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INFÂNCIA, SOCIALIZAÇÃO E TERRITÓRIO: VIOLÊNCIA(S) NA ESCOLA,

VIOLÊNCIA(S) EM CONTEXTO.
Maria João Leote de Carvalho
Socinova/CesNova, Centro de Estudos de Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
Universidade Nova de Lisboa

Introdução
Indisciplina, agressividade, violência e delinquência são termos que evocam alguns dos problemas
frequentemente associados ao quotidiano de escolas em diferentes comunidades, quer a nível nacional
como internacional. Trata-se de fenómenos sociais de especial complexidade que, enquanto
manifestações de não conformidade às normas vigentes num dado contexto, não podem ser
identificados ou analisados ignorando-se a multidimensionalidade que lhes está subjacente e para cuja
interpretação devem ser convocadas diferentes áreas científicas. Recorrentemente usados de forma
indistinta, tendencialmente colocados sob uma mesma capa, a da violência, que lhes confere uma
aparente unidade, estes termos não descrevem nem interpretam propriamente os mesmos
comportamentos, acções ou relações entre actores sociais envolvidos no espaço escolar. Cada um
suscita o levantamento de problemas sociais de natureza diversa, devendo ser objecto de uma
(des)construção à luz de processos que envolvem uma multiplicidade de conceitos.
Nas sociedades contemporâneas a emergência destas questões tornou-se relevante nos últimos anos,
relacionada, em larga medida, com os reflexos da massificação do ensino. A garantia de sucesso
escolar para todos os alunos constitui uma exigência que a instituição escolar passou a ter de assegurar
visando a efectivação de princípios de igualdade de oportunidades que não pode ficar restrita à mera
possibilidade de acesso e entrada no sistema educativo. A ideia de uma responsabilização das
comunidades, e em particular dos estabelecimentos de ensino, pelo desenvolvimento dos percursos
educativos das crianças e jovens difundiu-se a vários níveis e os debates em seu torno vêm acontecendo
um pouco por toda a parte.
Reflectir sobre estes problemas atendendo às suas configurações na realidade escolar portuguesa
implica ter presente a diversidade e complexidade de modelos e dinâmicas sociais que decorrem das
profundas transformações demográficas, culturais, económicas e políticas registadas no país nas
últimas décadas. Importa também reter que os modos de vida na contemporaneidade, em contextos
marcados pela globalização, estruturam-se em torno de um ideal de ordem social que se afasta dos
tradicionais e onde a transnacionalização dos problemas sociais e a percepção de risco, individual ou
colectiva, são determinantes.
Nesta ordem de ideias e porque a escola participa na construção das situações e práticas sociais nos
territórios onde se localiza, seja de forma activa num processo de construção partilhado com a
comunidade, seja de modo passivo fechando-se ao meio envolvente, neste texto são apresentados
alguns resultados de um estudo exploratório sobre representações de violência desenvolvido com
alunos de Educação Pré-Escolar e do 1º Ciclo do Ensino Básico de um Agrupamento de Escolas
abrangido pelo Programa TEIP II,[1] localizado em bairros sociais de realojamento num concelho da
Área Metropolitana de Lisboa.[2] Integrado num projecto de investigação mais abrangente,[3] a
informação obtida centrou-se numa metodologia qualitativa que procurou destacar a “voz das crianças”
sobre os temas em causa. Apesar das limitações desta pesquisa, cujos resultados não podem ser
generalizados e que serviram apenas de preparação a outras intervenções, as tendências observadas
destacam a violência como um dos principais eixos (des)estruturante nas suas trajectórias sociais
constituindo esta a questão central que se procura debater ao longo destas páginas.
Perante os modos de vida desenvolvidos durante a infância neste tipo de contexto, transportados
naturalmente para o interior dos estabelecimentos de ensino que frequentam, interessa perceber quais
os contornos que se evidenciam e prevalecem nos seus processos de socialização. O trabalho diário
com alunos cujas vivências quotidianas tendem a ser estruturadas em torno de negligências, de desvios
e violências que, sob as mais diversas formas, atravessam as suas vidas revelando-os especialistas em
estratégias de sobrevivência, obriga a (re)pensar não só o conceito de violência nas escolas, mas
também a natureza e dimensão das aprendizagens emergindo como fundamental a necessidade de
exercício de uma cidadania mais pró-activa por parte de todos os membros da comunidade educativa.

1. Partindo de uma noção de violência…


Conforme apontam diversos estudos nacionais e internacionais realizados no campo da Sociologia, a
violência é um problema social de dimensão universal que atravessa fronteiras de ordem cultural,
económica, étnica, religiosa ou de género, acabando por se reflectir na qualidade de vida dos indivíduos
num determinado contexto (Lourenço e Carvalho, 2001). Ainda que não exista uma definição universal
de violência na medida em que se está perante uma construção social (Chesnais, 1981), a utilização
deste termo tem subjacente a ideia de que o acto que qualifica ou a conduta a que se reporta acarretam
como consequência o facto de os mesmos serem alvo de uma reacção social de condenação ou mesmo
de sanção, por parte de uma dada comunidade. Enquanto fenómeno social indissociavelmente ligado à
quebra de direitos humanos, cujas repercussões se estendem para além dos nela mais directamente
envolvidos, a violência é aqui entendida enquanto “transgressão aos sistemas de normas e valores que
se reportam em cada momento, social e historicamente definido, à integridade da pessoa” (Lourenço e
Lisboa, 1992: 17). Esta definição pressupõe que se situe o seu significado quer na natureza da força e
do agente agressor, quer nos efeitos de quem a sofre, isto é, de quem é vítima. O seu carácter relativo
pressupõe que não se possa pensá-la como sendo apenas uma, mas sim múltipla. Um conceito em
constante reconstrução que, em função dos contextos, épocas e circunstâncias onde é identificada,
aponta para realidades diversas (Chesnais, 1981).
Como evidenciam Lourenço e Lisboa (1998), a preocupação sobre estas questões e a ideia de se estar
perante o seu agravamento numa linha sem precedentes não são, historicamente, factos novos;
inscrevem-se, pelo contrário, nos discursos sobre a crise ou crises sociais que atravessam as sociedades
em diferentes épocas, particularmente em períodos de intensas e profundas mudanças. Decorrem,
fundamentalmente, de um progressivo alargamento da extensão deste conceito a actos outrora não
valorizados ou percepcionados como violentos. Um olhar mais atento sobre a História revela como a
violência exercida no passado era mais concretizada de modo colectivo, cometida em e por grupos,
geralmente fechados sobre si próprios, com uma base de relacionamento sustentada em laços de
solidariedade, alianças ou relações de sangue a partir dos quais se estruturava a passagem ao acto,
muitas vezes de carácter sanguinário; já nas sociedades ocidentais contemporâneas o carácter do acto
violento reveste-se, em especial, de uma forte componente simbólica (Chesnais, 1981; Michaud, 1989;
Giddens, 1991, 1997). Serão mais as “violências doces”, em contraposição às “violências de sangue”,
que tendem a marcar as sociedades no presente, não tanto porque as últimas tenham deixado de existir,
mas porque como se encontram em franco decréscimo, e as outras que mesmo em tempos recentes se
encontravam ocultas vieram a sobrepor-se-lhes (Lipovetsky, 1989).
A forte mediatização dos mais variados aspectos da vida humana é uma marca da contemporaneidade e
os sistemas simbólicos adquiriram uma função primordial na ordenação das questões sociais e das
visões colectivas sobre o mundo constituindo parte fundamental da própria realidade. Ultrapassa-se
neste posicionamento saber se são os riscos sociais que, objectivamente, terão aumentado ou se, pelo
contrário, aquilo que se verifica não será antes a intensificação e alargamento da sua percepção (Beck,
1992). Porque um e outro ponto representam duas faces de um mesmo objecto, a análise social sobre a
violência, seja sob que forma se revele, tem de atender à convergência e ao cruzamento entre ambas.
Nesta linha de orientação, poder-se-á afirmar-se que, mais do que o eventual aumento da violência,
aquilo a que se poderá estar a assistir será um potencial aumento da sua representação no quotidiano
em função da crescente visibilidade que certos actos adquirem, até certo ponto pela mediatização
permanente de que são alvo (Beck, 1992). A explosão de uma sociedade mediática com acesso massivo
e simultâneo à mesma informação em qualquer ponto do mundo, acarreta a sua divulgação e promoção
superando-se em todos os aspectos os limites da territorialidade.
A percepção da existência de riscos sociais, nomeadamente através de práticas de violência, leva a que
as comunidades reajam defensivamente através de mecanismos de controlo social. Caso não o façam,
reduz-se o seu grau de coesão pondo-se em causa a ordem social. No caso português, alguns autores
chamam ainda a atenção para o facto dos riscos sociais tenderem a ser mais percepcionados e vividos
como uma ameaça do que como uma oportunidade ou desafio pela enfatização do processo de
politização dos riscos sociais que acarreta consigo consequências de diversa ordem (Carapinheiro,
2001). Daqui emerge a ideia de que a “sociedade de risco” se converte, potencialmente, na “sociedade
da catástrofe” na medida em que muitos dos riscos só ganham visibilidade e só são debatidos quando
os efeitos da sua disseminação já se consolidaram (Beck, 1992).

