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Para Helena e
Gilson (in memorian),
meus pais.
4
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Tarifas de ônibus urbano em cidades brasileiras: reajustes acumulados (julho/94 a junho/97)...........4
Tabela 2 - Capitais Brasileiras: Quantidade de veículos utilizados no transporte informal (maio/1997).............6
Tabela 3 - Índice de Passageiros por Quilômetro - IPK (em abril e outubro de 1994 a 1996).............................7
Tabela 4 - Transporte por ônibus: Subsídio como Percentagem do Custo Operacional em Diferentes Países
(1965-1975)....................................................................................................................................................42
Tabela 5 - Mudanças na Indústria de Ônibus Urbano - Grã-Bretanha, 1985/6 a 1991/2 (em %)......................51
Tabela 6 - Santiago do Chile: Resultados da desregulação do transporte urbano por ônibus (1978-89)............56
Tabela 7 - Comparação da performance dos sistemas de transporte público por ônibus na Grã-Bretanha:
Londres (competitive tendering) e fora de Londres (desregulação) - 1986-
95....................................................................................................................................................................61
Tabela 8 - Resultados do competitive tendering em cidades americanas......................................................... 63
Tabela 9 - Formas de delegação dos serviços de transporte urbano por ônibus em cidades brasileiras
selecionadas ...................................................................................................................................................87
Tabela 10 - Dados operacionais dos sistemas de transporte por ônibus urbanos: cidades brasileiras selecionadas
(1997)................................................................................................ ..........................................................100
Tabela 11 - Editais de licitação de serviços de transporte urbano por ônibus em localidades escolhidas
(1997)...........................................................................................................................................................109
iii
RESUMO
ABSTRACT
This Dissertation analyses the current economic regulation model of public bus
services adopted in Brazilian cities, and presents the main problems and limitations of such
model to promote quality and efficiency in operating these services. The dissertation
advocates that the introduction of competition among bus companies, in the regulation scene,
could be one of the strategies to promote operational quality and efficiency with social
appropriation of the resulting productivity. This competition, however, should not occur as a
direct dispute for the service users through the deregulation of transport services, but through
the right of entering the market by means of public bidding. In this view, based on the
landmarks of a "competitive tendering" model, the first bidding edicts in selected cities, made
in the context of the new public service concession legislation, are here evaluated. The
analysis of the edicts notes that the main problems and limitations of the current regulation
model, pointed out throughout the text, tend to prevail. In spite of the first bidding in
important Brazilian cities having meant an important advancement for the sector, the service
hiring distortions remain, and this could consequently affect operational efficiency. The forms
in which the new biddings have been defined do not insure the effective introduction of the
competitive elements and the search for quality and productivity in the services. The objective
of this research results is to challenge society, technicians and scholars in the field, to
promote regulatory reform in the country's public transportation, aiming towards operational
efficiency and improvement in the quality of services.
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
teorias apresentavam a conclusão que a regulação serviria aos interesses das indústrias, e não
os do público em geral, sendo fadada a ser capturada pelos setores regulados.
O setor de transporte coletivo urbano no Brasil também enfrenta uma crise que
pode colocar em xeque o atual arcabouço institucional que regula os serviços (Brasileiro et
alii, 1997). Os elementos que podem caracterizar esta crise estão, dentre outros fatores:
a) no crescimento dos índices de utilização de automóveis privados que atua, por um lado,
como redutor da demanda e, por outro, como limitador da fluidez circulatória e do
desempenho operacional dos veículos dos serviços de transporte público;
b) na queda generalizada de demanda pelos serviços de transporte público regular, que vem
registrando de forma continuada, elevações de tarifas, queda da capacidade operacional e
diminuição da qualidade e produtividade dos serviços; e
c) no aparecimento e crescimento do “transporte informal” ou “alternativo” na maioria das
cidades brasileiras.
Tabela 1
Tarifas de ônibus urbano em cidades brasileiras: reajustes acumulados
(julho/94 a junho/97)
Cidade Tarifa jul/94 Tarifa jun/97 Reajuste acumulado Variação real
(R$) (R$) * (%) (%) **
Aracaju 0,36 0,70 94,4 27,48
Belém 0,26 0,50 92,3 26,11
Belo Horizonte 0,35 0,65 85,7 21,78
Boa Vista 0,36 0,70 94,4 27,48
Brasília 0,54 1,00 85,2 21,45
Campo Grande 0,39 0,63 61,5 5,91
Cuiabá 0,35 0,60 71,4 12,40
Curitiba 0,40 0,65 62,5 6,56
Fortaleza 0,40 0,70 75,0 14,76
Goiânia 0,38 0,60 57,9 3,55
João Pessoa 0,29 0,50 72,4 13,06
Macapá 0,31 0,70 125,8 48,08
Maceió 0,33 0,65 97,0 29,19
Manaus 0,40 0,70 75,0 14,76
Natal NI NI NI NI
Porto Alegre 0,37 0,60 62,2 6,37
Porto Velho 0,30 0,75 150,0 63,95
Recife 0,35 0,55 57,1 3,02
Rio Branco 0,30 0,60 100,0 31,16
Rio de Janeiro 0,35 0,60 71,4 12,40
Salvador 0,35 0,70 100,0 31,16
São Luís 0,40 0,65 62,5 6,56
São Paulo 0,50 0,90 80,0 18,04
Teresina 0,29 0,50 72,4 13,06
Vitória 0,30 0,55 83,3 20,20
Fonte: Ministério dos Transportes - SEDES/DDIT (1997)
Notas: NI (não informado)
* As tarifas do ano de 1997 se referem aos valores vigentes no mês de junho;
** De acordo com o INPC/IBGE (jul/94 a jun/97) = 52,49%
Tabela 2
Capitais Brasileiras: Quantidade de veículos utilizados no transporte informal
(maio/1997)
Município ônibus kombi/van taxi-lotação microônibus moto-táxi n° de ônibus
na frota
regular
Aracaju 183 273
Belém 10 1.593
Boa Vista 439 58
Campo Grande 40 416
Cuiabá 73 NI
Distrito Federal 270 700 2.153
Fortaleza 100 900 2.000 1.565
João Pessoa 18 11 10 426
Macapá 100 NI
Maceió 400 573
Manaus 70 80 1.055
Natal 30 80 10 5 567
Palmas 10 20 80
Recife 2.376 2.467
Rio de Janeiro 2.000 1.600 6.775
Salvador 135 1.320 2.493
São Luiz 350 751
São Paulo 1.000 3.000 500 11.980
Teresina 30 300 453
Total 3.535 10.504 1.223 78 2.830 33.678
Fonte: Pesquisa sobre transporte informal nas cidades brasileiras - NTU, 1997, p. 26.
Notas: NI (não informado)
Estimativas dos órgãos de gerência ou dos sindicatos/federações. Constam apenas as capitais que
forneceram dados.
O principal impacto do aparecimento e crescimento do transporte informal ou
alternativo é a redução na demanda atendida pelos sistemas regulares de ônibus. Isso acaba
por gerar um “processo circular”, com repercussões no sistema regulamentado de transporte
urbano de passageiros: a redução da demanda do sistema regular de transporte acarreta a
queda do índice de passageiros por quilômetro - IPK (o denominador da relação entre o custo
operacional e passageiros transportados, que determina o cálculo tarifário), o que provoca o
aumento nas tarifas e estimula a entrada de novos operadores, realimentando a variável inicial
(queda do volume de passageiros transportados). A tabela 3 mostra a queda do índice de
passageiros por quilômetro em algumas capitais brasileiras para o período 1994-96.
Tabela 3
Índice de Passageiros por Quilômetro - IPK (em abril e outubro de 1994 a 1996)*
Ano/Mês Abril Índice Outubro Índice
1994 2,72 100,00 2,76 100,00
1995 2,82 103,68 2,67 96,74
1996 2,58 94,85 2,31 83,69
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/09/97, p. A-6
Nota: * Valores médios nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador,
Curitiba, Fortaleza e Brasília.
Tomando como base o que foi apresentado, poder-se-ia concluir que a regulação
econômica dos serviços de transporte coletivo urbano por ônibus tem por objetivo obter a
máxima eficiência na prestação do serviço, garantindo o bem-estar do usuário. Entretanto,
10
através da análise da literatura existente sobre o tema (Lima, 1994; Brasileiro et alii, 1996;
Ramos, 1997), e também da observação pessoal do pesquisador, observa-se que o setor se
caracteriza como um mercado “fechado”, com diversas barreiras legais à entrada de novos
operadores, e pela inexistência do risco na operação dos serviços. A atual sistemática de
remuneração (de repasse direto dos custos da operação para as tarifas) não incentiva a
racionalização de custos e estimula a ineficiência (Lindau & Rosado, 1992; Gomide, 1992).
Aparece, então, o questionamento se o atual modelo de regulação adotado nas cidades
brasileiras realmente direcionam no sentido da obtenção da máxima eficiência e da busca da
qualidade, garantindo o bem-estar social que a teoria almeja.
Como comentado, o novo cenário jurídico e institucional dado pelas Leis Federais
8.666/93 e 8.987/95, revigorou o instrumento da concessão e da permissão, introduzindo uma
série de princípios visando a alcançar a eficiência na prestação dos serviços públicos. Um
destes princípios foi a exigência da licitação para a delegação dos serviços sob critérios
exclusivamente econômicos (menor tarifa, maior oferta em dinheiro ou combinação de
ambos). Esta exigência abriu espaço para a extinção das atuais permissões e autorizações dos
serviços, na medida que estabeleceu a necessidade da realização de licitações para o
transporte coletivo urbano na maioria das cidades brasileiras.
1.4. Metodologia
A pesquisa foi embasada no levantamento e revisão da bibliografia nacional e
internacional existente sobre o tema e em observações diretas feitas pelo autor.
regiões do país e totalizarem expressiva parcela da população urbana brasileira. Foi feita a
análise dos regulamentos e dos modelos de remuneração, discutindo-se as principais
repercussões destes sobre a eficiência, qualidade e competitividade dos serviços.
De acordo com Gil (1995), embora a técnica de estudo de caso permita um estudo
aprofundado de determinado tema, ela apresenta como inconveniente a dificuldade de
generalização, por não haver uma garantia plena de que os casos escolhidos sejam
representativos do universo. Entretanto, segundo o autor, a escolha de uma certa variedade de
casos, selecionados cautelosamente e sob critérios determinados, permitem obter conclusões
de valor alto e que podem ser generalizadas para todo o universo de estudo, com razoável
grau de confiança.
A análise dos editais foi feita de forma comparativa, centrada nos itens: a)
mecanismos de incentivo à competição e existência de barreiras à entrada de novos
operadores; b) critérios de seleção utilizados; c) modelos de remuneração; d) prazo dos
contratos; e e) existência de mecanismos de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços.
13
CAPÍTULO II
REGULAÇÃO ECONÔMICA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS, CRÍTICAS E NOVOS
PARADIGMAS
INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo realizar uma revisão da literatura econômica no que
diz respeito à regulação governamental, seus fundamentos, críticas e novos paradigmas. Serão
abordados os aspectos teóricos que irão embasar a discussão no decorrer do trabalho, a
respeito da regulação dos serviços de transporte urbano por ônibus.
