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NOVAS FUNÇÕES DA PAISAGEM

Paulo Pellegrino

As cidades podem ser vistas como grandes lugares para a natureza? Ao juntarem-se em grandes
aglomerações, as pessoas efetivamente concentram seus impactos, ao invés de dispersá-los sobre os
recursos naturais dos quais dependem. As cidades oferecem uma especialização das atividades
humanas, com os recursos distribuídos através do território sendo canalizados ao longo dos corredores
de transporte para as áreas urbanizadas específicas, movimentando toda uma rede de produção,
oferecendo uma cultura urbana distintiva que atrai e mantém, através de uma vibrante animação, as
pessoas que podem mais criativamente contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Manter uma
cidade com esta força de atração, com uma necessária qualidade de vida, pode ajudar a diminuir a
dispersão das pessoas através da paisagem. Este foco do projeto da paisagem como uma nova
infraestrutura nas áreas urbanas, especialmente, e seus setores que precisam de renovação ou
consolidação das estruturas construídas, se apresenta como estratégico para o futuro da relação entre a
sociedade com os recursos naturais.

A maioria dos espaços abertos na cidade está associada ao sistema viário, com suas vias, calçadas e
canteiros, com a imensa superfície pavimentada deixada para o estacionamento e manobras de
veículos; ou em praças, parques e jardins com o convencional tratamento de piso, grama e árvore,
devotados ao descanso ou a uma recreação intensa. Algumas manchas de vegetação relativamente
natural tende a sobreviver em áreas que ou são protegidas como áreas de preservação ou que
escaparam do crescimento imobiliário e são negligenciadas pela sociedade, como beira de córregos,
estradas, ferrovias, faixas de alta-tensão ou terrenos baldios. O trânsito nunca para e os grandes
congestionamentos de horário de pico são tão previsíveis quanto a saturação das áreas de
estacionamento, ou a geração de poluentes que acompanha esse modo de circulação. Quanto
àdrenagem das águas pluviais, um sistema foi projetado para captar o mais rápido possível a
precipitação natural oferecida à cidade e, neste processo,lavar as ruas dos poluentes e carreá-los
diretamente para os antigos rios e córregos, que de um modo geral foram canalizados ou enterrados
em galerias, com suas respectivas várzeas e planícies aluviais aterradas. No outro extremo da escala
estão os incontáveis fragmentos de espaços abertos no interior dos lotes com manchas de
complexidade variável entre edificações dos mais variados usos.
Alguns observam esta paisagem como resultante de um modo de produção ou organização econômica
da sociedade, das forças do mercado imobiliário ou da presença ou ausência da ação da administração
pública. De qualquer modo, e a despeito dos incontáveis problemas ambientais decorrentes, a cidade
oferece uma ampla gama de benefícios para a sociedade e inúmeras oportunidades para uma religação
com a natureza. Entre estas se incluem a conexão dos moradores com os seus espaços abertos
significativos, sua rede hídrica e sua diversidade biológica e social, melhorando suas condições de saúde
mental e física, com a valorização dos espaços do seu cotidiano, o oferecimento de alternativas de vida
na cidade e a diminuição do isolamento entre as pessoas. De fato, a cidade pode ser simplesmente a
manifestação, nas condições de hoje, do potencial para dar a origem a uma nova forma de organização
espacial da sociedade em outros termos.

A cidade se altera por mudanças no uso do solo dentro da área já urbanizada, no seu adensamento ou
pela ocupação de novas áreas. Seguindo essas alterações são necessárias mudanças na sua rede de
infraestrutura com adaptação ou ampliação dos seus elementos, numa dinâmica de retroalimentação
que nos leva a perguntar o que influencia o quê, como no caso de um novo acesso que leva à ocupação
ou maior adensamento de uma área, ou estes processos que levam à melhoria do seu acesso. Sem
dúvida ambos os casos existem, e são catalisadores para novas intervenções na infraestrutura da
circulação das pessoas e veículos, da drenagem urbana e do tratamento dos espaços abertos. E, quase
sem erro, a tendência será esse desenvolvimento se basear em modelos já feitos e testados que
permitem certa previsibilidade de resultados em um caso específico. Esta tendência de suplementar
com uma ampliação das vias, alargamento dos canais e redução das áreas naturais levando ao aumento
dos volumes de tráfego e das águas no pico das cheias leva ao resultado previsível que já conhecemos,
apenas irrefutavelmente ampliando seus efeitos ambientais. O que surpreende em nosso meio é que
não tenham ainda sido feitas alternativas para uma readequação da infraestrutura urbana existente ou
para o desenvolvimento de outros modelos para sua ampliação.