2. Em torno da discussão sobre a(s) violência(s) na escola


Os fenómenos de violência, nas suas mais variadas formas (e onde se incluem as associadas às escolas)
são componente estrutural nas dinâmicas sociais de qualquer comunidade. A família surge como o
primeiro agente de socialização e de controlo informal; em último, o controlo social formal assumido
pelas instâncias do Estado, que assim vê conferida a imagem de protector e vigilante da sociedade,
vector fulcral na evolução das dinâmicas sociais. No entanto, importa realçar que as instituições
tradicionais de controlo social, nomeadamente a família e a escola, encontram-se sujeitas a
transformações que as afastam de modelos anteriores de funcionamento revelando-se elas próprias,
espaço privilegiado para a ocorrência de violência.
A vivência quotidiana está impregnada de representações sobre estes problemas sociais que, de um
modo ou outro, a todos afectam surgindo como fonte de informação constante nos órgãos de
comunicação social, de acordo com linhas de orientação diferenciadas e sob as mais variadas formas,
independentemente do grau efectivo de conhecimento científico que se possua a seu respeito. Deste
modo, o enfoque sobre a violência nas escolas não pode ser dissociado do tratamento que os órgãos de
comunicação social efectuam em seu torno. A amplificação da cobertura mediática nesta área é
concretizada de modo bastante difuso e controverso, oscilando entre a dramatização excessiva ou a
negação do fenómeno (Charlot, 2002; Débardieux, 2006a; Vienne, 2008; Sebastião et al. 2008). Tende
a assentar numa visão da instituição escolar como um espaço potenciador de riscos, perigos e ameaças
crescentes para quem a frequenta como que dissociado da violência que atravessa a sociedade no geral,
ideia que encontra um forte eco na opinião pública não sendo de estranhar que suscite o reforço de
sentimentos de insegurança (Correia e Matos, 2002; Rochex, 2003; Leonardo, 2004; Benbenisthy e
Astor, 2005; Moignard, 2008).
Constata-se como as abordagens efectuadas pelos media se centram, de modo redutor, numa busca
incessante de tentar saber, pelos poucos indicadores estatísticos disponíveis, se há hoje mais ou menos
violência do que no passado ignorando-se a ancoragem social das actuais realidades escolares. Se é
verdade que é necessária a sua quantificação, não menos importante é olhar e compreender as suas
expressões, a sua natureza e os contornos em que se produz (Leonardo, 2004; Sebastião et al, 2008;
Vienne, 2008; Abrantes, 2009).
Paralelamente, a escassez de estudos sociológicos sobre a temática obsta a um conhecimento mais
aprofundado e acentua a difusão de preconceitos e estereótipos a partir de uma apologia romântica
centrada numa idealização da “escola do passado” que desvaloriza, desde sempre, a instituição escolar
atravessada por violência. [4] Esta linha de abordagem, que se vem arrastando desde há muito, tende a
ignorar que não é possível olhar o processo de escolarização sem ter presente um quadro mais alargado
onde se evidenciam questões associadas à construção de uma escola de massas, às novas formas de
gestão e ocupação do território e às lógicas de comunicação desenvolvidas a partir daí em contextos
marcados pela globalização. A segregação espacial, social e étnica vivenciada em alguns espaços,
especialmente na esfera das grandes cidades, a degradação das zonas urbanas, a alteração da natureza
dos laços sociais, os novos modelos de organização familiar e os fenómenos de agrupamento de
crianças e jovens sob diversas formas (tribos, bandos, gangs, etc.) são alguns dos aspectos a que se
deve atender quando se analisa esta problemática (Moignard, 2008).
Se é verdade que a violência está no horizonte da vida social (Lourenço et al., 1998), parece ser claro
que, no decurso das mudanças sociais registadas nos últimos anos nas sociedades ocidentais, este
problema social vem a surgir como um dos principais elementos no campo de análise sociológica,
sobretudo, quando nela se encontram envolvidos quer como testemunhas, vítimas ou como agressores,
os membros mais novos de uma comunidade: as crianças e os jovens.
“Estarão as nossas crianças e jovens a regressar a um ‘estado selvagem’? Prática de delitos em idades cada vez mais
baixas, agravamento do grau de violência nos actos cometidos, muitos dos quais em torno da origem étnica e o
crescente envolvimento de raparigas nestes actos são questões que se encontram na ordem do dia. A tal ponto que,
em certas comunidades, pede-se a aplicação de medidas mais repressivas centradas numa maior pressão sobre os
pais, nomeadamente, pela supressão de certas regalias sociais. Mas as posições são divergentes. Alguns defendem
que esta forma de combater o problema é um regresso a uma ordem moral e a uma ideologia exclusivamente
repressiva; outros justificam-na pelo número crescente de jovens envolvidos em delitos.” Roché (2001: 9)

A controvérsia é grande e a procura de resoluções para estes problemas está envolta em alguma
polémica. Ao descer-se à tentativa de definição de um conceito de violência na escola, verifica-se que
apesar de restrito a um contexto específico, este processo não escapa às mesmas dificuldades da
definição de um conceito geral de violência (Charlot, 2002; Sebastião et al., 2003; Debardieux, 2006a;
Vienne, 2008). Mediante uma multiplicidade de conceitos que abrange um vasto leque de situações e
actos considerados como violentos, nem sempre fáceis de distinguir na medida em que frequentemente
se encontram em sobreposição entre si, o principal risco que se corre na abordagem a esta problemática
é o de se oscilar entre uma estrita concepção jurídica, fechada nas formas definidas pelos quadros
legais, e uma outra leitura assente numa definição mais ampla que unifica sob uma mesma capa
fenómenos bem diversificados, mas que se pode revelar pouco operacional (Debarbieux, 2006a). Neste
sentido, cada vez mais se aponta para a necessidade de se falar de violências em vez de violência no
singular, de forma a se poder definir melhor as acções a analisar (Leonardo, 2004).
Rochex (2003) defende a necessidade de interpretação dos fenómenos de violência associados à escola
segundo três lógicas diferenciadas que têm como ponto de partida a identificação de três campos
específicos: na escola, da escola e para com a escola. Também Dubet (1994) sugere a existência de três
categorias associadas a esta problemática: a que lhe é exterior, não originada directamente nesse espaço
mas que pode ser para aí transportada como prolongamento de condutas e actos desenvolvidos no meio
envolvente; uma segunda, centrada no que se concretiza na escola cujos actos poderão ser a face mais
visível de uma resistência, ou até mesmo, indiferença perante a formação escolar; uma terceira, a
violência anti-escola, que se reporta a acções e formas que visam directamente colocar em causa o
sistema vigente através da acção dos diferentes actores sociais nela envolvidos.
Já Débardieux (2006b) chama a atenção para o que designa por “micro-violências”, conceito que
classifica um leque de actos que perturbam a ordem escolar não tanto porque sejam violentos em si
mesmos, no sentido estrito do termo, mas mais porque os seus efeitos é que acabam por ser violentos. E
a acumulação destas “micro-violências” é, no entender deste autor, factor pertinente na degradação do
ambiente escolar.
Outro aspecto que regularmente é associado à violência na escola prende-se com a suposta existência
de uma correlação positiva com as violências identificadas nos contextos de residência dos alunos que
a frequentam. Cada vez mais esta ideia tem vindo a ser posta em causa pelos resultados obtidos em
numerosos estudos realizados em diferentes países: não só não tem sido comprovada a existência dessa
correlação, pois mesmo em comunidades com indicadores sociais e de violência similares as variações
nos números de actos violentos associados aos estabelecimentos de ensino tendem a ser muito
diferentes, como se tem evidenciado que a organização interna das escolas é fundamental na mediação
com a comunidade podendo funcionar como factor de protecção em relação aos níveis de violência
exteriores (Gottfredson, 2001; Benbenisthy e Astor, 2005; Moignard, 2008). Assim sendo, revela-se
necessário repensar uma lógica de pensamento baseada num suposto determinismo social que tem
prevalecido na abordagem neste campo e questionar o papel e a participação das escolas na construção
das situações e das práticas sociais do meio onde se localizam.
Nesta linha, ao longo destas páginas, pretende-se olhar as violências na escola sob uma outra
perspectiva que não se foca particularmente nos actos levados a cabo na, da, ou para com a escola, mas
antes olhar este fenómeno a partir do ângulo de visão das crianças, de como estas representam a
violência no contexto de residência o que, de uma forma ou de outra, acaba por interpenetrar e
influenciar o contexto escolar. Se é verdade que o ambiente social e cultural que caracteriza o território
onde as escolas se encontram não é por si só, de modo algum, suficiente para explicar todos os
contornos da realidade vivida no seu seio (Charlot, 2002; Moignard, 2008; Sebastião et al, 2008;
Vienne, 2008) não podem as mesmas ignorar os sinais e indicadores de violência experienciada por
crianças e famílias nos seus quadros de vida, nomeadamente como isso afecta a qualidade de vida dos
seus alunos e respectivos agregados de origem. Esta é a questão central em torno da qual se desenvolve
a discussão apresentada neste texto: que violências, percepcionadas, representadas ou vivenciadas no
contexto em análise trazem as crianças para a escola?
Esta problemática dificilmente pode ser abordada com base em modelos de causalidade assentes em
relações lineares potencialmente passíveis de generalização, como se de causas únicas e globais se
pudesse falar, ignorando-se a complexidade da vida social. Pelo contrário, como evidenciou Boudon
(1979), importa atender que cada situação social resulta da agregação de diversos factores para a qual
são susceptíveis de concorrer, a um momento e num contexto específicos, variáveis de natureza
individual, micro e macrossocial. Um olhar mais atento e aprofundado sobre os diversos territórios
onde as escolas se localizam permite trazer para discussão contornos nem sempre explorados. O terreno
escolar, entendido na sua globalidade, compreende a vida quotidiana dos estabelecimentos de ensino
não só dentro de portas, mas também na sua interacção para além delas. São colocadas em jogo as
relações e interacções do dia-a-dia, as tensões e os conflitos assim como os modos de resolução das
situações com o exterior apresentados internamente (Vienne, 2008). À escola compete, pois, um papel
decisivo no saber descodificar estas formas de expressão das crianças pela necessidade de devolução às
próprias de outras formas de actuação, numa perspectiva relacional e crítica, que para além do seu
combate e prevenção evitem a sua reprodução (Veiga, 2007). Da necessidade de se estar atento e
sensível às tensões emergentes das violências nos contextos de origem surge também a necessidade de
dotar as escolas de capacidade de leitura da realidade social da qual participam (Vienne, 2008).

