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O Deus Da Maquina PDF
O Deus Da Maquina PDF
Isabel
Paterson
O DEUS DA MÁQUINA
Isabel Paterson
O DEUS DA MÁQUINA
1943
Título original: The God of the Machine
Tradução: Marcelo Centenaro
D esejo reconhecer uma inestimável dívida para com o Professor
Thomas T. Read, E.M., Ph.D., por seus comentários críticos
precisos e fundamentados sobre o manuscrito deste livro, que
foram extremamente úteis para tornar mais clara a apresentação do tema.
Isso não implica que o Professor Read necessariamente concorde com
todas ou com alguma das idéias e conclusões expressas, pelas quais a
autora é responsável.
Isabel Paterson.
Sumário
Prefácio ............................................................................................. 3
I. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico ............................................. 7
II. O Poder das Idéias ....................................................................... 17
III. Roma Descobre a Estrutura Política ............................................ 25
IV. Roma como uma Demonstração da Natureza do Governo ........... 37
V. A Sociedade de Status e a Sociedade de Contrato......................... 41
VI. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo .................................... 51
VII. O Nobre Selvagem ..................................................................... 61
VIII. A Falácia do Anarquismo .......................................................... 69
IX. A Função do Governo .................................................................. 79
X. A Economia da Sociedade Livre .................................................... 91
XI. O Significado da Magna Carta ...................................................103
XII. A Estrutura dos Estados Unidos .................................................113
XIII. Escravidão, o Defeito na Estrutura ...........................................127
XIV. A Virgem e o Dínamo ...............................................................135
XV. As Emendas Fatais ....................................................................149
XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status .....................................157
XVII. A Ficção da Propriedade Pública .............................................169
XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável....................................189
XIX. Crédito e Depressões ...............................................................205
XX. O Humanitário com a Guilhotina ..............................................219
XXI. Nosso Sistema Educacional Niponizado ....................................233
XXII. O Circuito de Energia em Tempos de Guerra............................243
XXIII. A Economia Dinâmica do Futuro ............................................259
Sobre a autora ...............................................................................271
Obras de Isabel Paterson ................................................................273
Prefácio
Para Isabel, são três as idéias sobre as quais foi construída a civilização
ocidental: a ciência dos gregos, a lei dos romanos e a individualidade dos
cristãos.
-3-
criou um ambiente de confiança e estabilidade que fez com que Roma
perdurasse por tantos e tantos séculos e dominasse o mundo.
-4-
importantes. Existem coisas que precisam ser proibidas. Para poder
impor essas proibições, o governo evidentemente precisa de recursos.
Mas, um governo não tem capacidade ou poder para criar alguma coisa.
Quem cria qualquer coisa são os indivíduos. O governo pode estabelecer
proibições e tomar dinheiro dos cidadãos, por meio de impostos, para se
desempenhar suas atividades. Sempre que faz isso, a sociedade fica
menor, menos livre e menos produtiva.
-5-
desastrosa e imoral solução de compromisso, que manteve essa
instituição abominável no sistema que estavam criando. As
conseqüências disso foram uma instabilidade crescente na nação, que
resultou na Guerra Civil. A Guerra ensejou emendas à Constituição que
desfiguraram parte do projeto. A Emenda 14 faz uma referência confusa
a “poderes implícitos”, que causa discussões judiciais perigosas até hoje.
A Emenda 15 cancelou a soberania dos Estados, ao impedi-los de
determinar as qualificações dos seus eleitores. A Emenda 17 criou uma
nova distorção do projeto original, ao tirar a eleição dos senadores das
legislaturas estaduais e passá-la para o voto popular. Os senadores
deveriam ser representantes dos Estados, enquanto os deputados seriam
os representantes do povo. Da maneira como ficou, os Estados perderam
essa representação.
Marcelo Centenaro
27 de setembro de 2014
-6-
I. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
Agora, o que é curioso sobre este aspecto da aventura de Pítias é que ele
não foi de modo algum o primeiro homem civilizado a atravessar o
lendário portal do Atlântico. Pelo contrário, essa era uma rota comercial
de navios mercantes fenícios desde tempos imemoriais. Estanho da
Cornualha e peles e âmbar do Báltico estavam entre as principais cargas
entregues aos mercados do leste, para o lucro de Cartago, cuja riqueza
provinha de sua posição de intermediária.
Que tipo de povo eram esses fenícios, aprendemos das Escrituras, com
outro nome. Foi um fenício, Hirão, rei de Tiro, que enviou seus
auxiliares a Salomão quando este subiu ao trono e obteve a incumbência
de construir o palácio de Salomão e, depois, o Templo. Hirão forneceu
os materiais, transporte e trabalhadores especializados numa estrutura
pré-fabricada; troncos de cedro cortados sob medida no Líbano foram
levados a Israel e envolvidos em pedras numa pedreira. Ornamentos
-7-
Isabel Paterson O Deus da Máquina
1
Reis I, 6:7 (N. do T.)
2
Reis I, 5:11 (N. do T.)
3
Reis I, 9:11 (N. do T.)
4
Juízes, 5:20 (N. do T.)
-8-
I. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
5
LAST, Hugh. Cambridge Ancient History: The Early Republic. Macmillan. (N. da A.)
-9-
Isabel Paterson O Deus da Máquina
6
FRANK, Tenney. Cambridge Ancient History: The First Punic War. Macmillan. (N. da
A.)
- 10 -
I. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
7
Em 255 AC, uma frota romana recém-construída derrotou a principal frota púnica
“com facilidade”, mas, na viagem de volta para casa, encontrou uma tempestade
perto da Sicília. De 364 navios, apenas 80 se salvaram. Calcula-se que mais de 90.000
pessoas pereceram, na maior parte homens livres; um desastre maior que a perda da
Invencível Armada pela Espanha. Foi a mais terrível calamidade marítima conhecida
até então e esse recorde se mantém até hoje. (N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Com relação a bases navais, Roma começou sem nenhuma. Cartago foi a
primeira grande nação a ocupar Gibraltar, o que certamente era a chave
para o futuro naquele tempo. Obviamente, seria fácil adquirir essa
posição de seus habitantes primitivos. Mas, desde então, Gibraltar
pertenceu a um império após outro. Sendo a fortaleza pronta para
defender a Península Ibérica, voltou ao domínio da Espanha em seu
breve período de glória. O enigma é que foi finalmente perdida para a
Inglaterra, e isso somente ocorreu depois que a Inglaterra reduziu a
Espanha a um papel secundário por meio de operações navais. A derrota
da Invencível Armada é normalmente explicada como resultado de
gerenciamento inadequado, equipamento ruim e, sobretudo, mau tempo.
Mas é difícil de acreditar que faltassem marinheiros à Espanha, da raça
que conquistou todo o oceano ocidental e quase conseguiu mantê-lo. A
frota inglesa era improvisada, em grande parte composta de piratas;
havia falta de provisões e de pólvora. Finalmente, quando a Armada foi
dispersa e destruída, os navios ingleses não estavam em doca seca;
tiveram de resistir à mesma tempestade. A Espanha sem dúvida teve
poder naval, enquanto ele durou. A menos que se concorde com o
absurdo de que o poder naval não consiste em navios, marinheiros,
portos e oportunidade comercial, ou seja, todos os seus atributos
tangíveis, o fato é que o poder naval fracassou.
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I. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
Sem dúvida, estas são versões românticas, se não forem puro mito. O
que expressam é a tradição, com uma origem real por trás. A descrição,
maquiando inclusive uma cruel fundação na escravidão, se adequa
igualmente à cultura agrária defendida pela Confederação Sulista.10
Infelizmente, essas são precisamente as razões aduzidas para indicar
porque o Sul não teve chance, em nossa Guerra Civil, contra o Norte
mecanizado e mercantil, reforçado por suas empresas de navegação.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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I. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
11
STEFANSSON, Vilhjalmur. Ultima Thule. Macmillan. (N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Pítias abriu o caminho, por onde os fenícios, com toda sua astúcia e
audácia e suas prioridades factuais, não o fizeram; porque era dotado da
rara combinação de curiosidade desinteressada, intelecto especulativo e
empreendedorismo ativo, qualidades que o impeliram a escorregar por
uma barreira oficial de extremo rigor para experimentar os riscos do
desconhecido. Pítias figura entre os descobridores notáveis, um modelo
de mente aberta. Ele não podia saber que estava olhando para a América.
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II. O Poder das Idéias
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
político grego era análogo a tudo isso, como é de se esperar num lugar
em que a lógica suplantou a tradição e, mesmo assim, não encontrou um
princípio. A democracia é puro processo, consistindo em uma série de
expedientes pragmáticos, aos quais se chegava pelo voto da maioria,
pelo veredito dos números. Seus resultados são aleatórios e não há
continuidade, exceto nas pessoas envolvidas. Na verdade, funciona pela
força do costume e é, portanto, irrealizável exceto com uma pequena
comunidade de uma cultura completamente homogênea. Mesmo assim,
pelo hábito grego de pensamento, que era a livre investigação, o costume
já estava desacreditado. A democracia inevitavelmente descamba em
tirania; mas enquanto está instável, pode deixar temporariamente uma
larga margem de conduta e pensamento não regulados. Não se presume
que seja assim por direito; isso ocorre porque o poder do todo (o povo) é
teoricamente um poder plenário indiferenciado em suas partes ou
agências. O que é problema de todos não é problema de ninguém. O
poder pleno só pode ser exercido em uma economia fechada, como a que
havia em Esparta, onde realmente não havia nenhuma margem para
nada. Os atenienses, estando abertos ao comércio, por algum tempo
tomaram a liberdade de pensar. O comércio e as viagens permitiram que
fizessem observações comparativas; eram ávidos por ouvir coisas novas.
A idéia que desenvolveram, tomada por si mesma, corroeu as
instituições que possuíam; agravou o perigo em que estavam ao
enfraquecer o tecido social. Ainda assim, eles a formularam
corajosamente; e foi sua contribuição para o futuro. Pítias a encarnou. Os
gregos tiveram a idéia da ciência.
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II. O Poder das Idéias
Ainda assim, essa negação extraordinária pode ter tido alguma utilidade
naquelas circunstâncias, ao enfatizar o valor intrínseco do pensamento. E
é verdade que, quando os homens ficam absorvidos em dispositivos
práticos, correm o risco de estreitar seu campo de visão e perder de vista
a interconexão entre os vários ramos do conhecimento. Mais que isso,
como é o caso em questão, irão até se esquecer dos princípios mais
amplos que aplicaram e dos quais depende seu bem-estar.
Mas a implicação que os gregos deixaram de lado era, no fim das contas,
inescapável. A ciência é o governo da razão. Em vez de se resignar ao
destino inexorável do cego acaso, poderia ser possível, discernindo-se as
causas dos eventos, ordená-los segundo a vontade e realizar o que os
homens desejam. Uma abstração moverá uma montanha; nada pode
resistir a uma idéia. Os gregos encontraram a alavanca.
1
Daniel, 6:8 (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
2
A familiaridade com a função do dinheiro permitiu a Roma governar um império no
devido tempo. Diz-se que os espartanos, não sendo acostumados ao dinheiro, eram
rapidamente pervertidos quando abandonavam sua modesta economia de
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II. O Poder das Idéias
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II. O Poder das Idéias
Mas o golpe inigualado de gênio político foi que o estado romano previa
não apenas o adiamento, mas o impasse concreto. O poder dos plebeus,
por meio de seus tribunos, era de obstrução manifesta. Os tribunos da
4
Uma monarquia constitucional hereditária só é possível como um desenvolvimento a
partir do verdadeiro feudalismo. A condição necessária é a sobrevivência de uma
aristocracia fundiária com herança inalienável. Quando isso desaparece, a monarquia
afunda em seguida. (N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
5
JACKSON, H. Stuart. Cambridge Ancient History: The Primitive Institutions of Rome.
Macmillan. (N. da A.)
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III. Roma Descobre a Estrutura Política
Por ocasião de uma revolta popular, o Apóstolo Paulo foi preso por
guardas romanos. Quando estava para ser açoitado, “Paulo disse ao
centurião que ali estava: ‘É correto açoitar um cidadão romano sem que
ele tenha sido condenado?’”1 (Escravos eram açoitados quando
depunham como meras testemunhas; e, aparentemente, esse
procedimento era admissível, da mesma maneira, com estrangeiros.) O
centurião informou imediatamente seu superior sobre o protesto de
Paulo. “Então, o comandante dirigiu-se a Paulo e perguntou: ‘Diga-me,
você é cidadão romano?’ Ele respondeu: ‘Sim, sou’. Então o comandante
disse: ‘Eu precisei pagar um elevado preço por minha cidadania’.
