Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Por outro lado, crianças que não tiveram tais oportunidades para interagir com a
escrita e com pessoas que lêem e escrevem em razão de viverem em ambientes não
letrados ou de baixo nível de letramento, podem não apresentar o mesmo rendimento.
Este desconhecimento ou compreensão mais limitada que elas possam ter, tenderá a
interferir nas possibilidades de sucesso das propostas formais de alfabetização, caso
estas não levem em consideração a realidade vivida por tais crianças. Limitações
semelhantes poderão estar ocorrendo com crianças que, apesar de terem sido criadas
em ambientes letrados e terem tido a possibilidade de interagir com a linguagem
escrita, por alguma razão não o fizeram, até mesmo por falta de envolvimento ou de
interesse em relação a ela.
ZORZI JL. . O que devemos saber a respeito da linguagem escrita e seus distúrbios: 3
indo além da clínica. In: Andrade, C. R. F.; Marcondes, E.. (Org.). Fonoaudiologia em
pediatria. São Paulo, 2003, v. 1, p. 120-132.
uma criança que embora possua boas condições de aprendizagem em geral, mas que
sofre restrições nas oportunidades que tem para interagir com a linguagem escrita,
assim como com pessoas que dela fazem uso real, não terá como construir
conhecimentos sobre algo que, efetivamente, não faz parte de sua vida. Esta,
infelizmente, parece ser a realidade de uma parcela significativa de crianças brasileiras
cujo grande problema não é a falta de capacidade para aprender, mas sim a ausência
de oportunidades para se tornar um aprendiz.
Um quarto grupo será composto por crianças com graus variáveis de reais
dificuldades de aprendizagem. Nele podemos incluir aqueles escolares que, de fato,
apresentam alterações de alguma ordem em seu desenvolvimento, como é o caso das
deficiências sensoriais, da deficiência mental, dos distúrbios motores, dos distúrbios
neurológicos e comportamentais. Estas são crianças consideradas como tendo
necessidades educativas especiais, para as quais estão destinadas escolas
exclusivamente especializadas ou classes especiais de escolas regulares. De acordo
com dados do INEP, esta população corresponde a cerca de 8% dos alunos. Podemos
ainda acrescentar aquelas crianças que, embora não se encaixem nas categorias
anteriores de deficiências mais conhecidas, também apresentam dificuldades reais para
a aprendizagem. Teoricamente, estas deveriam ser as crianças-problemas para a
educação, uma vez que, de fato, são portadoras de alguma limitação que dificulta, em
maior ou menor grau, as possibilidades de aprendizagem. Entretanto, se somarmos o
total que elas representam, estaremos muito longe dos 40%, ou mais, dos alunos
apontados como apresentando distúrbios de aprendizagem e mais distante, ainda, do
total de alunos apresentando baixo desempenho escolar, que corresponde à maioria.
Esta realidade, já conhecida, muitas vezes não parece ser levada em consideração
quando se pensa nas razões dos problemas e em como superá-los. Ainda, para muitos,
ZORZI JL. . O que devemos saber a respeito da linguagem escrita e seus distúrbios: 5
indo além da clínica. In: Andrade, C. R. F.; Marcondes, E.. (Org.). Fonoaudiologia em
pediatria. São Paulo, 2003, v. 1, p. 120-132.
a resposta está centrada nas crianças, o que sustenta a crença de que uma alta
porcentagem apresenta distúrbios de aprendizagem. Daí a tendência para busca de
soluções fora da escola, via intervenções predominantemente de natureza extra-
escolar, quer seja fonoaudiológica, psicopedagógica, médica, psicológica e assim por
diante. Não se questionam os métodos, mas sim os aprendizes. Continua
prevalecendo a crença de quem não aprende tem algum tipo de problema.
Na realidade, as soluções não podem ser unilaterais. Temos, por um lado, que
buscar suprir as necessidades mais individualizadas que aqueles que apresentam
dificuldades de aprendizagem podem requerer, incluindo atendimentos especializados.
Por outro lado, a grande maioria dos problemas diz respeito a uma falta de ajuste entre
a propostas escolares e a realidade da maior parte dos aprendizes de modo a gerar o
que denominamos os pseudos-distúrbios de aprendizagem (ZORZI, 2003), assim como
os baixos índices de aproveitamento.
forma geral, possa ser garantido: aprender a linguagem para poder aprender pela
linguagem. Este é um princípio fundamental da educação.