O capítulo é composto por cinco partes, além dessa Introdução. A análise se inicia
na seção 1, com a investigação da racionalidade teórica para a intervenção estatal na atividade
econômica. O enfoque é basicamente neoclássico, calcado na visão do que, no jargão
tradicional, se denominou “falhas de mercado”. Em seguida, na seção 2, analisam-se alguns
mecanismos de regulação sugeridos pela teoria visando alcançar a eficiência na prestação dos
serviços públicos. Na seção 3, é apresentada a visão crítica da regulação governamental,
através das teorias da “captura” e da “regulação econômica”, da escola de Chicago. A “teoria
dos mercados contestáveis” é analisada na seção 4, suas implicações de políticas públicas,
como também as críticas à teoria. Por fim, na seção 5, os comentários finais encerram o
capítulo.
Byrns & Stone Jr. (1996) relacionam os seguintes instrumentos pelos quais o
Governo pode corrigir as falhas de mercado: a) promovendo a concorrência; b) fornecendo
diretamente determinados bens; e c) modificando a composição da produção privada por meio
de impostos, subsídios ou regulações.
1
Uma situação econômica é dita eficiente de Pareto se não existir nenhuma forma de melhorar a situação de
alguma pessoa sem piorar a de outra. De acordo com a teoria microeconômica só o mercado competitivo produz
uma quantidade de produto eficiente de Pareto (ver Varian, 1994).
16
2
Para uma análise pormenorizada a respeito das falhas de mercado ver Hyman (1989).
3
Os problemas do Risco Moral (Moral Hazard) e da Seleção Adversa podem também justificar a proteção do
consumidor (ver Byrns & Stone Jr., 1996)
17
poderá resolver esse problema por meio do fornecimento direto de tais mercadorias ou
serviços ou por meio de estímulos para que empresas privadas se disponham a produzi-las.4
4
É importante não confundir bens públicos com bens produzidos pelo governo. Muitas mercadorias
publicamente ofertadas podem ser rivais e/ou exclusivas. Por exemplo, a educação é uma mercadoria rival em
termos de consumo (existe um custo marginal positivo para o seu fornecimento a um aluno adicional) e também
exclusiva (a cobrança pode excluir uma pessoa de estudar). “A educação pública é fornecida pelos governos
locais pelo fato de acarretar externalidades positivas, e não porque seja um bem público”. (Pindyck &
Rubenfeld, 1994)
5
Deve-se ressaltar que isso é verdadeiro se a função de custo for a mesma para ambos: concorrência perfeita e
monopólio.
6
Schumpeter (1984) já sugeria que o tipo de concorrência incorporada na análise microeconômica estática
não é a que realmente importa. Na verdade, é a competição dinâmica propiciada pela introdução de novos
produtos e novos processos que realmente conta: concorrência como processo de mudança, que se traduz nas
estratégias competitivas das firmas que, em disputa por mercados, empreendem esforços inovativos, produzindo
bens de maior qualidade, em maior variedade e a baixo preço. As empresas oligopólicas concorrem
acirradamente entre si, mas com outras armas, que não a guerra de preços: ampliando a capacidade produtiva à
frente do crescimento da demanda, aperfeiçoando processos produtivos e ampliando escala para reduzir custos
de produção, realizando gastos em P & D para a geração e incorporação de inovações tecnológicas, entre outras.
O beneficiário último desse processo é, sem dúvida, o consumidor.
18
morto” (deadweight welfare loss), existindo perda líquida dos excedentes dos consumidores e
produtores. Esta perda mede o custo social da ineficiência do monopólio, já que o nível de
produção é inferior ao que poderia ser, caso o preço fosse estabelecido em uma situação
competitiva.
Preço D
Perda de bem- CMg CMe
estar de
“peso morto”
Pm a
Pc
Pp
b
RMg D
c
Qm Qc Qp Quantidade
Figura 1
A situação do monopólio natural
de custo médio (CMe) está à direita da curva de demanda (D), e a interseção da demanda e do
custo marginal se localiza abaixo do custo médio.
Se a firma regulada não receber subsídio, ela tem que operar num ponto onde não
incorra em perdas, tendo que cobrar um preço que seja igual ou maior do que os seus custos
médios. Para oferecer o serviço para todos que estejam dispostos a pagar por ele, a firma tem
também que operar na curva de demanda. Portanto, a posição de operação para uma firma
regulada é o ponto (Qc, Pc), na figura 1. Nesse ponto, a firma está vendendo o seu produto ao
custo médio de produção, de forma que os custos estão sendo cobertos, porém produzindo um
produto aquém do nível eficiente de produção (Pc). Essa solução é denominada como
“segundo ótimo” (second best) para um monopolista natural (Varian, 1994).
Supõe-se que esse preço apenas permita à empresa produzir num nível onde a
receita cubra todos os custos, incluindo uma taxa de retorno normal ou o custo de
oportunidade sobre o capital.7 Desse modo, a empresa opera com lucro econômico zero,8
numa situação de break even. De acordo com Possas et alii (1997), nas aplicações normativas
ao mundo real, em que não se verificam situações de concorrência perfeita, a condição
paretiana é buscada, nas ações regulatórias, por aproximação. Freqüentemente toma-se a
redução dos preços aos custos médios como um second best adequado: no caso, por meio de
preços ou tarifas administrados.
7
O custo de oportunidade é definido como o valor de um recurso em seu melhor uso alternativo (Miller, 1981).
O custo de oportunidade, p. ex., de se possuir uma máquina é o valor de seu uso alternativo mais alto, que pode
ser tanto o valor obtido pelo aluguel dessa máquina ou pela sua venda e aplicação no mercado financeiro: a
consideração do custo médio envolve a incorporação desse custo de oportunidade do capital.
8
O lucro econômico difere do lucro contábil, pois aquele incorpora o custo de oportunidade. Isso explica a
situação de um possível lucro econômico zero com lucro contábil positivo.
21
P = CVMe + (D + T + sK)
Q
Q = quantidade produzida
K = estoque de capital
T = tributos
D = depreciação
22
Esse modelo é o mais tradicional e foi adotado por longo tempo nos Estados
Unidos. Entretanto, ele apresenta como principais problemas: a) a dificuldade de avaliação e
determinação dos verdadeiros custos das firmas, inclusive os de capital, devido à assimetria
de informações entre empresas e órgão regulador; e b) a definição da taxa base de retorno
sobre o capital (rate base).9
sujeito a Pq - wL ≤ Z
K
onde: Z = r + v = taxa de retorno permitida pela regulação, acima do custo unitário do capital
com v ≥ 0 (a firma terá uma taxa de retorno pelo menos igual a r)
∏ = lucro
P = preço do produto
q = produto
9
De acordo com Byrns & Stone Jr. (1996, p. 427), é prática das comissões de regulações de serviços públicos
23
w = taxa de salários
K = quantidade de capital
Rt = πt-1 - Xt + Y
Esse modelo tenta superar as falhas da tarifação pelo custo médio, ao induzir e
incluir os ganhos de produtividade. Entretanto, apresenta como desvantagens, entre outras, a
Q = a quantidade
Temos:
P2Q1 ≤ CMe1Q1
P2 ≤ CMe1
A firma pode tarifar em t2 desde que a tarifa não exceda o custo médio de t1. Com
isto, a tarifa convergirá ao longo do tempo para o custo médio. Para a melhor compreensão do
modelo ver também Train (1991).
Esse modelo também apresenta uma série de problemas. Um deles é que fica
ainda o incentivo à firma informar custos maiores do que os custos efetivos e também a
incorrer em custos desnecessários. Há a dificuldade de se estabelecer o preço inicial que se
parte para os reajustes seguintes, como também a incorporação dos aumentos não previstos de
custos, entre outras.
10
Para o desenvolvimento formal ver Viscusi et alii (1995, pp. 387-91)
25
2.2.4. Regulação pelo mecanismo de licitação pelo menor preço (ou concorrência de
Demsetz)
Esse é um modelo alternativo que foi pensado a partir do final dos anos 60 como
forma de minorar os custos da regulação, fazendo com que a disputa pelo direito de operar em
determinado mercado via licitações pelo menor preço ou tarifa obedecendo a critérios de
qualidade de serviço predeterminados aproximasse os preços aos níveis dos custos médios
(Viscusi et alii,1995).
Para Viscusi et alii (1995), o problema aparece nesse modelo quando a atividade
envolve ativos de longa durabilidade e específicos, como em alguns serviços de utilidade
pública (energia elétrica, ferrovias, saneamento básico, etc.), pois a mera avaliação para a
transferência dos ativos da antiga para a nova firma, que poderia se dar de forma compulsória
pelo Governo, envolveria uma série de providências que não são triviais. Mas se a maior
parcela dos ativos for reversível, ou seja, puder ser redirecionada para outras atividades
(como uma aeronave, um ônibus ou uma frota de caminhões), em cada leilão ou licitação
haveria a possibilidade de mudar o franqueado (ou o concessionário).11
11
Existem também outras questões levantadas, quais sejam: o problema da assimetria de informações entre o
operador estabelecido e um novo entrante no momento da licitação e o custo de barganha na transferência de
ativos ligados à concessão. Neste sentido, ver Vickers & Yarrow (1998).
27
popular para a regulação era o monopólio natural, seguido à distância pelas externalidades.
Entretanto, qualquer incursão nos numerosos setores regulados nos EUA mostra que o
argumento do monopólio natural não se aplica[va] à maioria dos casos, tais como o transporte
aéreo e o rodoviário”.
Byrns & Stone Jr. (1996) citam, como exemplo, o caso das restrições à entrada na
indústria de transporte aéreo americano, onde o Civil Aeronautics Board (CAB) não autorizou
nenhuma linha principal durante os 40 anos após a sua criação em 1938. Na regulação do
transporte rodoviário de carga pela Interstate Commerce Comission (ICC), entre os anos 60 e
70, os pedidos para novas rotas foram mais de 5.000 anualmente, enquanto o número de
firmas em operação se reduziu continuamente. As restrições sobre o número de táxis em Nova
Iorque resultaram em um valor de US$ 100.000 para os “medalhões” (medallions) licenças
para o direito de operar o serviço.
Byrns & Stone Jr. (1996) acrescentam que também os reguladores têm interesses
pessoais, ganhando poder, apoio político, prestígio e maiores orçamentos nas atividades de
regulação. Para estes autores, uma outra abordagem, a “teoria da escolha pública” (Public
Choice) combina-se com a teoria da regulação econômica, expandindo o modelo de Stigler,
para explicar a regulação. A “teoria da escolha pública” examina o comportamento político
desde uma perspectiva econômica.15
12
Além disso, existem alguns argumentos empíricos que são inconsistentes com a “teoria”. Duas propriedades
comuns da regulação são a existência de subsídios cruzados (o uso da renda da venda de um produto ou serviço
para subsidiar a venda de outro) e a tendência a favor dos pequenos produtores. A primeira é inconsistente com
a maximização de lucros e não pode ser considerada pró-produtor. Quanto a segunda, a regulação permite a
sobrevivência de pequenas firmas do que poderia ser se o mercado não fosse regulado.
