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Os Rottweilers machistas e o “Sexo Frágil”

Francisco Augusto – Sociólogo


fcaugusto@gmail.com

Já fazem muitas semanas que acompanhamos na mídia a Via Crucis de pais que
buscam vestígios do corpo de sua filha que até onde se sabe, saciou a fome de uma
matilha de Rottweilers. Os cães também se tornaram cúmplices e algozes de um dos
casos mais longos investigados pela polícia de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Já são
muitos dias, uma equipe numerosa e milhares de reais investidos em uma investigação
que tem dois objetivos principais: o primeiro é localizar os restos mortais da jovem
Eliza Samudio; o segundo é incriminar o seu ex-namorado Bruno Fernandes, goleiro e
celebridade do time Flamengo, assim como seus comparsas. Um fato em toda a história
é consensual: Eliza Samudio está morta.
Em uma rápida pesquisa pelas manchetes dos jornais de todo o país podemos
levantar alguns questionamentos bastante preocupantes: o que levam tantos homens a
matarem suas namoradas? O que sentem estes homens que matam suas companheiras
que já foram alvos de juras de amor? Quem eles pensam ser ao decidirem pela vida ou
pela morte de tantas mulheres? Estas não são perguntas fáceis de serem respondidas,
mas nos revelam traços significativos da nossa cultura: a misoginia, um machismo tão
forte no cotidiano social brasileiro que foi capaz de se tornar invisível.
Não foi a exposição na internet do goleiro Bruno, feita por Eliza poucos dias
antes de morrer que o levou a planejar e/ou atuar no seu extermínio. Não foi a notícia da
paternidade de um filho não esperado por Bruno, nem muito menos um pedido de
pensão alimentícia para o seu filho. O crime passional deve ser terminantemente
desligado da palavra paixão, sua melhor associação se dá com a palavra ódio. Foi o ódio
machista diluído na cultura brasileira que matou Eliza Samudio.
Não saltam diariamente nas notícias dos jornais casos de mulheres que
comandam o extermínio dos seus companheiros com a mesma freqüência que
observamos o inverso. Diariamente milhares de mulheres são vítimas de todas as formas
de violência possíveis contra seres humanos. Elas são queimadas, alvejadas por tiros,
estupradas, seus patrimônios são dilapidados, sua dignidade usurpada e tornam-se por
conseqüência desta realidade, uma categoria denominada de “minoria”. Não são e nunca
serão suficientes apenas medidas protetivas como a Lei Maria da Penha, as Delegacias
especializadas na mulher, os Centros de Referências às mulheres, as Casas de apoio, etc.
Estes paliativos lutam contra uma cultura machista e autoritária profundamente
enraizada na sociedade que admite e perpetua a desigualdade entre homens e mulheres.
Nós ousamos tocar em discussões que exigem um aparato muito complexo, que
toquem dentre muitas áreas a Sociologia de Gênero, a Psicologia das Práticas Afetivas e
os Direitos Humanos. Como Eliza, acompanhamos há alguns meses o caso de uma
cabeleireira que foi assassinada pelo seu ex-companheiro no seu salão de beleza diante
de suas clientes e sob o olhar frio das câmeras de segurança. Que segurança ela
buscava? Ela já havia, como tantas outras mulheres fazem, denunciado à polícia o risco
de morte oferecido pelo seu ex-companheiro, mas nada foi feito. Tivemos também
notícias a alguns meses de um marido que ateou fogo em sua companheira após uma
discussão. Ela escapou com 50% do seu corpo queimado e ele argumentou para a
polícia que “ela me fez perder a cabeça”, atentando a culpa à mulher.
O goleiro e os outros algozes em todos os casos citados e não citados são
indivíduos comuns, trabalhadores, estudantes, cidadãos, eleitores, e cumpridores de seus
deveres que eventualmente gostam de violentar suas mulheres como alternativa à
solução de conflitos inter-conjugais. “Um tapinha não dói” já foi verso de músicas que
embalaram as paradas musicais, e seu sentido é reflexo de uma sociedade que não
discerne que a violência não é parte obrigatória à natureza masculina, mas sim um traço
cultural que transforma as mulheres em seres inferiores, corpos frágeis e objetos de
prazer e consumo.
Na reta final da nossa reflexão, apontamos pra duas soluções que podem
contribuir na transformação desta realidade. A primeira é que “em briga de marido e
mulher” todos nós temos a obrigação de interferir. Nossas práticas cotidianas devem ser
orientadas no sentido de garantir a igualdade entre homens e mulheres, seja dentro da
nossa casa, na casa do nosso vizinho ou na rua. Denunciar a violência, intermediar
conflitos, cobrar resultados e participar dos debates machistas nas mesas de bar, na
padaria, na calçada, etc. A segunda e ultima solução que apontamos é a efetivação de
políticas públicas de proteção às mulheres. Políticas advindas dos governos de todas as
esferas, que garantam às mulheres o direito de estudar, trabalhar, terem seus filhos ou
não ter filho algum e que para isso não precisem de um homem ao seu lado para as
tomadas de decisões. Devemos lutar, acima de tudo, para que homens como Bruno não
sejam considerados loucos ou “cegos pela paixão”, mas criminosos que se sustentam
culturalmente na idéia de que a mulher é um “Sexo Frágil”.

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