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Noções de Estilística

Estilística é o estudo da expressividade da linguagem, do modo como se constrói


expressivamente o sentido nos textos, dando aos enunciados uma forma específica, que
revela as intenções de quem o enuncia.
Assim, a estilística irá se valer dos recursos linguísticos disponíveis, explorando
intensamente sua capacidade conotativa, ressignificando seu sentido, representando os
variados modos de expressar uma mesma ideia ou conceito e, assim, conferindo
especificidade ao discurso, dando-lhe um estilo.
Os recursos estilísticos representam mudanças sintáticas, semânticas, fônicas,
rítmicas, dentre outras, que “amplificam o sentido da frase, fazem do ‘modo de dizer’ a
pedra de toque de todo o processo de interpretação e compreensão de um texto”.
(AZEREDO, p. 483).

As figuras de linguagem
São recursos ligados à semântica do texto, que auxiliam no processo de construção
do sentido da mensagem dos enunciados. Depreende-se, no contexto linguístico e
situacional, a funcionalidade estilística das figuras de linguagem nas formas simbólicas
de exprimir ideias, dando maior expressividade e afetividade ao enunciado.
São classificadas da seguinte maneira:
1. Figuras de palavras
2. Figuras de pensamento
3. Figuras de construção (ou de sintaxe)
4. Figuras fônicas (ou de harmonia)

1. Figuras de palavras: ligadas à significação, essas figuras desviam as palavras do


sentido natural conferido a elas.
a) Metáfora: trata-se de uma nova assimilação de sentido de uma palavra, através da
aproximação de campos semânticos distintos, por meio de uma comparação implícita.
Ex.: “Seus olhos são espelhos d´água” (Patrícia Marx)
“Lua de São Jorge/ lua soberana / nobre porcelana” (Caetano Veloso)
“OS BURACOS DO ACORDO. Como a Academia Brasileira de Letras preencheu
as lacunas e contradições da nova lei ortográfica” (Revista Língua Portuguesa)
b) Metonímia: é a substituição de um elemento por outro que lhe é associado de alguma
forma. A significação se dá pela aproximação de ideias, pela contiguidade.
As associações podem ser:
Todo pela parte: O Brasil vai às urnas para escolher seu novo presidente.
A parte pelo todo: Procuravam um cantinho onde pudessem passar a noite.
“Raspe dos teus dedos minhas digitais” (Isabela Taviani)
Obs.: Essas associações também são denominadas “sinédoque”.

O continente pelo conteúdo: Bebeu duas garrafas de água.


A causa pelo efeito: “Uma velha que trazia a fome nos ombros e nos olhos / E trazia a
seca no ventre e no seio.” (Joaquim Cardozo)
O efeito pela causa: “ De repente do riso fez-se o pranto.” (Vinícius de Moraes)
O autor pela obra: “Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu”(Chico Buarque)
A marca pelo produto: Depois de algumas Antárticas, Andrezinho decidiu não dirigir
seu velho Fusca.
c) Catacrese: é considerada a metáfora já incorporada à língua, por falta de um
vocábulo na linguagem corrente que expresse melhor um determinado significado.
Ex.: Batata da perna
Cabeça do alfinete
Céu da boca
d) Antonomásia: é considerada uma variedade da metonímia, em que ocorre a
substituição do nome de um ser pelo de sua qualidade.
Ex: O Poeta dos Escravos deveria ser lembrado nos momentos de luta.

2. Figuras de pensamento: representam a relação entre o entendimento da mensagem


na realidade do enunciado e na realidade extratextual.
a) Símile: é a comparação entre conceitos aparentemente sem correspondência, que se
aproximam pela assimilação imagística.
Ex.: “Que a saudade dói como um barco / Que aos poucos descreve um arco / E evita
atracar no cais.” (Chico Buarque)
“Eu faço versos como quem chora / De desalento... de desencanto...” (Manuel
Bandeira)
b) Prosopopéia: consiste em fazer seres inanimados participarem da enunciação,
dando-lhes características humanas e vontade própria.
Ex.: “Então, tu tome tento do meu coração / não deixe ele vir na solidão/ encabulado
por voltar a sós” (Maria Gadú)
Balançando ao vento, as copas das árvores me acenavam de longe.
“O destino é que compôs / Esse drama de ribalta”. (Roberto Ribeiro).
c) Antítese: é a relação entre duas ideias que expressam conteúdos opostos, por meio de
palavras, sintagmas, enunciados.
Ex.: “Tira o seu sorriso do caminho / que eu quero passar com a minha dor...” (Nelson
Cavaquinho)
“ Quando mentir for preciso, poder falar a verdade.” (Maria Gadú)
d) Paradoxo: é a fusão de ideias contraditórias, de modo a produzir um enunciado
logicamente impossível, expressando a falsidade do seu próprio conteúdo.
Ex.: “Quem acha vive se perdendo.” (Noel Rosa)
“Sai de si / Vem curar teu mal.” (Maria Gadú)
“Há filosofia bastante em não pensar em nada.” (Fernando Pessoa)
e) Eufemismo: é uma forma de amenizar uma mensagem desagradável, atenuando por
meio de expressões amenas.
Ex.: “Quando em meu peito rebentar-se a fibra / Que o espírito enlaça à dor vivente, /
Não derramem por mim nenhuma lágrima / Em pálpebra demente.” (Álvares de
Azevedo)
O Senador foi acusado de desvio de verbas.
f) Hipérbole: é o emprego de uma expressão exagerada, dando relevo a uma
determinada afirmação.
Ex.: Eram rios de sangue dos heróis da guerra.
“Eu quero beijos intermináveis até que os lábios mudem de cor” (Vanessa da Mata)

