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61-76, 2015
eISSN: 2358-9787
DOI: 10.17851/2358-9787.24.1.61-76
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como objeto pea primorosa, bem acabada, com cores, tipos, fotos e
ilustraes numerosas, de profundo bom gosto. No entanto, ao fim e ao
cabo, o leitor tem acesso a uma obra risonha e brincalhona, com o toque
do final melanclico, pela dedicatria paterna do relato ao filho morto.
Aqui, a verdade do percurso uma enfiada de danas,
brincadeiras, conversas e algazarra tipicamente turstica, com toques de
fantasia extica pelas inmeras aluses a lendas e supersties como,
por exemplo, a existncia de sereias ou ainda a motivos e fabulaes
amaznicas, como a cobra grande, e pequenas historietas sobre a floresta
e seus habitantes.
Do meu ponto de vista, o interesse do relato reside, sobretudo, na
prtica do recorte e da colagem da citao. Segundo Antoine Compagnon,
tais experincias infantis constituem o fundamental objetivo da leitura e
da escrita, como formas derivadas, transitrias e efmeras desse jogo.
Segundo o terico, a lembrana dessa prtica original do papel, anterior
linguagem, responsvel pela alegria da bricolagem em funo do
prazer nostlgico do jogo de criana (COMPAGNON, 1996, p. 13).
Na progresso desse raciocnio, toda leitura j procede de um ato de
citao (COMPAGNON, 1996, p. 14), na medida em que quando leio,
cito, extraio, mutilo, desenrazo (COMPAGNON, 1996, p. 13). Por isso,
segundo o mesmo ensaio, o autor lembra que Quintiliano valia-se disso
para explicar as vantagens da leitura sobre a audio, justamente pelo
fato de que, a primeira experincia livre e no obrigada a acompanhar
o orador (QUINTILIANO apud COMPAGNON, 1996, p. 14).
E se, ainda segundo Compagnon, toda leitura repousa em uma
operao inicial de depredao e de apropriao de um objeto que o
prepara para a lembrana e para a imitao, ou seja, para a citao
(COMPAGNON, 1996, p. 14), o livro de Stigger, com a sua lista de
deveres, ao final, no faz outra coisa alm de teatralizar a prpria
construo como um ato de leitura, a leitura da viagem numa espcie de
rplica jocosa da herana antropofgica.
O ensasta francs, na sua obra sobre O trabalho da citao
argumenta tambm que inerente escrita reportar nela mesma
uma paixo da leitura, porque esta ltima que produz a citao. E
nesse sentido, toda escrita colagem e glosa, citao e comentrio
(COMPAGNON, 1996, p. 29) e a citao, porque objeto extirpado e
enxertado (COMPAGNON, 1996, p. 25), une o ato de leitura ao de
escrita e, nisso, repete o gesto arcaico do recortar-colar(COMPAGNON,
1996, p. 31).
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