13
Para a descrição formal dos modelos da Teoria da Regulação Econômica ver Viscusi et alii (1995, pp. 329-
41).
14
Para Byrns & Stone Jr. (1996), as indústrias preparam grandes ofensivas políticas contra propostas de
desregulação. Entretanto, ressaltam que o apoio e o lobbie dos dirigentes do sindicato de motoristas de
caminhões em 1982 no Congresso contra a desregulação do transporte de carga nos EUA é uma evidência de
que as firmas não são as únicas beneficiárias da regulação.
15
Para o entendimento da Teoria da Escolha Pública, ver Müeller (1989).
29
16
Conforme Baumol (1982), no mundo real os mercados perfeitamente contestáveis são tão raros quanto os
mercados perfeitamente competitivos. Entretanto, um mercado perfeitamente competitivo é necessariamente
perfeitamente contestável, mas não vice-versa.
31
Para a teoria dos mercados contestáveis, são os sunk costs que se constituem em
verdadeiras barreiras à entrada (e saída), conferindo poder de monopólio a uma determinada
indústria, e não mais a existência de economias de escala. Assim, como ressalta Farina
(1990), um monopólio natural pode, em princípio, ser contestável: mesmo na presença de
significativas economias de escala, suficientes para justificar o monopólio como a estrutura
que minimiza custos, a concorrência potencial poderá impedir que as firmas estabelecidas
realizem lucros monopolísticos, sob pena de serem vítimas de uma entrada do tipo hit-and-
run.
Para Baumol et alii (1982), a existência de economias de escala globais (em todos
os volumes de produção relevantes) é condição suficiente para uma empresa de produto único
ser um monopólio natural, o que não se verifica para uma empresa multiproduto. Nesse
enfoque, o conceito utilizado para definir o monopólio natural é o de subaditividade de
custos, o qual significa que o custo de produção do todo é menor que o custo de produção das
partes. Uma indústria é dita ser um monopólio natural se a função de custo da firma é
subaditiva em toda a extensão relevante dos volumes de produção. É o critério da
subaditividade de custos, portanto, que vai dizer quando uma determinada atividade deve ser
realizada por uma única empresa, e não mais as economias de escala (ver também Farina,
1990).
Para a teoria dos mercados contestáveis uma estrutura industrial eficiente é aquela
que apresenta uma configuração “factível” e “sustentável”. Uma configuração é factível se
existem técnicas de produção com as quais é possível atender a demanda aos preços vigentes,
de forma que nenhuma indústria tenha prejuízo, ou seja, a oferta atende a demanda e cada
32
empresa tem seus custos cobertos. Considere uma indústria cuja configuração seja descrita
pelo vetor (n, y1,..., yn, p), onde:
n = número de firmas
yi = vetor de produção da firma i
p = vetor de preços
Q(p) = a demanda pelos produtos da indústria
c(yi) = a função de custos da firma i
uma configuração é factível se:
∑ yi = Q(p) e
pyi - c(yi) ≥ 0 ; i = 1,...,n
yi ≥ 0
Uma configuração é sustentável se, além de factível, ela não oferecer qualquer
oportunidade de entrada lucrativa, isto é, os preços vigentes devem ser tais que, se mantidos,
nenhum competidor potencial poderá entrar no mercado e auferir lucros, mesmo que
transitórios.
peye - c(ye) ≤ 0
ye = quantidade do entrante
a) o custo total da indústria na produção de uma determinada quantidade de bens deve ser
minimizado, isto é, nenhum número e distribuição de tamanho de empresas e técnicas
produtivas das firmas pode produzir a mesma quantidade de bens a um custo menor do que
o incorrido em uma configuração sustentável;
b) a sustentabilidade leva à igualdade dos custos marginais, pois se cada uma das firmas
produz uma quantidade positiva de um mesmo bem em uma configuração industrial
sustentável, então suas produções devem ser tais que igualem os seus custos marginais.
33
Exemplo: se o custo marginal da firma 1 for maior que a firma 2 a configuração não seria
sustentável, já que o custo total da indústria poderia ser reduzido com a transferência de
uma pequena quantidade da firma 1 para a firma 2;
Desse modo, uma configuração sustentável requer que o preço seja igual ao custo
marginal, que por sua vez será igual ao custo médio mínimo, com lucros econômicos nulos:
condição necessária para uma situação de ótimo de Pareto. Portanto, um monopólio ou
oligopólio pode ser tão eficiente quanto um mercado perfeitamente competitivo, e as
economias de escala não se constituem em problemas para a contestabilidade dos mercados.
A condição que mantém esse resultado é a ameaça de entrada hit-and-run, representada pelos
potenciais entrantes na busca de qualquer situação que seja lucrativa. Se a firma cobrar um
preço maior do que o custo médio haverá um plano lucrativo de entrada.
Suponha um mercado servido por apenas 5 firmas de igual tamanho, cada qual
com 20% do mercado, conforme figura 2 (de acordo com Hyman, 1989). Se o mercado é
contestável, o produto será eficiente apesar da alta concentração.
34
Preço
CMg S = CMg
CMe
P*
Q*/5 Q* Quantidade
Figura 2
Preço e quantidade no mercado contestável
a) todas as firmas só poderão obter lucros normais; se o preço é maior do que o custo médio
haverá incentivo para a entrada de um concorrente potencial que poderá deslocar uma
firma já estabelecida fixando um preço ligeiramente menor; se o preço é menor do que o
custo médio é melhor abandonar a indústria, já que não existem sunk costs;
35
b) não existirá qualquer ineficiência na produção, sob pena de atrair a entrada de uma firma
com custo menor;
c) o preço será igual ou maior do que o custo marginal. Se o equilíbrio de mercado abrigar
duas ou mais firmas o preço será igual ao custo marginal. Se a configuração sustentável for
um monopólio, o preço será pelo menos igual ao custo marginal;
17
Segundo Farina (1990), mesmo admitindo que qualquer teoria, por definição, não se ajusta plenamente à
realidade, não ser robusta significa não ser sequer uma boa aproximação. O modelo de concorrência perfeita, por
exemplo, seria robusto no sentido de que as soluções convergem para a concorrência perfeita à medida que
aumenta o número de firmas. Já para a teoria dos mercados contestáveis, o grau de desvio do desemprego
36
acesso à mesma tecnologia; e que a entrada pode ocorrer mais rápida do que as alterações de
preços realizadas pela firmas estabelecidas (ver também Shepherd, 1984).
efetivo em relação à contestabilidade perfeita não é uma função contínua da magnitude do desvio das
características estruturais de um mercado em relação às exigências da contestabilidade perfeita.
18
Schumpeter (1984), em sua crítica à análise da concorrência perfeita, já havia reconhecido o monopólio e o
oligopólio como estrutura industrial eficiente e capaz de produzir o progresso.
37
tratar da importância da concorrência potencial para a eficiência dos mercados. Entretanto, ela
não é a única (vide a concorrência de Demsetz). Pela utilização de hipóteses “heróicas” e das
críticas que recebeu, a teoria foi perdendo a sua força no decorrer dos anos 80.19 Hoje, ela se
constitui em apenas mais um capítulo por sinal, muito interessante da moderna Teoria
da Organização Industrial.
Por fim, foi analisada a teoria dos mercados contestáveis base teórica para os
processos de desregulação do transporte urbano por ônibus em diversos países , suas
implicações de políticas públicas, como também as críticas à teoria. Observou-se que a teoria
da contestabilidade coloca fortes argumentos para a desregulação dos serviços de transporte
urbano por ônibus, já que os custos do principal item de capital neste setor, o veículo, não é
sunk, podendo ser revertido, caso necessário (transferido para uma outra linha, alugado ou
revendido).
19
A partir da análise dos casos empíricos de desregulação, entre eles o do setor aéreo nos EUA, verificou-se que
38
os pressupostos da teoria não se concretizaram (nesse sentido ver Farina & Schembi, 1990).
39
CAPÍTULO III
INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo apresentar o debate sobre a regulação dos serviços
de transporte urbano por ônibus e o estudo das experiências internacionais de regulação.
Nesse sentido, serão analisadas as características da produção dos serviços e discutidos os
argumentos contrários e favoráveis à intervenção governamental neste setor. Apresentar-se-ão
os resultados das reformas regulatórias ocorridas na Grã-Bretanha e em Santiago do Chile,
por apresentarem especificidades quanto ao modelo adotado como também características
comuns acerca dos resultados, e descrita a tipologia de regulação baseada nas “licitações
competitivas” (competitive tendering), adotada em Londres, Estados Unidos (EUA), Nova
Zelândia, Austrália, e vários países europeus (Suécia, Finlândia, Dinamarca), como forma de
obter a eficiência operacional mantendo a função coordenadora e planejadora da autoridade
pública.
Higginson (1990), por outro lado, ressalta que a origem da regulação nos
transportes está no desejo dos governos em facilitar a provisão de redes articuladas e
integradas de serviços, com tarifas acessíveis. Segundo Gwillian (1989) a regulação do setor
41
tem seu início na década de 30, onde se acreditava que a liberdade de mercado poderia
produzir uma oferta excessiva, resultando no aumento do custo médio por passageiro. Este
aumento de custo está na base para a regulação da entrada. A regulação de preços veio da
necessidade de se impedir abusos por parte do(s) empresário(s) que operaria(m) os serviços
em situação de exclusividade.
No entanto, a partir do final dos anos 60 e início dos anos 70 com a crise do
Estado do Bem-estar, a ótica do interesse público começou a ser severamente questionada. A
combinação de novas teorias críticas à intervenção governamental, com a própria análise do
desempenho dos setores regulados (baixa produtividade, elevação permanente dos custos
operacionais, entre outros), iniciou um período de revisão da regulação de várias modalidades
de transportes.
transportes, entre elas: a desregulação do transporte por ônibus de longa distância (coaches),
em 1980, na Grã-Bretanha e, em 1982, nos EUA; a desregulação do transporte urbano por
ônibus (com exceção de Londres), com a privatização da empresa pública, na Grã-Bretanha,
em 1986; e a desregulação do transporte aéreo, nos EUA, a partir de 1978, entre outros.20 Em
diversos países verificou-se a implementação de políticas similares. Assistiu-se também à
privatização de empresas acompanhada por reformas regulatórias. Onde permaneceram as
empresas públicas, reduziu-se o montante de subsídios.
De acordo com a CEPAL (1988), o montante dos subsídios (como proporção dos
custos de operação) ao transporte urbano por ônibus aumentou fortemente nos países
industrializados entre 1965 e 1975 (vide tabela 4).21 Estudos estatísticos começaram a
associar a presença de subsídios à ineficiência operacional das empresas. A desregulação
apareceu, então, como uma alternativa para a redução dos custos operacionais e,
conseqüentemente, para a diminuição das necessidades de subvenção, reduzindo as pressões
sobre o déficit público.