g) Ironia: consiste em trazer sentido oposto àquilo que se está enunciando.


Ex.: “Deus lhe pague / Pelo prazer de chorar e pelo estamos aí / Pela piada no bar e o
futebol pra aplaudir / Um crime pra comentar e o samba pra distrair / Pela cachaça, de
graça, que a gente tem que engolir / Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir /
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair.” (Chico Buarque)
h) Gradação: é a sucessão de palavras que formam uma relação semântica de
progressividade.
Ex.: “ Não podia acabar de crer que essa figura esquálida, essa barba pintada de
branco, esse maltrapilho avelhentado, toda essa ruína fosse o Quincas Borba.”
(Machado de Assis).
“ Oh não aguardes, que a madura idade, / Te converta essa flor, essa beleza, / Em
terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.” ( Gregório de Matos)
i) Sinestesia: é a associação de sensações diferentes.
Ex.: “O silêncio fresco desfolha das árvores.” (Carlos Drummond de Andrade)
Senti um cheiro doce no ar.

3. Figuras de construção ou de sintaxe: nestas figuras, ocorre um desvio na


organização sintática da frase, o que confere especial singularidade e expressão ao
enunciado.
a) Hipérbato: é a construção atípica de um enunciado pela alteração da ordem sintática
natural.
Ex.: “Sobre a cabeça os aviões / sob os meus pés os caminhões / aponta contra os
chapadões meu nariz” (Caetano Veloso)
Tocava a banda uma música ensurdecedora.
b) Anástrofe: consiste no deslocamento de um termo para uma posição não usual.
Ex.: “De tudo, ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto[...].”
(Vinícius de Moraes).
“ Amo do nauta o doloroso grito[...].” (Fagundes Varela)
c) Pleonasmo: é a repetição de um termo da oração, causando redundância no
enunciado.
Ex.: “Vi claramente visto o lume vivo” (Camões)
“Ó mar salgado, quanto de teu sal são lágrimas de Portugal.” (Fernando Pessoa)
“Tuas palavras antigas / deixei-as todas, deixei-as, / junto com as minhas cantigas,
desenhadas nas areias.” (Cecília Meireles)
d) Anacoluto: é a ruptura da estrutura gramatical pela introdução de um termo, que fica
deslocado e sem função sintática.
Ex.: Aquelas terras, ninguém conseguia pôr os pés nelas.
e) Elipse: omissão de um termo subentendido na enunciação linguística.
Ex.: “No mar, (há)tanta tormenta e tanto dano” (Camões)
f) Zeugma: é a omissão de um termo anteriormente citado
Ex.: “Brindo à casa, brindo à vida, meus amores, minha família” (O Rappa)
g) Assíndeto: ausência de conectivo (normalmente aditivo) numa sequência de
palavras.
Ex.: "Soltei a pena, Moisés dobrou o jornal, Pimentel roeu as unhas.” (Graciliano
Ramos)
h) Polissíndeto: repetição de conectivo numa cadeia de palavras.
Ex.: "Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre, vacila e grita, luta e ensanguenta, e rola, e
tomba, e se espedaça, e morre." (Olavo Bilac)
i) Anáfora: repetição de palavra no início de frases e versos.
Ex.: "Se você gritasse / Se você gemesse, / Se você tocasse a valsa vienense / Se você
dormisse, / Se você cansasse, / Se você morresse... / Mas você não morre, / Você é duro
José!" (Carlos Drummond de Andrade)
j) Hipálage: consiste na relação de um termo com outro que não seria seu complemento
correspondente, por uma transferência de significado.
Ex.: “Mas isso ainda diz pouco: / se ao menos mais cinco havia / com o nome de
Severino / vivendo na mesma serra / magra e ossuda em que eu vivia.” (João Cabral de
Melo Neto)
k) Enálage: consiste em atribuir a um verbo um tempo diferente do que seria típico para
determinado enunciado.
Ex.: “Se entrega a carta, não teria remorso.” (Machado de Assis)
l) Silepse: é a concordância ideológica, não gramatical entre os termos do enunciado.
Ex.: A grande e concorrida São Paulo. / Vossa excelência está cansado. (silepse de
gênero)
A multidão assistia satisfeita, aplaudiam e acreditavam. (silepse de número)
“Brasileiros e latino-americanos fazemos constantemente a experiência do caráter
postiço, inautêntico, imitado da vida cultural que levamos.”(Roberto Schwarz) (silepse
de pessoa)

