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RESUMO
A pesquisa sistematiza um breve estudo teórico sobre a importância das áreas verdes no
equilíbrio socioambiental das grandes cidades, as quais sofrem graves problemas relativos à
degradação do meio ambiente natural e à má ocupação do solo, com o vertiginoso processo de
urbanização e crescimento demográfico. Teoriza-se sobre as áreas verdes incorporadas ao
patrimônio municipal por força de aprovação de loteamentos, apontando-as como legítimos
bens públicos de uso comum do povo, volvidas à execução da função socioambiental das
cidades. Em outras palavras, estes espaços são uma compensação ecológica pelo dano
ambiental gerado pelo novo empreendimento imobiliário, não podendo ter a sua destinação
pública alterada, isto é, convertidos em bens dominicais. Portanto, o objetivo central do ensaio
é o de mostrar a impossibilidade de desafetação das áreas verdes, as quais são incorporadas
compulsória e gratuitamente ao domínio público por força de aprovação de loteamentos. A
temática é da mais alta importância, tendo em vista que muitos municípios brasileiros
recebem uma parte de lotes a título de áreas verdes e, ao invés de preservá-las, simplesmente
as negociam amparados em leis municipais inconstitucionais ou atos administrativos eivados
de desvios de finalidade. O presente artigo se utilizou de pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial.
PALAVRAS-CHAVE: DESAFETAÇÃO; ÁREAS VERDES; LOTEAMENTOS;
URBANIZAÇÃO.
ABSTRACT
The research systematizes a brief theoretical study on the importance of green areas in the
context of the social-environmental balance of the major cities, which suffer huge problems
related to the degradation of natural environment and due to bad land development, catalyzed
by the urbanization and demographic growth. The study defends that green areas incorporated
to public domain by real estate development approvals are earmarked to execute social-
environmental functions of the city. In other words, these spaces are ecological
compensations to counterbalance the environmental damage generated by a new real estate
development, so they must not have their public allocation amended, that is, converted into
disposable assets. Therefore, the main objective of the research is to advocate the
impossibility of withdrawing from public access and use the green areas which are
incorporated to public ownership compulsory and free of charge by real estate development
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approvals. The thematic is of the utmost importance, as a lot of Brazilian municipalities
receive a share of a land subdivision as green areas and, instead of preserving, simply
negotiate them endorsed by unconstitutional municipal laws or administrative orders stained
with deflection of purpose. The present study utilized bibliographic and jurisprudential
research.
KEY WORDS: WITHDRAW FROM PUBLIC ACCESS AND USE; GREEN AREAS;
REAL ESTATE DEVELOPMENTS; URBANIZATION.
INTRODUÇÃO
Nesse sentido, a proteção e preservação das áreas verdes urbanas são necessidades
prementes que nos remetem à função social e ambiental das cidades, demandando cuidadosa
atenção do poder público e da própria sociedade civil.
Afinal, teria o Poder Público municipal disposição sobre áreas verdes incorporadas
ao domínio municipal quando da aprovação de loteamentos? Poderia a municipalidade
desafetar tais áreas verdes, em virtude do invocado interesse público, mesmo em prejuízo do
equilíbrio, integridade e preservação do meio ambiente natural urbano?
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É o que se busca enfrentar no presente trabalho.
Segundo Hely Lopes Meirelles, bens públicos “são todas as coisas, corpóreas ou
incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a
qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e paraestatais.” 1
Bens de uso comum do povo são aqueles que “por determinação legal ou por sua
própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem necessidade
de consentimento individualizado por parte da Administração”. 2 O uso é universal e
isonômico, sendo vedado que uns tenham privilégios sobre outros. É o caso, por exemplo, das
praças, estradas, ruas, rios e mares. “A utilização dos bens dessa espécie independe, via de
regra, de retribuição; mas pode ser exigido, por lei da União, do Estado, ou do Município,
conforme pertençam a uma dessas pessoas jurídicas, pagamento para seu uso”. 3
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Bens de uso dominical são “os que constituem o patrimônio da pessoa jurídica de
direito público. São bens dos quais o Poder Público é titular, da mesma maneira que a pessoa
de direito privado é dona de seu patrimônio”. 5 Tais espécies de bens públicos “comportam
uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam a assegurar rendas ao Estado, em
oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral”. 6 Os
bens dominicais são de domínio privado do Estado. Estes últimos não possuem uma
destinação pública específica, estando, portanto, desafetados, podendo ser livremente
alienados. Os bens dominicais “comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se
destinam a assegurar rendas ao Estado”.7
Por seu turno, os bens de uso comum e os de uso especial, também chamados de
domínio público, se encontram afetados a uma finalidade pública e, portanto, são inalienáveis,
conforme dispõem os artigos 100 e 101 do CCB.
