueles em transição para uma
economia de mercado – poderiam comercializar as reduções certificadas de gases de efeito
estufa (GEE) com os países incluídos no Anexo I.
Se até então vigia o princípio da precaução, através do qual eram proibidas as ações
potencialmente lesivas ao ambiente que não tivessem sua segurança comprovada de forma
científica, agora passa-se a responsabilizar todo e qualquer ato que tenha ou venha a ter
conseqüências danosas, compelindo-se o agente a prevenir ou reduzir de forma considerável o
impacto futuro de sua atividade.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo vai ainda além, pois compele os países do Anexo I a
resgatar o passivo gerado pelo processo de crescimento econômico e incentiva aqueles que não
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possuam tal encargo em um primeiro momento a se comprometerem de forma tão ou mais
intensa.
A razão moderna é alvo de duras críticas de Guerreiro Ramos (1989) que faz a sua análise a
partir da influência dessa razão sobre a Teoria da Organização, mas que pode facilmente ser
estendida para os demais campos de estudo da ciência social ocidental. Essa racionalidade é
definida como instrumental, precisamente como a habilidade adquirida pelo esforço que permite
ao sujeito realizar o cálculo utilitário de conseqüências (RAMOS, 1989, p. 3 apud HOBBES, 1974,
p. 45), fazendo com que a razão deixe de ser normativa para tornar-se formal e meramente
instrumental.
Por esses motivos a racionalidade funcional tornou-se hegemônica e maculou toda a capacidade
humana de assimilação racional do fenômeno histórico. Ramos cita que “Quando a viabilidade e a
experiência substituem a verdade como o critério de linguagem dominante, há pouco, se é que há
alguma, oportunidade para a persuasão das pessoas através do debate racional. A racionalidade
desaparece, num mundo em que o cálculo utilitário de conseqüências passa a ser a única
referência para as ações humanas” (1989, p. 18-19). Nessa lógica, os valores que antes eram
humanos passam agora a serem entendidos como valores econômicos. Como o mercado não
aceita subjetividade humana, a sociedade precisa se ater a fatos, deixando os valores de lado.
Tanto o ser humano, quanto o mercado, segundo tal lógica, preocupar-se-ão exclusivamente com
sua autopreservação, deixando de agir racionalmente para reagir a estímulos. Com isso, torna-se
possível a dominação e a redução do homem a mero espectador dos fenômenos sociais,
extirpando-lhe a condição de ator.
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Ou seja, a racionalidade funcional torna-se hegemônica ao retirar a capacidade de auto-crítica dos
atores e agentes envolvidos no mesmo processo histórico, de modo que nenhum embate racional
se torna possível para a persuasão e alteração do modo de pensar e agir dos envolvidos. Não se
busca a verdade, mas se contenta em criar experiência e em se demonstrar a viabilidade do
processo ou da hipótese, de modo que essa formatação do pensamento, através da própria
linguagem, impede que se valha desse mesmo pensamento para oferecer-lhe crítica formando
uma barreira inexpugnável para que a hegemonia do pensamento seja desarticulada através de
suas próprias premissas.
Ainda, se a racionalidade funcional vem a ser tida como a legitimadora do sistema de mercado
vigente, nada mais natural que sua construção derive de um conjunto de instrumentos que partam
do próprio mercado para justificá-lo em si mesmo. E para que a crítica ao sistema de mercado
vigente e à racionalidade funcional hegemônica possa ser compreendida é necessário que se
conceba inicialmente um facilitador externo que possa superar a limitação de linguagem e de
método criada propositalmente para permitir a sobrevivência do modo de pensar atual.
O que se convencionou identificar como racionalidade funcional veio a ser caracterizada como um
legitimador do sistema de mercado, alterando substancialmente o modo de pensar, primando-se
pela forma e pelo método e negando-se o interesse pela apreensão da verdade e do
conhecimento profundo do objeto.