4. Figuras fônicas ou de harmonia: explora o potencial expressivo dos fonemas,


manipulando a camada sonora da linguagem.
a) Aliteração: repetição de fonemas consonantais.
Ex.: “Esperando, parada, pregada na pedra do porto, / Com seu único velho vestido cada
dia mais curto.” (Chico Buarque)
b) Assonância: repetição sistemática de vogal tônica ou sílabas idênticas.
Ex.: “Dei pra maldizer o nosso lar / Pra sujar teu nome, te humilhar / E me vingar a
qualquer preço / Te adorando pelo avesso / Pra mostrar que inda sou tua / Só pra provar
que inda sou tua…” (Chico Buarque)
c) Paronomásia: consiste no emprego de vocábulos parônimos, ou seja, de termos com
grafia e pronúncia bem semelhantes e significados distintos.
Esta figura é amplamente utilizada para fazer “trocadilhos” propositais e construir
ironias, dando grande expressividade e subjetividade ao discurso.
Ex.: “Na terra da imprevidência, em que só se tomam providências depois da porta
arrombada...” (Zuenir Ventura)
“ Os magnetes atraem o ferro; os magnatas o ouro.” (Pe. Antonio Vieira)

d) Onomatopeia: reprodução na escrita do som do que está sendo representado no


enunciado.
Ex.: Sino de Belém, como soa bem! / Sino de Belém bate bem-bem-bem. (Manuel
Bandeira)

Exercícios
1. No segundo quadrinho da tira abaixo, temos uma relação de sentido que se
estabelece através de uma figura de linguagem. Identifique esse recurso e
explique que sentido pode ser depreendido a partir dele.
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2. Observe a letra da música abaixo.


Explode Coração (Luiz Gonzaga Jr.)
Chega de tentar
Dissimular
E disfarçar
E esconder
O que não da
mais pra ocultar
E eu não posso
mais calar
já que o brilho
desse olhar foi
traidor e
Entregou o que
você tentou
conter
O que você não
quis desabafar e
me cortou

Chega de temer,
chorar, sofrer
Sorrir, se dar
E se perder
E se achar
E tudo aquilo
que e viver,
Eu quero mais e
me abrir
E que essa vida
entre assim
Como se fosse o
sol
Desvirginando a
madrugada
Quero sentir a
dor dessa
manha

Nascendo
Rompendo
Rasgando
E tomando meu
corpo e então eu
Chorando
Sofrendo
Gostando
Adorando
Gritando
Feito louco,
alucinado e
crianca
Sentindo o meu
amor se
derramando
não da mais pra
segurar
Explode
coração
Selecione três exemplos de figuras de linguagem e explique seu efeito estilístico.
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3. Identifique as figuras de linguagem nos trechos abaixo.


a) “Onde queres revólver sou coqueiro
E onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo
E onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada falta
E onde voas bem alto eu sou o chão
E onde pisas o chão minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão.” (Caetano Veloso “O quereres”)
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b) “Queria gritar setecentas mil vezes
Como são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais” (Caetano Veloso “Podres poderes”)
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c) ”Há quem diga que a vida da gente é um nada no mundo
É uma ponta, é um tempo que nem dá um segundo
Há quem fale que é um divino mistério profundo
É o sopro do criador, numa atitude repleta de amor.” (Luiz Gonzaga)
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d) “Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.” (Machado de Assis, “A Carolina”)
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4. (ACAFE-SC) Relacione as colunas:
(a) Morri de medo. ( ) Eufemismo
(b) O fruto amarelo mergulhou no rio ( ) Hipérbole
(c) Você ontem faltou com a verdade ( ) Prosopopéia

5. (FGV) Identifique os recursos estilísticos empregados no texto:


“Nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos, os modernos” (Machado de Assis)

a) Anáfora – antítese – silepse


b) Metáfora – antítese – elipse
c) Anástrofe – antítese – zeugma
d) Pleonasmo – antítese – silepse
e) Anástrofe – comparação – parábola

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