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TRF-4:

O espanto do “conselheiro da rainha”

Marcelo Auler, de Porto Alegre (RS)

Geoffrey Ronald Robertson, na entrevista coletiva (Foto: reprodução do Facebook)


Pelo que demonstraram no julgamento da apelação de Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira
(24/01), os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região –
TRF-4 não se importaram muito com a repercussão nacional e internacional que o processo em
si provocou.

Certamente dirão que julgaram de acordo com o que consta dos autos e respeitando seus
entendimentos e suas consciências.

Isto, apesar de juristas das mais diversas nacionalidades e estirpes ideológicas contestarem que
haja provas nos autos dos crimes pelos quais condenaram o ex-presidente a 12 anos e um mês
de cadeia. Um debate que tende a se perpetrar e que deverá chegar a tribunais internacionais.

Na próxima segunda-feira (29/01), o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, ao lado do


inglês Geoffrey Ronald Robertson, o chamado “conselheiro da rainha” como noticiamos
em Conselheiro da rainha no julgamento de Lula, estarão apresentando mais detalhes à
representação que protocolaram, em julho de 2016, ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, em
Genebra.
Pretendem “atualizar o caso”, acrescentando novas informações sobre supostas violações ao
Pacto de Direitos Políticos e Civis cometidas na tramitação do processo pelo qual Lula foi
condenado por Moro, cuja pena acabou aumentada no TRF-4.

Robertson, que assistiu ao julgamento como advogado de Lula junto ao Comitê da ONU, em
Genebra, deixará o Brasil impressionado, segundo confessou na entrevista coletiva dos
advogados de Lula, quarta-feira, após a sessão do tribunal.
Presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores (Foto: TRF-4)
Impressionou-se não apenas durante o julgamento. Tanto que, na coletiva, questionou: “como
vocês, cidadãos brasileiros, podem esperar um julgamento justo quando o presidente do tribunal
de recursos elogia a sentença antes de o recurso ser julgado, antes de lê-la. É uma mensagem
enviesada“.
Referia-se à entrevista do presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson
Flores, ao Estado de S. Paulo, em agosto de 2017, menos de um mês depois de prolatada a decisão
de Moro. Nela, ele considerou irrepreensível a sentença condenatória – ‘Sentença que condenou
Lula vai entrar para a história’, diz presidente do TRF-4.
Não foi um julgamento justo – No Brasil, recorde-se, pela Lei Orgânica da Magistratura –
LOMAN, magistrados são proibidos de comentar processos e decisões judiciais, tanto dos casos
em que atuem, mas principalmente dos de outros juízes. Isto, porém, tornou-se letra morta
quando se trata de defender os casos da Lava Jato.
Além de advogado da família real com atuação nos países da Comunidade Britânica, Robertson
é perito para a Associação Internacional dos Advogados para a Independência do Judiciário.
Respaldado na participação em tribunais internacionais, classificou o julgamento do recurso de
Lula como “uma experiência extraordinária, mas triste para mim. Verifiquei que normas
internacionais de direito a um julgamento justo não foram respeitada”.
Entre estas normas está o fato de o juiz que instruiu o processo ser o mesmo que prolatou a
sentença.

“O sistema judiciário brasileiro admite que o juiz que investigou, que mandou gravar telefonema
do seu alvo, ser o mesmo que julgou o caso. O Comitê de Direitos Humanos já entendeu que não é
possível o juiz que investiga ser o juiz que irá julgar”, explicou.
Em seguida, acrescentou: “Infelizmente o Brasil tem um sistema jurídico primitivo, da época da
Revolução Espanhola, depois importado por Portugal e trazido para o Brasil“.
Nas críticas à atuação do juiz de primeira instância e aos membros da Procuradoria da
República, foi além:

“Foi um comportamento fora do padrão quando demonizaram Lula e seus


familiares. Sergio Moro liberou para a imprensa gravações de conversas
telefônicas da família e até mesmo da presidente Dilma Rousseff. Na Europa,
juiz que fizesse isso, não permaneceria no cargo“.
Como de hábito, na sessão de julgamento, o procurador fica à esquerda do magistrado, em
posição diferenciada da defesa. (Foto: TRF-4)
Tratamento diferenciado ao MP – Em seguida, concluiu: “Lula não teve um julgamento justo
por parte do juiz Sérgio Moro“.
Também estranhou o tratamento diferenciado que o Judiciário brasileiro dispensa ao Ministério
Público. Internacionalmente, promotores e procuradores atuam em posição de igualdade com
advogados, tal como se costuma ver em séries e filmes.

No Brasil a diferença começa no local destinado aos seus membros na sala de audiências e
julgamento – ao lado do magistrado, em um tablado que o deixa em uma posição fisicamente
mais alta que advogados e réus -, e chega às pequenas “mordomias” que recebem: as mesmas
que os magistrados.

“Me impressionou a posição do promotor. Fica ao lado dos juízes, almoça com eles, toma cafezinho
nas melhores xícaras, como os juízes. Para mim, foi um choque,”
Aos advogados o café é servido em copos plásticos descartáveis.

Não é um jogo justo – Ele estranhou ainda que os desembargadores, na sessão de julgamento,
apesar de ouvirem argumentos do Ministério Público (meia hora) e dos advogados de defesa
(quinze minutos cada), já chegam com os votos prontos. Uma demonstração de que pouco vale
os argumentos defendidos oralmente:
“Também me impressionou que os juízes já tinham escrito seus votos antes de
ouvirem os argumentos da defesa. Isso não é um jogo justo”.
De tudo o que viu e ouviu – ele teve direito a uma tradução simultânea do julgamento – levou do
Brasil a certeza de que o julgamento não foi “justo” e a sentença indevida:

“O fato de ser um ex-presidente não lhe dá imunidade, mas ele tem direito a julgamento
com justeza. Não há nenhuma evidência de que Lula fez alguma coisa a partir dessas
ofertas da OAS. Precisamos lembrar quem em 2009/2010, Lula estava em um
tratamento contra o câncer, fazendo quimioterapia, não estava preocupado com
questões comerciais imobiliárias. Visitou o apartamento uma única vez e, segundo
testemunhos, jamais viveu naquele apartamento. A sentença condenando a 12 anos é
gravíssima, muito severa. Não há evidências de que ele fez algo para isso“.

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