20
Para uma relação completa da medidas de reforma regulatória no setor de transporte adotada nos dois países
ver Button (1990) e Button (1991).
21
Nos países latino-americanos não existem dados confiáveis que permitam conhecer as tendências com relação
aos subsídios. São raros os casos de subvenções diretas. Normalmente as tarifas são estabelecidas por uma
autoridade competente que as fixa assegurando-se de que cubram os custos correspondentes (CEPAL, 1988).
43
Tabela 4
Transporte por ônibus: Subsídio como Percentagem do Custo Operacional em Diferentes Países
1965-1975
País 1965 1970 1975
Austrália + + 45
Bélgica 12 32 69
Espanha + + 20
EUA + 15 46
Finlândia 3 5 11
França nd 44 56
Irlanda + + 15
Nova Zelândia 16 20 34
Reino Unido + 9 29
Suécia 10 21 45
Fonte: Bus and Coach Concil, The Future of the bus, Londres, 1982 apud CEPAL (1988, p. 56)
Nota: + indica que havia superávit; nd significa que não há informação disponível.
Os defensores do livre mercado argumentam que a regulação provoca a
ineficiência econômica, com a elevação permanente dos custos operacionais, redução da
demanda e baixa produtividade dos serviços. De acordo com essa abordagem, as estratégias
dos reguladores seria direcionada para a captura da regulação, impedindo a entrada de
operadores mais eficientes, fraudando o princípio do interesse público. Com a desregulação,
buscar-se-ia o aumento da competitividade, maior produtividade e eficiência na prestação dos
serviços, eliminando as necessidades de subvenção.
No plano teórico, observa-se que estas questões são poucos tratadas. De acordo
com Müller (1996), não existe um referencial regulatório desenvolvido acerca do transporte
urbano por ônibus. Para o autor, nas décadas de 60 e 70 a “economia do bem-estar” tinha uma
abordagem pragmática quanto à justificativa para a regulação de determinados setores: não
existia uma formulação de princípios gerais que as justificassem, e sim uma abordagem “caso
a caso”.
Acreditava-se que caso o setor fosse operado livremente este poderia produzir uma oferta
excessiva, tendo como resultado o aumento do custo médio por passageiro e também
externalidades negativas (acidentes de trânsito, por exemplo). Entretanto, para Müller (1996),
o marco regulatório desenhado se aplicou a um modo de transporte com características quase
opostas às do setor ferroviário, e este desajuste entre marco regulatório e características
setoriais não foi tratado adequadamente, tanto no nível teórico quanto prático.
estratégia tipo cartel para entrada e preço. As linhas, de acordo com ele, seriam fixadas para
garantir o monopólio de um território específico a cada empresa regulada, por meio da divisão
arbitrária do mercado.
ocorrem em um mesmo instante no tempo e em um único lugar. Para o caso dos serviços de
transporte urbano por ônibus esta caracterização torna-se importante, pois se pode obscurecer
a diferença existente entre bens e serviços. Os serviços não são agregáveis temporalmente,
não sendo possível assumir homogeneidade para produções temporalmente próximas (como
se pode fazer com os bens); os serviços também se esgotam no momento da sua produção,
além de apresentar a característica da não durabilidade e não armazenabilidade, que faz com
que a produção não seja agregada espacialmente (ao contrário da produção de bens). Ao
assumir que a produção e consumo ocorrem em um único instante e em um único lugar, estas
diferenças se perdem: produzir e consumir bens não apresentará diferenças significativas do
que fazê-los com os serviços.
22
Como será visto adiante, esses resultados foram verificados nas experiências britânica e chilena de
desregulação dos serviços.
48
Como foi visto no Capítulo 2, a teoria dos mercados contestáveis, de modo geral,
defende que a concorrência potencial e a inexistência da barreiras à entrada e saída de firmas
no mercado garantiriam a atuação das firmas de modo eficiente, sem perdas do bem-estar
social e com preços iguais aos custos médios. Alguns autores têm levantado a hipótese de que
o mercado de ônibus é contestável, a qual sustentam-se nos seguintes argumentos (vide
Banister et alii, 1993; Evans, 1991b; Santos & Orrico Filho, 1996b):
a) são baixos os sunk costs, já que o principal item de capital, o ônibus, é um custo reversível,
podendo ser alugado, revendido ou removido para outra linha, no caso de uma entrada mal
sucedida;
b) as vias e os terminais, que também poderiam se constituir em sunk costs, são financiados e
fornecidos pelo poder público;
49
Banister et alii (1993), nesse sentido, colocam a organização dos serviços em rede
como a mais importante barreira à entrada e à perfeita contestabilidade do mercado. As firmas
estabelecidas também possuem o conhecimento das condições de mercado e a “lealdade” dos
usuários. Assim, elas têm condição de redesenhar suas estratégias de serviços de uma maneira
que as capacitem a explorar as “economias de rede” (network economies), fazendo com que a
possibilidade de entrada não seja lucrativa. Isto se deve a que a contestabilidade pode ser
anulada quando as estratégias empresariais são delineadas de forma ampla, levando em conta
uma estrutura produtiva em redes complexas de serviços, onde cada rota determinada é um
23
Evans (1991a) ressalta a dificuldade de definir quando uma empresa está lançando mão de subsídios cruzados,
onde múltiplos produtos compartilham de custos fixos comuns, como o planejamento e a gestão, os terminais,
etc.
50
mercado que se articula em conjunto aos demais. Ao considerar cada linha um mercado (isto
é, cada ligação origem-destino), uma região metropolitana, por exemplo, teria uma ampla
gama de mercados (Santos & Orrico Filho, 1996b). A conexão entre estes distintos mercados
leva a que as estratégias empresariais sejam definidas para o conjunto dos serviços. Desse
modo, a desestabilização dos operadores estabelecidos, que operam serviços interconectados
e planejados em rede torna-se mais difícil, face às citadas economias de rede, que são
apropriadas pelas empresas estabelecidas de um determinado local e com isso detendo
possíveis entrantes. A estruturação dos serviços em rede torna-se, portanto, uma barreira à
entrada, diminuindo a contestabilidade do mercado.
acerca dos resultados do processo de desregulação, transformando-se num processo rico para
melhor entender as características da produção de tal modalidade de transporte.
24
A análise da experiência de regulação pelo competitve tendering será objeto da próxima seção.
52
subsídio requerido. Os subsídios cruzados foram abolidos e a National Bus Company foi
dividida em várias empresas a serem privatizadas.
Tabela 5
Mudanças na Indústria de Ônibus Urbano - Grã-Bretanha, 1985/6 a 1991/2
(em %)
Custos
Demanda operacionais reais Veículos-
(passageiros por por veículo- quilômetros
viagem) quilômetro1 ofertados Tarifas reais
Áreas metropolitanas -28,4 -40,0 +15,2 +39,3
Demais localidades -16,0 -31,0 +22,1 + 6,2
GB (exceto Londres) -21,6 -36,0 +20,4 +12,6
Londres - 0,3 -24,0 +15,4 +16,6
Total (todas as áreas) -17,2 -34,0 +19,7 +13,2
1
Excluindo a depreciação.
Fonte: Department of Transport, ‘Transport Statistics Report 1991/92, London apud Nash (1993, p. 1046)
No entanto, a despeito da queda dos custos de operação, as tarifas não caíram. Nas
cidades do interior (demais localidades), as tarifas acompanharam a inflação sem mudanças
significativas no valor real, enquanto nas regiões metropolitanas verificou-se um rápido
aumento, proporcionado pelo realinhamento tarifário provocado pela eliminação dos
subsídios. Pela tabela 5, pode-se observar que no período 1985/86 e 1991/92, as tarifas
aumentaram cerca de 39% em valor real nas regiões metropolitanas, 6% nas cidades do
interior (regiões não-metropolitanas) e 13% em toda a Grã-Bretanha.
25
Mudanças nas práticas trabalhistas são apontadas como o principal fator responsável pela queda nos custos
operacionais. A mão-de-obra representa mais de 2/3 dos custos de operação. Houve uma redução do salário
semanal pago e a rápida expansão da frota de microônibus também implicou em menores salários para os
motoristas, pois esses veículos podem ser dirigidos por portadores de licença que não exige a habilidade
requerida para os veículos convencionais. Reduziu-se também o número de empregados de manutenção e
gerenciamento (Balassiano, 1993; Aragão, 1996a).
53
interior e 19% no país como um todo, no período1985/86-91/92 (vide tabela 5). Ressalte-se,
entretanto, que este aumento de veículos-quilômetro oferecidos não significa diretamente um
aumento na capacidade oferecida, dada à utilização de veículos de menor capacidade. De
acordo com Aragão (1996a), apesar da maior freqüência proporcionada ter diminuído os
tempos de espera, deteriorou-se a coordenação entre os serviços, tanto no que se refere aos
horários quanto às paradas, que contribuiu para o aumento do tempo despendido na mudança
de condução. A quantidade de registros e cancelamento de registros constatada, devido à
entrada e saída de operadores, contribuiu para que os serviços se tornassem instáveis.
Evans (1991a), nesse sentido, argumenta que para qualquer tarifa, num serviço
desregulado, os competidores têm o incentivo a aumentar a oferta ao máximo possível, no
intuito de aumentar sua fatia no mercado: se ele não o fizer, o seu competidor o fará. Isso
ajuda a explicar o crescimento da quantidade de veículos-quilômetro ofertados. Não há
54
incentivo para reduzir as tarifas, pois uma redução pode ser acompanhada pelo competidor.
Além disso, por causa da elasticidade-preço da demanda ser baixa para os serviços, uma
redução tarifária simplesmente poderia reduzir a receita, sendo que os operadores não
esperam ganhar passageiros com reduções de preço.26 Por outro lado, um aumento unilateral
poderia não ser seguido pelos competidores, e o operador perderia passageiros. Assim,
mantém-se a estrutura tarifária inicial, sendo que os operadores estabelecidos são conduzidos
a realizar seus aumentos de forma tacitamente coordenada. Esse fenômeno foi verificado nas
regiões não-metropolitanas, após a desregulação, com as tarifas acompanhando a inflação,
sem aumentos reais significativos (cerca de 6% acima da inflação, para o período 1986-92,
conforme tabela 5).
26
Na Europa e nos EUA, os estudos para a determinação da elasticidade-preço da demanda de transporte por
ônibus urbano concluíram que essa se aproxima de -0,3 (ver CEPAL, 1988), significando, por exemplo, que uma
55
(mas não desprezíveis). Entretanto, quanto ao outro pré-requisito, devido ao aviso prévio de
42 dias, a possibilidade da entrada hit-and-run foi anulada: as empresas estabelecidas
puderam reagir à entrada, alterando suas tarifas e adaptando suas redes de serviço (pelo aviso
prévio, qualquer entrada ou mudança no serviço deve ser avisado com 6 semanas de
antecedência; no entanto, aos operadores estabelecidos é permitido mudar as tarifas a
qualquer tempo). De acordo com a teoria dos mercados contestáveis, se existe um vetor
lucrativo, os entrantes potenciais podem ingressar e sair do mercado antes que as empresas
estabelecidas possam reagir à entrada, que é reversível e sem ônus. Em face de perspectiva de
obter lucros econômicos, firmas potencialmente concorrentes poderão ser atraídas para o
mercado em questão e beneficiar-se do lucro antes que as empresas estabelecidas possam
alterar os seus preços e, se necessário, sair do negócio. Esse é o tipo de entrada denominado
hit-nad-run (Costa, 1995). No caso da Grã-Bretanha, a impossibilidade da entrada hit-and-
run, devido ao aviso prévio de 42 dias, possibilita que as tarifas possam ser mantidas acima
dos custos médios, resultando na não contestabilidade do mercado.