3. Pelos trilhos de um percurso metodológico


Se nos estudos sobre a infância a criança deve ser o objecto central da investigação (Qvortrup, 1999) de
notar que esta é uma preocupação relativamente recente pelas questões metodológicas e éticas
levantadas em seu torno. Trata-se de um problema de visibilidade da criança enquanto indivíduo de
pleno direito na sociedade, frequentemente subalternizada a outros interesses e campos,
designadamente o da esfera familiar. Não se coloca em causa a ideia de que a família continua a ser o
ponto de partida da acção das crianças. No entanto, esta linha de orientação não deve anular a
possibilidade de questionamento sobre a diferenciação de condições e motivações que, sob essa mesma
capa, se vieram a ocultar e que pouco têm sido investigadas. Assim sendo, a possibilidade de dar “voz”
às crianças constitui uma das mais consistentes e legítimas formas de expressão e participação no
exercício activo de cidadania (Sarmento, 2000; Fernandes, 2005). Tratando-se do único grupo etário
que não realiza isoladamente pesquisas deve ter-se um especial cuidado na forma como outros, que não
elas próprias, desenvolvem interpretações acerca das suas vidas (Qvortrup, 1999).
O conhecimento da multiplicidade de formas e meios de se viver a infância implica que as crianças não
podem continuar a ser encaradas como meras receptoras de influências de outros, mais velhos, numa
sociedade em permanente mudança. Terão também de ser olhadas como parte activa na construção
dessa mesma sociedade pela participação num tempo e num espaço em que cada vez mais se vêem
afastadas do controlo próximo dos familiares, ponto-chave para a definição de orientações de natureza
educativa. Com efeito, existe uma pluralidade de formas e meios de se viver a condição de ser criança
correspondendo esta aos diferentes espaços e contextos de socialização onde se situam. A dinâmica
conflitual entre individual e social destaca a necessidade de conhecimento desses espaços e contextos
assim como dos papéis assumidos na família, na escola, entre pares.
Delimitando o interesse num território específico, a informação apresentada ao longo destas páginas foi
obtida no decorrer de pesquisa de carácter exploratório integrada em projecto de investigação mais
vasto centrado na problematização dos modos de vida de crianças em bairros sociais de realojamento,
em concelho na Área Metropolitana de Lisboa. À opção pela investigação neste espaço social
associam-se as profundas transformações ocorridas nos últimos anos no tecido (sub)urbano das grandes
cidades portuguesas. Neste campo destaca-se a extinção de núcleos de construção de génese ilegal que
implicaram a subsequente deslocalização das populações aí residentes para estes novos equipamentos
especialmente criados para esse fim. Na medida em que, pela sua construção, se visava a melhoria das
condições de vida das populações realojadas, considera-se importante identificar, analisar e
compreender algumas das mudanças sociais em curso nestes novos núcleos urbanos, nomeadamente
através do discurso e de outras formas de expressões trazidas para a escola pelas próprias crianças.
Bairro e escola são aqui entendidos como “construções sociais dotadas de uma certa coesão interna e de
uma autonomia relativa, (…) mas ao mesmo tempo, estruturalmente articuladas entre si por laços de
dominação e interdependência” (Van Zanten, 2001, cit em Moignard, 2008: 190).
Para esta primeira fase de natureza exploratória, a abordagem centrou-se numa metodologia qualitativa
concretizada em torno de uma certa diversificação e exploração de estratégias e instrumentos junto de
crianças do Pré-Escolar e do 1º Ciclo do Ensino Básico, de ambos os sexos, com idades compreendidas
entre os 4 e os 13 anos, que frequentavam um estabelecimento de ensino actualmente abrangido pelo
Programa TEIP II. Partindo da observação participante, uma especial atenção foi dada aos processos de
sociabilidade desenvolvidos com as crianças havendo uma integração da investigadora em parte das
rotinas quotidianas escolares e no seu acompanhamento nos bairros, algo sempre aceite e consentido de
forma muito positiva. Através da criação de fotografias, desenhos, textos, músicas e vídeos e de
conversas informais deram a conhecer como representam a sua vida no contexto de residência
emergindo a violência, sob diversas formas, como factor primordial de análise. As opções
metodológicas tomadas permitiram ver como constroem a experiência da sua própria socialização
tendo em linha de conta o plano das representações, das emoções e das acções, num processo que
Corsaro (1997) designa por “reprodução interpretativa”. É com excertos desses trabalhos que ilustra
algumas das questões nos pontos seguintes.

4. Violência(s) na escola, violência(s) em contexto

4.1 A construção social da infância: entre o “ofício de aluno” e o “ofício de criança”


Os olhares sociológicos desenvolvidos acerca da infância nas sociedades ocidentais têm vindo a
destacar um certo paradoxo: quanto menor é o seu peso demográfico no total da população, maior
parece ser o interesse sobre a sua situação. Pode afirmar-se que quanto mais os adultos dizem desejar e
gostar de crianças, cada vez são menos as que nascem e é mais reduzido o tempo de que dispõem para
estar com elas (Qvortrup, 1999). Este crescente interesse sobre a infância remete para uma valorização
construída gradualmente à luz de factores de natureza sociopolítica que trazem à superfície um
conjunto de problemáticas que mais afectarão as crianças. A representação social da infância na
contemporaneidade está enquadrada por um conjunto de princípios relativos ao exercício de uma
cidadania plena que a todos sugere uma definição de “bem-estar infantil” (Almeida, 2000: 20).
Contudo, as dificuldades começam quando, partindo do próprio ponto de vista das crianças, se percebe
como esse bem-estar é um dado longe de estar adquirido por muitas (Carvalho, 2004).
“Professora, posso tomar aquelas bolachas ali do armário (…), tenho fome que o meu pai já não tem euro para dar
para o lanche e eu não comi nada.” Miguel, 11 anos, 3º ano de escolaridade.

“É no bairro [descrição do desenho] ao pé dos montes, fiz eu a apanhar coelho… Vou ao monte apanhar cobras e
coelhos, eu sei onde ficam as tocas dos coelhos e vou lá buscar e trago para casa e meto em gaiolas ou mato o coelho
para fazer o jantar, o meu avó ajuda.” Diogo, 8 anos, 2º ano de escolaridade.

“Não posso vir à escola que a minha casa ardeu [no Natal na sequência de fogo posto pela avó] e fiquei sem os
materiais de escola e agora tenho de tomar conta do meu irmão que a minha mãe não deixa mais ele sozinho em
casa...” Alexandre, 11 anos, 4º ano de escolaridade.