A natureza nas cidades tem sido constantemente avaliada entre extremamente importante a algo
inexistente. Para muitos moradores uma jardineira num terraço, árvores num parque ou o alvoroço de
um bando de maritacas, fornece prazer, inspiração e uma conexão tangível com um lugar no campo ou
onde cresceram. Alguns biólogos reconhecem que há interesse científico na diversidade de plantas
encontradas, nas aves migratórias e em outros animais que povoam as cidades. Urbanistas, paisagistas,
meteorologistas, geógrafos, geólogos e especialistas em saúde pública veem outras camadas da
natureza na cidade.
Contínuas melhorias no projeto dos elementos de uma infraestrutura verde devem ser desenvolvidos
para lugares específicos e aplicados em outras áreas usando fatores de ajuste dados pelos aspectos
específicos de cada cidade e seu região. Neste livro, foi apresentada uma visão geral dos elementos que
podem compor uma infraestrutura verde urbana, agrupados em medidas de tratamento das águas
urbanas, de manejo da floresta urbana, de fomento da acessibilidade urbana e de espaços de uso
significativos. Ferramentas que auxiliem a avançar além do projeto convencional, cosmético ou mono
funcionalista dos espaços abertos, com os projetos inovadores, preparados para desempenharem as
funções de uma infraestrutura verde urbana.

Neste sentido, este volume focou no desenvolvimento de uma estratégia de entender e projetar a
paisagem como uma infraestrutura, de forma a assegurar que as funções dos espaços abertos urbanos
possam ser otimizadas e que a arquitetura destes espaços possam ser novamente recolocada como
uma atividade projetual decisiva para alcançar uma nova qualidade e resiliência urbana. Em um típico
projeto de arquitetura paisagística, pode-se aplicar ao menos um elemento desta infraestrutura.O
processo de projeto começaria com o desenvolvimento de uma estratégia de uma infraestrutura verde
e, no final, teríamos uma passagem: de paisagismos cênicos à paisagem infraestrutural.

Faltam projetos paisagísticos que tirem proveito das técnicas das engenharias e dos conceitos das as
ciências biofísicas, que traduzam as novas necessidades tecnológicas e ecológicas que os espaços do
cotidiano de nossas cidades pedem. No final é um caso de mudança de mentalidade, pois, como no
exemplo do aquecimento global, a inação não é resultado de não sabermos o que devemos fazer, mas
de nos convencermos que uma alteração dos fatores implica mais do que o conhecimento, implica uma
mudança de percepção e de atitude frente aos valores e interesses que nos movem.

1. OS SISTEMAS HEGEMÔNICOS E AS RESISTÊNCIAS ÀS MUDANÇAS

Nosso pensamento pode ser dividido em duas correntes: uma mais rápida, automática e em grande
parte inconsciente, e outra que é lenta, deliberada e judiciosa, exemplo de como as crenças e
julgamentos podem ser contaminados por informação periférica ou mesmo irrelevante. É uma forma
de atalho mental, a tendência humana de acreditar que o que é familiar é bom. Tome por exemplo a
canalização convencional dos córregos, se for perguntado aos moradores vizinhos a um córrego ainda
não canalizado o que preferem, eles tenderão a preferir a canalização, como viram antes em outras
áreas anteriormente urbanizadas da cidade, talvez por mera familiaridade com este modelo de
tratamento dos córregos em nosso meio urbano.
Mas essa preferência pelo que é familiar pode ser problemática, especialmente quando não é
reconhecida a total extensão de suas influências sobre o ambiente e a paisagem da vida. De fato, as
repercussões podem tomar um significado global para as bacias urbanas, como neste exemplo, com as
pessoas tendendo a preferir projetos que já estão construídos àqueles alternativos que ainda não foram
implantados, mesmo que nenhum dado concreto prove que os modelos correntes estão funcionando.
Ao invés de ser analisado o seu custo e benefício, as pessoas tendem a raciocinar que, se existe em
outras partes valorizadas da cidade, deve estar funcionando.

E, quanto mais nos sentimos ameaçados e vulneráveis, mais se fortalece em nós a tendência de se
agarrar ao que é familiar, da mesma forma que as pessoas sob ameaça se tornam mais envolvidas que o
usual, com os seus grupos, causas e valores; e menos tolerantes com o não-familiar, sejam projetos ou
pessoas. Desta forma, podem vir a desejar, ou ao menos aceitar, projetos e políticas urbanas que no
final ameacem profundamente seu próprio interesse. Não importa o que seja, a tendência é de dar
maior atenção aos projetos que se enquadrem em suas crenças do que em projetos que possam
desafiá-las. Quando nós abraçamos um projeto, grande ou pequeno, nós tendemos em notar melhor as
evidências que o apoiam do que as evidências que possam enfraquecê-lo.

Aceitar tudo que é inerente aos modelos prevalecentes, pode se tornar uma falácia, confundindo o que
existe com o que é bom. O estratégico, obviamente, é selecionar entre nossas idiossincrasias cognitivas
aquelas que merecem ser confrontadas e quais são inócuas ou até mesmo importantes de serem
celebradas. Por exemplo, faz pouco sentido se preocupar com a ambiguidade da política cotidiana,
porque nós podemos quase sempre usar o contexto e a interação social para figurar o que nossos
interlocutores tem em mente. Para muito da nossa atividade cotidiana como arquitetos e planejadores,
as ferramentas existentes são mais que suficientes. Elas geralmente nos mantém longe dos obstáculos
e fora do alcance do dano. Mas isso não significa que nós, como pesquisadores e professores, não
possamos fazer melhor.