Respondeu Paulo: ‘Mas eu nasci livre.’ […] E o próprio comandante
1
Atos dos Apóstolos, 22:25. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
ficou com medo.”2 Uma vez que Paulo estava em perigo por causa de
opositores fanáticos, recebeu proteção e foi depois levado diante do
governador Pórcio Festo. Seus inimigos então tentaram, por influências,
conseguir uma condenação sumária ou que Paulo fosse entregue a eles.
Festo disse “Não é costume dos romanos entregar um homem à morte,
sem que seus acusadores estejam presentes e ele possa se defender da
acusação.”3 Foi apresentada uma acusação de sedição, mas não foi
possível acrescentar mais nada que a lei romana definisse como esse
crime. O caso era exatamente do tipo mais desagradável para uma
autoridade romana num posto provincial; mas as razões que o faziam
desagradável ao governador eram precisamente aquelas que tornavam
impossível evitá-lo ou tratá-lo arbitrariamente. Aparentemente, Festo
tentou convencer Paulo, como judeu, a se submeter à jurisdição local sob
a lei judaica. Evidentemente, o tribunal judeu não poderia julgar Paulo
por sedição; mas alguma outra acusação poderia ter sido feita, dentro de
sua competência legal, que não precisava ser assunto do governador
romano. Presumivelmente, se não encontrasse uma acusação válida,
Festo poderia simplesmente absolver o prisioneiro. Mas então, se Paulo
fosse preso pelas autoridades locais sob outra acusação, poderia exigir
ser julgado pela lei romana da mesma forma; e Festo teria o caso de
volta a suas mãos, certamente com complicações novas. Ou, se Paulo
fosse tirado do caminho clandestinamente, Festo seria suspeito de
conivência com uma perturbação política local em que um cidadão
romano foi sacrificado.
2
Atos dos Apóstolos, 22:27-29. (N. do T.)
3
Atos dos Apóstolos, 25:16. (N. do T.)
4
Atos dos Apóstolos, 25:11-12. (N. do T.)
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III. Roma Descobre a Estrutura Política
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
5
Cantaria: técnica de construção que consiste em sobrepor fileiras de pedras cortadas
que se encaixam. (N. do T.)
6
Arcobotante: construção em forma de meio arco, erguida na parte exterior dos
edifícios românicos e góticos, para apoiar as paredes e repartir o peso. Com ele foi
possível aumentar as alturas das edificações. (N. do T.)
7
Pedra angular: pedra central de um arco. Segura todas as outras pedras no lugar e,
se for removida, o arco desmorona. (N. do T.)
8
Polia móvel: Dispositivo que facilita a tarefa de levantar um objeto pesado. A cada
polia móvel colocada no sistema, a força necessária para erguer a carga é dividida por
dois. (N. do T.)
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III. Roma Descobre a Estrutura Política
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9
Junta cardã: junção de acoplamento de um eixo que transfere o movimento em
outra direção sem modificar o sentido de giro. O nome vem do matemático italiano
Girolamo Cardano, que foi o primeiro a sugerir o seu uso para transmitir potência
motora, em 1545. (N. do T.)
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III. Roma Descobre a Estrutura Política
10
Os romanos do Império mantiveram por séculos uma vaga esperança de restaurar a
República. (N. da A.)
11
Mastro-de-emergência: em inglês, jury rig. Termo náutico que significa um mastro
de substituição provisório num veleiro, no caso de perda do mastro original. A
expressão é usada para qualquer conserto improvisado ou artifício temporário, feito
com as ferramentas e materiais que estiverem à mão no momento. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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III. Roma Descobre a Estrutura Política
possível imaginar. Como então pode ser dito que Roma não era um
império militar? Ou como poderia a lei ainda ser respeitada? O
comportamento de Festo indica a resposta. O próprio imperador ficava
numa situação precária em meio às forças que nominalmente
comandava. Se o exército fugisse ao controle, poderia — e algumas
vezes fez mesmo isso — depor ou assassinar um imperador e nomear
outro por aclamação. Além disso, o exército tinha de ser pago com
impostos recolhidos das províncias; enquanto as províncias constituíam
uma ameaça contínua de insurreições separatistas. Mas esta contingência
tornava perigosa a posição dos governadores provinciais. Festo não
ousaria tratar arbitrariamente um humilde cidadão envolvido em um
distúrbio porque poderia ser denunciado ao imperador como
patrocinador de um golpe. Seu emprego estava em jogo e, talvez, sua
vida também; seu dever era manter a província em paz. Da mesma
maneira, o imperador tinha de manter a disciplina de um exército
permanente. As províncias e o exército eram forças “puras” agindo por
freios e contrapesos, que o imperador precisava medir com precisão para
conseguir equilibrá-las. A necessidade de que o imperador fosse
substituível se falhasse é, evidentemente, parte do mecanismo. A prova é
que o intervalo de séculos não estabeleceu o princípio de sucessão
hereditária. Da mesma maneira que Festo tinha menos chance de ter um
julgamento justo que Paulo, o fabricante de tendas, o imperador estava
menos seguro que o menor de seus súditos. Sempre que faltasse
inteligência a um imperador para compreender a realidade de sua
situação, as forças puras se desprendiam e o esmagavam; em outras
palavras, ele era morto. Assassinatos domésticos e políticos eram os
tutores imperiais, instruindo o imperador sobre onde estavam exatamente
os limites de seu poder.
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III. Roma Descobre a Estrutura Política
Figura 1: Cantaria
Figura 2: Arcobotante
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IV. Roma como uma Demonstração da Natureza
do Governo
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IV. Roma como uma Demonstração da Natureza do Governo
“As reformas de Diocleciano, entre 260 e 268 D.C., tornaram ainda mais
pesada a já insuportável carga da cidadania.”1
1
SHOWERMAN, Grant. Rome and the Romans. (N. da A.)
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V. A Sociedade de Status e a Sociedade de
Contrato
O
sentido do passado, que é uma combinação de memórias, não é
uniformemente contínuo. Olhando para trás, há uma quebra onde
o conhecimento em primeira mão se fragmenta em material
secundário de boatos e, num terceiro grau, a crença é extraída do registro
escrito. Esse registro se classifica em duas divisões principais, que se
referem a pessoas muito parecidas conosco e a pessoas que quase
poderiam ser de outra espécie, tendo motivos que se tornaram
indecifráveis ou incompreensíveis para nós. Dessa gente diferente, certas
nações que viveram em eras e lugares muito distantes entre si parecem
ser do mesmo tipo; as rígidas figuras hieráticas dos egípcios, do período
bizantino e dos incas nos parecem semelhantes. A Idade Média é
enigmática, não por ser obscura — já que partes imensas da história
humana sumiram de vista — mas porque ocorreu entre intervalos
luminosos, como se tivesse acontecido enquanto estávamos dormindo.
Esses golfos de tempo não podem ser medidos pelo quadrado da
distância. Encontram-se entre dois conceitos antitéticos de humanidade,
da relação entre o indivíduo e o grupo, dois métodos de associação. A
distinção foi estabelecida claramente por Sir Henry Maine1, com os
nomes de Sociedade de Status e Sociedade de Contrato.
1
Sir Henry James Sumner Maine (1822 – 1888) foi um jurista e historiador inglês. É
famoso por sua tese apresentada no livro Direito Antigo de que o direito e a sociedade
evoluíram “do status para o contrato”. De acordo com essa tese, no mundo antigo os
indivíduos estavam fortemente ligados a grupos tradicionais, pelo status, enquanto no
mundo moderno, no qual os indivíduos são vistos como agentes autônomos, eles são
livres para estabelecer contratos e formar associações com quem quiserem. Por causa
dessa tese, Maine é considerado um dos pais da moderna sociologia do direito. (N. do
T.)
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2
Com essa crença, os cartagineses jogavam crianças pequenas nas fornalhas de
Moloch. (N. da A.)
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V. A Sociedade de Status e a Sociedade de Contrato
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Mas a Igreja usava o tempo sideral. Por causa de seu contexto histórico,
costuma-se considerar que a Igreja era idêntica à sociedade medieval em
sua organização. Não era. Ao contrário, era o elemento “não status” na
Idade Média, sendo essencialmente um sistema de contrato. Talvez isso
não seja percebido imediatamente porque sua forma de contrato era
geralmente indissolúvel; um acordo feito voluntariamente, mas
obrigatório por toda a vida. Entretanto, era um contrato e determinava a
função temporal da Igreja como o canal de energia excedente para a
sociedade secular de status conhecida como feudalismo.
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V. A Sociedade de Status e a Sociedade de Contrato
Num olhar superficial, pode passar despercebido que esse era o mesmo
princípio que havia sido desenvolvido pela República, por meio de uma
agência política definida. Como uma proposição da Física, consiste na
relação entre energia e massa. A propriedade da massa é a inércia. Em
Política, a inércia é o veto. Uma função ou fator só pode ser encontrado
onde está. Nenhum plano ou édito pode estabelecê-lo onde não está. O
tamanho limitado e a conexão direta do mecanismo da República
permitiam que os tribunos da plebe fossem investidos do poder formal
de veto. Quando esse era o único instrumento político específico que os
plebeus tinham, os tribunos da plebe conseguiram sustentá-lo contra o
Senado. Em uma ocasião, os tribunos da plebe “pararam toda a máquina
de governo” por alguns anos, recusando-se a aprovar e assim permitir
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
Magistrado curul: autoridade romana como os edis, pretores, censores, cônsules e
ditadores. (N. do T.)
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V. A Sociedade de Status e a Sociedade de Contrato
4
Experimentos de propriedade coletiva tentados por comunidades dentro de uma
nação de contrato, como os Estados Unidos, não podem ser comparados às condições
de um coletivo genuíno ou sociedade de status. Tais comunidades têm a propriedade
de sua terra por títulos privados, com o que é chamado de sociedade indivisível, mas
que é na verdade individualmente divisível e aberta a processos judiciais por divisão.
Além disso, os membros entram voluntariamente e podem sair sem impedimentos;
embora o grupo só admita candidatos escolhidos e possa expulsar membros; ao passo
que, numa autêntica sociedade coletiva, os membros nascem nela, não são livres para
deixá-la e devem aceitar o lugar que foi determinado que ocupassem ou são
exterminados. (N. da A.)
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V. A Sociedade de Status e a Sociedade de Contrato
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VI. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
A
s idéias vêm antes da realização. Raça é um fato, até o ponto em
que isso existe. Nações e culturas são idéias. A linhagem racial,
que aparentemente preserva uma identidade, só o faz por meio
de uma idéia. Se uma idéia contiver um princípio universal, fará com que
as raças se mesclem; se contradisser uma idéia anteriormente aceita,
dividirá as nações numa discórdia fatal. Cada realização é prenunciada
pela fantasia; cada grande desastre é resultado de falta de adequação, de
erro ou de perversão da inteligência. Uma idéia pode ser concebida
originalmente como mito. A Europa foi um mito antes de se tornar uma
civilização rica e complexa; e é chamada de continente em contradição
com a geografia, porque a divisão entre Europa e Ásia foi criada pela
mente dos homens.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
“O que vocês pensam da sorte terrível que nos levou a nascer nestes tempos? E
o que vocês pensam em fazer? De minha parte, não vejo outro caminho senão
emigrar, abandonar meu lar e ir para qualquer lugar aonde o acaso me
carregue. Faz muito tempo que a ira dos deuses me alertou para fugir —
mostrando-me aquelas terras vastas e abertas além do oceano. Quando, na
virada do século, um novo mundo emergiu das ondas, os deuses — bem
2
Colônia viking na América, estabelecida por Leif Ericsson por volta do ano 1000, onde
hoje é a província canadense de Terra Nova e Labrador. (N. do T.)
3
Étienne de La Boétie (1530 – 1563), jurista e escritor francês, é um dos fundadores
da filosofia política moderna na França. (N. do T.)
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VI. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
4
LOWENTHAL, MARVIN. The Autobiography of Montaigne. (N. da A.)
