Você está na página 1de 2

Natal, 15.06.

16

Para todos os Orixs.

Durante muito tempo vivi em meio de incertezas, duvidas e at


mesmo medo de algo que me era to prximo e familiar. Quando mais novo,
ouvia de minha casa o lufar dos tambores ao cair da noite, tocando aquela
musica desconhecida, anunciando uma festa que nunca vira. Aquele som
relaxava meu corpo e o tencionava, me davam arrepios agradveis,
esquentava meu sangue e me chamava para danar, me chamava. Porm
mesmo sentindo essa mar incontrolvel, os olhares e as palavras de
represso que ouvia me faziam pensar, H algo de errado comigo ou com
aquele lugar?, a resposta nunca me foi dada.
Tive uma infncia divertida e livre. Brincar na rua, subir em rvores,
pegar doces de Cosme e Damio nas casas. Engraado como no dia de
Cosme e Damio nos era permitido ir casa do som dos tambores pegar
doce, mas em qual quer outra dia era castigo na certa, com risco de levar
uma surra. Nomes sempre viam junto com as proibies. Macumba,
Catimbozeiro, Despacho, Trabalho de magia negra, coisa do diabo
etc. Para mim aquilo no fazia sentido algum, mas o medo e a repulsa que
vinham com essas palavras me fizeram cada vez mais, criar uma distncia
daquela casa, das pessoas da casa, do que se era feito dentro da casa, mas
os tambores no, eles sempre estiveram l, soando, sempre me fazendo
sentir as mesmas coisas, chegando a me parar na rua mal iluminada e vazia
em meio noite, fechar os olhos e me deixar levar por aquele som que me
diziam ser profano, porem em meus ouvidos era doce.
Aps anos de duvidas, medos infundados e lutando contra todos os
preconceitos que se instalaram fundo em meus ossos, tive a coragem de ir
uma casa de Candombl... E foi como voltar pra casa aps anos em terras
desconhecidas. Tive que reaprender a minha lngua, voltar a usar a
vestimenta apropriada, reaprender toda uma cultura que me foi negada em
minha infncia, entretanto, sempre esteve em meu sangue. Era uma terra,
um mundo diferente em tudo o que eu j tinha vivido, mas fazia tanto
sentido quanto as ondas do mar, o balanar das rvores pelo toque do
vento. Estava em fim em casa. L reencontrei minha me, meu pai, meus
irmos e irms. Desses encontros, rever meu guia, meu anjo da guarda,
meu Orix, foi o que fez meu corao bater como aqueles tambores da
minha infncia. A musica soou igual, o som me veio na mesma intensidade,
os sentimentos e sensaes eram as mesmas, a nica diferena era que
agora eu entendia o som dos atabaques, ento tudo fez sentido em minha
vida.
Tentei de alguma forma agradecer a todos os Orixs, a minha Me de
Santo e todos que me ajudaram a entender e viver a minha f, mas no
consigo encontrar palavras doces para atos to doces. Ento, deixo aqui
expresso o que sinto dentro de meu mago, dos meus ossos, de meu

sangue, em cada suspiro que dou nessa minha vida efmera. Nada no
mundo ir pagar ou apagar esse amor, essa f que sempre habitou em mim,
desde a poca em que ouvia som que vinha da casa dos tambores. Ax.
Jonathan S. Gomes.

Você também pode gostar