2. TRANSIÇÃO ENTRE TIPOS DE INFRAESTRUTURA

Uma ferramenta para nos auxiliar a fazer essas pontes pode ser encontrada no conceito de Large
Technological Systems (GUY; MARVIN; MOSS, 2001). Este conceito é baseado na premissa de que não
se pode entender redes como as de comunicação ou energia, somente em termos de seus
componentes tecnológicos, mas como sistemas complexos que interconectam tecnologias materiais
com organizações, normas institucionais e valores culturais. O desenvolvimento de Grandes Sistemas
Tecnológicos (GSTs) não é apenas determinado pelos avanços tecnológicos, mas também pela relação
entre estes componentes.

A infraestrutura verde compartilha muitas, se não todas, das características dos grandes sistemas
tecnológicos. Como as redes de água e esgoto, é um sistema complexo consistindo de elementos
físicos (tetos verdes, biovaletas, lagoas de retenção, parques), organizações (serviços públicos,
associações de moradores, empreendedores) e estruturas reguladoras (normas urbanísticas, planos
municipais, legislação ambiental). Ela aparece em resposta à crescente complexidade e a problemas de
controle relacionados as águas urbanas, mobilidade e saúde pública. Ao contrário dos demais GSTs, seu
desenvolvimento é feito através de obras em pequena escala, descentralizadas e sem um sistema
hierárquico rígido, sem ser possível identificar uma tecnologia dominante (como nas redes de
eletricidade). Mas da mesma forma que muitas GSTs, a infraestrutura verde pode ser empregada para
regular a entrada e a saída de recursos em uma grande escala, neste caso, na conservação dos recursos
hídricos e estruturação urbana, e menos visivelmente, na melhoria da saúde pública, na mobilidade, no
menor investimento de capital e na redução dos custos de manutenção. Já diferentemente de outras
GSTs, não pode ser tratada como um monopólio, seja público ou privado, mas pode ser regulada pelo
poder público.

O propósito do conceito de GSTs é explicar como os atores, tecnologias, mercado e normas


reguladoras interagem para moldar a implantação, evolução e expansão dos grandes sistemas
tecnológicos (GUY; MARVIN; MOSS, 2001). Central a esse argumento existem três conceitos: os
construtores do sistema, o momento e as ações contrárias. Como os construtores do sistema são
definidos os projetistas, engenheiros, técnicos de manutenção e investidores, que tem como principal
característica a promoção e proteção do seu próprio sistema tecnológico contra a competição de outros
sistemas. Seus objetivos incluem a criação de sistemas fechados de forma a excluir elementos
competitivos, procurando da diversidade a uniformidade, da pluralidade a centralização e do caos a
coerência (GUY; MARVIN; MOSS, 2001).

Como resultado desses esforços dos seus construtores, os grandes sistemas tecnológicos desenvolvem
o seu momento próprio. As decisões iniciais de quais tecnologias escolher ou de como a infraestrutura
será regulamentada já dão os limites para o futuro desenvolvimento e sua direção. Uma vez
estabelecida a homogeneidade, estas redes padronizadas se tornam um poder em si, capazes de
internamente se reforçarem e externamente de sustentarem outros sistemas, como o desenvolvimento
urbano (GUY; MARVIN; MOSS, 2001). Desta forma o momento de um GST aumenta com o tempo, se
tornando cada vez mais inflexível e resistente à mudança enquanto se estabiliza, sendo
constantemente protegido de competidores por seus construtores.

A forma com que as maiores mudanças ocorrem dentro e entre os GSTs é explicado em termos de
ações contrárias, que são definidos (GUY; MARVIN; MOSS, 2001) como componentes retardatários que
impedem o desenvolvimento seguinte de um sistema. Eles podem ser técnicos, sociais,
organizacionais, econômicos ou culturais, que vão se desenvolvendo com a expansão do sistema.
Quando não podem mais ser corrigidos dentro do sistema existente, digamos a mobilidade do trânsito
em São Paulo baseada em veículos automotores individuais, a solução do problema pode ser a
introdução ou reforço de sistemas competitivos. Em tais circunstancias é iniciada uma “batalha de
sistemas”, com o mesmo autor dizendo que a metáfora militar é a que melhor captura a natureza do
conflito que se estabelece numa mudança radical de sistemas.

De acordo com essa teoria, os grandes sistemas tecnológicos experimentam uma fase inicial de
invenção, inovação e transferência, seguida de uma fase de crescimento, competição e consolidação.
Depois de uma fase de estabilização segue uma fase de declínio, caracterizada pela diminuição da
importância da extensão da rede, envolvimento em outras atividades e uma substituição gradual por
um outro grande sistema tecnológico (GUY; MARVIN; MOSS, 2001).

A abertura dos sistemas às mudanças e sua reconfiguração depende das inovações tecnológicas e de
suas instituições, mas sobretudo dos atores, suas motivações, precedentes, fatores locais e as
condições naturais que viabilizam um esquema. O conceito dos construtores de sistemas tem de ser
expandido para incorporar, além dos projetistas, engenheiros, técnicos de manutenção e investidores.
Hoje há outros atores engajados, no lado do projeto das infraestruturas, que tem algo a dizer sobre seu
desenvolvimento. Sem contar o maior grupo de atores, os usuários, que são tratados como
consumidores passivos dos serviços gerados, mas cujo grau de envolvimento tende a crescer em
determinados trechos de redes. Nos exemplos de Berlim e do Noroeste Pacífico, ficou evidente um
maior número de atores envolvidos, uma redistribuição dos papéis e novas formas de interação, como
os arquitetos paisagistas, os proprietários, e, em menor grau, os departamentos de parques e áreas
verdes, tomando responsabilidades anteriormente da alçada das empresas de água e esgoto. Com
esses sistemas locais, esses atores ganharam mais força sobre a forma como utilizam a água da chuva
e, num futuro provável, no tamanho de sua conta d’água (GUY; MARVIN; MOSS, 2001).