- 53 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Pode ser estabelecido como axioma que num conflito entre duas nações
ou culturas, se uma delas usa um potencial superior de energia, deve
vencer. O diferencial está na equação espaço-temporal, que compensa
qualquer inferioridade numérica original. Cem homens podem se mover
tão rápido quanto cinqüenta e são, portanto, duas vezes mais efetivos;
mas nenhuma quantidade de homens pode se mover tão rápido como
uma bala e as quantidades são anuladas pela razão inversa de velocidade
e raio de ação.
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VI. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
5
D’ALLONVILE, Charles Auguste (Marquês de Louville). Mémoires secréts sur
l’établissement de la maison de Bourbon en Espagne. (N. do T.)
6
Carta do Duque de Saint-Simon a Michel Chamillart, datada de 23 de agosto de 1703.
(N. do T.)
7
Michel Chamillart (1652 – 1721). Estadista francês, ministro de Luís XIV. Tentou
forçar a circulação de um tipo de papel-moeda, billets de monaie, com resultados
desastrosos. Renunciou em 1707, ao perceber que toda a receita do reino para o ano
seguinte já estava gasta por antecipação.
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VI. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
8
Nicolas Catinat (1637 – 1712), militar francês. (N. do T.)
- 57 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
9
Sir Thomas Gresham (1579 – 1579), mercador e financista inglês, criador da Lei de
Gresham: “Quando um governo sobrevaloriza um tipo de moeda e desvaloriza outro,
a moeda desvalorizada deixará o país ou desaparecerá em reservas escondidas,
enquanto a moeda sobrevalorizada inundará a circulação.” Costuma ser resumida
assim: “A moeda ruim tende a expulsar do mercado a moeda boa.” (N. do T.)
- 58 -
VI. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
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VII. O Nobre Selvagem
A
primeira generalização abstrata feita pelos europeus sobre os
aborígenes americanos foi que as tribos menos civilizadas não
tinham governo.1 A Europa estava tão distante dessa condição
que foi tomada de assombro. O fato deu origem ao mito do Nobre
Selvagem. Hoje, esse conceito parece uma fabricação gratuita, porque
foi traduzido em forma poética e pictórica. O Nobre Selvagem era
originalmente um silogismo, uma construção lógica a partir das
premissas da teoria européia de governo. A autoridade secular residia na
sociedade, que era uma entidade; e os homens nasciam submetidos a ela.
Imaginava-se que, sem governo, a mão de cada homem se levantaria
contra seu próximo e todo tipo de crime seria cometido por todos.
Possivelmente, a memória das invasões bárbaras contribuiu para essa
crença; ao mesmo tempo, a doutrina do pecado original pode ser
interpretada de maneira a confirmá-la. E, uma vez que certamente havia
crimes sendo cometidos em profusão, parecia razoável supor que mais
crimes haveria se os indivíduos tivessem mais liberdade de ação. Como
ou por que uma sociedade composta de indivíduos ávidos por assassinar
restringiria seus membros pela força pode parecer incompreensível,
especialmente quando a Igreja exercia uma autoridade superior à da
organização secular, porque apelava à consciência individual, intervindo
em disputas armadas com prescrições morais. Mas, para explicar essa
inconsistência, apelava-se à missão divina confiada à Igreja. A ordem da
sociedade secular fazia necessário prender os homens a uma dada
localidade e a uma dada classe e, portanto, determinar o que eles deviam
ou não fazer, dizer, escrever ou pensar. Tanto o exílio como a “prisão
preventiva”, encarceramento sem julgamento (como por lettre de
cachet2) são conseqüências extremas dessa teoria.
Assim, foi um choque profundo descobrir que havia menos crime entre
selvagens sem governo que numa sociedade com um governo autoritário
que regulava detalhes da vida dos súditos. Os selvagens praticavam a
maioria das virtudes seculares: coragem, hospitalidade, sinceridade,
1
A palavra governo, como usada aqui, significa uma organização política formal de
pessoas nomeadas com funções definidas e autoridade para impor suas decisões. (N.
da A.)
2
Lettres de cachet eram cartas assinadas pelo Rei da França, contendo ordens diretas,
freqüentemente para impor ações arbitrárias e decisões judiciais contra os quais não
havia apelo. As mais conhecidas são as que condenavam um súdito à prisão,
deportação ou banimento, sem julgamento ou oportunidade de defesa. (N. do T.)
- 61 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
Os teóricos ignoraram os caraíbas, cujas práticas canibais são indescritíveis. E os
apaches ainda não eram conhecidos. As pessoas simplesmente estavam enjoadas de
governo demais. (N. da A.)
- 62 -
VII. O Nobre Selvagem
4
O servo não era livre para passar fome. Ele tinha de passar fome preso e passava
fome com freqüência. Fomes eram recorrentes até em regiões férteis. Os Estados
Unidos são o único país da história onde nunca houve fome desde o surgimento da
nação. (N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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VII. O Nobre Selvagem
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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VII. O Nobre Selvagem
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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VIII. A Falácia do Anarquismo
1
Grupo religioso de origem russa, que surgiu provavelmente no século 18. Eles
rejeitam o governo secular, os sacerdotes ortodoxos russos, os ícones, a liturgia, a
Bíblia como fonte suprema da revelação divina e a divindade de Jesus. Por suas
crenças pacifistas e pelo desejo de evitarem a interferência governamental em suas
vidas, a quase totalidade do grupo emigrou do Império Russo para o Canadá no final
do século XIX. Em 2014, a população estimada de Dukhobors é de 40.000 pessoas no
Canadá e 5.000 nos Estados Unidos. (N. do T.)
2
WRIGHT, J. F. C. Slava Bohu: The story of the Dukhobors. (N. da A.)
- 69 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
Expressão latina que significa “depois disto, portanto em conseqüência disto”.
Falácia lógica que consiste na idéia de que dois eventos que ocorrem em seqüência
cronológica estão necessariamente ligados por uma relação de causa e efeito. (N. do
T.)
- 70 -
VIII. A Falácia do Anarquismo
4
STEFANSSON, Vilhjalmur. My life with the Eskimo. The Macmillan Company, New
York, 1912. (N. do T.)
5
Seattle foi um chefe dos índios Duwamish, também conhecido como Sealth, Seathle,
Seathl e See-ahth. Buscou formas de acomodação entre os índios e os colonos
brancos. A cidade de Seattle, no estado de Washington, tem esse nome em
homenagem a ele. (N. do T.)
- 71 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
custa de sua própria vida, mas os velhos, que ficam em casa em tempos de
guerra, e as mães, que podem perder seus filhos, não se enganam dessa
maneira.”6,7
Poder-se-ia sugerir que pelo menos uma minoria composta pelos mais
fortes poderia comandar pela força os membros mais fracos da tribo;
mas até para tentar isso, seria necessária uma base de concordância
adotada pela junta. A expectativa de pilhagem ou tributo requer um
6
BINNS, Archie. Gateway of the North. (N. da A.)
7
O discurso que Isabel Paterson cita teria ocorrido em 11 de março de 1854, numa
reunião convocada pelo governador Isaac Ingalls Stevens, para discutir a venda de
terra dos nativos para colonos brancos. Seattle falou na língua lushootseed. Alguém
traduziu o que ele disse para a língua chinook e uma terceira pessoa traduziu dessa
língua para o inglês. Trinta e três anos depois, Henry A. Smith publicou esse texto,
observando-se que se tratava de um fragmento do discurso. Pode ser encontrado em
http://www.chiefseattle.com/history/chiefseattle/speech/speech.htm. Não é possível
se saber realmente o que dizia o discurso original. (N. do T.)
- 72 -
VIII. A Falácia do Anarquismo
acordo sobre a divisão do espólio. “Honra entre ladrões” revela que uma
base moral continua sendo indispensável.
Mas a pecuária, mesmo que não seja mais que tanger os animais em
pastos selvagens, envolve uma relação de espaço-tempo entre seres
humanos. Toda propriedade é um direito que se estende no tempo. É
necessário vigiar os animais; eles não podem ser mortos nem o produto
consumido, exceto por seu dono. O fator espaço-tempo é, da mesma
maneira, introduzido pela agricultura primitiva, entre o plantio e a
colheita, impondo um direito sobre lotes de terra e sementes a serem
conservadas. Portanto, os bárbaros concedem poder positivo a seu chefe;
sua palavra tinha de ser imposta, não imediatamente, mas à distância,
enquanto estivesse de acordo com os costumes e os direitos de
propriedade.
- 73 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Uma vez que o princípio eletivo existe na natureza das coisas, sendo a
base da monarquia, sempre que a monarquia se torna opressiva demais, o
princípio eletivo é evocado. O que quer que seja que faz os reis pode
desfazê-los. Na Europa, embora a monarquia feudal fosse o costume
prevalecente por mil anos e tivesse o suporte triplo do costume
consolidado, do comando militar e do padrão da sociedade baseada na
família, ainda assim a pretensão dos reis de governar por direito divino e
exercer o poder absoluto nunca foi admitida em teoria por nenhuma
nação, nem tolerada de fato por muito tempo sem franca rebelião. A
resistência era constante e, como último recurso, a resposta era o
assassinato. E este é uma refutação genuína à transgressão real em seus
8
Quando se argumentou que o bem do reinado exigia que Henrique VIII se desfizesse
de sua rainha e se casasse novamente para gerar um filho que herdasse o trono, um
opositor perguntou: “Quem prometeu a ele um filho?” (N. da A.)
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VIII. A Falácia do Anarquismo
próprios termos, não menos lógico que o regicídio por deliberação legal
que indicia o rei por traição. Em teoria, o nobre (como chefe de família)
era nobre por status, tendo nascido nessa condição; o rei era rei apenas
por contrato, “o primeiro entre seus pares”. O juramento de fidelidade,
renovado para cada rei, é um contrato. O gravame da acusação de traição
contra um rei é que ele ultrapassou sua atribuição ou justa autoridade por
força usurpada. E, em termos de físicos, um homem é aproximadamente
tão forte quanto qualquer outro. Assim, a verdade inicial é novamente
exposta sempre que um cidadão ou súdito é suficientemente resoluto; a
força não pode impor a obediência na ordem social. O que ela pode
provocar é a morte, seja do súdito, seja do rei.
- 75 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
9
Como parte dessa destruição foi de instituições obstrutivas e obsoletas, não se
percebia que ela era aleatória, embora certamente fosse. Milhões de pessoas também
foram destruídas, em pilhas dilaceradas. (N. da A.)
- 76 -
VIII. A Falácia do Anarquismo
10
Em alemão, Führer. Em italiano, duce. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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IX. A Função do Governo
U
ma vez que governo e poder sempre foram mais ou menos
sinônimos, e “política da máquina” é uma expressão popular, é
curioso que a agência política nunca tenha sido rigorosamente
examinada a essa luz, como um problema específico de engenharia.
Quando a energia é usada num mecanismo, o resultado deve estar de
acordo com o tipo de máquina. A fonte da energia pode ser conhecida; a
natureza do mecanismo é facilmente descoberta em sua ação; e é
absurdo esperar qualquer outra ação além daquela da qual as peças
combinadas são capazes. Mesmo que um dispositivo pare
completamente de funcionar ou cause apenas destruição, as leis da
energia e do mecanismo não se alteram nem variam; o defeito está no
aparelho. Mas isso ainda não foi plenamente entendido com relação aos
assuntos humanos, por diversas razões implícitas no desenvolvimento da
inteligência humana.
- 79 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
O ser humano tem uma faculdade para a qual não existe equivalente nos
processos da natureza inanimada. Ele inicia a si mesmo e pode inibir a
si mesmo.
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IX. A Função do Governo
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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IX. A Função do Governo
1
A expedição de Lewis e Clark foi a primeira expedição americana a cruzar o que é
hoje a porção oeste dos Estados Unidos. Foi comissionada pelo presidente Thomas
Jefferson logo após a Compra da Louisiana, ocorrida em 1803. Composta por um
grupo de voluntários do Exército americano, foi comandada pelo capitão Meriwether
Lewis e pelo segundo-tenente William Clark. A missão partiu de St. Louis, às margens
do rio Mississipi, em maio de 1804 e retornou em setembro de 1806. O objetivo
principal era explorar e mapear o território recém-adquirido, encontrar uma rota
viável que cruzasse a metade oeste do continente e estabelecer a presença americana
nessa área, antes que a Grã-Bretanha e outras potências européias reivindicassem
essas terras. Os objetivos secundários eram científicos e econômicos: estudar as
plantas, animais e a geografia da região e estabelecer comércio com as tribos
indígenas. (N. do T.)