A desafetação por ato administrativo ocorre quando o poder público resolve dotar um
bem dominical de destinação pública de uso especial, ou vice-versa. A feição federativa do
Estado Brasileiro consagra a autonomia dos entes públicos, razão pela qual somente a pessoa
jurídica de direito público titular de um determinado bem público poderá dele dispor, nos
termos da lei. Deste modo, somente o município terá competência para desafetar os bens que
integrem o seu patrimônio, sem interferência de qualquer outro ente como a União ou o
Estado federado.
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Ressalte-se que, regra geral, bens de uso comum do povo somente podem ser
desafetados ou transformados em bens de uso especial em virtude de lei e não por simples ato
administrativo.
Todavia, há bens públicos de uso comum do povo que não podem sofrer desafetação,
portanto, não perdem nunca a sua inalienabilidade. É que o se dá com os bens que são
“insuscetíveis de valoração patrimonial”, 8 tais como os mares, as praias e os rios navegáveis.
O mesmo se diga com relação às áreas verdes vertidas ao município por força de aprovação
de loteamentos. Sustenta-se neste trabalho que este patrimônio não pode, igualmente, sofrer
desafetação, não obstante sejam suscetíveis de avaliação econômica.
Enfoca-se, neste ponto, uma breve análise sobre o sistema brasileiro de parcelamento
urbano, especialmente no tocante aos requisitos de ordem dominial e ambiental necessários à
aprovação do projeto de loteamento pela municipalidade.
Nos termos da Lei nº 6.766/79, o parcelamento do solo urbano pode ser executado
mediante loteamento ou desmembramento. Na precisa definição do § 1º do art. 2º do citado
diploma, “considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação,
com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento,
modificação ou ampliação das vias existentes”.
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municipal, devendo ser proporcionais à densidade ocupacional contida no plano diretor ou
aprovada por lei municipal referente àquela zona, como designa a segunda parte do referido
dispositivo.
Observe-se ainda que, uma vez aprovado o loteamento, não poderão os espaços
livres de uso comum, as vias, praças, áreas destinadas a edifícios urbanos e outros
equipamentos urbanos ter a sua destinação alterada pelo loteador, salvo exceções legais 9. Em
outras palavras, deve o empreendedor seguir rigorosamente o projeto e memorial descritivo,
sob pena de responsabilização administrativa, civil e criminal, conforme dicção do artigo 17
combinado com o artigo 43 da Lei 6.766/79.
Observe-se ainda que o particular, ao ceder tais áreas para o poder municipal, não
tem o direito de reclamar qualquer indenização, uma vez que a Lei 6.766/79 prestigiou o
interesse público em detrimento do particular. É que não há mais espaço para o gozo absoluto
da propriedade, dissociado de sua função social e ambiental. Como leciona Roger Saint-Alary
o “princípio de não indenização ou da gratuidade reside no caráter de interesse geral do
gravame”. 10
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Tais exigências estão ainda elencadas nas diretrizes contidas no art. 2º da Lei nº
10.257/01 (Estatuto das Cidades) 11, as quais deverão ser acolhidas pelo Plano Diretor, nos
termos do art.39 do referido diploma normativo. Como diria Léon Duguit, “ a propriedade não
é mais um direito subjetivo; é a função social do detentor da riqueza”. 12
No Código Civil Brasileiro, precisamente no §1º, do art. 1.288, tal diretriz resta ainda
mais evidente. Confira-se:
É por isso que uma parte do loteamento deve ser compulsoriamente incorporada à
municipalidade, pois esta exigência viabiliza a proteção de áreas verdes, a abertura e
conservação de vias públicas e de outros espaços públicos de uso comum do povo.