“- Professor, preciso de falar contigo…


- E o que é Mário (10 anos, 4º ano de escolaridade)?
- Não posso ir à visita de estudo [3 dias] que lá em casa o meu pai e a minha mãe estão sempre a brigar e aquilo está
pior, não posso ir, não posso... não posso…
- E achas que resolves alguma coisa em ficar?
- Sim, é que eu não deixo o meu pai bater na minha mãe! Eu tiro ele do caminho...”

Traçando de forma sumária as principais linhas da evolução acerca da construção social da infância,
Ana Nunes de Almeida (2000) aponta três momentos que marcam pontos de viragem na forma de
entender a criança. Um primeiro, relativo aos tempos da pré-modernidade, evidencia a sua existência
enquanto braço de trabalho, adulto em versão pequena a quem se exige e sanciona o mesmo que aos
adultos, vítima das mais diversas formas de exploração, de mau trato e de severas negligências. O
segundo, numa visão da modernidade, destaca-a como objecto e centro de interesses dos afectos e do
consumo da família na qualidade de criança-aluna que se deseja bem sucedida e cumpridora na
instituição escolar, por excelência a instância considerada como a mais adequada para a promoção a
uma adequada socialização. O terceiro, nos tempos da pós-modernidade, evidencia o papel da criança
consumidora, utilizadora competente e activa de novas tecnologias num mundo marcado pela
globalização e quebra de fronteiras. Este percurso desemboca num tempo presente onde, em Portugal,
mais frequentemente do que à partida seria desejável pela negação de direitos que muitas das situações
traduzem, ainda hoje se cruzam e se sobrepõem em determinados territórios qualquer uma destas três
linhas.
Trata-se, no fundo, da confluência dos mais variados factores de ordem individual e social que tendem
a perpetuar a constância de realidades e imagens que, pertencendo a tempos diferentes, emergem a um
só abarcando estas três dimensões (Almeida, 2000). Para um mesmo terreno e a um mesmo tempo
detectam-se estes diferenciados modos de vivência da infância num processo de entre cruzamento
muito denso e de difícil acesso. No entender desta mesma autora, o facto de Portugal ter entrado
tardiamente nos tempos da modernidade relativamente ao que se passou noutros países europeus,
condicionou a evolução vertiginosamente acelerada que desde aí regista numa desigualdade acentuada
de condições de vida para uma larga parte da população traduzida nos mais diversos indicadores sobre
as condições de vida no país. Nesta dualidade entre o individual e o social emerge uma ambiguidade
estrutural das sociedades tornando-se necessário entender as razões que levam as trajectórias de muitas
crianças a serem atravessadas por problemas sociais de ordem diversa quando, paradoxalmente, nunca
como agora se dispôs de tanta informação e de tantos meios para efectivar a melhoria das condições de
vida de todos os grupos da população (Wyness et al., 2004).
É à luz deste quadro que a institucionalização dos quotidianos e tempos de vida das crianças e dos
jovens tornou evidente o papel da escola como principal espaço de disputa social nestas idades, daí
emergindo choques culturais, sociais, étnicos, religiosos e de género. E esses choques podem revelar-se
de forma brutal em torno de uma necessidade de afirmação pessoal e social que pode basear-se numa
linguagem fortemente segregadora mas que nada mais é do que o espelho de como, desde muito cedo,
as experiências de não inclusão vêm a marcar muitas crianças.
“Eu sou portuguesa, já está! Sou portuguesa como todos os portugueses! É isso, é isso… sou castanha mas
portuguesa!...” Orlanda, 9 anos, 4º ano de escolaridade

“Eu tenho muitos amigos pretos que me ajudam.” Joaquim, 10 anos, 4º ano de escolaridade

“Devia haver uma escola só dos ciganos, só para os ciganos, devia ser uma escola mais forte… com professores mais
maus p’ra eles e que lhes dessem com um pau... devia ser assim mais longe do bairro… fora do bairro é que era
melhor, lá longe…” Nuno, 8 anos, 2º ano de escolaridade

“Eu tirava os brancos do bairro porque eles só fazem muito barulho, não ligam à gente e porque estão sempre a
roubar ao meu avô, levam os ferros. Os ciganos também quando lá vão é só para roubar, são uns porcos e bandidos.
(...) Eu tirava os brancos e os mulatos, punha só pretos.” Leonel, 8 anos, 2º ano de escolaridade

À criança-aluna passaram a estar cometidas exigências e deveres de um processo de aprendizagem que


assegura também modos de inculcação de um saber homogeneizado, de uma ética de esforço e de uma
disciplina social. As actividades escolares são o novo trabalho das crianças, delas requerendo uma larga
ocupação do seu tempo diário. Simultaneamente, ao desenvolvimento desta visão de criança-aluna está
intimamente associado uma outra imagem, a da criança-consumidora que mantém activo certos nichos
de mercado constituindo um público particular e preferencial de determinadas acções que sustentam
sectores económicos específicos (Sarmento, 2000) .
“É seco… o bairro é seco! Então… não tem muita gente como lá antes, não tem shopping, não tem lojas… não gosto
sem isto, gostava mais de lá. O bairro… se for lá ao fundo vejo tudo, ali do fundo dou a volta e dá para ver aqui tudo,
é sempre a voltar ao mesmo sítio e lá não era assim, ia dar a outros sítios e tinha mais gente diferente. (…) Faz falta
parques, mais… um campo de futebol para ir jogar… Mas põe lá um parque e vão logo partir tudo, partem tudo, já
está todo partido o que lá está, partiram tudo, não durou nada…” Francisco, 10 anos, 3º ano de escolaridade

O “ofício de aluno” (Sarmento, 2000) tem constituído uma das principais imagens da infância e, não
sendo a violência nas escolas um problema novo, diferentes poderão ser alguns dos seus contornos
actuais pelo alargamento da frequência escolar a uma faixa de população que, mesmo num passado
recente, dela se encontrava excluída logo à partida (Vienne, 2008). As categorias sociais anteriormente
excluídas passaram a ter de aceder ao sistema de ensino num percurso de duração que se vem a tornar
mais longo daqui emergindo um confronto, nem sempre fácil de lidar, entre aspirações, expectativas e a
realidade. Para Bourdieu e Champagne (1992), esta maior duração do percurso acaba por ter algum
paralelo com o processo de eliminação precoce. A exclusão vai-se construindo agora de forma mais
lenta e diluída no tempo, traduzida em larga medida pela produção de excluídos no interior da escola
que acabam por se manter no seu seio, mas simultaneamente relegados para opções menos valorizadas.
Num mundo onde a escola marca decisivamente a construção da identidade social, os mesmos autores
evidenciam como estas aparências da democratização escolar continuam a potenciar a reprodução das
desigualdades sociais.
Assim sendo, gradualmente e partir da análise do “ofício de aluno”, tem vindo a focar-se uma maior
atenção no “ofício de criança”, uma designação que pretende evidenciar como as crianças são actores
sociais, activos e críticos, que devem participar plenamente na construção das realidades sociais em que
se envolvem (Sirota, 2006). Para aprofundar o primeiro conceito é necessário compreender o segundo o
que pressupõe a identificação e análise sobre os processos de socialização na infância. Compreender as
lógicas de acção das crianças implica um ajustamento e uma reformulação dos quadros teóricos que vá
mais além de um entendimento restrito sobre a sua condição de aluno e que se passe a centrar no seu
estatuto actual como criança, no trabalho social que lhe é exigido para se construir socialmente
(Sarmento, 2000; Sirota, 2006). Tal obriga a ter em linha de conta as novas formas de experiências
sociais (Dubet, 2003) no entendimento da pluralidade de campos de acção onde cada indivíduo se pode
situar (Lahire, 2001). Deste modo, a experiência escolar não pode ser interpretada se não à luz de um
enquadramento social mais alargado que se afaste de uma visão mais tradicional, que entendia as
crianças como meros objectos da interacção social; as tendências mais recentes no campo da Sociologia
suscitam outros tipos de abordagem destacando cada indivíduo como actor social no seu próprio
processo de socialização (Cario, 1999). Não mais será possível falar de infância como se se tratasse de
uma realidade plana, vivida ou representada exclusivamente no singular; destacam-se campos próprios
que remetem para a co-existência de traços diversos decorrentes de regularidades assinaladas por
origens de género, espaço social de classes ou local geográfico (Almeida, 2000).

4.2 Violências urbanas, violências sociais


“Onde é que fica o Governo? Qual é o bairro onde está o Governo, qual é o bairro?... Quem manda nas escolas? São
os Governos?... E se o Governo disser que não é para ficar na escola vamos ter de ir embora e os professores
também?...” Adilson, 12 anos, 4º ano de escolaridade.