2
Em inglês, governor, governador. Dispositivo que regula a velocidade de uma
máquina. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
A agência dos correios é normalmente apontada como o melhor exemplo de
empreendimento governamental; mas o serviço postal depende inteiramente dos
meios de transporte inventados e operados pela iniciativa privada. É a forma mais
simples de negócio que se pode imaginar, pura rotina; mesmo assim, apesar do
monopólio estatal, sempre opera no vermelho; e as nomeações lucrativas ocorrem
por favorecimento partidário, o maior de todos os empregos sendo concedido a um
homem cujo tempo é ocupado principalmente com a obtenção de votos. Boas
estradas existem apenas por causa do progresso da iniciativa privada em materiais e
maquinário. O abastecimento de água das cidades foi fornecido originalmente pela
iniciativa privada e expropriado pelo governo. Por séculos, o governo promoveu a
doença, o desconforto e a melancolia com impostos sobre janelas, impostos sobre
lareiras, impostos sobre o sal. A iniciativa privada cavou o Canal de Suez e forneceu o
maquinário, o conhecimento e a habilidade para cavar o Canal do Panamá. Sempre e
em toda parte, o progresso aconteceu exclusivamente por invenção, iniciativa,
trabalho e poupança privados, e na razão inversa da extensão do governo. (N. da A.)
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IX. A Função do Governo
Sua exata definição em ação mostra o quanto era acurada a frase “um
mal necessário”. Visto sob essa luz, o governo é tão horrível — e suas
reais operações no passado foram, às vezes, tão terríveis — que é
compreensível que não se perceba que ele é necessário. Mas isso
também tem de ser reconhecido, para descobrirmos sua extensão. O
governo certamente é necessário para relações econômicas no espaço e
no tempo; essa necessidade é derivada da necessidade da faculdade
inibitória no indivíduo. Mas o erro básico da premissa autoritária ou
estatista consiste em fazer essas necessidades públicas e privadas
coextensivas. O governo é um requisito marginal, necessário apenas
quando a faculdade inibitória do indivíduo não é exercida de acordo com
o consenso e o direito natural (ou seja, liberdade). Além desse mínimo
infinitesimal, o governo é uma entronização da paralisia e da morte.
Vem daí a perversão da lógica que afirma que o cidadão existe apenas
“para o estado” e não tem o direito individual à vida. Na verdade, a vida
só pode existir por seu próprio direito; ou seja, é ridiculamente fútil para
o estado (ou para quem quer que seja) ordenar a um homem que viva, se
suas faculdades estiverem em falência; nem pode uma vida ser criada
por uma ordem. O processo criativo não funciona por meio de ordens.
Mas é possível ordenar a morte. Assim, o governo é secundário,
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Não existe bem coletivo. De maneira estrita, não existe nem mesmo um
bem comum. Existem, na ordem natural, materiais e condições com os
quais o indivíduo é capaz de experimentar o bem, usando sua vontade e
suas faculdades receptivas e criativas. Perguntemos: a luz do sol não é
um bem comum? Não; as pessoas não desfrutam do benefício pela
comunidade, mas individualmente. Um homem cego não pode enxergar
pela comunidade. O mesmo grau de exposição solar pode causar
insolação a uma pessoa, enquanto é benéfico para outra; embora, para
sermos precisos, não será o mesmo raio de luz solar que cairá sobre
ambos. Alexandre, o Grande, com o poder do império a seu comando,
perguntou a Diógenes: “Há alguma coisa que eu possa fazer por você?”
Diógenes respondeu: “Você pode dar um passo para o lado e parar de me
fazer sombra.” O homem, como indivíduo, é capaz de experimentar e
infligir tanto o bem como o mal, desde que tenha escolha. E também terá
a responsabilidade por seus erros de julgamento. Permitindo a
possibilidade do erro, o bem é obtido pela recepção e domínio das forças
da natureza, e por meio da associação voluntária de indivíduos por livre
escolha. Mas mesmo nessas relações voluntárias entre indivíduos, é
possível que uma pessoa tenha prazer enquanto outra experimenta dor;
não há uma soma coletiva ou uma equação do bem. “O maior bem para o
maior número” é uma frase viciosa; não existe uma unidade do bem que,
por adição ou multiplicação, possa constituir uma soma de bem a ser
dividida pelo número de pessoas. Jeremy Bentham, tendo adotado a
frase, passou o resto de sua vida tentando extrair algum significado de
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IX. A Função do Governo
O fato de que não existe bem coletivo não contraria o fato de que o
homem tem relações sociais e naturais, que também são de ordem
espiritual. E é a expressão dessa possibilidade espiritual que a sociedade
coletivista proíbe. A sociedade cristã difere fundamentalmente das
formas anteriores de associação humana, sendo organizada para o pleno
desenvolvimento da personalidade. A clivagem é mais evidente na
instituição do casamento. No regime cristão, um casamento válido pode
ser feito pelo consentimento das duas partes e não pode ser feito sem ele;
não pode ser anulado pelos pais, guardiães ou pela comunidade, contra a
vontade do casal, porque cada pessoa nasce com o direito à sua própria
vida. E a autoridade paterna, na sociedade cristã, não pode se estender ao
poder de morte ou dano real aos filhos; é apenas coextensiva à
necessidade de criação e educação, originando-se da relação natural e da
obrigação moral assumida voluntariamente no casamento. Os direitos e
obrigações naturais, os direitos e responsabilidades pessoais, a vontade e
o senso moral são inseparáveis.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
4
A Comunidade Oneida foi uma comuna religiosa fundada por John Humphrey Noyes
em 1848, na cidade de Oneida, Nova York. Seus membros acreditavam que Jesus
voltou no ano 70, possibilitando que eles estabelecessem seu reino milenar e
estivessem livres do pecado e fossem perfeitos neste mundo, e não apenas no Céu. A
Comunidade Oneida praticava a propriedade comunal, a poligamia e tentou uma
espécie de programa de eugenia chamado de estirpecultura. Começando com 87
membros, chegou a ter 306 em 1878. Foi dissolvida em 1881 e se transformou na
gigantesca empresa de prataria Oneida Limited. (N. do T.)
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IX. A Função do Governo
Por outro lado, leis que são projetadas para atuar no caso em que uma
pessoa prejudica outra voluntariamente não necessariamente conseguem
dissuadir o perpetrador de prosseguir em seu curso. Se a lei proíbe o
assassinato, ela pode não ser capaz de impedir completamente os
assassinatos, mas é razoável supor que deve ser um meio de intimidação.
A lei também pode exigir a restituição da propriedade roubada —
embora também tenha de executar uma ação de expropriação, ao cobrar
um imposto sobre a propriedade, para permitir que os ladrões sejam
punidos. Sua limitação é que ela deve funcionar sobre uma ação
exercendo uma ação semelhante, mal por mal. Esse é o poder da
coletividade e seu uso.
- 89 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
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X. A Economia da Sociedade Livre
A
história dentro das nações consiste na luta do indivíduo contra o
governo; e, entre as nações, da economia livre contra a
economia fechada. São dois aspectos do mesmo processo. A
vida primitiva da humanidade é uma fase ímpar da história natural,
ocupada pelo esforço do homem em dominar seu ambiente, em vez de
simplesmente adaptar-se a ele. O uso do fogo, das armas de caça e a
domesticação de animais pertencem a esse tipo de esforço. Quando o
homem obteve sucesso nesses contatos diretos, o próximo passo foi
começar a mudar o ambiente, pelo cultivo do solo, pela construção de
abrigos permanentes e locais de armazenamento e, finalmente, pela
invenção de mecanismos para a conversão de energia; essas atividades
exigem organização no espaço-tempo, pela delegação de autoridade.
Mas como essa autoridade só pode ser proibitiva, o problema é manter
essa agência repressiva subordinada à faculdade criativa. A dificuldade é
enorme; é necessário um entendimento avançado dos princípios de
engenharia para a solução desse problema. Pela falta de opções,
desenvolveu-se o sistema de classes, uma ordem que aprisiona toda a
comunidade,1 obstrui a energia na fonte e a limita a um circuito local. O
pensamento original, portanto, torna-se um crime, porque liberta energia.
Mesmo numa cultura elevada que possua um sistema de classes, o
princípio repressivo mostra seu caráter ao impor a pena de morte contra
opiniões não autorizadas, chamadas de heresia ou traição.
1
Tão recentemente como no reino de Luís XIV na França, era aconselhável a um nobre
que estivesse na corte pedir permissão até mesmo para ir para sua propriedade,
porque corria o risco ser aprisionado pela vontade do rei, por tempo indeterminado,
sem acusação ou julgamento, por lettre de cachet. Ele também poderia ser proibido
de deixar sua propriedade ou de retornar a Paris. (N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
2
Isto foi escrito seis anos antes de George Orwell publicar 1984, em que apresenta os
termos “duplipensar” e “novilíngua”. (N. do T.)
- 92 -
X. A Economia da Sociedade Livre
Marx era um tolo com um vasto vocabulário de palavras longas. Mas ele
tinha de fato uma necessidade não reconhecida de adotar a “dialética”
ilógica de Hegel. Sendo um pedante parasita, inepto e desonesto, queria
fazer reivindicações contra a “sociedade” apenas como consumidor.
Abraçou o comunismo porque nenhuma outra teoria, nem mesmo no
papel, poderia prometer “a cada um de acordo com suas necessidades”.
Somente um suposto “estoque comum”, para o qual toda a produção
fosse expropriada, poderia ser imaginado como disponível para o não
produtor pegar dali o que quisesse. Mas isso é pura imaginação, o sonho
do incompetente e do vicioso ou da mente infantil virgem de produção.
Por outro lado, Marx foi confrontado com o fato histórico de que no
comunismo, como regra geral, a produção nunca ultrapassa o nível da
mera subsistência. Como podia imaginar produção abundante no
comunismo? Apenas supunha que os “meios de produção”, levados a um
alto nível de produtividade pela propriedade privada e pelo livre
empreendimento individual, que é o capitalismo, poderiam ser
expropriados e continuar funcionando igualmente, administrados pelo
regime sucessor comunista. É fato que nada parecido jamais aconteceu; a
tentativa mais próxima do comunismo como norma social sempre foi
muito primitiva; mas, se ele imaginasse primeiro o “materialismo
dialético”, e então arbitrariamente chamasse o capitalismo de tese; e
designasse os que não têm propriedade como antítese proletária, poderia
depois afirmar que os dois se “fundiriam” pelo conflito e produziriam
uma “síntese”, que teria de ser o comunismo se ele assim dissesse. Já
3
Fissíparo: que se reproduz pela fragmentação do próprio organismo. (N. do T.)
4
Squidgicum Squee: criatura do folclore dos lenhadores americanos do século 19.
Muito tímido, não queria jamais ser visto. Ao ouvir ou ver alguém se aproximando,
respirava fundo e engolia a si mesmo. (N. do T.)
- 93 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Todavia, como tal, uma luta de classes não pode produzir mudanças e
nunca o fez. Mesmo a transposição de pessoas como partículas de uma
classe para outra raramente ocorreu por meios violentos. As repetidas
revoltas ou jacqueries na sociedade feudal eram abortivas por natureza
— já que eram conflitos reais de classe.
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X. A Economia da Sociedade Livre
5
Em tempos recentes, tem sido dito que a revolução se torna impossível quando um
governo tem tecnologia de máquinas a sua disposição, porque a população
desarmada é impotente contra armas de alto poder. Ao contrário, o exército equipado
tecnologicamente depende absolutamente do livre funcionamento ininterrupto da
ordem civil para suas armas e suprimentos. Aviões e tanques são ainda mais
imediatamente dependentes da produção fabril que o cavaleiro era do forjador. E a
produção de máquinas não pode ser mantida eficientemente por trabalho forçado.
(N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
6
Em inglês, heriot. Era o direito de um senhor na Europa feudal de tomar o melhor
cavalo e/ou roupa de um servo, quando este morria. Surgiu da tradição do senhor
emprestar um cavalo ou armadura ou armas de combate, de maneira que quando o
servo morresse o senhor reivindicaria legitimamente sua propriedade. (N. do T.)
