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Os limites da cognição política,

um dos conceitos mais


elegantes da filosofia
06/11/2017 02h00

Ricardo Cammarota/Folhapress

Tempos ruins. Grande parte da "nova direita", infelizmente, deu pra imitar
a direita "cultural" americana e está indo para a guerra cultural,
combatendo exposições de arte que "uma multidão de dez pessoas"
frequenta. Nesse caso, a nova direita segue de perto a "new left", também
americana, obcecada também, como a nova direita, por sexo, penetração,
crianças gozando, bebês trans, boquetes em público, sexo anal no jardim,
enfim, tudo isso que inteligentinhos dizem ser uma "construção social".

Uma das tragédias da discussão política hoje é que grande parte da


inteligência pública é parte da histeria. A verdade é que a "inteligência"
política está sempre aquém da política. O que isso quer dizer? Isso quer
dizer que, na política, como em tudo mais, não temos capacidade cognitiva
pra armazenar e processar tanta informação ou dados.

Com isso não quero me colocar ao lado daqueles que, quando ouvem a
palavra "algoritmoooooo", têm orgasmos múltiplos. Nem daqueles que
pensam que a política será resolvida pela "Singularity University" porque
geladeiras conversarão com fogões num mundo ideal. Nem daqueles que
sonham com um algoritmo como líder máximo.

Um dos conceitos em filosofia política ou ciências políticas que mais me


parece elegante é o de "cognição política". "Elegância" em filosofia (ou
epistemologia, para os que estão mais habituados com o repertório
filosófico) significa (de forma grosseira, mas correta), segundo Guilherme
de Ockham (1285-1347), seu criador, "dizer muito sobre a realidade do
mundo, de modo preciso e da forma mais curta possível". Quanto mais
uma teoria ou conceito é simples na expressão e amplo na compreensão
dos fenômenos, mais elegante ele é. Esta é a "navalha de Ockham".

A verdade é que não temos capacidade de lidar com o montante de dados


que a política produz, logo, humildade, e não utopia, é a melhor atitude
epistemológica aqui -e não apenas ética ou política.

Epistemologia é a parte da filosofia que estuda o conhecimento, logo, a


cognição e seus modos de organização. Dizer que temos limites cognitivos
pra entender a política significa dizer que nossa capacidade de armazenar e
processar dados políticos está aquém da quantidade de dados que a
realidade política produz. Dito de forma simples: nunca sabemos ao certo o
que está acontecendo na política, tampouco os políticos.

Esse fato não implica a inviabilidade da política como saber ou prática,


mas implica visões distintas da política, sua ciência e sua prática. Outro
fator complicador é que a política se mistura com moral, psicologia e
psicopatologias diversas, neurociências, sociologia, religião, marketing,
mentiras banais, vaidades, economia, sexo. Enfim, uma infinidade de
realidades que tornam impossível uma ideia clara e distinta sobre elas e
suas relações.

Mas calma! Não entre em pânico por conta dessa neurose de "engenharia
das coisas" que nos afeta, pior do que tesão pela "internet das coisas".
Dizer que nossa capacidade de cognição política não suporta tantos
fenômenos não quer dizer incapacidade total, quer dizer cuidado com
visões de mundo que implicam uma crença numa percepção perfeita da
política e dos homens. Proponho que você leia "Conflito de Visões", de
Thomas Sowell, publicado entre nós pela É Realizações.

Crer na capacidade plena de nossa cognição política é ter uma "visão


irrestrita" do homem (nos termos de Sowell), é crer em sua perfectibilidade
infinita via engenharia social e política. É crer na política como esfera de
soluções para problemas claramente compreendidos. Uma mistura de
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) com René Descartes (1596-1650). É
crer em nossa capacidade irrestrita de ação racional no mundo.

Uma "visão restrita" do homem é crer que sua cognição é limitada e que
tudo que podemos fazer são "trade-offs" (negociar) com os problemas que
conhecemos "mais ou menos". É uma mistura de David Hume (1711-1776)
com Adam Smith (1723-1790).

Se você for um cético como eu, deverá preferir David Hume e Adam Smith
aos delírios do andarilho solitário Rousseau.

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