Parte da discussão em torno da violência centra-se recorrentemente na sua expressão em contexto


urbano, a dita violência urbana, conceito cuja operacionalização não se revela simples surgindo
frequentemente associada a processos de urbanização cujos efeitos se fazem sentir de modo intenso
sobre as populações (Moura, 2003). Estima-se que mais de metade da população do planeta viva hoje
em cidades com mais de meio milhão de habitantes sendo nestes espaços que se acumula maior
riqueza, mais recursos e equipamentos. De igual modo, é aí que se encontram os centros de decisão
política, económica e cultural mas é também nestes espaços que as desigualdades sociais se fazem
sentir de modo mais forte (Body-Gendrot, 1995, 2001).
Na escola, enquanto espaço privilegiado de socialização na infância, a violência urbana vê-se
reflectida, em diferentes patamares. Não é, pois, de estranhar que um grande número de estudos em
torno da violência na escola tenha sido concretizado numa estreita articulação com análises em torno de
processos de urbanização, centrados em determinados territórios. Todas estas questões vêm a ocupar
um lugar central de discussão entre a opinião pública emergindo como preocupação social de primeiro
plano na sociedade portuguesa. Tal justifica-se na medida em que, nas últimas décadas, o crescimento
das cidades tem sido efectuado em função de novas formas de espacialização do povoamento dando
origem a áreas metropolitanas, assentes numa complexa malha social e de ocupação do território
nacional. No interior destes espaços encontra-se quer uma multiplicidade de actividades económicas,
quer uma sobreposição de grupos sociais fortemente heterogéneos e em relação aos quais a
multiculturalidade é apenas um dos aspectos a reter. Este processo de transformação social tem
subjacente uma facilidade dos transportes – e em especial a sua individualização – acompanhada de
uma dispersão espacial das unidades produtivas que sustenta uma forte mobilidade geográfica das
populações (Lourenço et al. 1998).
Políticas de habitação social, designadamente através da construção de bairros sociais de realojamento,
têm levado à criação de zonas bem delimitadas no interior das cidades ou nas suas periferias para onde
populações se vêem deslocadas e “artificialmente” fixadas (Moura, 2003; Leonardo, 2004). “Qual é o
bairro?” é a pergunta do Adilson cuja visão do mundo se centra nos limites do território onde reside.
Tudo para ele gira em volta do “bairro”. Mas não só, também o olhar do exterior fecha o “bairro” num
território específico, estigmatizado, potencialmente perigoso, espaço ameaçador para quem se encontra
fora dele. Estes processos de segregação social e urbana estão na base de áreas residenciais, de
dimensão e natureza variada, que de comum têm o facto de abranger populações que são objecto de
diversas formas de exclusão social. As consequências mais visíveis destas formas de urbanização são a
conflitualidade entre os residentes, entre os residentes e os não residentes e a rápida degradação dessas
áreas. E todas estas dinâmicas chegam, de forma natural, à escola como facilmente se pode verificar
nas situações que se apresentam a seguir.
“Está um dia mau no bairro!... [descrição de desenho] O que faz falta no meu bairro é casas e mais casas para as
pessoas e um parque. Aqui o que há mais é pessoas pobres, só há pobres, pessoas pobres, só pobres...” Leonardo, 8
anos, 2º ano de escolaridade.

“No último dia de aulas, de saída para um passeio, o professor da turma do 2º ano de escolaridade verificou que uma
das alunas, de 8 anos, trazia na cintura da saia uma faca grande de cozinha e confrontou-a com a situação.
Professor – Porque é que trouxeste isto para a escola?
Ana- Foi o meu pai de que me deu…
Professor - O teu pai?...
Ana - Sim, nós discutimos ontem lá na rua com a outra família de ciganos, está lá do bairro... a mãe dele deu facas
aos filhos e então se ela deu, o meu pai também nos deu!...”

“Este é o meu prédio! [descrição de desenho] As pessoas no meu bairro estão sempre à bulha, sempre a fazer
barulho, à luta. Ah, faz falta flores, jardim, não há ali nenhum jardim, só há hortas, hortas… falta sossego, sossego,
boa vida, o que faz mais falta é mesmo sossego porque estão sempre à bulha, a fazer barulho, a ir à luta e no outro
dia é que foi pior: à noite a mãe da Laura foi levada para a esquadra, veio um carro de polícia e depois ela voltou
mas antes ia a lutar no polícia e a mãe do Mateus foi buscar o machado mas depois a minha mãe não deixou ver mais
e disse ‘logo para casa’ e eu fui...” Orlanda, 9 anos, 4º ano de escolaridade.

“Eu estava em casa com o meu pai. O meu pai abriu a porta e eles deram com a porta na cara do meu pai e o negro
veio e bateu mais no meu pai e atirou o meu pai ao chão e o meu pai foi ao hospital. Só que o meu pai levou a faca a
casa deles e ele disse que garantia que não ia lá outra vez para avisar mais. Eles continuam a fazer fogueiras e o meu
pai estava farto disso. Eles ‘amandam’ o meu pai para o chão e o meu pai pegou na faca e foi a casa deles outra vez
avisar e depois chamou a polícia. A polícia mandou o meu pai escrever uma coisa que não me lembro. Eu tive medo
e chorei… Assustou foi no segundo dia quando o irmão dele foi ao trabalho do meu pai e mandou um soco nele e
deixou-o no chão e agora está preso. E depois as pessoas do trabalho assustaram-se e o meu pai chamou a polícia e o
meu pai foi outra vez ao hospital.” Sandro, 7 anos, 2º ano de escolaridade.

As múltiplas designações usadas para rotular determinados espaços, sobretudo áreas residenciais nas
periferias das grandes cidades como bairros sociais constituem, por si mesmas, uma violência
simbólica, vivida e percepcionada de forma estigmatizante por quem neles vive. Evidencia-se, nestes
discursos, como as crianças estão atentas à realidade social e dela participam, reconstruindo o seu
próprio papel pelas situações que vivenciam representando-as de forma conflitual. Nesta linha, Costa et
al. (1994: 159) chamam a atenção para a existência de uma “espécie de assimetria brutal entre o modo
como cada um de nós sofre os efeitos da cidade e capacidade de cada um de nós intervir nela”. Olhando
a cidade enquanto “quadro social em parte institucionalizado, em parte não institucionalizado”,
constata-se como a maioria dos indivíduos experimenta um contraste bastante forte entre a difusão de
uma ideia de cidadania e a carência ou até mesmo a impossibilidade de acesso a mecanismos efectivos
para assegurar essa participação (Costa et al., 1994). Esta situação assume contornos bem específicos
junto das camadas mais novas de uma sociedade.
Pelo seu carácter de concentração, é crescente nestes contextos a visibilidade dos fenómenos de
violência, delinquência ou marginalidade. Embora parte significativa do aumento do número de crimes
registado possa ser inserido no quadro de uma pequena criminalidade de rua e do aumento de um tipo
de comportamento que a literatura sociológica vem designando por “incivilidades” (Roché, 1993), o
seu efeito desestruturante das relações sociais é pertinentemente associado à emergência do sentimento
de insegurança na maioria das cidades dos países ocidentais. Parte desta violência é desenvolvida por
crianças e jovens e é com apreensão que se vem verificando, quase um pouco por toda a Europa,
incluindo Portugal, que a diminuição da idade dos seus autores é, tendencialmente, acompanhada de
um aumento da violência da agressão, tendencialmente grupal (Carvalho, 2003, 2004).
Numa sociedade que se terá nuclearizado excessivamente e em que o acesso a determinados bens
(mesmo alguns ilegais como as drogas) se banalizou, a radicalização de certos comportamentos assenta
numa diversidade de motivos que, na maior parte das vezes, raramente podem ser analisados de forma
singular ou linear, surgindo maioritariamente em acumulação ou articulação. O esforço de clarificação
da definição e da incidência da violência junto de crianças e jovens tem sido enorme, contudo, no que
concerne à multiplicidade de formas de que se reveste não será possível afirmar que a comunidade
científica esteja completamente satisfeita com as propostas apresentadas até à data, tanto pela sua
validade, como pelos resultados dos programas de intervenção e tratamento delineados.
“- Onde é que roubaste esse colar tão lindo? Onde é que roubas os teus colares?..”- perguntou a Maria, de 4 anos e
meio à sua Educadora na sala do Jardim-de-Infância.

“- Respeito é não pôr a pistola nas costas das pessoas!..”- Airton, 5 anos, pré-escolar

“Assalto com pistola não é nada!” José, 10 anos, 3º ano de escolaridade.

“O meu bairro é fixe… Fazemos muitas corridas de motos e também de carros e é tudo fixe. Não falta nada.”
Ricardo, 11 anos, 4º ano de escolaridade.