Tabela 6
Santiago do Chile: Resultados da desregulação do transporte urbano por ônibus
1978-89
1979 1989
Frota total de veículos 5.100 10.600
1980 1988
Idade média da frota
ônibus 6,95 anos 12,10 anos
taxibuses 4,95 anos 9,54 anos
1978 1989
Tarifas reais (em pesos de 1987)
ônibus $21,71 $59,60
taxibuses $29,92 $59,60
1978 1988
Passageiros por ônibus/ano
ônibus 211.622 94.456
taxibuses 162.069 110.201
Fonte: Oscar Figueroa, transparências da palestra proferida na Secretaria de Transportes do Governo do Distrito
Federal, Brasil, em 22/11/1996.
27
Para Balassiano (1993), enquanto a população de Santiago, entre 1979 e 1989, cresceu cerca de 34%, a frota
de ônibus regulares cresceu 93% e a da taxibus 135%.
58
As menores taxas de ocupação dos veículos resultaram no maior custo médio por
passageiro, provocando a elevação das tarifas. Thompson (1992) observa que as tarifas
subiram continuamente durante o processo de desregulação e continuaram subindo, uma vez
que o processo se completou. Ônibus de todos os tipos, de todas as rotas e de todos os
horários vieram a fixar a mesma tarifa, sendo que a tarifa dos taxibuses “puxou” a tarifa dos
outros modos, até se equipararem. No período de 1978 a 1989, o aumento das tarifas médias,
em termos reais, foi de cerca de 11% ao ano. Em pesos de 1987, as tarifas reais dos ônibus
passaram de $21,71, em 1978, para $59,60, em 1989, enquanto as dos taxibuses subiram de
$29,92 para $59,60, no mesmo período (vide tabela 6). Balassiano (1993) ressalta que a
desregulação não foi o único motivo por estes aumentos, uma vez que os preços de alguns
insumos também cresceram no período, sendo que o maior deles foi o óleo diesel. Devido ao
aumento das tarifas e da freqüência dos serviços, os usuários passaram a receber um serviço
superior, em relação ao que tinham anteriormente. Entretanto, deve-se ressaltar, a razão entre
o custo e o nível do serviço, sem dúvida, subiu para a maioria dos usuários (Thompson,
1992).
(este seria o caso de Londres, por exemplo). O segundo regime é aquele onde existe a parceria
público-privada na definição dos serviços, sendo que o operador participa do desenho da rede,
permanecendo com o Poder Público a definição das diretrizes da política de transportes (caso
australiano). Já foram registradas evidências do impacto do competitive tendering nos custos
operacionais e na oferta dos serviços de transporte urbano por ônibus sem comprometer a
qualidade e a segurança na operação.
A alternativa ficou conhecida como “competição pela rota” (competition for the
route), ao invés da “competição na rota” (competition on the route), na medida que a disputa
ocorre pelo direito de operar determinada linha, e não diretamente na rua, atrás dos
passageiros. A London Buses Ltd. foi dividida em diversas subsidiárias públicas, que
fornecem seus serviços em conjunto com as outras operadoras privadas, entrando nas
licitações competitivas. Cabe à autoridade pública, London Regional Transport, especificar e
planejar o serviço a ser fornecido. Os contratos firmados para a operação dos serviços
licitados são de curta duração (geralmente por três anos) e as tarifas fixadas pela autoridade
pública.
Segundo Glaister (1993), em geral a qualidade dos serviços melhorou com esse
novo sistema, além de ser verificada a queda dos custos operacionais e das necessidades de
subvenção. Foram mantidas as vantagens da unificação e integração das tarifas, a informação
global aos usuários e o planejamento do sistema. Ao contrário das outras regiões do país,
conseguiu-se deter a queda do número de passageiros transportados. A tabela 7 compara os
resultados do competitive tendering, para o período de 1986-95, frente às demais áreas da
Grã-Bretanha, que desregularam os serviços Observa-se que sob as licitações competitivas,
em Londres, os serviços foram expandidos em cerca de 30%, enquanto os custos operacionais
caíram 23%, dentre outros resultados. Atualmente, está sendo convertido todo o sistema de
transporte por ônibus de Londres para o novo modelo. Em 1996, cerca de 57% dos serviços já
63
estavam sob competitive tendering e, de acordo com Cox, Love e Newton (1997), a meta é
chegar a 100% em 1999.
Tabela 7
Comparação da performance dos sistemas de transporte público por ônibus na Grã-Bretanha: Londres
(competitive tendering) e fora de Londres (desregulação)
1986-95
Item Londres Fora de Londres
Variação (1986-95) Variação (1986-95)
Veículos-quilômetro ofertados 30,4% 28,6%
Custos por veículo-quilômetro -41,4% -44,7%
Demanda 1,3% -27,5%
Custo operacional total -23,5% -28,9%
Subsídios totais -48,3% -28,8%
Tarifa -1,0% -1,9%
Fonte: Wendel Cox Consultancy, 1997 (http://www.publicpurpose.com)
28
De acordo com Lave (1991), no começo dos anos 80 mais de 90% da oferta era provida por empresas
públicas e financiada por diversas fontes de subsídios (locais, estaduais e federais).
29
Os serviços de transporte por ônibus rodoviário de longa distância foram desregulados nos EUA no início da
década de 80.
30
Ressalta-se que nos EUA, devido as altas taxas de propriedade de carros particulares e das baixas densidades
das áreas urbanas, o transporte público por ônibus é um modo residual de transporte, com a demanda
basicamente composta pela população de baixa renda. Na década de 80, apenas 3% das viagens urbanas eram
feitas por transporte público, comparado com 19% na Grã-Bretanha e cerca de 85% no Chile (Dodgson, 1991).
64
Em cidades como Austin, Dallas e San Diego, mais de 30% dos serviços já estão
sob o competitive tendering. A cidade de Nova Iorque estima que pôde poupar cerca de US$
160 milhões anualmente com o novo sistema, e em Las Vegas os custos por serviço são os
mais baixos em todo o país (cerca de 30% abaixo dos custos médios dos sistemas de tamanho
similar) (Cox, Love & Newton, 1997). A Tabela 8 apresenta alguns resultados da experiência
do modelo em algumas cidades americanas.
Tabela 8
Resultados do competitive tendering em cidades americanas
Cidade Período % convertida Custo Total Custos
operacional unitários
Denver 1988-95 25% 3,0% -18,0%
Indianapolis 1994-96 70% 8,5% -25,9%
Las Vegas 1993-94 100% 135% -33,3%
San Diego 1970-96 37% 2,7% -2,1%
Fonte: Wendel Cox Consultancy, 1997 (http://www.publicpurpose.com)
Prevalece, entretanto, nos EUA a operação por empresas públicas, embora tenha
crescido os esforços do governo federal e dos governos estaduais em promover a contratação
competitiva como uma alternativa à oferta pública monopolista. O maior obstáculo para a
implantação total do sistema é o caráter marginal da atividade (o setor de transporte urbano
por ônibus não é um big business) (Aragão, 1997b). Existe ainda a relutância por parte de
alguns governos locais nesse tipo de contratação (o peso do federalismo contém as investidas
do governo central no sentido de privatizar em maior escala), como também dos sindicatos de
trabalhadores (devido ao fato de que parte das reduções de custos é devida à compressão dos
salários pagos). Entretanto a utilização desse mecanismo tem sido crescente e continuada nos
EUA.
65
CAPÍTULO IV
O MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO
INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é o de analisar os atuais modelos de regulação
econômica do transporte coletivo urbano por ônibus adotado nas cidades brasileiras ou
seja, os mecanismos de remuneração empresarial e os regulamentos dos serviços. Tal análise
visa verificar se os atuais modelos contêm instrumentos ou mecanismos que direcionem no
sentido da obtenção da máxima eficiência e da busca da qualidade, garantindo o bem-estar
social que a atuação regulatória, pautada pela preservação do interesse público, almeja.
De acordo com Lima (1989), a política do Governo Federal, nesse período, tinha
como objetivos principais: a) a elevação da eficiência operacional e redução de tarifas, b) a
montagem dos órgãos de gerência locais, mediante treinamento e capacitação de técnicos, e c)
a expansão e melhoria dos sistemas de transportes nas principais cidades e regiões
metropolitanas, através do repasse de recursos do FDTU.
31
De acordo com Johnson et alii (1996), a doutrina dos serviços de utilidade pública e a necessidade de impor
controles em defesa do consumidor foram introduzidas no Brasil nos anos 30, sendo intensamente utilizadas na
cidade de São Paulo, nas concessões de transporte urbano e de serviços de gás.
70
uma espécie de delegação que não se classifica perfeitamente dentro dos conceitos básicos da
concessão ou permissão, pois não são discricionárias, porque se sujeitam a mecanismos
formais preestabelecidos, e não são precárias, porque vigoram por prazo determinado.
32
Sobre esse aspecto, ver Ferreira Netto (1983)
33
A estratégia da descentralização da provisão de serviços públicos foi a resposta à crise fiscal do Estado
Brasileiro na década de 80.
71
de Recife, que institui uma “câmara de compensação tarifária” administrada pelo órgão
gestor, dentre outras experiências.34
Do que foi exposto, a partir das conclusões dos estudos de Brasileiro (1996),
percebe-se que, de modo geral, nas cidades brasileiras, as origens das relações contratuais e
regulamentares entre as empresas operadoras privadas e os poderes públicos encontram-se, na
maioria dos casos, na década de 50 (e até antes desse período). No decorrer deste processo, as
empresas foram submetidas aos mais variados processos de fusão, associação ou
reagrupamento. Não houve um processo de licitação ou concorrência pública para a escolha
das atuais empresas operadoras, com a adoção de critérios técnicos e/ou econômicos de
seleção, ou mesmo para a continuidade (ou prorrogação) da delegação dos serviços às
mesmas. Este aspecto torna-se um ponto básico para a análise a ser desenvolvida pois, como
será visto, pode ter impacto direto sobre a eficiência e qualidade deste serviço público
essencial.
4.2.1 O papel do Poder Público frente aos serviços de transporte urbano por ônibus
Dentro do atual quadro jurídico e institucional, as referências aos serviços de
transporte urbano por ônibus podem ser identificadas em vários níveis, sendo a mais geral a
constitucional.35 A Constituição Federal de 1988 definiu o transporte coletivo como um
serviço público, de caráter essencial, onde a responsabilidade pela sua prestação é do Poder
Público local, que poderá fazê-lo por delegação (concessão ou permissão) a terceiros, quando
34
Os modelos de remuneração dos serviços serão discutidos na seção 3 deste capítulo.