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Segundo teoriza José Afonso da Silva, a cidade é uma unidade de natureza urbana,
composto por um sistema político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e
simbólico como sede do governo municipal, sendo irrelevante a sua população. É um núcleo
urbano, sede do governo municipal. 13 O processo mediante o qual os assentamentos urbanos
crescem e se desenvolvem, com o progressivo aumento do número de habitantes é chamado
de urbanização.
Embora as primeiras cidades tenham surgido há mais ou menos 5.500 anos, “as
sociedades urbanizadas representam um estágio novo e apresentam aglomerações humanas de
dimensões nunca atingidas”. 14
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urbanização de maneira acelerada e pujante, reconfigurando a infra-estrutura dos principais
centros urbanos brasileiros. Com a palavra, o jurista Paulo Affonso L. Machado:
Não é por menos que a proteção ambiental é tópico central do Direito Urbanístico. O
jurista Louis Jacquingnon definiu o direito do urbanismo como a “arte de arranjar as cidades
sob aspectos demográficos, econômicos, estéticos e culturais, tendo em vista o bem do ser
humano e a proteção do meio ambiente.”21
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e políticos: sociais porque já havia, no Brasil, acentuadas diferenças de classes, e políticos por
não haver uma postura planificadora, deixando que a ocupação e o uso do solo ocorressem
aleatoriamente.”22
Veja-se, por exemplo, o desafio da poluição atmosférica, que decorre “dos processos
de obtenção de energia, das atividades industriais, principalmente aquelas que envolvem
combustão, e dos transportes, em que recebem destaque os veículos automotores (...)”27 Numa
entrevista à Revista Veja online, o médico patologista do Hospital das Clínicas de São Paulo e
pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, Dr. Hilário Saldiva, apresenta
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dados estatísticos alarmantes sobre a péssima qualidade de vida do paulistano. Segundo ele,
“nos dias de maior poluição na cidade de São Paulo, de cada dez pessoas infartadas, uma
sofre o ataque por causa da má qualidade do ar. A cada cem casos de câncer de pulmão na
capital paulista, oito são por causa da poluição.”28
É por isso que a proteção e defesa do meio ambiente ganham destaque cada vez
maior. “O Direito ao meio ambiente adequado possui, pois, status de direito fundamental,
sendo um direito inseparável do próprio direito à vida, decorrendo dessa constatação os
fundamentos de sua proteção jurídica.” 30
A política urbanística não mais pode olvidar a questão ambiental. Urge que se
desenvolva o processo do desenvolvimento sustentável imediatamente, pois as consequências
para as futuras gerações podem ser dantescas. Desse modo, a qualidade do meio ambiente tem
se tornado o objetivo primordial do urbanismo contemporâneo, consoante lições do mestre
Afonso da Silva:
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[...] os planos urbanos, antes preocupados basicamente com o controle do uso do
solo, voltam sua atenção hoje, até com certa ênfase, para os recursos naturais
urbanos. Água, ar, solo e áreas verdes são componentes da realidade urbana e por ela
intensamente consumidos. É especialmente no meio urbano que por primeiro
repercute a degradação ambiental. Aí, todas as formas de poluição concorrem para a
contaminação do meio: a poluição auditiva, pela excessiva concentração de ruídos
de diversas fontes; a poluição visual, pela enorme massa de apelos propagandísticos
e publicitários; a poluição atmosférica, proveniente das emissões fabris e domésticas
que remetem ao ar toneladas de partículas sólidas, gasosas ou líquidas contaminadas
de elementos químicos e tóxicos; a poluição das águas, provinda de lançamento,
descarga ou emissão de substâncias líquidas, gasosas ou sólidas que contaminam ou
destroem as propriedades físicas, químicas e biológicas da água; a poluição do solo,
pelo depósito de resíduos de variada natureza e de diversas fontes, alguns
31
patogênicos e altamente perigosos, como o lixo hospitalar.