As ações contrárias, por sua vez, são úteis na identificação dos obstáculos que impedem o
desenvolvimento de um grande sistema tecnológico em uma certa direção. Estas ações contrárias
podem ser tecnológicas (como deficiências técnicas ou stress de redes) ou socioeconômicas, como
pressão dos consumidores ou mudança das condições competitivas (GUY; MARVIN; MOSS, 2001),
restando explicar como os diferentes sistemas se adaptam às mudanças em seu contexto de operação.

Em uma situação em que vários fatores estão mudando simultaneamente, e em suas interações, não se
pode falar de um único fator segurando ou interrompendo a trajetória de desenvolvimento de um
grande sistema tecnológico de infraestrutura. Muitos novos sinais podem estar indicando a alteração
da sua lógica interna de cada sistema, com a adoção de alguns projetos, apesar de aparentemente
contrariarem suas razões fundamentais. Podemos ver neste sentido, os projetos de parques lineares
que, se tornaram perseguidos com grande vigor por nossas administrações municipais, em relação a
prática de simples canalização de córregos nos planos de drenagem urbana existentes.

O que vemos é que não é apenas a mudança de contexto que cria a necessidade de mudança, mas a
forma como altera a percepção dos autores sobre os problemas de infraestrutura e a sustentabilidade
urbana. A combinação desses fatores pode fazer que um grupo chave de atores defina de forma
diferente um problema, mude de foco a outro problema ou re-priorize os problemas (Moss, 2001). As
novas posições alcançadas se tornam em si mesmas a força para reordenar o sistema. Além dos
obstáculos reais, ou fraquezas, que as infraestruturas existentes enfrentam, devemos interpretar a
percepção dos atores de onde os problemas se encontram.

As razões de interrupção do desenvolvimento de uma infraestrutura podem não ser técnicas, mas
apenas expressar o momento alcançado pelos construtores de uma infraestrutura rival, contra aqueles
que defendem os interesses de preservação da estabilidade do sistema dominante. Mas a explicação
apenas por este viés conflituoso da persistência dos sistemas tecnológicos dominantes, leva à sugestão
de uma incompatibilidade entre sistemas diferentes e seus componentes, como no clássico exemplo
entre as soluções “hard” (como estação de tratamento de esgotos centralizada) e “soft”( como
alagados construídos). Mas como (GUY; MARVIN; MOSS, 2001), coloca, baseado em Jane Summerton
e outros, muitas das novas tecnologias soft não são nem tecnicamente nem economicamente
incompatíveis com os sistemas existentes, apesar de parecem incompatíveis na mente de muitos dos
construtores de sistemas de infraestrutura.

Eles inclusive, exemplificam esta falsa incompatibilidade, com o exemplo do sistema de retenção na
fonte da água da chuva, que defendida por ambientalistas, foi por muito tempo considerada pelos
gestores d’água como inadequada por razões técnicas para os assentamentos urbanos. Com o
amadurecimento da tecnologia, os custos caíram e o problema do escoamento superficial das águas
urbanas entrou na agenda política, o que fez com que algumas cidades já mudassem de sintonia e
agora apoiem este sistema, e mesmo que ainda existam preocupações técnicas, estas são consideradas
menos importantes do que os benefícios potenciais do esquema. Além disso, a nova tecnologia não
substitui a existente, nem é vista como competidora com o sistema centralizador. Pelo contrário,
melhora o sistema existente por aliviar as redes sobrecarregadas, e economiza investimentos em bacias
de retenção.

Isto sugere que o processo de transição entre tecnologias de infraestruturas pode ser menos conflituoso
do que se assume, apesar de que algumas situações podem ser exacerbadas por interesses localizados.
De qualquer forma, os obstáculos iniciais de transição entre redes de infraestruturas podem estar mais
na percepção de incompatibilidade, percepção esta que vai mudando com o tempo. Os exemplos aqui
citados sugerem que nos lugares que estão num estágio de pós-expansão e ajustamento de suas
infraestruturas, entraram numa fase de desenvolvimento de seus grandes sistemas tecnológicos muito
menos fechados a mudanças, que nos seus primeiros estágios de crescimento e consolidação,
mostrando um surpreendente grau de flexibilidade das redes de infraestrutura bem estabelecidas e
poderosas.

O desenvolvimento das infraestruturas deve ser visto junto com as mudanças sociais, e isto parece
importante hoje, face as pressões para a expansão das infraestruturas no Brasil. Mesmoa escolha das
tecnologias no futuro vai ter de respeitar as mudanças nessas condições, do crescente papel dos vários
atores, de consumidores passivos para papeis com considerável potencial de influenciar na forma como
a infraestrutura verde é implantada e usada.

Independente do modo como uma infraestrutura verde venha a operar de uma forma abstrata, é
essencial apreciar o local, ou o contexto urbano e natural, de forma a entendermos a importância de
cada espaço aberto, de como eles podem ser combinados para conformar o desenvolvimento para uma
determinada direção das redes de infraestrutura de uma cidade.

