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CANÇÃO DE GUERRA
O CÂNTICO DE DÉBORA

Juízes 5.11

Em artigo publicado na revista Veja, por ocasião da Copa do Mundo de 1998, o


jornalista Roberto Pompeu de Toledo chama atenção para o fato de que, muitas letras
de hinos nacionais de países participantes daquele campeonato, têm caráter guerreiro.

Com riqueza de detalhes, foi mostrado como vários hinos falam abertamente de
guerras e combates sangrentos. O Hino Nacional Brasileiro, por exemplo, diz: "...mas
se ergues da justiça a clava forte, verás que o filho teu não foge à luta..." Era uma
tendência comum nos séculos XVIII e XIX (época em que foram compostos hinos
nacionais de vários países) escrever letras com temas guerreiros.

O cântico encontrado em Juízes 5.2-31 é um exemplo típico de canção de guerra.


Apresenta Javé, o Deus Eterno, como o Guerreiro Celestial. É o que o estudo de hoje
vai mostrar.

O contexto histórico
Os estudiosos da Bíblia, em geral, afirmam que Juízes 5.2-31 apresenta um dos
cânticos mais antigos das Escrituras. Aliás, biblistas já observaram que todos os
cânticos mais antigos da Bíblia são de guerra. Não há dúvida que o cântico foi
composto por uma testemunha ocular dos fatos narrados.

O comentarista Arthur Cundall pergunta: "Quem melhor que Débora para descrever o
evento, julgar as tribos não participantes, e expressar louvor ao Senhor por sua
intervenção?".

O capítulo 5 de Juízes apresenta, em forma poética, o que o capítulo 4 apresenta em


forma de narrativa: o sofrimento dos israelitas debaixo da opressão dos povos
cananeus, e a libertação operada pelo Senhor, utilizando Débora e Baraque.

Os seguintes assuntos são apresentados no cântico:

• Chamada irônica aos reis e líderes cananeus para ouvir o que Deus fez contra
eles (vv. 3- 5);
• O resultado da vitória do Senhor: interrompeu-se o fluxo de caravanas com
mercadorias para as cidades-estado dos cananeus, que oprimiam os israelitas
(v. 6);
• Apresentação do Senhor como o verdadeiro vitorioso, pois não havia armas em
Israel (v. 8b);
• Convocação para a batalha. As tribos são criticadas ou elogiadas, conforme
sua participação ou não no combate (vv. 9-18, 23);
• Descrição da batalha em si, estrategicamente travada em um terreno que
tornou os carros de combate dos cananeus inúteis (vv. 19-22);
• Elogio a Jael, a mulher que matou o poderoso general cananeu (vv. 24-27);
• Tristeza da mãe do general Sísera, que espera em vão a volta do filho vitorioso
(vv. 28-30);
• Fim do cântico: desejo de que o Deus Eterno e os seus sejam sempre
vencedores (v.31);

Vale a pena uma palavra sobre a poesia hebraica. Afinal, nenhum dos cânticos
estudados nesta série obedece às normas da poesia escrita em português.

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Em nossa língua, a principal característica da poesia é a rima, que é a repetição de um


som (exemplo: mão e mamão). No hebraico bíblico, a principal característica da poesia
é o paralelismo, que é a repetição de um pensamento. Há várias formas de
paralelismo. No cântico de Débora, observam-se:

Paralelismo Sinônimo
A segunda linha repete o que a primeira já dissera. Exemplo:

"Ouvi reis, dai ouvidos príncipes" (v. 3).

Ouvi está em paralelo com dai ouvidos, e reis está em paralelo com príncipes.

Paralelismo Climático
A segunda linha acrescenta um detalhe à primeira. Exemplo:

"Água pediu ele, leite lhe deu ela. Em taça de príncipes lhe ofereceu nata (ou
coalhada)" ( v. 25)

Observe que a segunda linha tem um detalhe a mais que a primeira.

Paralelismo Antitético
A segunda linha é o contrário da primeira. Exemplo:

"Assim, ó Senhor, pereçam todos os teus inimigos!


Porém os que amam, brilham como o sol, quando se levanta no seu esplendor!" (v.31)

O que se pode aprender de prático com este cântico? E o que será visto a seguir.

1 - O DEUS ETERNO LUTA CONTRA SEUS INIMIGOS


Para entender melhor esse cântico, é preciso ter em mente seu contexto: as tribos de
Israel já estavam instaladas na terra de Canaã. Os israelitas viviam "na roça", de sua
produção agropecuária.

No que diz respeito à vida espiritual, os filhos de Israel quebraram sua parte na aliança
com o Senhor. Em conseqüência, os cananeus, que viviam em cidades, exploravam
os israelitas. "Clamaram os filhos de Israel ao Senhor" (4.3), e foram atendidos. O
Deus Eterno lutou contra os opressores do seu povo.