Antes da formação desse ideário havia uma racionalidade fundada em valores éticos e na razão
que tinha por preocupação inicial a apreensão completa do seu objeto para alcançar a verdade
existente nas hipóteses formuladas.
Essa racionalidade substantiva perdura por longo período histórico, sendo uma teoria normativa
(RAMOS, 1989, p. 27). Com isso se pretende identificar uma diferente forma de entender os
fenômenos humanos que não apenas através da criação de experiência ou da demonstração de
viabilidade de hipóteses, mas de forma a identificar a verdade contida nos fenômenos e permitir a
apreensão de sua essência.
A racionalidade substantiva, portanto, servirá de elemento libertador da amarra restrita criada pelo
modo hegemônico de pensamento, permitindo a ampliação das relações humanas e o
alargamento das interdependências do homem para com o próprio homem e para com o ambiente
no qual ele está inserido. Através de tal ampliação é dado ao homem perceber as necessidades
havidas para a sua manutenção e sobrevivência, algo até então por ele ignorado, uma vez que o
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objeto não lhe era revelado pela forma hegemônica de apreensão do problema. Em outras
palavras, somente através da alteração de racionalidade é que se pode conhecer a verdade e
vislumbrar-se de forma efetiva os problemas em que o homem está inserido.
Desta forma, a racionalidade funcional é a categoria de análise da teoria formal, e representa uma
elaboração lógica, sendo, portanto, nominalista. Já a racionalidade substantiva é a categoria de
análise da teoria substantiva, sendo ordenativa, o que a caracteriza como normativa. Assim, a
teoria substantiva está ligada ao processo de realidade, enquanto a teoria formal é formada de
meros instrumentos convencionais de linguagem.
Para Guerreiro Ramos (1989, p. 29), é característica essencial para a formatação da racionalidade
substantiva a regulação política da economia, o que leva o homem a agir por iniciativa própria,
desvencilhando-o do dilema da mera existência voltada à sua sobrevivência.
Portanto, uma vez que o homem dotado de racionalidade substantiva pode preocupar-se com
outros dilemas além da mera sobrevivência, bem como tem sua atenção voltada para a busca da
verdade e da essência dos objetos e das relações, é natural que ele passe a identificar hábitos
que possam comprometer sua perpetuação e busque soluções novas para os problemas que lhe
eram até então desconhecidos. O homem pode ver-se como integrante de um sistema maior, do
qual ele depende diretamente e sobre o qual possui considerável influência, tanto positiva, quanto
negativa.
A razão substantiva, pois, forma o senso ético e o conjunto de valores que permitem ao homem
distinguir o que Hume caracteriza como “interesses da sociedade” que permitirão a diferenciação
entre vícios e virtudes (RAMOS, 1989, p. 32)
DA RACIONALIDADE HEGEMÔNICA.
O Protocolo de Quioto, em seu artigo 10, elenca uma série de obrigações dos países
desenvolvidos para com os países em desenvolvimento, para que se alcance o desenvolvimento
sustentável e, com isso, sejam gerados benefícios para todas as nações. As obrigações
assumidas no Protocolo pelos países desenvolvidos, em especial aquelas descritas no artigo 10,
demonstram que a persuasão através do embate racional tornou-se possível, de modo que a
adoção do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo pode ser entendida como facilitadora da
alteração da racionalidade hegemônica.
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Isto porque esta pode ser vista como uma clara sinalização de que ser humano deixa de ser
meramente reativo e imbuído de espírito autoconservador para tornar-se um sujeito ativo e
integrado no processo de construção histórica. Também é possível efetuar-se a leitura de que a
criação do MDL sinaliza um avanço no sentido de reduzir-se as barreiras sociais e culturais
havidas entre as diferentes nações, haja vista que formalmente os países desenvolvidos se
comprometem a proporcionar o desenvolvimento sustentável dos demais, sem que isso exija
contrapartida imediata.