Da mesma forma temos que reconhecer que mudanças não necessariamente levam a conflito com os
estilo de manejo existentes. Mesmo a competição entre usos ser real, evidencias sugerem que uma
mudança de circunstâncias pode aumentar a compatibilidade de diferentes tecnologias e a abertura
das redes existentes à adaptação.

Ao invés de vermos incompatibilidades entre tipos de infraestrutura, devemos olhar para possibilidades
de conexão, criadas pelas recentes mudanças de condições e necessidades. As incompatibilidades
podem não ser reais ou mesmo racionais, mas percebidas como reais por determinados agentes/atores.
Já as consequências dessas suas percepções podem ser reais, o que nos faz refletir sobre os valores por
trás de cada grupo de atores, no manejo de uma rede de infraestrutura.

Explorando e comparando os motivos de cada grupo de atores, pode ser possível detectar interesses
comuns não imediatamente visíveis, e, portanto, ser mais proveitoso identificar as sensibilidades dos
grupos com interesses específicos para desfazer mal-entendidos e evitar ações contrárias.

3. UMA PAISAGEM ADAPTÁVEL

Na procura de um avanço e de uma maior eficácia social da arquitetura da paisagem, cabe a ideia de
uma outra estratégia. De um modo geral a ideia de estratégia envolve o confronto em batalhas, mas
aqui assumimos a sua outra significação como a atitude que requer uma certa sensibilidade, um
posicionamento cuidadoso e ações coordenadas baseadas em informações, de forma que se possa
esperar o sucesso de uma empreitada. Mas, mais do que focar só no objetivo final, a boa estratégia
deve permanecer dinâmica e aberta, e assim garantir a sua permanência (Corner, 2004). Menos
confrontadora e mais engajadora, uma boa estratégia necessita de um plano espacial, programático ou
logístico altamente organizado, mas ao mesmo tempo flexível e estruturalmente adaptável às
mudanças das circunstâncias.

Neste ponto o conceito de resiliência da biologia também é bastante proveitoso, com a constatação de
que apenas os organismos mais flexíveis e adaptáveis sobrevivem às mudanças do ambiente. A vida só
continua se conseguir persistir e adaptar, mas é importante observar que estes princípios não
descrevem apenas trajetórias individuais ou processos específicos, mas também organizações, relações
estruturais e configurações que são necessárias para esta capacidade resiliente, tanto que Corner
(2004) usa o termo paisagem adaptável (“fitness landscape”) para descrever a paisagem com maior
capacidade de sobrevivência, porque seus elementos e estrutura são adaptáveis tanto de forma física
como simbólica.

Considerando a crescente marginalização da atividade de projeto da vida pública — arquitetura e


paisagem são avaliadas mais como obras simbólicas, estéticas ou emblemáticas, do que como uma
atividade a ser diretamente aplicada às grandes questões urbanas, ao planejamento e ao
desenvolvimento socioeconômico — Corner (2004) advoga um balanço das áreas da área de projeto, e
uma reformulação da orientação profissional para futuras áreas de atuação.
Isso ao mesmo tempo em que os projetos se tornaram mais complexos, mais difíceis de se implantar e
de se manterem com qualidade, e que os processos de regulamentação e aprovação pública e a
massificação do mercado levarem a projetos monótonos, previsíveis e a uma inércia cultural.

A arquitetura da paisagem por seu próprio objeto de trabalho — paisagem —, e por ter as relações
ecológicas como um dos fundamentos de projeto, incorpora como normal as circunstâncias
aparentemente confusas de um dado local, e, com a sua forma inerente de analisar a realidade,
avaliando as restrições e potencialidades, é capaz, através de representações, de dar conta das
complexidades aparentemente não manejáveis do sítio. Ao mesmo tempo, avalia o problema em
diversas escalas, com as quais estabelece uma relação estrutural aberta e dinâmica; mais ainda, assume
o inacabado do projeto, que é visto mais como a disposição das condições para um processo de
desenvolvimento de uma área, o que pode vir a engendrar outras, ou mesmo inesperadas, situações.
Diferentemente dos demais arquitetos, em geral obcecados com a fixação das condições, a completude
e o acabamento de suas obras, os arquitetos paisagistas, como os agricultores, silvicultores e
horticultores, tendem a ver na potencialidade de um dado sítio o programa, e compartilha com estes as
técnicas do manejo adaptativo do material. Esta percepção, se incorporada ao urbanismo — como já é
advogado atualmente por alguns movimentos — seria uma conquista muito interessante, destaca
Corner (2004).

Para um projeto de paisagem, uma vez disposto o cenário, a sucessão ecológica presente no local
começa a desempenhar o seu papel para o próximo ato, que por sua vez retoma elementos do ato
anterior e estabelece as condições para uma possível continuidade, que nem sempre pode ser o
previsível. Em termos de projeto, portanto, a arquitetura da paisagem dá as condições para uma
evolução de uma organização auto-construtora, que evolui e propaga a vida e suas consequências. A
evolução das circunstâncias renova o potencial do próprio lugar, e assim a sua eficiência. Esta é uma
estratégia de projeto com inerente potencialidade em dar formas e em empregá-las para delas tirar o
máximo efeito (Corner, 2004).