“Por que é que a professora não vem morar para aqui? Aqui na (…) ninguém manda em nós, só nós é que mandamos
na (…), é bairro fixe!..” David, 13 anos, 4º ano

“Quero dizer que gostava muito que os bairros fossem melhorados, não é que eles tenham só coisas más, mas é que
as pessoas têm de ficar…de ser assim mais amigas umas das outras, mesmo sendo pretos, brancos, ciganos”.
Anabela, 9 anos, 4º ano

“-Me deram um tiro, ‘profissora’, me deram um tiro, me deram um tiro! ‘Profissora’, foi aqui... me deram um tiro!”-
gritou Leonel, de 6 anos (2º ano), ao chegar à escola no primeiro dia de aulas do segundo período lectivo segurando
as calças com uma mão e apontando com a outra o buraco da bala no tecido, junto ao joelho. (Ano Novo 2005/06)

No entender de Body-Gendrot (1995, 2001), estas situações de violência em contexto urbano surgem,
em grande parte, como consequência das limitações e influências de um espaço mal apropriado porque
também ele mal definido, onde o desregulamento social, numa ambiguidade quanto aos papéis que
cada actor deve assumir, promove o desejo de entrega a actividades desta natureza, seja por afronta
consciente à ordem social, seja por mera excitação, prazer ou divertimento em função da ausência de
referências estáveis que veiculem quais os limites da actuação individual ou colectiva. Quanto mais
heterogénea e desfragmentada uma comunidade for, mais a violência e os actos desviantes e/ou
delinquentes manifestados por crianças, por jovens, individualmente mas sobretudo em grupo(s),
tenderão a ser percepcionados como gratuitos (Chaillou, 1995). Estas não-conformidades têm de ser
pensadas a partir da sua articulação com as lógicas de exclusão e de segregação em relação com os
espaços onde tomam corpo. Se a segregação é uma qualidade intrínseca e percepcionada no que diz
respeito a determinados territórios, e por arrastamento aos seus residentes, ela reenvia o olhar para as
formas e modos como estes vivem na relação com o exterior, numa linha muitas das vezes marcada por
sentimentos de dependência, de frustração e, até mesmo, de revolta. E como evidenciaram Benbenisthy
e Astor (2005) na comparação entre crianças de diferentes meios, são as oriundas deste tipo de
contextos que tendem a apresentar uma maior probabilidade de serem vítimas de actos violentos. Mais
do que remetidos para o papel de agressores como vulgarmente é apresentado na opinião pública, é a
questão da vitimação que mais afectará estas populações já que o número de agressores tende a ser
claramente mais reduzido, restrito a uma minoria, o que pode levar a pensar na existência de casos com
acentuada reincidência.
Quer tenha havido a possibilidade ou não da família escolher a localização do alojamento, a zona onde
se reside influencia claramente as opções de que as crianças e jovens dispõem (Wilson cit. em McCord,
2002; Seaton e Taylor, 2003). A lógica da cidade onde tudo se faz e tudo se permite (Vienne, 2008) e a
prevalência de determinados padrões de vizinhança e de redes sociais em determinadas comunidades
que parecem facilitar o acesso a estruturas de oportunidades ilegais são aspectos que devem ser objecto
de uma especial atenção de um ponto de vista da definição de políticas sociais e educativas. Tal como
as famílias influenciam o desenvolvimento dos seus membros através da sua situação social e física,
também estas sofrem com as influências do meio onde se integram (McCord, 2002), sendo certo que
uma larga parte terá uma capacidade restrita de selecção desse local, sobretudo as mais carenciadas,
dependentes exclusivamente dos serviços de acção social (Seaton e Taylor, 2003).

4.3 Uma questão de olhar(es): território e aprendizagem social da violência


À semelhança de outros autores, Benbenisthy e Astor (2005) destacam nos seus estudos como os
territórios onde crianças e jovens residem e crescem tendem a desenvolver um importante papel na
forma como estes se relacionam com a violência. Pobreza, exclusão social, discriminação em função da
origem étnica ou de género, desvio e crime, acesso a estruturas de oportunidades em termos de
educação e mercado de emprego, são aspectos que, desde muito cedo, os mais novos percepcionam e
vivenciam de modo particular. Tal é o que se pode constar no texto construído colectivamente por uma
turma de 4º ano de escolaridade que se apresenta a seguir.

“Os Bandos dos Prédios


(este rap é dedicado a todos os bairros do mundo)
Música: Fabiano (11 anos); Letra: turma do 4º ano; Vídeo: Dália (9), Fabiano (11) e José (10)

Ando na rua e olho à minha volta


Vejo bandos de prédios, todos grafitados
E há também a casa dos drogados
Há uns carros na rua, a chapa toda torta.
Pelo bairro há muitos cães abandonados
Junto ao passeio carros que foram roubados
Há muita fome, falta aqui muita comida
A porta do meu prédio já está toda partida
Não te armes em esperto, não pegues nessa arma
Se mandarem directo, não vai ficar correcto
Quem vai a julgamento cai num sítio infernal
Nunca fui até à esquadra, nem quero parar no tribunal
Yeah, yeah, yeah…
Houve uma rusga no bairro da (…)
Para encontrar a droga dos ‘carochos’
Todos pensaram que iam apanhar os pretos
Mas afinal só estavam lá os ‘branquelas’
Quero que tudo mude
Que o nosso bairro seja mais puro
Quero que os homens sejam mais risonhos
E que possam realizar todos os sonhos
Yeah, yeah! Yeah, yeah!”

Inversamente ao que tende a marcar o olhar da escola e de outras instituições quando centram o
enfoque no bairro, este não é um espaço social anónimo e desorganizado como tantas vezes se pensa;
assenta, pelo contrário, em lógicas de funcionamento estruturadas e percepcionadas como tal pelos seus
próprios residentes em torno de linguagens a que nem todos conseguem aceder. Sabe-se como os
territórios proporcionam aos indivíduos múltiplas formas de ocupação do espaço físico e potenciam a
construção do espaço social de referência das construções sociais, fundamental na construção
identitária individual e de um grupo social (Moignard, 2008).
Quando se fala de bairros sociais na opinião pública, a imagem que tende a prevalecer aponta para
espaços homogéneos ignorando-se como tal se encontra longe de ser verdadeiro. Os seus territórios não
estão limitados à sua configuração física; mais relevante podem ser as fronteiras percepcionadas,
representadas e vividas no seu seio, em divisões por micro-territórios associados a hierarquias
familiares ou étnicas, a grupos culturais ou outros ou a práticas específicas que podem ser transpostas
para a escola e aí representas como perturbadoras e como fonte de insegurança. A densidade dos laços
sociais nos grupos faz emergir uma diversidade de manifestações e acções paralelas que tendem a
prevalecer sobre a cultura escolar. Tal é o caso do valor das alcunhas, graffitis ou tatuagens, sinais da
linguagem de uma cultura de rua; de atitudes, gestos e maneiras de apropriação do mundo; de
actividades orientadas para determinados fins precisos, das alianças com ‘sócios’ ou com colegas
marcadas no território e que se reflectem na necessidade de uma marcação similar no espaço escolar
em cada ano lectivo; dos interditos religiosos e culturais; das relações de género que obrigam a
determinadas relações e estatutos no bairro (Lepoutre, 2001; Moignard, 2008).
Os entendimentos sobre as novas matrizes de socialização da infância são determinantes para
compreender “o que a criança faz daquilo que lhe fazemos” (Sirota, 2006: 21). As transformações e
abrangências dos processos de socialização obrigam a questionar a ideia de uma única forma de
socialização conhecida como interiorização de normas sociais; passa-se antes a ter de centrar o
interesse em torno de diferentes formas de aprendizagem social. A evolução do estatuto e da
organização da família, da escola e dos media mostram como de uma socialização vertical assumida
pelas instâncias tradicionais se tem de abrir o olhar para além desses campos trazendo à superfície
formas de socialização horizontal, das relações entre pares, em torno de um puzzle fragmentado de
referências, de laços sociais e de quadros educativos que relativizam a importância de cada um dos
campos anteriores (Almeida, 2006). O grupo de pares assume, assim, uma importância tantas vezes
negligenciada: a sua actual valorização revela-se em termos de competências políticas ou de
experiência social que as crianças desenvolvem no seu seio (Rayou, 2005), constituindo elemento
fundamental na análise sociológica. As crianças não estarão totalmente sujeitas às lógicas sociais pois
verifica-se que, cada vez mais, tem a palavra em múltiplos tipos de relações e que podem resistir às
desigualdades de origem e também à acção de instituições desenvolvendo trajectórias consideradas
atípicas (Gavarini, 2006). Daí que a transversalidade surja como uma necessidade imperiosa para
perceber como estes espaços e patamares interagem uns sobre os outros.
Nesta linha, o confronto entre o mundo da escola e o mundo da vida, isto é, entre o princípio da
identidade e o princípio da contradição, é inevitável em territórios onde prevalecem sub-culturas do
desvio e da violência pois à frequência escolar subjaz uma necessidade de conformidade e de
autocontrolo (Correia e Matos, 2002). Não se pode mais continuar a ignorar o valor da socialização na
“escola da rua” (Jamoulle, 2005) que remete para práticas sociais informais, eventualmente algumas de
carácter ilegal, como no tráfico de droga ou no furto de veículos. Estas acções permitem alcançar um
estatuto que confere prestígio num contexto social fundamentalmente marcado pela precariedade.
Paralelamente, a questão da honra, valor fortemente assumido num quadro social desta natureza,
constitui frequentemente um elemento catalisador da passagem ao acto violento. Trata-se de uma noção
central pela qual crianças, jovens, famílias e grupos se envolvem numa linha de disciplina moral a
partir da qual avaliam as suas interacções e quais os efeitos perniciosos no caso de assumirem que a sua
honra foi beliscada por outrem. A percepção de um acto como violento e intencional é,
tendencialmente, objecto de uma acção reparadora que pode mesmo envolver outra violação de normas
e a procura deste tipo de acções é inevitável nas suas vidas neste tipo de contextos. A escola, assim
como todos os serviços oficiais ou associados a uma ideia de autoridade ou Estado, podem constituir
um alvo privilegiado porque as ofensas e ameaças facilmente evoluem para solidariedades de grupo(s),
às vezes até anteriormente opostos. A oralidade é parte fundamental nestes processos de socialização e,
muitas vezes, a vítima exterior é encarada como responsável na agressão que sofreu (Moignard, 2008).
Daí a necessidade de se sair do determinismo do contexto escolar e de olhar além dos muros da escola
através de uma actuação que permita quebrar o ciclo de conservação da violência, ou seja, a
continuidade da violência social e escolar que alunos experienciam pela segregação a que estão sujeitos
numa linha de reprodução social (Bourdieu 1979). Os laços de sociabilidade e as relações de poder nos
territórios onde as escolas se encontram são construídos em torno de limites bem conhecidos o que
possibilita ter uma ideia aproximada sobre as possíveis repercussões da violação desses códigos sociais.
De uma maneira geral, as crianças são eloquentes sobre as suas relações sociais, sobre a importância de
determinados valores e sobre a violência nas suas vidas. Esta acaba por servir para a construção das
suas competências, não apenas em termos de preparação para o seu futuro funcionamento em
sociedade, mas estruturando já no presente as suas relações actuais entre pares, o que contribui para a
organização social e posicionamento no universo da sua classe (Rayou, 2005). Uma das expressões
mais difundidas em torno da violência passa por uma valorização exacerbada pelo banditismo desde
idades muito novas, assentes num certo culto da virilidade.
“-Ah! Eu quero ser ladrão, quero ser ladrão! Conheço mais ou menos muitos ladrões. (...) É bom ser ladrão porque é
divertido e mais nada. (...) É andar a brincar com os polícias, ir atrás dos polícias e eles não apanham, às vezes sim
mas não apanham mesmo nós. (...) Queria ser um ladrão... um ladrão de roubar carros, roubar um carro só, depois
vem a polícia atrás, eu corria e depois fujo e a polícia não encontra. (...) Fujo para casa, é divertido deixar a polícia
no poste, eu fujo, a polícia vai e bate no poste e eu fujo para casa, a polícia não vai lá.” Paulo, 6 anos, 1º ano de
escolaridade.