3.1 Da importância das áreas verdes à luz da função socioambiental das cidades.
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vida, portanto, não há como dividir essas funções entre pessoas e grupos pré-estabelecidos,
sendo o seu objeto indivisível” 33
Conforme leciona José Afonso da Silva, áreas verdes são aquelas caracterizadas por
“vegetação contínua, amplamente livre de edificações, ainda que recortada de caminhos,
vielas, brinquedos infantis e outros meios de passeios e divertimentos leves, quando tais áreas
se destinem ao uso público.”35
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dessas áreas, [...] as crianças e adultos terão onde se divertir. Nos bairros mais pobres, em que
o crescimento se deu de maneira desordenada, não há opções para as crianças se
desenvolverem como cidadãos.” 36 São de incontestável valia principalmente em épocas como
esta em que as pessoas pulverizam a comunicação e o relacionamento real no distanciamento
e anonimato das redes de amizades virtuais.
Repare-se a importância urbanística das áreas verdes. Não exercem apenas função
ornamental e social, a sua função primária também se liga diretamente à própria salubridade
do ambiente urbano, o qual se acha infestado por uma série de problemas ambientais, que vão
da poluição atmosférica à fluvial, do efeito estufa à má ocupação do solo urbano. “O excesso
de áreas livres, sobremaneira de áreas verdes, é desejável, como garantia de ambiente
saudável de vida, [...]. A prática vem revelando que nunca é demais contar a cidade com cada
vez mais crescente quantidade de áreas livres. Elas não saturam.” 39
É por isso que o regime jurídico das áreas verdes não se restringe apenas a espaços
públicos, mas contempla espaços privados também. De fato, a legislação urbanística poderá
impor aos particulares a obrigação de preservar áreas verdes privadas, ou mesmo impor a
formação dessas áreas em imóveis privados, ainda que permaneçam com sua destinação ao
uso dos próprios proprietários. Ressalte-se: as áreas verdes não têm função meramente ligada
ao entretenimento, mas acima de tudo ajudam a manter o equilíbrio ambiental urbano –
finalidade que tanto se prestam os bens públicos como os privados. 40
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Todavia, a crise ambiental vivenciada no meio urbano, traduzida principalmente
em poluição atmosférica e insuportáveis ondas de calor, provocou uma mudança de
paradigma: os próprios loteadores já absorveram a ideia de destinar parte do imóvel para fins
ecológicos, uma vez que tal atitude é apta a valorizar o empreendimento. É neste sentido que
pondera o jurista Maurício da Silva:
O fato é que nunca se deu tanta importância às áreas verdes como se dá hoje.
Registrem-se as conclusões do Guia de Planejamento e Manejo da Arborização Urbana
emitido pelo Governo do Estado de São Paulo e outros:
Uma árvore isolada pode transpirar, em média, 400 litros de água por dia,
produzindo um efeito refrescante equivalente a 5 condicionadores de ar com
capacidade de 2.500 kcal cada, funcionando 20 horas por dia.
A arborização ainda contribui agindo sobre o lado físico e mental do homem,
atenuando o sentimento de opressão frente às grandes edificações. Constitui-se em
eficaz filtro de ar e de ruídos, exercendo ação purificadora por fixação de poeira,
partículas residuais e gases tóxicos, proporcionando a depuração de
microorganismos e a reciclagem do ar através da fotossíntese. Exerce ainda
influência no balanço hídrico, atenua a temperatura e luminosidade, amortiza o
impacto das chuvas além de servir de abrigo à fauna.42
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Por sua singular importância no cumprimento da função socioambiental das cidades,
as áreas verdes merecem uma atenção e cuidado cada vez maior. Derrubar árvores e destinar
tais áreas a qualquer outra finalidade, mesmo que seja de natureza pública, é talvez o maior
crime que a municipalidade pode cometer contra a geração presente e as futuras. Afinal de
contas, “a qualidade de vida dos moradores urbanos depende fundamentalmente dos recursos
da natureza, e muito em particular das terras, águas e das florestas que circundam as grandes e
as pequenas cidades.”43
O Poder Público assume função ímpar na tutela do meio ambiente, pois assume “as
funções de gestor qualificado: legisla, executa, julga, vigia, defende, impõe sanções; enfim
pratica todos os atos que são necessários para atingir os objetivos sociais, no escopo e nos
limites de um Estado de Direito.”44
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cidadãos. O mesmo se diga com relação ao plano diretor, com as novas diretrizes do Estatuto
das Cidades. Ambos os diplomas são juridicamente eficientes quanto à “preservação dos
poucos espaços verdes existentes nos grandes centros urbanos.”47 Quando a municipalidade
desvia-se da finalidade legal, comete grave dano, indo de encontro ao princípio da legalidade.