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X. A Economia da Sociedade Livre
7
Em inglês, entailment. Imóvel herdado que não podia ser vendido, legado livremente
ou alienado de nenhuma maneira pelo proprietário, mas que devia passar, por lei,
para os seus herdeiros legais quando ele morresse. (N. do T.)
8
Anthony Ashley-Cooper (1801 – 1885), 7º Conde de Shaftesbury, foi um político e
reformador social inglês. Foi parlamentar entre 1826 e 1851. Propôs leis para tornar
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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X. A Economia da Sociedade Livre
mecanismos é que eles não agem (e não podem agir) até que surja a real
necessidade. São projetados para funcionar apenas se o motor ou a
transmissão funcionarem mal. Um freio pneumático ferroviário trava as
rodas se o engate se soltar; uma válvula de segurança abre no ponto de
perigo da pressão do vapor; um fusível queima com uma sobrecarga de
corrente, salvando os circuitos; um giroscópio é neutro enquanto o avião
está em equilíbrio. O que devemos ter em mente é que esses controles
não são preventivos, mas corretivos; não são primários, mas secundários.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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X. A Economia da Sociedade Livre
é por acaso que o comércio era feito sob o abrigo da catedral. A Igreja
também preservou o aprendizado, uma vez que a palavra escrita é
indispensável para um sistema de energia de circuito longo.
- 101 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XI. O Significado da Magna Carta
A
Inglaterra acabou por fazer os ajustes mais bem-sucedidos no
Velho Mundo, mas não sem uma luta contínua e crises
recorrentes de violência, durante cinco séculos. O primeiro e
crucial esforço dos ingleses para estabelecer as fundações de uma
estrutura duradoura culminou com a Magna Carta, que o Rei João foi
obrigado a assinar, por seus súditos rebeldes. As provisões desse
documento extraordinário quase nunca são mencionadas atualmente,
com exceção da frase: “A ninguém venderemos, a ninguém negaremos, a
ninguém protelaremos o direito ou a justiça.” Certamente, isso é
admirável. Define de maneira abstrata o propósito essencial para o qual o
governo é instituído. Mas, dada simplesmente como uma promessa do
chefe do executivo, o rei, seria improvável que fosse cumprida, a menos
que toda a organização fosse projetada para poder funcionar contra a
vontade do rei. Mas mesmo sem conhecermos bem o contexto da época,
as características práticas da Carta ainda nos revelam quais eram as
bases existentes e as forças em movimento. A estrutura política estática
era feudal. As cidades maiores, tendo obtido suas “liberdades”,
contribuíam com o tesouro nacional por meio de diversos impostos,
diretos ou indiretos, e cobrados de maneira um tanto irregular, portanto
sujeitos a contestações. A Igreja estava numa perigosa posição
intermediária, comprometida com o feudalismo pelo sistema de
arrendamento de terras em suas imensas propriedades, enquanto, pela
doutrina, afirmava e protegia o princípio primário de contrato pelo qual o
comércio era realizado. O longo circuito de energia da Igreja, sua ligação
com Roma, era mantido por dinheiro, fundos enviados a Roma; isso não
poderia ter sido feito de nenhuma outra maneira.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Mas a tributação não é o único meio pelo qual a energia cinética pode
demolir a estrutura estática. Como o único meio imaginado para manter
bases regionais era a sucessão hereditária de terras, uma cláusula da
Carta impedia que as terras mudassem de dono pela execução de uma
hipoteca. As terras podiam ser oferecidas como garantia de um
empréstimo. Mas, no caso de inadimplência, apenas as receitas da terra
podiam ser seqüestradas para pagamento da dívida. Além disso, se o
devedor morresse e seu herdeiro fosse menor de idade, os juros da
hipoteca cessavam enquanto ele não atingisse a maioridade. Obrigações
feudais, direitos de dote e provisões para os filhos do devedor falecido
tinham precedência no pagamento de uma dívida financeira, que só
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XI. O Significado da Magna Carta
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XI. O Significado da Magna Carta
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
viria a ser a Câmara dos Comuns, com seu controle sobre impostos e a
concessão periódica de suprimentos. No decorrer dessa longa luta, a
servidão foi abolida gradativamente, até desaparecer por completo. O
dinheiro, energia cinética, acabou com ela.
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XI. O Significado da Magna Carta
1
A única falha grave na estrutura política do Império Romano tornava essa solução
impossível. Na Igreja, a diocese era uma subdivisão regional genuína, seu
representante (o bispo) era sustentado diretamente pelas receitas locais, das quais
apenas uma pequena parte ia para Roma. Da mesma maneira, os nobres ingleses
tiravam suas receitas diretamente de suas próprias posses territoriais locais, para
sustentar funções políticas locais concomitantes. Nenhum deles dependia da
redistribuição de recursos (energia) a partir do centro. Mas as autoridades provinciais
- 109 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Ele é uma partícula jogada no circuito de energia que vai aderir a uma
corrente magnética, como se fosse limalha de ferro. Então, sempre que a
indústria diminui a produção, o que significa dizer que a corrente está
mais fraca, muitas dessas partículas se desgarram. Trabalhadores
desempregados, agregados apenas pela inércia, tornam-se assim um
fragmento de massa deslocada dentro da economia. Como tais, são
do Império Romano eram dependentes dessa maneira; eram pagas pelo centro; e a
corrente de energia extraída em impostos para Roma as destruiu; não tinham caráter
representativo regional. Portanto, o ajuste no centro tinha de ser feito, como
observado, pelo encontro de “forças brutas” — o exército e o potencial de revolta. (N.
da A.)
- 110 -
XI. O Significado da Magna Carta
2
Movimento cartista: Foi um movimento da classe trabalhadora que pedia reformas
políticas na Grã-Bretanha, entre 1838 e 1848. Começou entre artesãos, como
sapateiros, gráficos e alfaiates, mas logo atraiu homens que propunham greves,
greves gerais e violência física, como Feargus O’Connor. Estes eram conhecidos como
cartistas da força física. (N. do T.)
- 111 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
As antigas tiranias ou despotismos eram nações que haviam desenvolvido alguma
indústria sem ter alcançado nenhum tipo de estrutura. Essa falha de sincronismo
inevitavelmente causa desencontros, violência e miséria. (N. da A.)
- 112 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
O
problema que os fundadores dos Estados Unidos enfrentavam
era como manter, sem uma aristocracia, bases regionais para a
estrutura política. Não era assim que o problema era enunciado
na época, porque esta é uma descrição da solução. Eles só conheciam o
problema. De maneira semelhante, não poderia ser dito que uma pedra
angular deveria ser projetada para completar a forma do arco, ou que um
símbolo zero deveria ser criado para ocupar uma posição nos números,
até que esses dispositivos fossem encontrados; tais enunciados são
impossíveis até que o problema tenha sido resolvido. Os revolucionários
americanos enunciaram o axioma dos direitos do indivíduo, a Sociedade
de Contrato, como fundamento racional e justificação de sua
independência. Uma aristocracia nativa anularia essa intenção. Um
vestígio remanescente, na forma de morgadio (que é a raiz da sociedade
de status), foi abolido em conformidade. Os estados separados já
existiam, e não haviam cedido suas várias soberanias à frouxa federação
original. Sua resistência natural como entidades políticas existentes era
suficiente para derrubar propostas de extinguir sua autonomia, e
disfarçou os perigos futuros nessa direção. A questão apresentada de
imediato era como juntá-los em “uma união mais perfeita” — sem
escorregar para uma democracia. O que eles queriam era uma República.
- 113 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
1
A igualdade em si mesma não significa nada, não implica em valor algum; dois zeros
são iguais. A liberdade associa um valor a ela. Existe um argumento que diz que o
serviço militar obrigatório é correto porque se aplica igualitariamente. Isso justificaria
a tortura, se ela fosse aplicada igualitariamente. Esse argumento foi levado mais longe
por um pseudoliberal: “O sistema voluntário parece bom. Na prática, é um horror
moral… uma vez que ninguém é capaz de dizer, apenas olhando para um jovem, se ele
está fazendo seu trabalho básico de guerra, ou é casado ou tem filhos ou, talvez, não
possui boa saúde. O sistema voluntário não é voluntário. Na prática, é a pior forma de
compulsão… excelentemente projetado para tornar os jovens infelizes.” Então, a
escravidão não é escravidão, porque o mundo está povoado de imbecis morais, todos
igualmente apavorados com o olhar casual de um estranho. (N. da A.)
- 114 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
- 115 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
2
O clichê moderno: “Isto é uma democracia, eu sou o governo” não faz sentido.
Mesmo como uma agência, o governo é uma organização formal com pessoal
autorizado, da qual o cidadão privado não é membro. Quando várias pessoas
contratam um árbitro, elas evidentemente não são o árbitro, embora este ocupe a
função pelo acordo delas. (N. da A.)
3
James Madison, quarto presidente dos Estados Unidos. (N. do T.)
- 116 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
4
HENDRICK, Burton J. Bulwark of the Republic. Little, Brown & Co. (N. da A.)
- 117 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Para entender porque as bases não podem ser estabelecidas por sufrágio
popular sem qualificação de propriedade, é necessário apenas tentar um
equivalente com qualquer outro material físico. Seja a substância em que
a estrutura deve se apoiar composta de partículas separadas de igual
tamanho e peso, cada uma com possibilidade de se mover. Obviamente,
nada pode se firmar sobre ela. Um pilar ou alicerce não pode ser fixado
num amontoado de munição ou num monte de areia. Deve haver algo
sólido, auto contido e imóvel. Uma área regional corresponde a essa
descrição e sustentará uma base permanente de representação política. A
área deve estar claramente circunscrita e a representação deve pertencer
a ela e não aos móveis habitantes, que podem vagar por aí e cruzar as
fronteiras quando quiserem.
- 118 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
- 119 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
envolver; se isso não fosse proibido, uma multa seria uma maneira fácil
de confiscar a propriedade de qualquer um ao menor pretexto.)5
5
A proibição constitucional a multas excessivas foi completamente ignorada pela
legislação recente, sem uma palavra de protesto dos cidadãos e sem nenhuma
tentativa de apelar aos tribunais. (N. da A.)
- 120 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
- 121 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 122 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
6
A proposta de abolir, por lei federal, o imposto de capitação (em inglês, poll tax)
determinado por alguns estados do sul como qualificação do direito de voto é
absolutamente inconstitucional. (N. da A.)
- 123 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
A Câmara dos Deputados, eleita por voto direto dos cidadãos, tinha o
poder de expressar a propriedade e a função da massa, o veto final pela
negação, tendo a atribuição da iniciativa de estabelecer tributos e
conceder suprimentos. Todos os suprimentos deveriam ser concedidos
apenas em quantias determinadas para objetivos designados; qualquer
concessão deveria, portanto, ser usada no tempo especificado e teria de
ser concedida novamente. Se essa concessão não é dada, o veto da
inércia está em vigor. É necessário apenas não fazer nada.
- 124 -
XII. A Estrutura dos Estados Unidos
- 125 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 126 -
XIII. Escravidão, o Defeito na Estrutura
A
s três grandes idéias foram reunidas afinal sem obstáculos; a
alma individual e imortal, exercendo o autogoverno pela lei e
livre para buscar o conhecimento por meio da razão. Depois de
dois mil anos, os recursos da ciência foram liberados para a aplicação
produtiva. A Declaração da Independência e a Constituição foram os
instrumentos temporais desse evento.
- 127 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
1
Nações civilizadas não permitem a extradição de criminosos políticos, porque o
delito é estritamente local; um estado que entrega um refugiado político está assim
atuando como agente do outro estado, em detrimento de sua própria soberania; ao
passo que, ao extraditar um criminoso, atua como agente da justiça. (N. da A.)
- 128 -
XIII. Escravidão, o Defeito na Estrutura
Mas onde estava o verdadeiro ponto fraco? A menos que a questão seja
colocada nos termos relevantes, não pode existir resposta. Embora a
Guerra Civil tenha ocorrido há mais de setenta anos, a controvérsia
continua aberta; o rompimento se deu por causa da escravidão, dos
direitos dos estados ou da clivagem entre uma economia agrária e outra
industrial? Os estados exigiram soberania em excesso? Se exigiriam, foi
por causa da escravidão?
2
Em 1807, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Aaron Burr, foi acusado de
traição pelo presidente Thomas Jefferson. Ele havia reunido uma expedição de cerca
80 homens, baseada na ilha particular de um rico anglo-irlandês chamado Harman
Blennerhasset. O objetivo declarado da expedição era colonizar uma área na
Louisiana. A acusação contra ele nunca foi muito clara, e ele foi absolvido. (N. do T.)