A Leitura
Crianças com problemas quanto ao domínio da leitura podem apresentar uma série
de dificuldades, dentre as quais podemos destacar as seguintes:
• A capacidade de ler sem que o leitor tenha que se deter em palavra por palavra e,
menos ainda, em letra por letra. Um bom leitor trabalha com grandes unidades de
significado do texto e não com somatória de detalhes dos significantes.
• Comprovar o acerto de antecipações ou previsões;
• Buscar o sentido da leitura;
• Ler com fluidez;
• Ser capaz de perceber e destacar as partes importantes de um texto;
• Obter livros;
• Ter razões ou propósitos para ler;
• Ser capaz de criar imagens a partir do texto;
• Monitorar a compreensão, desenvolvendo a consciência do que está sendo
assimilado ou não;
• Desenvolver procedimentos de auto-correção;
• Ouvir histórias lidas por outros e saber desfrutar da situação;
• Estabelecer relações entre o conteúdo dos textos e os fatos da própria vida;
• Parafrasear o que está sendo lido, expressando o conteúdo em palavras próprias e
não simplesmente repetindo o que está escrito a partir de estratégias de memória
que podem não significar compreensão;
• Elaborar perguntas a partir do texto e buscar possíveis respostas, o que leva à
construção de reflexões pessoais e à busca de respostas internas;
• Compartilhar com os outros o que está sendo lido;
• Encontrar tempo para ler;
• Desejar ler;
• Descobrir que pode, via leitura, interagir com o autor do texto;
Para aquelas crianças que vivem em ambientes letrados que lhes proporciona
interação constante e sistemática com a leitura, esta tarefa de formação de bons
leitores, estará sendo partilhada, na realidade, entre a escola e o ambiente extra-
escolar, principalmente a família. O grupo familiar, a partir da relação que mantenha
com a leitura, terá peso fundamental no processo eficiente de formação de leitores
verdadeiros. Neste caso, a escola não é o único agente de transformações e de
aprendizagens.
Por sua vez, crianças cuja realidade corresponde a ambientes não letrados ou de
baixo nível de letramento, dependem, de modo praticamente exclusivo, da atuação da
escola na sua formação de leitores. Por esta razão, a escola deve compreender
claramente qual o seu papel na educação destas crianças, assumindo, realmente, a
condição de mais importante agente de transformações e de aprendizagens que elas
possam ter. Para elas seria fundamental o acesso a uma educação em nível pré-
escolar que as recebessem ainda pequenas, a fim de otimizar oportunidades de
ZORZI JL. . O que devemos saber a respeito da linguagem escrita e seus distúrbios: 9
indo além da clínica. In: Andrade, C. R. F.; Marcondes, E.. (Org.). Fonoaudiologia em
pediatria. São Paulo, 2003, v. 1, p. 120-132.
A Escrita
Considerações finais
Pensando-se de uma forma mais abrangente, o papel da escola pode ser tido
como o de compreender a realidade dos alunos e o de se propor a modificá-la, via
educação. Isto significa que a escola tem a responsabilidade de transformar a realidade
ZORZI JL. . O que devemos saber a respeito da linguagem escrita e seus distúrbios: 12
indo além da clínica. In: Andrade, C. R. F.; Marcondes, E.. (Org.). Fonoaudiologia em
pediatria. São Paulo, 2003, v. 1, p. 120-132.
da grande maioria dos alunos e não ficar se lamentando que não tem o êxito esperado
porque os alunos têm problemas. Seu papel é o de superá-los.
Bibliografia
Médicas, 1998.
ZORZI, J. L. Consciência fonológica, fases de construção da escrita de seqüência de
apropriação da ortografia do português. Em MARCHESAN, I. e ZORZI, J.L. (org.)
Anuário CEFAC de Fonoaudiologia. Rio de Janeiro. Editora Revinter, 91 – 118, 2000.
ZORZI, J.L.; SERAPOMPA, M.T.; FARIA, A.F e OLIVEIRA, P.S. A influência do perfil
de leitor nas habilidades ortográficas, 2002 (texto original).
ZORZI, J.L. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e
educacionais. Porto Alegre, ArtMed, 2003.