Ainda mais emblemática é a conclusão final do estudo de Barbosa e Oliveira (2007, p. 130) em
que se reconhece que o Protocolo de Quioto é resultado de um processo de cooperação, mas a
grande relevância é dada para a hipotética tentativa dos países industrializados para esquivarem-
se de seus compromissos, fazendo florescer a ótica pura de mercado.
Tal entendimento mostra-se viciado pela ótica funcional, uma vez que estuda os atos humanos
através da visão de mercado, de forma reativa e autopreservacionista. Porém, consoante se
pretende demonstrar, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo serviu como facilitador para a
criação de um lampejo de racionalidade substantiva em tal discurso, pois os autores reconhecem
a existência de cooperação para a preservação de um bem comum.
Neste exato sentido é que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deve ser visto como um
facilitador do processo, com repercussões importantes e facilmente verificáveis, dado que da
simples análise do discurso acima é possível identificar um início desse processo.
Porém, a grande contribuição de Leff é propor que a “solução não consiste em submeter a
racionalidade econômica à lógica dos sistemas vivos ou em internalizar um sistema de normas e
condições ecológicas na dinâmica do capital.” (LEFF, 2006, p. 249), pois entende que a análise de
cada objeto demanda um apanhado de ferramentas e metodologias específicas. E descreve que a
união da racionalidade capitalista à racionalidade científico-tecnológica não tem outro fim senão
aumentar o controle social, ou seja, descreve o particular tal qual Guerreiro Ramos descreveu o
todo, e aponta alternativas viáveis para a fase de transição entre uma e outra, já que não se cogita
que isso venha a ocorrer fora de um processo dotado de várias fases.
Isto posto, verifica-se que a adoção dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo como
facilitadores do desencadeamento do processo de alteração da racionalidade hegemônica é
possível e se depender do que Leff conceitua de racionalidade ambiental, também é provável,
entretanto a duração do processo e as fases pelas quais este irá se desenvolver ainda são
incertas.
6. CONCLUSÕES.
Diante do que acima fora descrito, verifica-se que a racionalidade funcional não satisfaz os
requisitos essenciais para a constituição de um modelo que consiga estabelecer a coexistência de
preservação ambiental e crescimento econômico, muito menos o desencadear de um processo de
desenvolvimento sustentável, sendo necessária a mudança radical de racionalidade para que se
possa conciliar interesses que na forma hegemônica de pensar venham a ser dicotômicos.
Para solucionar tal questão valeu-se da construção teórica de Guerreiro Ramos (1989) sobre a
racionalidade substantiva e posteriormente a construção de Leff (2006) acerca de um porção da
racionalidade substantiva que ele convencionou chamar de racionalidade ambiental.
Portanto a alteração de racionalidade não somente é possível, como é necessária para o avanço
dos processos de manutenção da vida humana sobre a Terra, sendo o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo um dos primeiros e principais facilitadores desse processo. A duração
dessa alteração ainda é desconhecida, assim como as fases pelas quais se deverá passar, mas o
seu início já pode ser verificado pelos fundamentos descritos supra.
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Assim, verifica-se que a assunção de responsabilidades pelos países desenvolvidos quando da
assinatura do Protocolo de Quioto, de forma diferenciada dos países em desenvolvimento, bem
como o compromisso de buscar-se o desenvolvimento sustentável de todas as nações,
representam importantes avanços na forma de pensar e agir, incompatíveis com a manutenção
por prazo indeterminado de uma racionalidade funcional fundamentalmente econônico-tecnicista.
Somente através da análise fundamentada na racionalidade substantiva é que tais compromissos
vêm a representar verdadeiramente um apanhado lógico.
Aliado a isso, deve-se verificar o fato dos países desenvolvidos efetivamente estarem se
dedicando ao cumprimento de suas metas e compromissos, transferindo – ainda que de forma
tímida – a tecnologia e o conhecimento necessários para prover processos de desenvolvimento
sustentável em países subdesenvolvidos, rompendo com uma forte resistência da forma
hegemônica de pensar.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RAMOS, A Guerreiro. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das
nações. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1989
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