35
É de se destacar que, ao estarmos tratando de assunto de interesse local, as constituições estaduais e leis
orgânicas municipais irão exercer importante papel para precisar (e até mesmo reforçar) tais definições. Como
ressalta Aragão (1996b), de fato, é na legislação estadual e municipal que iremos encontrar o vasto manancial de
normas e princípios que regem [e regulamentam] o transporte urbano.
72
não prestar diretamente os serviços (Artigo 30, inciso V). Ressalta-se que o Poder Público, no
Brasil, compreende a União, Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos.
Dada a natureza específica do setor de transporte coletivo, sobretudo por seu peso
na questão social e também em função de toda uma tradição jurídica proveniente do direito
administrativo francês , a Constituição o definiu como serviço público (Aragão, 1996b). De
acordo com Rangel (1997), serviço público é todo aquele prestado pela administração ou por
seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais da
coletividade, ou simples conveniências do Estado. No caso da prestação indireta, via
delegação a terceiros, o Poder Público fica encarregado da regulação dos serviços. Nesse
sentido, destaca-se o Artigo 175 da Constituição, onde se lê: “incumbe ao Poder Público, na
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos” (grifo nosso). Nos incisos I, II, III e IV deste
mesmo Artigo, fica também o Poder Público encarregado de regulamentar o “[...] regime das
empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu
contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão
da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; a política tarifária; [e] a obrigação de
manter o serviço adequado”. Note-se que pelo Artigo 175 cria-se a obrigatoriedade de
licitação para a delegação da prestação de serviços públicos.
Uma delegação ocorre quando o Poder Público transfere a terceiros, por contrato
(concessão) ou por ato unilateral (permissão ou autorização) a execução dos serviços, para
que o delegado o preste ao público por seu nome e por sua conta e risco, nas condições
regulamentares e sob controle estatal (Meyrelles, 1994). A concessão é feita via contrato,
onde o concessionário (pessoa jurídica ou consórcio de empresas) executa por sua conta e
risco o serviço, submetido à regulamentação própria e controle do poder concedente,
mediante remuneração por tarifa cobrada diretamente do usuário, e por prazo determinado. A
permissão tem por regra ser feita via ato unilateral do Poder Público, caracterizando-se por
sua discricionariedade e precariedade, ou seja, independentemente de lei autorizadora, sem
atribuir direitos contratuais ao permissionário (pessoa física ou jurídica) e podendo ser
revogada a qualquer tempo. Ressalte-se que a concessão e a permissão devem sempre ser
feitas por licitação, na modalidade de concorrência. Como será visto, a Lei Federal 8.987/95
(lei das concessões), que dispõe sobre a delegação de serviços públicos, prevê que a
73
permissão se dará pela via contratual, por prazo determinado, ou seja, praticamente igualando
o regime jurídico da permissão e da concessão.
produção (no caso dos serviços de transporte coletivo, pela quilometragem rodada, por
exemplo). Esse modelo de contrato administrativo tem como característica principal a
separação entre receita e custo. A receita arrecadada através das empresas prestadoras de
serviço em seus ônibus constitui-se receita pública. Já o custo de operação, calculado através
de equação específica (uma “planilha de custos”), constitui-se na remuneração do operador. A
remuneração, então, de modo diferente da concessão/permissão, não se dá pela tarifa
diretamente arrecadada pelo concessionário/permissionário, mas sim pelo custo de unidade de
produção dos serviços. O Poder Público paga aos operadores por prestarem serviços
preestabelecidos, sendo as tarifas consideradas receitas públicas (Santos & Orrico Filho,
1996). Ressalte-se que essa modalidade de contrato não exclui a exigência de licitação
prévia.37
Existe uma ampla discussão sobre a aplicabilidade destas leis aos serviços locais,
já que estas poderiam caracterizar uma violação da autonomia dos municípios e estados.
Alguns autores opinam pela aplicabilidade integral das leis aos demais entes da Federação.
Outros, porém, entendem de modo diverso, alegando que seus dispositivos descem a detalhes
que as descaracterizam como normas gerais de licitação e contratação, conforme dispõe o
Artigo 22, inciso XXVII, da Constituição (Dias, 1997). Entretanto, como coloca a ANTP
(1997, pp. 141-2), “[...] jamais se sustenta a inaplicabilidade das leis como um todo aos
municípios [...] sempre que colocado o agente público diante de suposta antinomia entre lei
municipal sobre a matéria e as leis federais, deverá o mesmo averiguar se cuida a matéria
tratada na lei federal de norma geral ou específica, sendo que na primeira hipótese deverá
optar pela legislação federal”. Nesse sentido, Bandeira de Mello (1995) prevê que as
36
De acordo com Santos & Orrico Filho (1996), no que se refere às formas de remuneração empresarial, a
concessão e a permissão estão assentadas sobre a mesma base, onde o serviço é delegado a um operador que se
remunera pelas tarifas cobradas do usuário. Este ponto será discutido adiante.
37
A contratação da prestação de serviços é adotada em cidades como São Paulo e Curitiba, por exemplo.
75
autoridades locais evitarão, prudentemente, qualquer desafio à letra desses diplomas federais,
acolhendo-a integralmente como se tudo tratasse de norma geral.
O critério de “melhor técnica” foi excluído dos tipos de licitação permitidos para
delegação de serviços públicos, pois o serviço deverá atender as condições já preestabelecidas
no edital do “serviço adequado”.38 Para Prado (1997), a definição do serviço adequado
determinará o nível qualitativo e quantitativo a que a prestação do serviço terá que atender,
representando o mínimo a que o concessionário será obrigado (e também cobrado). Este será
o marco inicial da licitação. A partir de então, o administrador público terá condições de
licitar a execução do serviço por critérios econômicos/pecuniários, visto que estes,
isoladamente, não oferecem condições para a avaliação da proposta mais vantajosa para a
administração pública.
Um aspecto que ficou confuso com a lei das concessões é o status da permissão.
Tradicionalmente tratada como um ato administrativo discricionário e precário, a nova
legislação, embora reconhecendo sua precariedade, realçou o seu caráter contratual,
praticamente eliminando as diferenças com a concessão (Rangel, 1997).
38
Serviço adequado é todo aquele que, visando atender as necessidades da coletividade, as satisfaz, qualitativa e
quantitativamente, de forma contínua, eficiente, igualitária e cortês, mediante pagamento de preço razoável pelos
usuários (Prado, 1997).
77
Até aqui foi delineado o quadro institucional vigente que conforma a regulação
dos serviços, através da Constituição Federal e das leis de licitações e concessões de serviços
públicos. De acordo com a Constituição, o Poder Público local é o responsável pela prestação
dos serviços, que pode se dar de forma indireta (via delegação a terceiros), onde a regulação
da atividade exerce papel fundamental na garantia da sua organização. As leis de licitações e
concessões resgatam o princípio da competitividade, ao exigir licitação para delegação dos
serviços sob critérios econômicos, direcionando a atuação do Poder Público na busca da
eficiência na prestação dos serviços. Essas constatações, provenientes da análise do quadro
legal, vêm a corroborar com os argumentos discutidos nos capítulos anteriores, baseados na
análise teórica e nas experiências internacionais de regulação: da necessidade da regulação
deste serviço público e da introdução da competição no setor no momento da entrada no
mercado (através do instrumento da licitação pública).
78
39
Como será visto adiante, esse modelo é o mais utilizado pelas cidades brasileiras como, Belém, Natal, Porto
Alegre, Brasília, Rio de Janeiro, dentre outras.
40
Cidades com São Paulo e Curitiba, por exemplo, adotam essa forma de remuneração dos serviços.
41
Este tipo de remuneração, como veremos adiante, é o adotado em Curitiba, por exemplo.
79
pública, mecanismo onde as empresas são remuneradas também por percentual relativo à
arrecadação tarifária, e não somente pelo custo por quilômetro (Santos & Orrico Filho, 1996).
Em alguns casos, como será visto adiante, as CCTs têm sua gestão realizada pelo
Poder Público, como em Belo Horizonte, Curitiba, Recife, por exemplo. Em outros o Poder
Público se limita a calcular, informar e verificar o valor dos repasses (casos de Brasília e
Porto Alegre). Em cidades como o Rio de Janeiro, o mecanismo de compensação e a forma
dos repasses são de responsabilidade das próprias empresas, eximindo-se o Poder Público de
qualquer responsabilidade.
paradas”, criação de novas linhas, entre outros mecanismos utilizados pelas empresas para
aumentar a sua rentabilidade (Sá Fortes & Barbará, 1993).
A regra nacional é o uso de uma planilha básica sugerida pelo Ministério dos
Transportes em 1982 e modificada em 1994 (GEIPOT, 1994). Uma metodologia que presume
os custos operacionais médios do sistema já que, devido ao problema de assimetria de
informações entre as operadoras e o Poder Público, não existem mecanismos que permitam a
quantificação dos custos reais de cada operador (visto que tais custos acontecem no ambiente
da empresa).
De acordo com esta metodologia, a tarifa (t) é determinada pelo custo total por
quilômetro (CT/km) dividido pelo índice de passageiros por quilômetro (IPK). A exposição
sobre a metodologia de cálculo tarifário a seguir é baseada em Gomide (1993, pp. 113-15):
t = CT/km (1)
IPK
onde o IPK é a relação entre passageiros transportados pela quilometragem produzida, para
um determinado período de tempo.
CVT = km x CV (2)
O custo fixo total (CFT) é formado por custos que são considerados proporcionais
ao tamanho da frota. Assim, o custo fixo total em um período de tempo (por mês, por
exemplo) é o resultado da multiplicação do custo fixo por veículo pela quantidade de veículos
(N):
O custo total (CT) é, então, o somatório do custo variável total com o custo fixo
total:
Ou
42
A discussão dos pressupostos teóricos e do modelo de remuneração pelo custo médio foi feita no Capítulo 2.
82
t = CV + (CFT/N)/PMM (9)
IPK
padrão de manutenção e conservação da frota, etc.) como forma de aumentar a sua margem de
lucro (Miller, 1981).
43
É o caso das infindáveis negociações que envolvem o Poder Público, os empresários e os trabalhadores do
setor, por ocasião de cada reajuste de tarifa. Basta verificar os jornais locais por ocasião de cada data-base dos
rodoviários, que envolve graves, paralisações e reajustes tarifários.
44
Como forma de enfrentar essa situação, em 1994, o Fórum Nacional de Secretários de Transportes divulgou
uma tabela nacional de preços de veículos de referência para o cálculo tarifário, baseada nos preços efetivos de
compra, através do levantamento de notas fiscais em todo o país.
84
estimados para um grupo de empresas operadoras, fica claro que aquela empresa que
administrar melhor os seus custos, poderá enfrentar gastos reais menores aos considerados na
planilha de custos, obtendo, assim, receita adicional. Pela dificuldade de avaliação do custo
real das empresas operadoras, a metodologia baseada no custo médio de operação acaba por
representar o “custo máximo” de todo o sistema, ou seja, o custo da empresa menos eficiente.