Isto não significa que a forma e a precisão material sejam irrelevantes, como arquitetos, a geometria e o
controle dos materiais são fundamentais, mas esta estratégia pode ser empregada para encontrar as
condições e o modo mais eficaz de refeiçoar fisicamente um determinado espaço. Pois são nos meios
físicos que esta estratégia se desenrola, para aumentar a eficácia e o escopo do projeto. Isto pode ser
facilmente visível nas estruturas de drenagem local das águas das chuvas, nos tetos verdes ou nas
lagoas pluviais. Já na escala de corredores, redes de espaços abertos e bordas de amortecimento de
áreas de preservação permanente, cada um apresenta uma forma altamente específica em suas
dimensões, elementos e estrutura. O que está sendo criado são palcos imensos para o desempenho e a
propagação de mais vida, em novas configurações. Não tem sentido falar que seja uma atividade sem
projeto de formas específicas de organização e de materiais, apesar de sua flexibilidade e
adaptabilidade.

O próprio desempenho das funções da vida depende de uma base material organizada. Animais,
plantas, microrganismos, independentemente de onde estiverem, são capazes de absorver,
transformar e trocar informações com o seu entorno. De seu arranjo, dimensão, distribuição,
localização e relações entre si e com o solo, a água e os elementos construídos é que são dadas a sua
força e condições de sobrevivência.

A infraestrutura verde requer uma novo tipo de visualização, uma nova forma de prática dos arquitetos
paisagistas, arquitetos, urbanistas, biólogos, engenheiros; mas também se beneficiaria de novas
políticas públicas, processos políticos, que sejam entendidos e coordenados de modo inter-relacionado.
Como tentamos demonstrar, as suas bases estão numa atividade estratégica de projeto e
planejamento, que de uma forma includente e colaborativa, entre as diversas escalas e escopos, possa
fortalecer e tornar mais significativo o projeto paisagístico que assim pode vir a dar forma às funções
que paisagens ofereceriam às nossas cidades e regiões.

4. NOVOS MÉTODOS DE PROJETO PARA NOVAS FUNÇÕES.

A infraestrutura tradicional teve um claro impacto no padrão de desenvolvimento urbano a longo prazo
e nas condições dos espaços abertos remanescentes. Usos urbanos tendem a se espalhar ao longo das
linhas de infraestrutura disponíveis. Este é um processo mais poderoso do que o processo que cria
espaços abertos com boa qualidade ecológica. Os padrões das redes de infraestrutura afetam o padrão
das ocupações urbanas. A visão da rede de espaços abertos como uma rede infraestrutural pode
salvaguardar espaços de função ambiental nas áreas ainda não urbanizadas, ou de urbanização em
consolidação, se na implantação das infraestruturas cinzas forem observadas as condições para que a
infraestrutura verde desempenhe seus serviços, de forma complementar.

Nas áreas já urbanizadas, estratégias de projetos paisagísticos ecológicos podem ser disseminados
quando das intervenções que continuamente são necessárias para a manutenção das infraestruturas
cinzas, bem como nos processos de mudança nas tipologias urbanas, ou mesmo em ações de
requalificação de setores urbanos, envolvendo o poder público e a iniciativa privada.
Uma estratégia de projeto de nossas cidades pode ser definida por uma combinação, cruzamento e
complementaridade das redes de infraestruturas (verde e cinza), o que seja válido para as várias escalas
de intervenção, em todo o gradiente de usos urbanos, desde as áreas mais densas junto as linhas de
infraestrutura e áreas centrais já consolidadas, até as áreas de ocupação ainda rarefeita e de maior
importância ecológica. Ao sobrepor o planejamento das redes de infraestrutura e do correlato
desenvolvimento urbano, com o desenvolvimento de uma infraestrutura verde com as funções aqui
delineadas, pode-se começar a pensar em um padrão urbano mais sustentável.

A qualidade da cidade depende de como conserva seu patrimônio, de como cresce e se renova. Desse
modo, incluir a infraestrutura verde como uma de suas prioridades cria as condições de se manter
espaços abertos nas áreas a serem urbanizadas, oferecendo continuidade onde já existe qualidade
urbana, e forma um ponto de partida para a introdução de estratégias de requalificação das áreas já
urbanizadas. Para a criação de uma cidade sustentável, o planejamento do uso do solo e das redes de
infraestruturas pode ser acompanhado do planejamento e projeto de sua infraestrutura verde.

Há uma demanda imensa no Brasil de investimentos, de necessidade de ampliação e modernização de


sua infraestrutura, e agora podemos aproveitar para que ela possa ocorrer de forma inovadora, em
bases mais sustentáveis, de acordo com o que existe de estado da arte no mundo. Precisa-se identificar
os projetos alinhados com esta nova visão da infraestrutura, e viabilizar meios para a implantação das
melhores práticas já apontadas.

O País tem todas as condições de liderar esta evolução das cidades, mas para isso precisa-se de
informação, de conhecimento para que os projetos urbanos incluam essas tecnologias da paisagem;
precisa-se que se mude a cultura das obras públicas e da indústria da construção civil, na qual os
projetos paisagísticos muitas vezes são reduzidos a uma terraplanagem, seguida do plantio de grama e
mudas de árvores aleatórias. Que se passe a perceber os projetos de arquitetura paisagística com os
fundamentos aqui delineados, vistos como uma prioridade nas políticas públicas; que se perceba que a
paisagem com os serviços que pode prover, é uma variável importante no desenvolvimento urbano, de
que é parte da solução dos problemas das cidades.