Repare-se no conteúdo do art. 17 da Lei Federal n. 6.766/79:
Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do
memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a
aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência
do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do Art. 23 desta Lei.
Dessa maneira, antevendo a lei os deletérios efeitos da malversação das áreas verdes
por particulares e, por igual, o óbvio malefício ao interesse público, institucionalizou parte do
loteamento, convertendo-o em bem público de uso comum do povo, sob tutela e proteção
municipal.
Tais áreas foram gravadas com destinação específica, qual seja, a de promover a
consecução das metas socioambientais das cidades. Conclui-se, assim, que é defeso ao ente
municipal alterar levianamente a destinação de tais áreas, ainda que por lei específica. Nesse
sentido leciona Lúcia Valle Figueiredo:
Assim sendo, é dever do Município o respeito a essa destinação, não lhe cabendo
das às áreas que, por força da inscrição do loteamento no Registro de Imóveis,
passaram a integrar o patrimônio municipal qualquer outra utilidade. Não se insere,
pois, na competência discricionária da Administração resolver qual a melhor
finalidade a ser dada a estas ruas, praças, etc. A destinação já foi preliminarmente
49
determinada.
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livremente negociadas pelo município. Tais espaços são bens públicos da mais alta
importância, pois cumprem a função socioambiental das cidades. Trata-se de uma
compensação ecológica urbana pelo impacto ambiental gerado pela especulação imobiliária.
Assim, quando o art. 100 do Código Civil Brasileiro estampa que os bens públicos
podem perder a inalienabilidade nos casos e na forma que a lei estabelecer “a alienação ou o
comércio dos bens públicos só pode ser entendida corretamente se se levar em conta a
diferenciação feita pelo art. 99 do próprio CC. Essa diferenciação está assentada
fundamentalmente na destinação dos bens.” 51
“Como alienar o mar, os rios, as estradas e as praças (art. 99, I, do CC), enquanto
estiverem sendo utilizados pelo povo, sem contrariar a própria natureza desses bens de uso
comum?”52 Colaciona-se o posicionamento de Toshio Mukai:
enquanto tal destinação de fato se mantiver, não pode a lei efetivar a desafetação sob
pena de cometer lesão ao patrimônio público da comunidade, [...] se a
simples desafetação legal fosse suficiente para a alienação dos bens de uso comum
do povo, seria possível, em tese, a transformação em bens dominiais de todas as
ruas, praças, vielas, áreas verdes, etc. de um município e, portanto, de seu território
público todo, com a conseqüente alienação (possível) do mesmo, o que,
evidentemente, seria contra toda a lógica jurídica, sendo mesmo disparate que
ninguém, em sã consciência, poderia admitir. Na prática, difícil é encontrar-se o mau
administrador ou o mau legislador agindo com tal clareza no desvirtuamento dos
bens de uso comum do povo: o grande perigo é a ação a longo prazo – hoje uma
praça, amanhã um espaço livre, depois de algum tempo outra praça, finalizando-se
53
por empobrecer totalmente a comunidade.
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O ente municipal deve zelar pelas áreas verdes instituídas em projetos de loteamento.