Fica claro nesse modelo o papel que as empresas menos eficientes exercem para elevar a
rentabilidade das mais eficientes: as empresas ineficientes sustentam o custo operacional
médio do sistema, permitindo que as eficientes acumulem “lucros extraordinários”, em função
dos diferenciais de produtividade.45
45
Esta situação lembra o raciocínio ricardiano de que são as terras de menor qualidade (menos férteis) que fixam
os preços dos alimentos, pois nestas é preciso mais trabalho, o que eleva os custos de produção. Assim, não
havendo diferenças de preços num mesmo mercado, os proprietários das terras mais férteis vêem os preços de
seus produtos subirem.
85
Num primeiro momento, apresenta-se uma análise, por cidade, dos modelos de
remuneração e de cálculo de custos dos serviços. Em seguida, discutem-se as características
gerais do modelo de regulação econômica e suas repercussões sobre a eficiência e qualidade
dos serviços.
Belém
A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária, por empresa, sem a adoção
de subsídios diretos, com tarifa única. O regulamento em vigor prevê a existência de Câmara
de compensação tarifária, mas que ainda não foi implementada. O mecanismo de cálculo das
tarifas dos serviços é baseado na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação dos custos
operacionais médios (por quilômetro) do sistema dividido pelo índice de passageiros por
quilômetro (IPK).
Belo Horizonte
A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária, sem a adoção de subsídios
diretos, com a existência de Câmara de compensação tarifária (CCT), administrada pelo órgão
gestor, a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S.A. (BHTRANS).46 Existem
dois níveis tarifários. O mecanismo de cálculo das tarifas é baseado na metodologia do
GEIPOT, isto é, a estimação dos custos operacionais médios (por quilômetro) dividido pelo
IPK, mantida a proporção entre os dois níveis tarifários. Existem subsídios cruzados entre as
diferentes linhas do sistema, administrados através da CCT.
Curitiba
46
Ver Linhares e Cruz (1995).
86
Distrito Federal
Desde 1992, a forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a
existência de CCT, gerida pelo sindicato das empresas e sujeita à supervisão e ao
acompanhamento do órgão gestor, o Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos da
Secretaria de Transportes (DMTU/ST). A tarifa é fixada por anéis (três), com existência de
subsídios cruzados entre as diferentes linhas. O mecanismo de cálculo da tarifa é baseado na
metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação dos custos operacionais médios (por quilômetro)
dividido pelo IPK. É vedada a concessão de subsídios para empresas, onde se prevê subsídios
diretos apenas para usuários de linhas de caráter social (linhas rurais, p. ex.).
Fortaleza
A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a existência de
CCT, gerida pelo órgão gestor, a Empresa de Trânsito e Transportes Urbanos S.A.
(ETTUSA). A tarifa é única, sem a adoção de subsídios diretos. O mecanismo de cálculo da
tarifa é baseado na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional médio
(por quilômetro) dividido pelo IPK.
Natal
A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a existência de
CCT, operada pelo sindicato patronal por delegação. A tarifa é única, sem a previsão de
subsídios diretos. O mecanismo de cálculo da tarifa é baseado na metodologia do GEIPOT, isto
é, a estimação do custo operacional médio (por quilômetro) dividido pelo IPK.48
Porto Alegre
A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a existência de
CCT, coordenada pela Secretaria Municipal de Transportes (SMT). A tarifa é única, sem a
adoção de subsídios diretos. O mecanismo de cálculo da tarifa, regulamentado em lei
municipal, é baseado na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional
médio (por quilômetro) dividido pelo IPK.
47
Quanto ao funcionamento do modelo de pagamento por unidade de produção adotado em Curitiba, ver
Brasileiro (1995)
48
Quanto ao modelo de remuneração adotado em Natal, ver também Santos, Silva e Queiroz (1995)
87
Recife
Rio de Janeiro
49
Sobre o mecanismo de remuneração de Recife e a Câmara de compensação tarifária ver Lima Neto (1994)
88
tem interferência alguma. As empresas fazem o repasse entre si, segundo critérios acordados
(Bardales et alii, 1995). No Distrito Federal o gerenciamento da Câmara de Compensação é
realizado pelos próprios operadores, onde o Poder Público atua através do acompanhamento e
fiscalização, gerando as informações necessárias aos repasses relativos às receitas e custos.
Entretanto, apesar da existência formal da Câmara, e inclusive da realização dos
procedimentos contábeis, pelo órgão gestor local, necessários para a realização dos repasses e
compensações, não vem sendo efetivadas as transferências entre as empresas, em face de
alegação dos empresários de um presumível prejuízo, em razão de tarifas julgadas
insuficientes (Sá Fortes e Barbará, 1993). Em Natal, de acordo com Queiroz et alii (1995),
nos mais de dez anos de existência, a CCT não tem funcionado a contento, por recusa das
empresas em fazer o devido repasse financeiro, sem que tenha havido sanção do Poder
Público para qualquer uma delas por este fato. Em Belo Horizonte e Recife, por outro lado, o
planejamento, a coordenação e o controle da CCT é feito pelos órgãos gestores (BHTRANS e
EMTU) (ver Linhares e Cruz, 1995; e Brasileiro, 1995).
50
O município de São Paulo é um dos únicos que se utiliza de subsídios diretos para sustentar sua rede se
transporte. Nesse sentido, ver Zioni (1996) e SPTrans (1996).
89
Tabela 9
Formas de delegação dos serviços de transporte urbano por ônibus cidades brasileiras selecionadas
1997
Cidade Forma de delegação dos serviços
Belém Permissão por tempo indeterminado
Belo Horizonte Permissão por linha (em caráter precário)
Curitiba Permissão por tempo indeterminado por área de operação
Distrito Federal Permissão prorrogável por frota
Fortaleza Permissão por 10 anos, prorrogável por igual período
Natal Permissão prorrogável
Porto Alegre Permissão por linha (em caráter precário)
Recife Permissão prorrogável
Rio de Janeiro Permissão por prazo indeterminado
Fonte: Brasileiro et alii (1996)
Nota: Para as cidade de Belém e Porto Alegre, levantamento do autor (dezembro de 1997).
em zona já servida por transporte coletivo regular, desde que seja beneficiária a empresa que
opera a respectiva zona. Ressalte-se que a cidade já foi dividida em cinco zonas, todas já
dispondo de empresa operadora (vide Queiroz, Santos & Silva, 1995).
51
As licitações ocorridas no Rio de Janeiro nos anos de 1996-97, como será discutido adiante, foi para apenas
12 linhas das mais de 250 existentes no município.
91
nenhum caso de empresa que tenham sido excluída do sistema de qualquer cidade por prestar
um serviço de baixa qualidade ou precário.
52
Apenas formalmente, pois não se pode esquecer o problema do transporte clandestino, pirata ou informal
(vide NTU, 1997).
53
Não é à toa que se cunhou a famosa expressão no meio técnico do setor que “o melhor negócio que existe é
uma empresa de transporte bem administrada, ao passo que o segundo melhor negócio é uma empresa de
transporte mal administrada”.
92
produção.54 Lindau & Rosado (1992) também observaram que as estruturas regulatórias nas
cidades brasileiras são desestimuladoras e incentivam a ineficiência, sobretudo no cálculo
tarifário.
54
De acordo com Lima (1994), entende-se por eficiência no transporte público a produção de determinada
quantidade de produto (passageiros-quilômetro) com o menor custo possível. Por qualidade entende-se a
adequação do transporte à necessidade do usuário, sendo a necessidade uma ponderação entre a expectativa
93
deste e a avaliação técnica das características ou atributos que compõem a qualidade, como o conforto,
regularidade, limpeza, segurança, acessibilidade, etc.
94
CAPÍTULO V
AS PRIMEIRAS LICITAÇÕES E REPERCUSSÕES SOBRE O QUADRO DE
REGULAÇÃO ECONÔMICA DOS SERVIÇOS
INTRODUÇÃO
Este capítulo tem como objetivo analisar, sob o marco de um modelo de licitação
competitiva, as primeiras licitações no transporte coletivo urbano por ônibus em cidades
brasileiras, após as mudanças na legislação federal sobre concessões de serviços públicos,
avaliando as possíveis repercussões sobre o quadro de regulação dos serviços.
De acordo com Santos & Orrico Filho (1996b), as licitações podem desempenhar
um papel regulador, substituindo a autoregulação impossível no mercado de transporte
urbano, e de estímulo à eficiência, introduzindo a competição nesse setor. Através da
utilização dos processos licitatórios pode-se forçar as empresas operadoras a adotarem
estratégias de redução de custos e de aumento de qualidade dos serviços, com repasse desses
ganhos para a sociedade, dado a ameaça da entrada de uma possível empresa mais eficiente
no mercado.
Dessa maneira, não se pode pensar as licitações como mera formalidade legal para
regularizar os contratos dos operadores. O objetivo delas, seguramente, não é o de manter o
96
status quo: a licitação constitui o momento adequado para se criar um novo quadro de
relacionamento econômico e institucional entre o Poder Público e as empresas operadoras.
aos limites do trabalho. Todavia, seus fundamentos e sua estrutura lógica respondem às
questões colocadas por esta pesquisa.
55
Considerando de outro modo, com a tarifa sendo definida no momento da licitação, esta proposição aproxima-
se do conceito do preço-limite (price cap), discutido no Capítulo 2, onde o estímulo ao operador é resultado da
transferência para este dos ganhos de eficiência resultantes da redução de custos.
99
Outro ponto no qual o modelo avança pouco, até por não ser o escopo central do
mesmo, é quanto à qualidade dos serviços. Além da busca da eficiência, objetivo último da
regulação, entende-se que a gestão da qualidade é uma dimensão importante que deve se
constituir foco da regulação do transporte público. O estudo das experiências internacionais
de desregulação (discutidas no Capítulo 3) mostrou que a existência da competição pôde
56
Entende-se que nessa questão, pode-se inspirar no modelo australiano de licitação competitiva, onde existe a
parceria público-privada na definição dos serviços. No modelo australiano de competitive tendering, os
operadores privados participam da elaboração do desenho da rede, sendo que fica reservado ao Poder Público a
definição das diretrizes gerais da política de transporte (Aragão, 1997b).
101
Entende-se, dessa maneira, que uma política de promoção da qualidade deve estar
associada aos mecanismos de regulação dos serviços. O Poder Público deve possuir
instrumentos da garantia da qualidade dos serviços. Contudo, foge aos objetivos deste
trabalho estudar os conceitos e técnicas contemporâneas de gestão da qualidade que podem
ser utilizados para este fim.
elaborados sob o novo contexto legal, com objetivo de avaliar o impacto sobre o quadro de
regulação econômica dos serviços.