Os arquitetos que alcançarem esta capacidade de projetar com a paisagem, que assumirem um papel
mais proeminente neste âmbito do cruzamento entre as áreas tecnológicas e humanas, terão uma
possibilidade de tornar o que parece restritivo ao crescimento urbano em oportunidade, através de
projetos que garantam um real desenvolvimento urbano, que amplie a competitividade das áreas
urbanas, como uma estratégia de um novo modelo de urbanismo. Isto se torna uma demonstração
ainda a ser feita, mas é um desafio que pode recompensar.

O papel e a relevância desta área de projeto no futuro vão depender muito da nossa capacidade efetiva
de comunicação e de disseminação pública dos trabalhos em arquitetura paisagística, seja na prática
profissional ou no ensino e reflexão acadêmica. Esta será uma tarefa que vai demandar grande
trabalho, se considerarmos as dificuldades oriundas não só da grande extensão territorial brasileira,
mas também da, cada vez maior, fragmentação, especialização, e sobreposição de atribuições
profissionais; e, ainda, das crescentes pressões econômicas sobre a prática profissional e acadêmica.
Mas é um desafio que pode valer a pena.

5. APLICAÇÃO E MÉTODO

Ao longo deste volume constatamos que a visão da paisagem como uma infraestrutura pode
desempenhar um importante papel no amadurecimento da arquitetura paisagística no Brasil. Criada a
partir de uma iniciativa de melhores práticas de projeto e planejamento, hoje acumula resultados de um
esforço coletivo. Os capítulos anteriores mostraram possibilidades dentro deste campo de projeto.
Agora, entretanto, somam-se novos desafios de atuação profissional. Neste capítulo de conclusão do
livro, discutimos a complexidade de novos campos e oportunidades que estão se abrindo, elencando
obstáculos e perspectivas para que a educação em arquitetura paisagística no Brasil possa oferecer
esses conteúdos, e que a prática profissional possa aproveitar essa força.

Os arquitetos paisagistas sempre trouxeram contribuições para o entendimento da importância da


dimensão ambiental, e da dimensão cultural, para o projeto e planejamento da paisagem em suas
diferentes escalas. Tendo a paisagem como matéria primeira de projeto, a defesa da incorporação de
valores ambientais ao gesto projetual vem se repetindo desde o século XIX, com Frederick L. Olmsted e
realçada no séc. XX por Ian McHarg, em sua insistência nos princípios ecológicos no planejamento
regional da paisagem. Mais recentemente, Anne Spirn e Michael Hough trouxeram conceitos
fundamentais para o avanço desta linguagem híbrida, a partir de processos naturais e intenções
humanas. No Brasil, ela pode ser observada na prática e no discurso de Roberto Burle Marx desde suas
primeiras atuações no Recife, a partir dos anos 1930, e, na segunda metade do século XX, pela
contribuição de Fernando Chacel na materialização do conceito de ecogênese.

Temos também reconhecido que conceitos e ações de cunho ambiental e preservacionista não se dão
em arenas neutras, livres de conflitos e contradições. O paisagista James Corner alerta-nos que o
projeto e o planejamento da paisagem também requerem “uma visão cultural que não pode ser
reduzida a procedimentos formais ou ecológicos” (CORNER, 1999, p. 9). Dessa forma, na compreensão
da paisagem enquanto processo, é preciso considerar a complexa estrutura de relações inerente, como
as relações culturais e ambientais.

A partir desse legado conceitual e prático, como prosseguir? Quais os desafios que as questões
ambientais e socioculturais trazem para o exercício profissional ao longo dos próximos anos? Neste
desfecho, convidamos os leitores a uma reflexão sobre perspectivas da arquitetura paisagística no
Brasil a partir de alguns aspectos que, certamente, terão de ser enfrentados mais diretamente num
futuro próximo: um renovado rebatimento, das dimensões ambientais e culturais, no projeto e no
planejamento da paisagem; o incremento e a consolidação do trabalho interdisciplinar no âmbito das
equipes de projeto paisagístico; e novas possibilidades de atuação que correspondam tanto às questões
interdisciplinares quanto às questões socioculturais.

A paisagem brasileira, com seus recursos naturais, culturais e econômicos, traz um largo potencial. A
arquitetura da paisagem é a especialidade de planejamento e projeto, capaz de oferecer opções
interessantes a comunidades, empresas e governos.

Na crise em que vivemos — de mudanças climáticas; perda de florestas e da biodiversidade; de escassez


de água e energia; de falta de alimentos, de mobilidade e de segurança —, o ativo ambiental e
paisagístico — e sua gestão — deve ser visto como estratégico para o desenvolvimento, em suas
diferentes instâncias. E o Brasil, como um país emergente com um dos maiores ativos ambientais e
paisagísticos do planeta, é o lugar privilegiado para mostrar como os paisagistas podem contribuir para
a resolução de conflitos entre crescimento e conservação, entre desenvolvimento socioeconômico e
preservação ambiental.