- 129 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Então, tanto os estados como o governo federal eram fracos demais, por
exigirem poderes impróprios ou a distribuição imprópria de um poder
legítimo. O último erro anulou um atributo vital da soberania, sua
dimensão espacial. A menos que essa diferença entre poderes estipulados
e força intrínseca seja entendida, não é possível uma discussão relevante
sobre o assunto.
Assim, todas as três causas alegadas da Guerra Civil fazem parte dessa
única causa. E, como coroação dos males, mais uma vez o problema
3
Exemplificados no colapso do velho regime na França, na Rússia czarista, na Turquia,
etc. (N. da A.)
- 130 -
XIII. Escravidão, o Defeito na Estrutura
- 131 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
O sul perdeu a Guerra Civil, como era fatal que acontecesse; e a questão
da soberania dos estados foi descartada como uma tecnicalidade, deixada
de lado pelo veredito sobre a escravidão. Ao recorrerem a guerra, os
estados escravagistas cometeram o erro moral de repudiar um contrato
depois de obter vantagens especiais por meio dele. O governo federal
estava claramente obrigado a se defender da agressão e do separatismo.
Tendo recebido sua autoridade por delegação, não teria o direito de
abandonar suas funções delegadas, a menos que fosse legitimamente
dissolvido pelos mesmos meios que o instituíram. O benefício da união
para todos os estados é tão avassaladoramente evidente que sua
dissolução, então ou agora, assume o aspecto de insânia violenta; mas se
os eventos fossem descritos como puros fenômenos, um observador
inteligente perceberia que deve ter havido algum defeito na estrutura,
como numa casa que desmorona.
4
General do exército da União na Guerra Civil Americana. (N. do T.)
5
Os Atos de Reconstrução foram as condições impostas aos estados confederados
para que fossem readmitidos na União. (N. do T.)
- 132 -
XIII. Escravidão, o Defeito na Estrutura
Não foi a libertação dos escravos que extinguiu a soberania dos estados.
A liberdade é uma pré-condição, um universal, que a Constituição
deveria ter reconhecido como primária. A destruição foi feita pela
usurpação dos poderes dos estados pelo governo federal como que por
direito de conquista.
- 133 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 134 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
1
COLUM, Mary. From These Roots. (N. da A.)
2
A Doutrina Monroe foi uma política americana estabelecida em 1823 pelo presidente
James Monroe. Segundo ela, qualquer esforço de nações européias para colonizar
novas terras ou interferir em Estados na América do Norte ou do Sul seria considerado
um ato de agressão, exigindo intervenção dos Estados Unidos. Porém, os Estados
Unidos não interfeririam em colônias européias existentes nem em conflitos internos
na Europa. (N. do T.)
- 135 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
Essa tendência pode não ser evidente à primeira vista, mas é conseqüência de uma
aberração secundária da lógica. A doutrina mais ampla do Cristianismo engloba tanto
a Lei Divina como a lei natural agindo sobre um princípio geral superior e um
Intercessor para moderar a justiça com a misericórdia, em consideração à imperfeição
humana e ao esforço humano na direção da verdade e do bem. O salto para o
fatalismo pode ocorrer nas duas direções; o dualismo explícito da heresia maniqueísta
entregou este mundo ao domínio do mal; por outro lado, o unitarismo absoluto pode
ser interpretado como uma visão mecanicista do universo. Mesmo a visão jansenista
da doutrina da graça faz com que a graça se torne uma compulsão, em vez de uma
oportunidade de libertação pela escolha e aceitação. (N. da A.)
- 136 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
4
Foi relatado sobre um grupo de cartesianos em Port Royal (o centro jansenista):
“Eles espancavam seus cães sem remorso e riam daqueles que sentiam pena dos
animais quando estes ganiam. ‘Puro mecanismo’, respondiam, dizendo que os ganidos
e gritos eram resultado de uma pequena mola escondida dentro deles, que eram
totalmente destituídos de sensações.” Seguindo essa opinião, eles vivissectavam
animais para estudar a circulação do sangue. Esses eram extremistas. Um pesquisador
moderado protestaria dizendo que era necessário apenas que uma pessoa observasse
seus cães de espeto [Em inglês, turnspit dogs. Pequenos cães criados e treinados para
correr dentro de uma roda que girava um espeto de carne enquanto esta era assada.
Normalmente, as pessoas tinham pares de cães, para que trabalhassem
alternadamente. Os cães de espeto foram extintos no século 19. (N. do T)] — um,
preguiçoso, se esconderia quando fosse sua hora de trabalhar, enquanto o outro iria
atrás do delinqüente e o traria para executar sua tarefa — para perceber que a
questão envolvia algo mais que mecanismo… Quando Berkeley se perdeu em um
labirinto de argumentos sobre se alguma coisa existia objetivamente, o Dr. Johnson
fez um apelo semelhante ao senso comum, com exasperação compreensível,
chutando uma pedra como refutação. Foi uma resposta concludente; subjetivo é o
meu pé. O subjetivo é inconcebível sem o objetivo. (N. da A.)
- 137 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
5
Referência ao primeiro verso do poema nonsense A Quadrilha da Lagosta, em Alice
no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. (N. do T)
- 138 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
“A pista central para o programa de reforma dos filósofos era sua fé na lei
natural. […] Tudo o que era necessário para destravar o milênio era um
legislador supremo, um Euclides das ciências sociais, que descobriria e
formularia os princípios naturais da harmonia social. As generalizações
matemáticas que formaram as bases da física foram propostas por poucos
pensadores audazes, e parecia uma suposição razoável que as leis
fundamentais da sociedade humana fossem, da mesma maneira, descobertas
por algum gênio inspirado, em vez de por uma assembléia parlamentar.”6
6
BRUUN, Geoffrey. Europe and the French Imperium. (N. da A.)
7
Jorge II (1683 – 1760): Rei da Grã-Bretanha de 1727 a 1760. Foi o último rei britânico
nascido fora do país. Nasceu e foi criado na Alemanha. (N. do T.)
8
Robert Walpole (1676 – 1745): estadista britânico, considerado normalmente o
primeiro homem a ser Primeiro-Ministro do Reino Unido. Esse cargo ainda não existia,
mas pode-se dizer que Walpole o ocupava de facto por causa de sua influência com o
Gabinete. (N. do T.)
- 139 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
9
Sofia de Hanover (1630 – 1714): casada com o Eleitor de Hanover. Foi declarada
herdeira do trono inglês, embora nunca tenha estado nos domínios da Grã-Bretanha.
Morreu menos de dois meses antes de poder se tornar rainha, e o trono passou a seu
filho Jorge I. Mecenas das artes, patrocinou os filósofos Gottfried Leibniz e John
Toland. (N. do T.)
10
Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716): matemático e filósofo alemão.
Desenvolveu o cálculo infinitesimal, ao mesmo tempo que Isaac Newton e de maneira
independente. Junto com Descartes e Spinoza, foi um dos três grandes racionalistas
continentais. (N. do T.)
11
Jorge III (1738 – 1820): Rei da Grã-Bretanha de 1760 a 1820. Terceiro monarca
britânico da Dinastia de Hanover, foi o primeiro dessa linhagem nascido no país e que
tinha o inglês como língua materna. Durante seu reinado ocorreram diversos conflitos
militares, como a Guerra dos Sete Anos, a Revolução Americana e guerras contra a
França revolucionária e napoleônica. No final da vida, sofreu de uma doença mental
recorrente e depois permanente. A partir de 1810, seu filho Jorge, Príncipe de Gales,
foi declarado regente. (N. do T.)
12
Frederico II, o Grande (1712 – 1786): Rei da Prússia entre 1740 e 1786. Patrono de
artistas e filósofos, foi um dos propositores do absolutismo esclarecido. Um encontro
com Johann Sebastian Bach, em 1747, fez com que o músico escrevesse, em
homenagem ao rei, a Oferenda Musical. Teve uma amizade turbulenta com Voltaire.
(N. do T.)
13
Catarina II, a Grande (1729 – 1796): Imperatriz da Rússia entre 1762 e 1796.
Exemplo notável de déspota esclarecida, foi correspondente de Voltaire, Diderot e
d’Alembert. (N. do T.)
14
Anne Louise Germaine de Staël-Holstein (1766 – 1817): literata francesa. Tornou-se
grande opositora de Napoleão. (N. do T.)
15
Alexandre I da Rússia (1777 – 1825): Imperador da Rússia entre 1801 e 1825. Na
primeira metade de seu reinado, tentou introduzir reformas liberais. Na segunda
metade, tornou-se cada vez mais arbitrário, revogando a maior parte das reformas
anteriores. (N. do T.)
16
Anne-Robert-Jacques Turgot, Barão de Laune (1727 – 1781): economista e estadista
francês. (N. do T.)
- 140 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
17
Imperatriz Eugênia de Montijo, esposa de Napoleão III. (N. do T.)
18
Imperador Maximiliano I do México (1832 – 1867): Único monarca do Segundo
Império mexicano, entre 1864 e 1867. Irmão mais novo do imperador austríaco
Francisco José I, Maximiliano foi convidado por Napoleão III a estabelecer uma
monarquia no México. Chegou lá com um exército francês e, apoiado por
monarquistas mexicanos, declarou-se imperador. Poucos países reconheceram seu
governo. As forças do presidente Benito Juárez lutaram para restabelecer a república
e, com auxílio dos Estados Unidos, derrubaram o Império. Maximiliano foi preso e
executado. (N. do T.)
19
Edmund Burke (1729 – 1797): político e filósofo britânico. Foi membro da Câmara
dos Comuns entre 1765 e 1780. É considerado o fundador filosófico do
conservadorismo moderno. Sua obra mais importante é Reflexões sobre a Revolução
na França, na qual previu, num momento inicial dos acontecimentos, que a Revolução
Francesa iria resultar em violência descontrolada, em opressão governamental
extrema e num futuro governo militar. (N. do T.)
- 141 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
20
Juggernaut, em inglês coloquial, é uma força literal ou metafórica considerada
impiedosamente destrutiva e irresistível. O termo é uma referência ao carro templo
Ratha Yatra, que se acreditava erroneamente que esmagasse os devotos sob suas
rodas. Deriva-se do sânscrito Jagannatha, “senhor do mundo”, um dos nomes de
Krishna. (N. do T.)
- 142 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
- 143 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 144 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
21
Os coletores de impostos na França patrocinaram os proponentes de sistemas
políticos rígidos, como os fisiocratas e outros teóricos absolutistas que causaram o
Terror. Conseqüentemente, pelo menos alguns dos coletores de impostos foram
enforcados em postes de luz quando o Terror se espalhou — mas só alguns. (N. da A.)
22
Se a linguagem deve ter algum significado, é por causa das distinções. Roma
forneceu a forma e o significado da República com a palavra; e os gregos da
- 145 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Mas o que elas têm em comum com respeito a época em que foram
imaginadas revela seu significado verdadeiro. Cada uma marca uma era
em que novos desenvolvimentos já haviam ocorrido que tornaram
impossível uma sociedade estática. Os homens que escreveram esses
sonhos eram sismógrafos. Sentiram a mudança iminente, como se a terra
se mexesse sob seus pés; e sua mente procurou refúgio numa fantasia de
um mundo não sujeito à mudança. Platão viveu numa época em que os
gregos formulavam os princípios básicos da ciência. Sir Thomas More
viveu nos anos perigosos do Renascimento, o reviver da ciência. Marx
testemunhou a revolução industrial, a aplicação da ciência. As três
fantasias são reações da Era da Energia.
Platão era um literato; seu senso artístico de forma estava inquieto e ele
tentou compensar isso com um planejamento rigoroso. More era um
homem inteligente e um sábio; ele rotulou sua criação francamente pelo
que era: Utopia significa Lugar Nenhum. Marx era um tolo; ofereceu seu
esquema como uma previsão do futuro.
- 146 -
XIV. A Virgem e o Dínamo
23
Henry Brooks Adams (1838 – 1918): historiador americano. Propôs uma teoria da
história baseada na Segunda Lei da Termodinâmica e no princípio da entropia. (N. do
T.)