No Capítulo anterior foram expostas as origens das atuais delegações dos serviços
nas cidades brasileiras. Foi ressaltado o fato de que, de modo geral, não ocorreu um processo
de licitação para a escolha das atuais operadoras ou mesmo para a continuidade da
delegação dos serviços às mesmas. A realização de licitações para contratações dos serviços
na maioria das cidades brasileiras é, portanto, uma novidade para o setor. Nesse ponto, é
importante lembrar que o Artigo 42, parágrafo 2o, da Lei 8.987/95, estabeleceu como o prazo
mínimo para o início da realização de licitações das concessões/permissões em caráter
57
Janson & Walling (1991) observaram que as licitações baseadas apenas nos custos têm levado a alguns
problemas de qualidade aquém do esperado.
102
Foi visto no Capítulo 4 que o novo quadro legal relativo aos serviços públicos
(dado pelas Leis 8.666/93 e 8.987/95) introduziu uma série de princípios visando alcançar a
eficiência na prestação dos serviços públicos, dentre eles, a concorrência ou competitividade,
ao atribuir a concessão/permissão somente mediante licitação. Esta exigência abriu espaço
para a extinção das atuais delegações dos serviços na medida que estabeleceu a necessidade
de realização de licitações na maioria das cidades brasileiras, sob critérios exclusivamente
econômicos (menor tarifa, maior oferta em dinheiro ou combinação de ambos).
Esta seção tem como objetivo analisar, sob o marco do modelo de regulação do
estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995), as primeiras licitações no transporte
urbano por ônibus em cidades brasileiras, após as mudanças na legislação federal sobre o
assunto.
Tabela 10
Dados operacionais dos sistemas de transporte por ônibus urbanos: cidades brasileiras selecionadas
1997
Cidade População Número Frota IPK Passagei- km/mês Número
empresas ros/mês linhas
Belo Horizonte 2,1 milhões 54 4.616 2,39 74.828.844 31.628.881 274
Distrito Federal 1,8 milhões 9 2.153 1,28 19.278.364 15.041.761 639
Rio de Janeiro 5,6 milhões 34 8.500 2,31 121.730.000 53.867.303 452
Fonte: Confederação Nacional de Transporte - CNT (1997)
Nota: os dados, referentes ao ano de 1997, são anteriores às licitações.
Desse modo, o estudo não teve como objetivo descrever as etapas dos processos
de licitação, ou seus desdobramentos e resultados nem descrever os sistemas de transporte
ou o histórico da regulamentação dos serviços em cada cidade , mas tão somente analisar os
editais como instrumento de política pública para o setor de transporte urbano por ônibus.
Deve-se mencionar que a pesquisa teve como referência o mês de dezembro de 1997, sendo
que muitos dos processos de licitação ainda não haviam sido concluídos.
A análise dos editais e das minutas dos contratos foi feita de forma comparativa,
centrada nos seguintes itens:
a) mecanismos de incentivo à competição e existência de barreiras “artificiais” à entrada de
novos operadores;
b) critérios de seleção;
c) modelo de remuneração;
d) prazo dos contratos; e
e) existência de mecanismos de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços.
104
Licitaram-se lotes de veículos para a operação dos serviços, sendo que as linhas
não foram consideradas como de operação exclusiva de qualquer subconcessionário. Esse
procedimento acaba com o monopólio local da operação, rompendo com o tradicional
105
mecanismo de delegação por linha, tendo o Poder Público maior flexibilidade na gestão dos
serviços.
Não foi exigida a propriedade prévia dos veículos para operação dos serviços,
tendo o licitante o prazo máximo de 60 dias, a contar da data da outorga da permissão, para a
apresentação da frota. Por outro lado, na fase de qualificação técnica, foi requerido do
concorrente a apresentação de título de propriedade ou locação de imóvel, destinado à guarda
e manutenção dos veículos. Este ponto pode se constituir em barreira à entrada de novos
operadores, já que requer que o concorrente tenha previamente a propriedade ou o aluguel de
tais instalações para participar da licitação.
No caso de Belo Horizonte, o critério foi o de maior oferta para cada lote de
veículos (ou seja, o concorrente que propor o maior valor em reais para determinado lote),
sendo que as propostas não poderiam ser inferiores a R$ 13.500,00 por veículo equivalente
padron (valor equivalente a, aproximadamente, 1% do faturamento por VEP no período do
contrato de 10 anos, segundo estimativas da BHTRANS).
No Distrito Federal, o critério de seleção foi também o de maior oferta para cada
lote de veículos. De acordo com o edital, o concorrente não poderia oferecer, a título de
pagamento pela outorga da permissão, um valor não inferior a R$ 360.000,00 por lote (cerca
de R$ 12.000,00 por veículo)
No Rio de Janeiro, o critério de seleção foi o de maior oferta para cada linha. Na
licitação da linha Penha-Méier, por exemplo, o valor mínimo foi de R$ 160.000,00 para
operação de 12 veículos, para o prazo de 10 anos de permissão.
Em Belo Horizonte, foi estabelecido que a remuneração seria feita com base na
planilha de custos especificada no edital, cabendo à BHTRANS fixar os seus parâmetros e
índices de custos, como também promover a revisão da estrutura tarifária sempre que
necessário.
No Rio de Janeiro, o prazo estabelecido para permissão foi de 10 anos, dos quais
os 7 primeiros se destinam à “recuperação dos investimentos”. Após este prazo, a permissão
pode ser revogada a qualquer tempo, a critério exclusivo do secretário municipal de trânsito,
obrigando-se o permissionário a cessar a execução dos serviços, tão logo receba a ordem, sem
direito a qualquer indenização. De acordo com o edital, o prazo definido em 7 anos para a
recuperação dos investimentos, notadamente em veículos, “levou em consideração os dados
constantes da planilha de estimativa de custos da prestação dos serviços” (ou seja, do período
adotado para o cálculo da depreciação). Cabem aqui alguns comentários quanto a este ponto.
58
Esta posição vai contra a proposição apresentada por Ramos (1997) de que os tempos de duração dos
contratos seja limitado ao tempo de recuperação do capital fixo aplicado em veículos.
109
No Rio de Janeiro, o edital dispôs apenas que “o poder permitente deve zelar pela
boa qualidade dos serviços e estimular o aumento da qualidade e produtividade”.
uma importante barreira à entrada de novos operadores no mercado (já que o leasing e o
arrendamento mercantil, como comentado, podem possibilitar o acesso ao mercado de um
maior número de concorrentes). No Rio de Janeiro, não foi exigido a propriedade de veículos
ex ante à assinatura do contrato mas, por outro lado, exigiu-se a propriedade ou aluguel prévio
de garagens e instalações na fase de qualificação técnica.
Tabela 11
Editais de licitação de serviços de transporte urbano por ônibus em localidades escolhidas
1997
Item Belo Horizonte Distrito Federal Rio de Janeiro
• Licitação para todo o • Licitação somente • Licitação para
1. Mecanismos de
sistema de transporte para ampliação da permissão de 12
incentivo a
coletivo urbano; frota de veículos; linhas;
competição/existência
de barreiras artificiais à • admitiram-se pessoas • vedada a participação • admitiram-se apenas
entrada de novos jurídicas isoladamente de consórcios mas pessoas jurídicas,
operadores ou reunidas em forma admitida a vedada a participação
de consórcio; participação de de consórcios;
• licitação por lote de cooperativas; • licitação por linha,
veículos, as linhas não • licitação por lote de com exclusividade na
foram consideradas veículos, as linhas não operação dos
como exclusividade foram consideradas serviços,;
de qualquer operador; como exclusividade • não se exigiu a
• não se exigiu a de qualquer operador; propriedade prévia de
propriedade prévia de • não se exigiu a veículos mas, na fase
veículos, garagens ou propriedade prévia de de qualificação
instalações; veículos, garagens ou técnica, foi requerido
• fragmentação do instalações. de cada concorrente a
serviço em lotes propriedade ou o
menores, limitando-se aluguel de imóvel
o mercado da cidade destinado à guarda e
em, no máximo, 5% manutenção de
da frota por empresa. veículos.
2. Critério de seleção Maior oferta por cada lote Maior oferta por cada lote Maior oferta por cada
de veículos, com de veículos, com linha, com especificações
especificações técnicas especificações técnicas técnicas estabelecidas em
estabelecidas em edital. estabelecidas em edital. edital.
3. Modelo de Modelo de tarifação e Modelo de tarifação e Modelo de tarifação e
remuneração remuneração baseado no remuneração baseado no remuneração baseado no
custo médio, com planilha custo médio, com planilha custo médio, com planilha
de custos padrão definida de custos padrão definida de custos padrão definida
pelo órgão gestor. pelo órgão gestor. pelo órgão gestor.
4. Prazo dos contratos Subconcessão para Permissão para operação Permissão por linha por
operação de frota de de frota de veículos por 7 10 anos, sendo que após o
veículos por 10 anos, anos, prorrogáveis por período de 7 anos a
improrrogáveis. igual período. permissão pode ser
revogada a qualquer
tempo, a critério do Poder
Executivo.
5. Mecanismos de Inexistentes. O edital Inexistentes. O edital Inexistentes.
incentivo à qualidade prevê, apenas, a condiciona a prorrogação
caducidade da do contrato ao
subconcessão baseada no desempenho do operador.
total de pontos Entretanto, não estabelece
acumulados em função de nenhuma meta, indicador
infrações cometidas pelo de desempenho ou uma
operador. sistemática de avaliação.
Fonte: Levantamento do autor.
113
O critério de seleção para novos operadores utilizado nos três editais analisados
foi, única e exclusivamente, o de maior oferta pelos serviços: critério este que, por si só, não
garante a escolha da empresa mais eficiente. Continuou-se com o modelo de remuneração e
tarifação pelo custo médio, dando uma sobrevida à utilização da planilha de custos definida
pelo órgão gestor. Dessa maneira, a responsabilidade pelo equilíbrio econômico e financeiro
das empresas operadoras continua sendo do Poder Público.
CAPÍTULO VI
CONCLUSÕES
pelo critério de menor preço, como forma de se conseguir reduções de custos ao longo do
tempo.
Na terceira parte do trabalho, foi ressaltado o fato de que não ocorreu um processo
de licitação para a contratação das atuais empresas operadoras, ou mesmo para a continuidade
da delegação dos serviços às mesmas, na maioria das cidades brasileiras. A nova legislação
dos serviços públicos revigorou o instrumento da concessão e permissão, introduzindo uma
série de princípios visando alcançar a eficiência na prestação dos serviços, dentre eles: a
exigência da licitação; a estipulação de prazo para término das concessões e permissões; e a
eliminação de reservas de mercado e direitos de exclusividade na exploração dos serviços. Ao
exigir a licitação, sob critérios exclusivamente econômicos (menor tarifa, maior oferta ou
combinação de ambos), a nova legislação permitiu a introdução de elementos de competição
no quadro de regulação dos serviços já que a licitação é o momento em que se dá a
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qualidade na operação dos serviços. A elaboração dos futuros editais de licitação de serviços
tem de levar em conta este enfoque.
tarifa ou menor custo por quilômetro rodado, por exemplo) de cada licitação, poderá transferir
para o usuário os ganhos de produtividade da operação dos serviços, através da redução do
valor real das tarifas.
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