Não pode desviar a destinação socioambiental desses espaços públicos de uso comum do
povo. Portanto, “o Município não pode alienar, doar, dar em comodato, emprestar a
particulares ou a entes públicos as áreas verdes e as praças.” 54 Lúcidas são as considerações
do Ministro Adhemar Maciel em julgamento do STJ sobre o tópico:
Por vezes, o ente municipal ainda altera a destinação dessas áreas verdes por meio de
leis municipais, a fim de converter estes bens públicos de uso comum do povo em bens
dominicais, alegando um dissimulado interesse público, o qual não passa de um pretexto para
a perpetração de atos lesivos ao patrimônio natural e comunitário urbano. Destituídas de sua
destinação pública, as áreas verdes, fontes maiores do equilíbrio psíquico, social e ambiental
urbano, são negociadas como se fossem um imóvel qualquer. O prejuízo socioambiental
segue-se inexoravelmente. Agindo de maneira leviana e corriqueira, a municipalidade
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descura-se de sua missão constitucional e legal de preservar esses espaços verdes. Ao invés
disto, torna-se o maior algoz do meio ambiente, configurando-se nítido desvio de finalidade.
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4 CONCLUSÃO
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O ente municipal está obrigado a zelar pelas áreas verdes. Não pode desviar a
destinação socioambiental desses espaços públicos de uso comum do povo, seja por meio de
concessão de uso a terceiros, seja por sua conversão, por meio de lei municipal, em bens
dominicais, os quais podem ser negociados livremente.
Portanto, como parte deste novo paradigma ecológico, urge que se tome um novo e
combativo posicionamento em prol da defesa das já escassas áreas verdes do perímetro
urbano. Espera-se que este trabalho tenha dado um pequeno passo nesta jornada.
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1
MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Malheiros,1998, p.412
2
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17.ed. atual. São Paulo: Atlas, 2004, p.569.
3
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 34. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p.146.
4
DI PIETRO, op. cit., p.569.
5
RODRIGUES, op.cit., p.146.
6
DI PIETRO, op. cit., p.572.
7
Ibid., p.572.
8
Ibid., p.571.
9
É o caso, por exemplo, da caducidade da licença ou desistência do loteador, conforme artigo 17 da Lei nº
6.766/79.
10
SAINT-ALARY, 1977 apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12.ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004, p.401.
11
As principais diretrizes contidas no Estatuto das Cidades dizem respeito ao direito ao desenvolvimento
sustentável, à gestão democrática das políticas urbanas, à ordenação e controle do uso do solo, assim como a
proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e ecológico, dentre outras.
12
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MUKAI. op.cit.
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19
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BOEIRA, Sérgio; SANTOS, Adriana; SANTOS, Aline. op.cit.
21
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Ibid.
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* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6329
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35
SILVA, José Afonso da, 2006, op.cit., p. 278.
36
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2003, p.291.
37
Ibid., p. 289.
38
SILVA, José Afonso da, 2006, op.cit., p. 277.
39
AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 73.
40
SILVA, 2006, op.cit.
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SILVA, Maurício Fernandes da. A desafetação de áreas verdes advindas de aprovação de loteamentos perante
a tutela ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 113, 25 out. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4208>. Acesso em: 05 mar. 2010.
42
CESP; PREFEITURA DE SÃO PAULO, 1995 apud SIRVINSKAS, op.cit., p.298-299.
43
MEIRELLES, 1993 apud DI SARNO, op.cit., p.95.
44
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2004 , p.93.
45
Ibid., p.93.
46
É o que dispõe o artigo 4º, I cominado com o artigo 22 ambos da Lei 6.766/79.
47
SIRVINSKAS, op.cit., p.290.
48
MACHADO, op.cit., p.412.
49
FIGUEIREDO, 1980 apud SOARES, Luís Eduardo Fonseca. Da impossibilidade de desafetação de áreas
verdes e institucionais. 2002. 71 f. Monografia (Bacharelado em Direito). – Faculdades Integradas “Antônio
Eufrásio de Toledo”, Presidente Prudente, 2002. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/
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50
MACHADO, op.cit., p.412
51
Ibid., p. 414.
52
Ibid., p.414.
53
MUKAI, 1998 apud MACHADO, op. cit., p.414-415.
54
MACHADO, op.cit., p.390.
55
MACIEL, 1998 apud MACHADO, op.cit., p.412-413.
56
MIRRA, 1998 apud MACHADO, op.cit., p.377.
57
Ibid., p.390.
58
Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 20 mar. 2010.
59
Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 20 mar. 2010.
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* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6330