- 147 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 148 -
XV. As Emendas Fatais
O
s Estados Unidos são a Era do Dínamo. Quando levaram o
axioma do livre arbítrio da doutrina religiosa para a doutrina
política, um Niágara de energia cinética foi liberado. O fluxo
crescente precisa da máxima firmeza das bases, de força elástica na
estrutura e que a ação e a forma sejam tão pouco obstrutivas quanto
possível. Infelizmente, com exceção de duas, cada alteração na
Constituição depois do Bill of Rights1 foi um retrocesso.
Além disso, todos esses efeitos perniciosos interagem; uma emenda pode
causar um duplo dano; e um prejuízo pode ensejar ou servir de pretexto
para outro. Conforme a estrutura racha, cede ou treme, desorganizando a
economia privada, o ataque alternado dos fervorosos emendadores será
mais furioso. Há um aumento progressivo na freqüência cronológica de
emendas à Constituição. E as conseqüências finais são combinadas e
cumulativas, mostrando seu resultado de uma vez, depois de um lapso de
tempo, num desmoronamento geral. A situação também é agravada por
um desvirtuamento simultâneo em decisões judiciais e por extensões do
poder político por simples usurpação. Um ato de sedição é um exemplo
dessa usurpação; não há autoridade para ele na Constituição. Houve
protestos raivosos na primeira ocasião; hoje, é aceito casualmente, quase
1
O Bill of Rights é integralmente parte da Constituição original, sendo “o preço da
ratificação”. É uma salvaguarda, em itens, de direitos do indivíduo e da soberania dos
estados. A única objeção contra ele, na ocasião, foi que a enumeração de direitos
individuais poderia ser interpretada como a limitação dos direitos aos pontos
nomeados ou como uma afirmação de que o direito primário do indivíduo não é
abrangente — a idéia européia de “liberdades”, em vez da liberdade americana. O
argumento parecia forçado; foi, na verdade, premonitório, porque ultimamente
aquela exata perversão vem sendo proposta, numa paródia barata, com as expressões
“liberdade da necessidade”, “liberdade do medo”, etc. Entretanto, é impossível criar
um instrumento totalmente seguro e o Bill of Rights vem funcionando
admiravelmente em sua aplicação prática. (N. da A.)
- 149 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Sessenta e dois anos se passaram sem outras alterações, até que a única
emenda benéfica foi criada, a Décima Terceira, que limita o poder
político ao proibir a escravidão. A Décima Quarta Emenda confirmou a
cidadania federal e os direitos civis dos cidadãos por toda a União. Mas
teria sido melhor se o Bill of Rights tivesse sido explicitamente estendido
para se aplicar aos governos estaduais. Se fosse dessa maneira, diversas
questões posteriores não teriam sido encaminhadas a “poderes
implícitos”, um subterfúgio ignóbil e perigoso.
- 150 -
XV. As Emendas Fatais
2
A propriedade e residência numa cabana de madeira com uma horta de batatas é
uma qualificação legítima para o voto, enquanto a propriedade de todas as ações da
Standard Oil Company não é. (N. da A.)
- 151 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
Em inglês, “the Social Security swindle”. (N. do T.)
- 152 -
XV. As Emendas Fatais
4
Posse comitatus: Autoridade estabelecida pelo direito comum (common law) que
permite que um xerife convoque qualquer cidadão fisicamente habilitado para auxiliá-
lo a manter a paz ou capturar um criminoso. (N. do T.)
- 153 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 154 -
XV. As Emendas Fatais
5
Emenda do pato manco: a Vigésima Emenda à Constituição dos Estados Unidos
mudou o início e o final dos mandatos do presidente e do vice-presidente de 4 de
março para 20 de janeiro e dos membros do Congresso de 4 de março para 3 de
janeiro. O presidente em final de mandato é conhecido como “pato manco” (lame
duck). (N. do T.)
- 155 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status
- 159 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
1
Exceto talvez na Califórnia, especialmente em São Francisco, onde não é exagero
dizer que as pessoas detestavam até o trem, os trilhos e a estação ferroviária, com
hostilidade concreta. Existem razões para esse sentimento local. A Califórnia tinha
existência independente antes do surgimento das estradas de ferro. Então, alguns
magnatas ferroviários moravam lá, visivelmente desfrutando de imensas fortunas
ganhas pelos subsídios políticos que foram dados as linhas férreas. Além disso, houve
casos locais flagrantes de fazendeiros positivamente espoliados por uma companhia
ferroviária em contratos de terra e que nunca foram ressarcidos; aqui, outra vez, o
poder político foi usado para perpetrar a injustiça. Homens foram mortos por
defender seus direitos de propriedade. A mistura de poder político à vida econômica
teve o costumeiro efeito de corrupção insolente. (N. da A.)
- 160 -
XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status
2
Gestapo: polícia política da Alemanha nazista. Ogpu e Cheka: nomes da polícia
política soviética, depois chamada de KGB. (N. do T.)
3
A melhoria verdadeira do serviço de ferrovias e a economia de gerenciamento
permaneceram no ritmo do desenvolvimento de métodos competitivos de transporte,
com automóveis e aviões. Ao mesmo tempo, as ferrovias não foram suplantadas,
porque os diferentes meios de transporte alimentam-se mutuamente, cada um
possuindo uma função específica. (N. da A.)
- 161 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
O único remédio para o abuso de poder político é limitar esse poder; mas
quando a política corrompe os negócios, os reformadores modernos
invariavelmente exigem a ampliação do poder político. Houve um tempo
em que as pessoas tinham mais sensatez ou mais honestidade; mas talvez
simplesmente não fosse possível interpretar erroneamente a questão, da
maneira como se apresentava. A forma corporativa obscurece a
transação. Antigamente, os monopólios eram concedidos pelos reis a
seus favoritos. Era evidente que uma lei escrita para indivíduos era
absurda; a solução efetiva era proibir que o poder político concedesse
monopólios. Mas a proposta de “regular” as grandes empresas para
impedir monopólios parece plausível. Se fosse simplesmente uma tolice,
não pioraria as coisas; mas ela continha outro elemento pernicioso:
reintroduziu a lei de status.
- 162 -
XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status
- 163 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
De modo geral, os únicos atos dos quais as empresas podem ser acusadas
em suas transações comerciais são simplesmente os atos necessários de
produção e trocas; o homem neolítico que lascava uma pedra para fazer
uma ponta de flecha e a trocava por um ornamento de concha era
culpado do mesmo crime — com exceção da acusação de “combinação”
entre duas ou mais empresas. Mas teria sido possível aprovar uma lei
específica para impedir essas fusões; bastaria limitar suas licenças de
funcionamento, proibindo que uma empresa comprasse outra, ou
qualquer parte de outra. Uma lei assim seria sem sentido ou prejudicial;
certamente constituiria uma restrição ao comércio, mas o poder político
é restritivo; e a lei seria específica ao determinar o ato proibido.
4
Matteawan State Hospital: hospital psiquiátrico estabelecido no estado de Nova York
em 1892. Funcionou até a década de 1970. (N. do T.)
5
Tiffany’s: rede multinacional de lojas de artigos de luxo, com sede em Nova York. (N.
do T.)
- 164 -
XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status
6
Brigham Young (1801 – 1877): segundo presidente da igreja mórmon, casou-se 55
vezes. (N. do T.)
- 165 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 166 -
XVI. As Grandes Empresas e a Lei de Status
Mais uma vez, o ato de trabalhar foi criminalizado, o ato de produzir foi
criminalizado. Tornou-se crime até mesmo doar comida plantada pelo
doador em sua própria terra, por seu próprio trabalho. Ainda não é um
crime específico um homem comer a comida que ele mesmo produziu —
como acontece na Rússia — mas esse é o próximo passo inevitável. O
direito primário dos seres humanos à mera existência já foi negado; uma
vez que cotas agrícolas, prioridades e cartões de racionamento envolvem
todos os processos de produção e comércio, pelos quais a existência é
mantida, a vida passou a depender de permissões diárias e horárias.
7
Dred Scott (1795 – 1858): escravo americano que tentou obter liberdade na justiça,
para si mesmo e para sua esposa. Alegou que, embora fossem escravos, viveram com
seu dono em estados e territórios onde a escravidão era ilegal. Por 7 votos a 2, a
Suprema Corte decidiu que nenhuma pessoa com ancestralidade africana poderia
reivindicar cidadania americana. (N. do T.)
- 167 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 168 -
XVII. A Ficção da Propriedade Pública
A
linguagem é a faculdade que diferencia o homem dos animais
inferiores. Também é um bom indicador do nível intelectual de
culturas e pessoas. A confusão e a ambigüidade de termos
sempre encontradas nas teorias coletivistas não são acidentais;
constituem um retorno às limitações mentais e verbais da sociedade
primitiva que essas teorias defendem, ou seja, a incapacidade de pensar
em termos abstratos. Esse defeito é flagrantemente evidente nos
argumentos coletivistas sobre a propriedade.
1
Extraído da definição de “dimensão” do Oxford English Dictionary. (N. do T.)
- 169 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Esta é
a razão pela qual a propriedade privada pertence ao homem como ser
criativo (um direito tanto natural quanto divino). A propriedade
individual responde exatamente às condições dos fenômenos físicos. A
propriedade pública é fictícia; seus termos verbais não correspondem à
realidade, nem às características dos objetos físicos, nem às condições do
tempo e do espaço. Várias pessoas podem morar na mesma casa, mas
apenas pela distribuição de objetos entre elas, no espaço e no tempo,
especificamente ou por precedência. Ninguém poderia viver em uma
casa se o público em geral tivesse o direito de entrar e sair, de sentar nas
cadeiras, de dormir nas camas, de usar a cozinha. Dez homens podem ser
legalmente os iguais proprietários de um campo, mas nenhum deles pode
obter nenhum bem dali, a menos que a ocupação e o uso sejam
distribuídos entre eles por medidas de tempo e espaço. Nenhum acordo
pode suplantar essa necessidade. Se os dez homens quisessem fazer
exatamente a mesma coisa, ao mesmo tempo e no mesmo ponto, isso
seria fisicamente impossível, com ou sem consenso. A propriedade
privada em grupo se transforma necessariamente no gerenciamento por
uma pessoa, com a divisão do produto, e pode levar à divisão da
propriedade em si, no caso de um desacordo irreconciliável.
- 170 -
XVII. A Ficção da Propriedade Pública
- 171 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
2
Mesmo em uma economia caçadora, onde o resultado de uma boa caçada é
distribuído entre os membros da tribo, é o caçador individual que dá a caça para ser
repartida. Seu direito de propriedade é respeitado, uma vez que ele toma para si a
parte que preferir. (N. da A.)
3
No original, “pushed around”. É uma expressão usada com o significado de “receber
ordens de maneira insultuosa”, “ser humilhado”. Mais literalmente, poderíamos
traduzir como “ser empurrado para qualquer lado”. (N. do T.)
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XVII. A Ficção da Propriedade Pública
Mas aquilo de que ele precisa não pode ser definido simplesmente como
acesso à terra ou aos meios de produção; o que lhe falta é uma conexão
direta ao longo circuito de energia.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Shay4, na qual cada material, peça e detalhe eram exatamente tão fortes
quanto todo o restante dos itens, de maneira que nenhuma peça poderia
quebrar. A carruagem imaginária de fato parou de funcionar, mas inteira
de uma vez, completamente, em total desintegração. Espera-se que o
governo coletivista absoluto “definhe” e desapareça da mesma maneira.
Mas, embora o governo seja a única forma específica que o coletivista
tenha em mente, ele insiste que, no momento de sua dissolução, outro
tipo de organização tomará seu lugar automaticamente, sem que ele
saiba exatamente qual — a proposição vai morrendo em incoerências e
murmúrios de revelações que serão feitas depois.
Existe apenas mais uma suposta objeção proposta pelo coletivista, seu
argumento final contra a propriedade privada. Diz-se que, a partir de um
determinado estágio do desenvolvimento capitalista, sempre e
necessariamente haverá mais gente procurando emprego que empregos;
portanto, o trabalhador não terá poder real de barganhar e conseguir um
salário digno, mas será obrigado a aceitar qualquer coisa que o
empregador oferecer. É uma variação invertida da teoria malthusiana.