Os espaços abertos, naturais ou tratados paisagisticamente, foram vistos por muito tempo como um
luxo. Hoje são reconhecidos por propiciar identidade cultural às nossas cidades, lazer e bem-estar a
milhões de pessoas, ser a base das indústrias do turismo e da diversão, reabilitar setores urbanos
inteiros e, quando as mudanças climáticas começam a se fazer sentir, tornam-se ainda mais
importantes por armazenar carbono, absorver o excesso de água, escoar com segurança as águas das
chuvas e amenizar o clima urbano.

Das florestas urbanas aos jardins de chuva ao longo das ruas, cada vez mais essas paisagens
multifuncionais têm sido reconhecidas como a infraestrutura verde das cidades, fornecedoras de
serviços públicos vitais, garantindo que nossas cidades e regiões sejam saudáveis e prósperas. Como
capacitar os arquitetos paisagistas para poderem fomentar esses benefícios no ambiente urbano e
territorial?

Mesmo com todos os conhecimentos científicos e técnicos acerca da drenagem, ecologia, mobilidade
urbana e do bem-estar de seus habitantes desenvolvidos nos últimos trinta anos, muitos espaços
abertos urbanos ainda continuam a ser projetados e construídos insistindo num enfoque
conceitualmente equivocado: atender apenas a problemas específicos e, não, a práticas
socioambientais a eles vinculadas. Ou seja, além de não conseguir dar sentido aos espaços abertos,
despertando o interesse que poderiam ter para a população, o tratamento paisagístico que vemos em
nosso meio muitas vezes tem um custo que não se justifica como prioridade, mas, como um luxo.

Um problema que diz respeito às funções desempenhadas pelos projetos implantados, que muitas
vezes não vão além das funções convencionais. Parece evidente que os espaços abertos dos jardins
residenciais aos parques públicos, não estão sendo aproveitados como uma estratégia de resolução de
conflitos entre a natureza e a sociedade. Por mais que os objetivos tenham sido relevantes no
momento em que foram projetados, podem não ser o que realmente importa para quem esteja
morando ao seu lado, circulando à sua volta ou sentido seus efeitos mais adiante. O importante é fazer
com que os projetos de arquitetura paisagística avancem como contribuições fundamentais para a
solução dos problemas ambientais e sociais da cidade. De um modo geral, o que se visualiza como
objeto dos projetos tradicionais de paisagem é a forma, e não as melhores práticas de projeto
vinculadas à hidrologia, ecologia e mobilidade urbana.

Outro problema está relacionado à dificuldade de incorporarem-se os processos socioculturais no


tratamento paisagístico das mais diversas escalas. Participação comunitária, por exemplo, tem sido
uma retórica largamente utilizada como um dos pré-requisitos para decisões de projeto e gestão
pública da paisagem. Entretanto, ainda não sabemos exatamente como melhor operacionalizar tal
participação — quem melhor representaria os diferentes grupos envolvidos; ou como efetivar esta
participação; ou, ainda, quais as narrativas prioritárias, considerando a complexidade das comunidades
e das questões político-ambientais envolvidas. A implantação de projetos paisagísticos significativos
depende, portanto, da compreensão da dimensão ambiental vinculada à dimensão cultural da
paisagem, em que a forma não seria a única variável. Como mudar essa cultura de projeto?

Sozinhos, os arquitetospaisagistas não podem promover mudanças, apesar das muitas tentativas.
Ressaltamos aqui, então,a importância de se promoverem esforços interdisciplinares e coletivos. Um
dos pontos mais elementares é que os arquitetos paisagistas tenham acesso e domínio das bases
científicas, técnicas, estéticas e socioculturais de sua área; e façam projetos de qualidade. Esses
projetos bem sucedidos se tornarão referenciais no sistema de produção do espaço urbano, desde a
indústria imobiliária às políticas públicas e poderão encorajar os responsáveis pelo planejamento e
construção das cidades a criar uma infraestrutura continuamente flexível para uma maior resiliência
ambiental urbana e regional.

Esses construtores e planejadorespodem não saber o que o futuro reserva, mas devem esperar que o
que construam seja suficientemente maleável para enfrentar os desafios que surjam. A infraestrutura
verde pode ser um modo privilegiado de ajudar a dar vazão a esta forma de re-criar as nossas cidades
em uma época em que tudo - mudanças climáticas, sociais, tecnológicas e econômicas - apresenta uma
oportunidade para novas sínteses criativas na paisagem.

Referências bibliográficas

CORNER, J. Not unlike life itself. Harvard Design Magazine, n. 21, p. 1–3, 2004.

____. Recovering Landscape: Essays in Contemporary Landscape Theory. Nova York: Princeton
Architectural Press, 1999.

GUY, S.; MARVIN, S.; MOSS, T. Urban infrastructure in transition: networks, buildings, plans. [S.l.]:
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PELLEGRINO, P. R. M. O Projeto da Paisagem e a Sustentabilidade das Cidades. In: Arlindo Philippi Jr.;
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PELLEGRINO, P. R. M. Modos de empregar o projeto de paisagismo no Brasil. In: Rubens de Andrade.


(Org.). Paisagismo(s) no Brasil: um campo hegemônico em debate. 1a.ed.Rio de Janeiro: Rio Books,
2014, v. 1, p. 63-80.

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