No início do ano lectivo, quando a professora perguntou na turma do 1º ano de escolaridade onde costumavam ver
números, Tiago, de 6 anos, logo respondeu:
“- Nos alarmes! (…) É que quando os ladrões vão roubar têm de saber os números para saber os códigos dos alarmes
e depois os alarmes não tocarem para eles irem roubar!...”

Fábio, de 5 anos, chega à sala do Jardim-de-Infância e dá dois rebuçados à Educadora:


“- Pega, roubei para ti!... (…) Sim, no supermercado. (...) É mesmo lá que eu costumo lá ir roubar. (...) Eu já sei
como se faz bem feito. Foi assim: primeiro eu fui lá com dinheiro mesmo, fui comprar sumo que tinha sede, depois
fui à minha mãe pedir para comprar rebuçados, ela disse que não me dava mais dinheiro, eu comecei a fazer uma
birra e ela disse ‘tá lá calado e vai lá roubar os rebuçados’. Eu fui lá, olhei para todos os lados, não estava ninguém a
ver, abri o saco e tirei estes... quer dizer comi um, não roubei todos!...”

O fascínio que certos alunos, mesmo em idades muito precoces, manifestam sobre o universo simbólico
da violência decorre a par de referências identitárias na família e comunidade e da facilidade de
experiência destes modos de vida nos seus territórios. Mais do que poderem ser entendidos como
eventuais provocações à instituição escolar que representa as normas sociais, estes discursos tendem a
ser postos e ditos de um modo espontâneo, numa nítida réplica de valores vigentes nos seus contextos
(Carvalho, 2004, Moignard, 2008). Poder-se-á pensar que parte desta expressão tem subjacente a
afirmação da sua diferença numa perspectiva de conforto em relação ao seu próprio futuro numa visão
que destaca a clivagem entre “nós”, do bairro, e “vós”, da escola e que deve ser objecto de
desconstrução. A violência nasce precisamente dos interstícios entre estes desejos, aspirações e as
necessidades básicas, da experiência quotidiana da rejeição e da relegação a que muitos dos residentes
nestes territórios se vêm sujeitos, no fundo, uma forma de violência inerte que acentua um sentimento
de fatalidade social que os próprios acabam por interiorizar (Moignard, 2008). E esta cultura de
violência centrada na procura de uma dignidade perdida ou esquecida, tende a ser transmitida de
geração em geração, relevando a oposição entre “nós” e os “outros” que potencia a resistência à
autoridade e reforça as marcas da estigmatização.
Em qualquer ponto do planeta, grande parte da infância e da juventude dos bairros sociais está na rua,
constituindo esta um lugar fundamental de socialização. Naturalmente, os laços e as ligações à rua são
diversos para cada indivíduo, mas a verdade é que a rua é um espaço de socialização primordial nas
suas vidas, um espaço inteiro onde se está em função de determinados códigos, de rituais e de
linguagens que se conjugam de modo específico e particular com as características de urbanidade do
território habitado (Lepoutre, 2001). Neste sentido, a confrontação das normas escolares e infanto-
juvenis destes contextos levanta regularmente dificuldades ao corpo docente na compreensão dos
códigos sociais e universos normativos nestes territórios. O exercício da violência, sob as mais diversas
formas, que podem oscilar do lúdico ao mais ofensivo são parte integrante da cultura da rua onde as
crianças vêm a crescer. (Jamoulle, 2005; Moignard, 2008). Esta não tem nada de natural sendo
construída socialmente e o uso da violência aparece, assim, normalizado aos olhos das crianças que
dela participam e não hesitam em recorrer desde idades bem novas, inclusivamente perspectivando o
uso futuro em relações pessoais.

“Eliana (2º ano, 7 anos)- Professor, falta muito para o Dia dos Namorados? Quero fazer um postal para o meu
namorado de T [outro bairro social]?
Maria (2º ano, 7 anos)- Tens namorado?
Eliana- Sim, tenho lá em T.
Maria- E quantos anos tem?
Eliana- Tem oito anos.
Maria- Então é mais velho do que tu!
Eliana- É, mas eu tenho força para lhe dar porrada, não tenho medo dele não!...”

“Susana (2º ano, 8 anos)- O “à” escreve-se com h ou sem h?


Professor- O que é que tu queres escrever?
Susana- O meu pai andou à porrada!
Professor- É sem h.”

“O que é que eu gosto mais de fazer quando estou com a minha mãe???... Ah!Ah!Ah!Dar-lhe chapadas!”, Emanuel,
13 anos, 4º ano de escolaridade

O acto violento enquanto meio de recurso legítimo, normalizado, que é constantemente reafirmado não
apenas pela acção em grupo de pares, mas muitas das vezes no seio da própria família quer seja no
exercício de violência doméstica, quer seja pelo que se vê sobre os outros, aponta para uma valorização
do uso da força física, não se reduzindo esta situação ao universo masculino. A visão do mundo vai-se
construindo em torno de uma dualidade identitária que oscila entre os “fortes” e os “fracos” e a lei do
mais forte, enquanto forma de organização familiar e social legitimada individual e colectivamente em
vários contextos, é uma regra presente no desenvolvimento de muitas crianças (Débardieux, 2006a).