Deus não tolera a iniqüidade, de qualquer espécie. E ordena à humanidade que viva
em justiça, misericórdia e humildade (Mq 6.8). É preciso que este ponto fique bem
claro na mente de todos.

Especialmente em um tempo em que há forte ênfase em uma "batalha espiritual"


desvinculada da História, que vive à caça de espíritos e demônios em toda parte, e
não leva em consideração elementos da realidade social, política e econômica, que
transformam-se em manifestações de maldade. Pode acontecer, por exemplo, de
igrejas "mapearem espíritos", tentar "amarrá-los", mas nada fazerem para lutar contra
leis injustas e opressoras.

O Apocalipse apresenta, de maneira viva, o dramático confronto entre Deus e seus


Inimigos defensores de um sistema de opressão política, econômica e religiosa (Ap
18). O Deus Eterno é o Deus da vida (Jo 10.10). Ele luta contra os que querem um
sistema de morte.

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2 - O DEUS ETERNO DERROTA SEUS INIMIGOS


Você sabe quem são os inimigos de Deus? A Bíblia afirma sem rodeios que há quem
ouse declarar guerra ao Senhor do Universo.

O principal inimigo é o diabo (Mt 13.39). Há também a morte (I Co 15.26). Também


têm inimizade com Deus, homens e mulheres, que criam estruturas sociais, políticas,
econômicas, culturais, religiosas e filosóficas, comprometidas com o orgulho, com o
egoísmo, com a injustiça. Mas a Bíblia ensina que, todos os inimigos de Deus, sem
exceção, foram, são e serão derrotados.

No caso de Juízes 5.2-31, os inimigos que Deus derrotou foram os cananeus, idólatras
e opressores. O Antigo Testamento narra um sem número de vezes, nas quais o povo
de Deus estava em sérios apuros, mas foi socorrido, porque Deus venceu seus
inimigos.

A história da igreja mostra como Deus derrotou Inimigos poderosos, que queriam
exterminar completamente a fé cristã. Foi assim, por exemplo, com o grande Império
Romano.

Os filhos e filhas de Deus, que têm compromisso sério com seu Reino, podem ter
certeza que, como foi, será. O diabo, com seus demônios e seguidores humanos, não
será capaz de resistir à justiça divina (cf Mt 25.41; Ap 20.10,14).

Por isso, Débora canta: "Assim, ó Senhor, pereçam todos os teus inimigos" (5.31). São
palavras que ecoam Números 10.35: "Levanta-te Senhor, e dissipados sejam os teus
inimigos, e fujam diante de ti os que te odeiam"; e também o Salmo 68.1: "Levanta-se
Deus, dispersam-se seus inimigos, de sua presença fogem os que o aborrecem".

3. O DEUS ETERNO CONTA COM A PARTICIPAÇÃO DO SEU


POVO NA LUTA CONTRA SEUS INIMIGOS
O texto de Juízes mostra como o próprio Deus derrotou seus inimigos. Mas mostra,
também, como Deus usa seu povo para derrotá-los. O equilíbrio entre a ação divina e
a ação humana é sempre presente nas Escrituras.

Vários exemplos podem ser citados. Dentre tantos, vale a pena lembrar quando Jesus
trouxe Lázaro de volta à vida. O Senhor poderia milagrosamente afastar a pedra de
entrada do sepulcro. Mas ele não agiu assim. Preferiu contar com a ajuda das pessoas
que ali estavam, e ordenou-lhes que removessem a pedra. Só então trouxe Lázaro de
volta à vida (cf Jo 11.38-44). Ele fez o que ninguém jamais poderia fazer.

O Deus Eterno conta com a participação do seu povo na luta contra seus inimigos. Ele
faz o milagre depois que seu povo fez tudo que poderia fazer. É, portanto, errado orar
a Deus pedindo alguma coisa, e ficar de braços cruzados, não fazendo absolutamente
nada a respeito.

O caso específico do texto em estudo traz à lembrança a necessidade do povo de


Deus se envolver na luta contra os inimigos do Senhor. Esta luta é travada em oração.
Mas não apenas em oração. Deve ser travada, também, de maneira concreta. Contra
toda e qualquer manifestação de injustiça, egoísmo, orgulho e opressão, que fazem
sofrer, e que estão a serviço do inimigo de Deus.

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Desafios
1. A igreja deve combater estruturas sócio-políticas injustas e más. Deve, para isso,
orientar seus membros a participarem de sindicatos, partidos políticos, organizações
não-governamentais etc, como manifestação de luta pelo reino de Deus.

2. A igreja deve orientar seus membros sobre o que significa batalha espiritual. O que
muitos chamam "batalha espiritual" é uma deturpação do ensino bíblico, pois não
transforma a sociedade conforme os padrões do reino de Deus, e não muda a
realidade.

AUTOR: REV. CARLOS RIBEIRO CALDAS FILHO

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