À procura de um futuro
Ao longo deste texto centrou-se o interesse nas representações de violência que crianças de um
determinado território trazem, de forma espontânea, para a escola. Constatou-se como no contexto onde
residem, percepcionam e vivenciam diversas situações e formas de violência, por vezes de modo
extremo, identificando-se uma quase naturalização deste fenómeno nos seus modos de vida. Perante
este quadro, interessa saber se às aceleradas mudanças sociais ocorridas nas últimas três décadas em
Portugal corresponde o desenvolvimento de uma instituição escolar flexível e suficientemente
permeável a reajustamentos que levem necessariamente a outras direcções que não as tradicionais
porque os actuais contornos destas realidades sociais a isso obrigam. Pelos exemplos apresentados, é
notória a importância do papel das escolas, seja de que grau for, na detecção das situações de risco e na
promoção de uma acção verdadeiramente educativa que, para além da mera intervenção curricular, se
imponha e marque a diferença pela criação de um ambiente securizante para as crianças e onde estas se
possam expressar livremente encontrando outros modelos e referências para o seu desenvolvimento
numa interacção que se deseja permanente com as famílias.
(Re)Pensar a intervenção em meio escolar numa perspectiva da diminuição da violência e na prevenção
da sua reprodução impõe a efectivação de estratégias que promovam o desenvolvimento de
capacidades pessoais e relacionais na aquisição de novas competências (Matos, 1997). A palavra-chave
parece ser alternativa: é imperioso a oferta de alternativas que possam ser vividas num percurso de
promoção do valor da vida humana. Trata-se de olhar o presente com o futuro sempre no horizonte,
numa tarefa que não é fácil e onde os equilíbrios são habitualmente delicados e precários, numa
sucessão permanente de persistentes recomeços.
Se os quadros de vida nos territórios de origem são particularmente violentos, a escola pode representar
a abertura para a mudança, caso tenha a vontade e a capacidade de voltar-se para o exterior para
participar na construção de uma rede social alargada que intervenha de modo mais sustentado sobre
esse mesmo espaço. Sabe-se que este será dos maiores desafios que se coloca a todos os membros de
uma comunidade que se deseja verdadeiramente educativa e só assim fará sentido falar de educação na
actualidade. O tempo é uma variável difícil de gerir sendo fundamental ter consciência dos diferentes
patamares e níveis de mudança que podem, efectivamente, vir a ser alcançados a curto, médio ou longo
prazo. Nesta ordem de ideias, levanta-se a questão de saber até que ponto muitas escolas se encontram,
de facto, integradas no tecido social onde se inscrevem ou se, pelo contrário, também elas se encontram
segregadas quer territorialmente, quer seja sob outro ponto de vista das dinâmicas sociais e
organizativas. Muitas vezes, a rotulagem que prontamente lhes é atribuída no espaço público por outras
entidades ou pelos próprios media, acaba por se revelar estigmatizante obrigando a esforços redobrados
por parte destas no sentido da inclusão dos seus alunos na própria rede social.
Pelas situações apresentadas ao longo destas páginas, tem-se presente que a aprendizagem das normas
escolares pode revelar-se bem mais dura quando se tem como ponto de partida um leque de outras
competências e aprendizagens, concretizadas à luz de uma prevalência de culturas de rua e de
subculturas de desvio e até mesmo de violência. Não se pode ignorar que o confronto entre estes
sistemas normativos é uma realidade difícil de lidar, decorrendo daí a necessidade da escola se
construir e se deixar assimilar como um espaço protector e a proteger: se esta ideia não for assumida
como um dos pontos centrais na vida da comunidade, dificilmente a escola alcançará os seus objectivos
e tenderá a continuar a olhar a violência que a afecta como um problema sem resolução, apenas ligado
aos contornos do meio social. Numa sociedade que faz da segregação um modo de gestão social, é
recorrente nestes territórios que, para além de espaço de aprendizagem académica, a escola continue a
ter de colmatar, primordialmente, muitas outras necessidades de carácter básico, o que acentua ainda
mais a sua importância como um lugar de vida incontornável na trajectória das crianças.
Independentemente da intervenção de outros serviços de primeira linha (segurança social, saúde, etc.)
que deveriam colmatar estas necessidades e cuja eficácia é também de questionar, é nos
estabelecimentos de ensino que estas situações acabam por desembocar quotidianamente exigindo de
pronto uma intervenção.
Como foi mencionado pela referência a diversos estudos nos pontos anteriores, não são somente as
condições sociais e culturais dos contextos onde as escolas se situam que influenciam a evolução da
violência no seu seio, como tantas vezes se tenta fazer crer; a importância dos factores internos é
elemento decisivo em todo o processo, desde a sua identificação à prevenção e combate. Evidencia-se,
assim, um especial papel cometido às escolas: o “de terreno de exercícios protegido” (Delors, 1996),
especialmente ao nível dos direitos sociais. Tal deverá partir da ideia de que as crianças e jovens
aprendem mais com exemplos e modelos de referência no respeito pela diferença, neste caso, os
exemplos e os modelos fornecidos pelos elementos que com lidam quotidianamente. Não se duvida que
as dinâmicas e as práticas locais são influentes na construção deste clima escolar pois tem-se
conhecimento de que existem escolas que são vividas como espaços de vida das comunidades, que
pertencem a todos e que por isso dificilmente são percepcionadas como potenciais alvos de
vandalização ou de práticas violentas. No caso da escola onde foi recolhida a totalidade dos casos aqui
apresentados, até certo ponto tal é o que veio a acontecer nos últimos anos. À estabilização do seu
corpo docente veio a corresponder um período de investimento e de continuidade na intervenção que
permitiu um aprofundamento do conhecimento e envolvimento com a comunidade e o número de actos
de violência identificados no seu seio veio a diminuir drasticamente.
Se a violência na escola é uma violência de exclusão, a capacidade de mobilização dos actores sociais
da comunidade educativa e a clara selecção dos recursos que se procuram fazem a diferença nas acções
e nos resultados obtidos contribuindo para a inversão dos supostos determinismos sociais. Conscientes
de como o fracasso escolar é uma das principais portas de entrada em trajectórias desviantes e
criminais, acredita-se, por experiência própria como docente e como investigadora nesta área, que a
intervenção de educadores, professores, auxiliares ou outro pessoal, por mais pequena ou insignificante
que possa parecer, pode fazer a diferença nestes percursos de vida. Esta é uma das novas exigências e
dos maiores desafios que se colocam aos estabelecimentos de ensino nos tempos actuais. Ao processo
de construção de uma escola para todos, requer-se uma especial atenção para novas questões que a
todos se colocam e que objectivam a necessidade de repensar a preparação, formação e supervisão
daqueles que exercem funções nestes espaços, muito em especial, em zonas socialmente carenciadas.
Se é verdade que os contextos são difíceis, que os obstáculos se revelam duros de ultrapassar, defende-
se que os actores sociais na escola, designadamente os docentes, conservam sempre uma margem de
manobra para poder agir e fazer (Nóvoa, 1986). Uma capacidade de acção e de mobilização que não
devem perder de vista e que possa conduzir à partilha de um ideal de construção de uma escola mais
justa, igualitária e verdadeiramente emancipadora.

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Maria João Leote de Carvalho. Socinova/CesNova-Centro de Estudos de Sociologia, Faculdade de


Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.
E-mail : mjleotec@sapo.pt

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[1] Segundo Programa de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP II), de acordo com o previsto no
Despacho Ministerial, de 26 de Setembro de 2006, redefinido à luz do disposto no Despacho Normativo nº 55/2008, de 23
de Outubro (TEIP2). Este estudo teve início numa fase anterior à constituição do Agrupamento de Escolas e à sua
integração neste Programa.
[2] De forma a preservar a sua identidade neste texto, os nomes das crianças, adultos ou locais foram substituídos por
outros fictícios. De salientar que à situação de investigadora associa-se o desempenho de funções docentes em Educação
Especial neste Agrupamento de Escolas.
[3] Este texto tem a sua origem num projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
(SFRH/BD/43563/2008) que se encontra em curso no âmbito de dissertação de Doutoramento em Sociologia, sob a
orientação do Prof. Doutor Nelson Lourenço, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de
Lisboa.
[4] Sempre existiu violência na escola, naturalmente sob diversas formas associadas aos modos de vida de cada época e
contexto. A título de exemplo, registe-se que em escolas francesas no século XIX, certos actos violentos de alunos
culminaram na sua prisão (Charlot, 2003). Para além disso, sabe-se que as instituições escolares do passado correspondem a
modelos de organização institucional que excluíam logo à partida grupos da população em função da sua origem social
(Dubet, 1994; Sebastião 1998; Debardieux, 2006a). A aparente maior estabilidade dos estabelecimentos de ensino de outras
épocas vivia da existência de um processo de eliminação precoce das crianças e jovens oriundos das famílias cultural e
socialmente mais desfavorecidas. A selecção de base, legitimada pelo Estado, era o mecanismo regulador no acesso ao
sistema de ensino e esta actuação era percepcionada como inquestionável pelos próprios excluídos, junto dos quais a
imagem da escola permanecia intacta pois acabavam por ser convencidos de que não queriam, nem deveriam, desejar a
escolarização, na medida em que a escola também não os queria (Vienne, 2008). Presentemente, a escola, enquanto bem
universal, tem associada uma dimensão de violência simbólica por nem sempre ser pensada a partir das dificuldades que
levanta àqueles para quem a sua frequência constitui um problema, isto é aos que se vêem submetidos às suas práticas como
se, desde sempre, tivessem vivido no seu seio (Correia e Matos, 2002).

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