Malthus pensava que havia uma “lei” que fazia com que a população
crescesse mais rapidamente que a produção, de maneira que os
trabalhadores estariam sempre “lutando pela subsistência” (como fazem
os animais na natureza) — e a única coisa que poderia remediar esse mal
seria a limitação da população. É claro que, teoricamente, o mundo
poderia ser superpovoado, além do que seus recursos naturais são
capazes de suportar; mas Malthus estava argumentando especificamente
sobre o problema da pobreza em um sistema produtivo funcional num
mundo que ainda tinha abundância de espaço não ocupado. Sua suposta
lei funciona numa economia coletivista, porque essa economia não
permite melhorias nos meios de produção; conseqüentemente, as
sociedades coletivistas legitimaram o infanticídio no passado. Embora
Malthus tenha vivido durante o período em que a produção industrial
estava ganhando ritmo, ele parece ter caído numa armadilha aritmética,
como a falácia de Aquiles e a tartaruga; ou então pensou que a produção
já tivesse atingido ou estivesse perto de atingir sua capacidade máxima.
De qualquer maneira, os coletivistas foram obrigados a reconhecer que a
produção refutou Malthus, crescendo prodigiosamente, ano após ano.
Então, tiveram de dizer que o problema era a “superprodução”; o
4
One-Hoss Shay: Do poema The Deacon’s Masterpiece or The Wonderful “One-Hoss
Shay”: A Logical Story, de Oliver Wendell Holmes (1809-1894), em que um diácono
fictício constrói uma carruagem puxada por um cavalo de maneira tão lógica que ela
nunca poderia quebrar. Foi feita com os melhores materiais possíveis e nenhuma peça
era mais forte que qualquer outra. A carruagem dura exatamente 100 anos, até o
preciso momento do centésimo aniversário do Terremoto de Lisboa, quando se
despedaça inteira de uma vez, como uma bolha de sabão quando explode. (N. do T.)
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XVII. A Ficção da Propriedade Pública
5
Isso vale para qualquer administração que pretende se perpetuar no poder. Robert
Owen [(1771 – 1858) Reformador social galês, um dos fundadores do socialismo
utópico e do movimento cooperativo. (N. do T.)] conta que ouviu de “um diplomata
veterano” em 1817 que “os poderes que governam a Europa” tinham consciência de
que a ciência poderia melhorar a situação da raça humana e, portanto, esses poderes
eram contra a ciência — “se as massas se tornarem prósperas e independentes, como
as classes governantes conseguirão controlá-las?” O método moderno de impedir o
bem-estar geral foi enunciado. “Vamos taxar e taxar, e gastar e gastar, e eleger e
eleger.” (N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XVII. A Ficção da Propriedade Pública
que farão o trabalho. Isso nem sempre é fácil, mas ela pode tratar com os
interessados diretamente e eles tomarão sua decisão de acordo com a
opinião que tiverem sobre seu próprio interesse. Muito poucas idéias
originais dão um retorno de produção imediato; incontáveis idéias
fracassam gastando muito dinheiro; mas os interessados têm o direito de
correr o risco. Como pode qualquer funcionário público receber
explicitamente a autoridade de correr um risco semelhante? Não pode. O
assunto exige o julgamento pessoal de cada proposta em particular.
Todos os funcionários públicos do coletivo podem, por acaso, ter
autoridade para dispor de todos os materiais disponíveis? Não. Cada
funcionário pode ter autoridade para dispor de uma dada porção dos
materiais disponíveis para — para quê? Para uma proposta de inovação
experimental, feita por alguém, enquanto ninguém sabe qual será o
resultado dela? É óbvio que não. O que o funcionário pode fazer? Pode
negociar um favor, mas estará correndo um risco sem nenhuma
participação específica nos possíveis lucros. E qual o incentivo para o
inovador, o homem de idéias criativas? Nenhum.
6
Shakers: seita religiosa cristã fundada em 1747, na Inglaterra. Seus membros
migraram para os Estados Unidos em 1774. (N. do T.)
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XVII. A Ficção da Propriedade Pública
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
O
utra afirmação sobre a propriedade revela o nível mental
primitivo dos coletivistas: a proposta de “abolir a herança de
propriedade”. Uma vez que a propriedade é constituída de
objetos tangíveis1, só existem duas maneiras pelas quais a herança
poderia ser abolida. Os objetos seriam destruídos ou declarados como
não sendo mais propriedade, tendo seu uso impedido. A terra de um
homem morto voltaria a ser selvagem. Povos primitivos ou bárbaros
algumas vezes adotaram esse caminho, quando os bens e posses do
falecido eram enterrados com ele e sua cabana queimada, ou quando o
navio do viking se transformava em sua pira funerária, ou acampamentos
antes ocupados eram abandonados.
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
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Portanto, o que se deseja é um meio de troca, algo pelo qual tudo o mais
possa ser trocado, de maneira que participe de todas as transações como
a unidade de valor, e sirva para um número indeterminado de transações,
um uso infinito. Se a libra de queijo tivesse sido trocada por certa massa
de metal precioso, um dólar, e o dólar por duas jardas de tecido e, então,
novamente, por dois galões de batatas e, novamente, por duas horas de
trabalho e, outra vez, por cinco maçãs, cada item valeria um dólar e
todos juntos valeriam cinco dólares. Se todos os bens fossem
consumidos, o dólar permaneceria, para dar continuidade à seqüência de
trocas. Além disso, se um homem que possuísse bens perecíveis,
4
John Maynard Keynes (1883 – 1946): economista britânico que fundou a escola de
pensamento econômico chamada keynesianismo, caracterizada por forte intervenção
do governo na economia, controle do valor da moeda e tentativas governamentais de
induzir o crescimento econômico por meio da redução das taxas de juros e
desestímulo à poupança. (N. do T.)
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
O valor do ouro não foi nem é estabelecido por fiat, da mesma maneira
que o valor do queijo, ou do algodão ou do couro não foram
determinados por fiat. O ouro tem valor porque atende a uma
necessidade vital. Nada pode ter seu valor dado por fiat. Se uma
moeda de ouro da República Romana fosse desenterrada hoje, teria seu
valor original mantido, embora a República Romana tenha perecido há
dois mil anos. O mesmo para um rublo de ouro russo cunhado pelos
czares ou uma moeda de ouro da Alemanha ou da França datadas de
antes de 1914, embora o último czar tenha sido fuzilado num porão, o
último imperador alemão tenha fugido do país e morrido no exílio e a
França tenha sofrido invasão e conquista. Mas o papel-moeda da Rússia,
da Alemanha ou da França de antes de 1914 hoje é inútil.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
não serão entregues, o papel não tem valor. Foi o que aconteceu na
Alemanha quando o papel-moeda era impresso embora não houvesse
ouro para resgatá-lo; e uma carroça cheia de papel-moeda não era
suficiente para comprar um ovo. Cheques também não são dinheiro; são
promessas de pagamento em dinheiro. Se assim não fosse, qualquer um
poderia fazer um cheque e obter bens em troca de nada.
Se alguém disser que qualquer coisa serve como dinheiro, desde que as
pessoas aceitem, vamos perguntar por que as pessoas não aceitam
“qualquer coisa”? Ofereça ao homem que diz “qualquer coisa serve
como dinheiro” um punhado de pedrinhas em pagamento de uma dívida.
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
Existe nessa pergunta — que tem sido feita por gente que não deveria
cair nesse truque — uma premissa implícita de que o confisco e
seqüestro do ouro pelos governos não faz ou não precisa “fazer diferença
nenhuma”. Se isso é verdade, porque os governos confiscam o ouro? A
menos que essa ação seja atribuída a um tipo de estupidez criminosa,
semelhante a de desocupados de rua que roubam coisas aleatoriamente,
obviamente isso deve fazer diferença.
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que possui uma nota de dólar tem dinheiro real depositado no governo.
Alguém levou minério de ouro à Casa da Moeda; por lei, ele tem o
direito de receber moedas na mesma quantidade menos uma pequena
porcentagem correspondente ao custo de cunhagem. Mas em vez de
levar o dólar real, alguém aceitou um certificado de depósito. O governo
nunca foi dono de ouro nenhum; recebeu permissão de guardá-lo até que
fosse solicitado. Como o governo também toma emprestadas grandes
quantias em títulos e gasta o dinheiro, se muitas pessoas quiserem seu
dinheiro de volta ao mesmo tempo, o governo não será capaz de pagar;
estará em moratória. O governo não possui ativos para cobrir suas
dívidas; a propriedade governamental não renderia muito dinheiro se
fosse vendida, porque não é produtiva; e, além disso, o credor não tem
como solicitar o pagamento ao sacador ou endossante. A contingência da
suspensão dos pagamentos em ouro pelo governo é inevitável enquanto
for permitido aos governos emitir papel-moeda e tomar dinheiro
emprestado. São poderes intrinsecamente perigosos; mas há dúvidas de
que essa questão ainda será analisada de maneira inteligente; ou, pelo
menos, isso só vai acontecer enquanto os homens aprenderem a pensar
de maneira mais corajosa. No presente, considera-se como um fato que
os governos devem ter esses poderes, assim como antigamente se
considerava que os reis e os nobres deviam ter certos poderes que foram
abolidos nas repúblicas. Seja como for, se os governos confiscam o ouro,
isso faz diferença imediatamente. A existência desse monopólio do ouro,
mantido à força, é o que tornou inevitável a Segunda Guerra Mundial.
Ele permite que governos como o da Alemanha e o da Rússia subvertam
a economia privada, transformando-a numa máquina de guerra e
deixando impotentes os cidadãos. O método pelo qual o objetivo
clandestino é alcançado é uma abstração permanente do valor do
dinheiro e um aumento da dívida nacional por meio de empréstimos
bancários.5
Outra vez, que diferença faz se o ouro existe ou não, uma vez que foi
expropriado pelo governo?
5
Quando a França quebrou por causa da Bolha do Mississípi, “os agentes da Mississipi
Company foram investidos do poder de fazer buscas nas casas e confiscar todo o
dinheiro cunhado que encontrassem… Também foram impostas multas pesadas. É
espantoso que as pessoas tenham suportado essa opressão com tanta paciência.”
(Saint-Simon) (N. da A.)
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
portanto, é necessário tomá-lo das pessoas para o bem delas. É claro que
nenhum governo conseguiria tomar posse de todo o ouro do mundo,
afundá-lo no mar e fechar todas as minas de ouro; mas um governo
conseguiria proibir o ouro, afundar todo o ouro que houvesse no país e
impedir a entrada de mais. Seria muito mais fácil fazer isso que proibir o
álcool, porque o ouro não pode ser fabricado. Por que o governo guarda
o ouro, depois de tê-lo tomado à força de seus proprietários?
Houve uma vez um governo que realmente proibiu o ouro e não guardou
nenhum metal consigo, na crença de que o ouro era ruim para o povo.
Foi o governo de Esparta. Mas os espartanos acreditavam que conforto,
conveniência e atividade eram ruins e que o trabalho era ignóbil. Os
espartanos usavam o ferro como moeda, porque ninguém seria capaz de
carregar uma quantidade suficiente de ferro para o comércio geral. A
intenção era manter a nação pobre, manter os cidadãos no nível da
economia de subsistência. O plano foi um completo sucesso. É
exatamente o que a proibição do ouro produz; reduz a nação a um nível
paralisado de pobreza e a mantém nessa condição. Mas os governantes
de Esparta também desejavam permanecer pobres eles mesmos. Não
usufruíam mais luxo que qualquer outro espartano; não mais que os
próprios escravos que faziam o trabalho. Mas, mesmo em Esparta, onde
a comida era distribuída pelo governo num sopão geral, alguma coisa
precisou ser usada como dinheiro e esse material teve de ter valor
intrínseco.
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
Ela diz que a Alemanha está “vencendo a guerra porque luta usando uma
economia industrial e de engenharia”, enquanto os Aliados “lutam
usando uma economia financeira”.6 Também diz que “Thorstein Veblen7
sabia tudo sobre” essa economia e que “na Alemanha, Walther
Rathenau8 tentou colocá-la em prática” primeiro. Chamam esse processo
de “tirar o pesado pé financeiro dos freios e deixar o maquinário
6
Carl Dreher (que também cita Dorothy Thompson) na Harper’s Magazine. (N. da A.)
7
Thorstein Veblen (1857 – 1929): economista e sociólogo americano. Foi um crítico
popular do capitalismo e defendia a propriedade estatal da indústria. (N. do T.)
8
Walther Rathenau (1867 – 1922): industrial, político, escritor e estadista alemão, foi
Ministro das Relações Exteriores da Alemanha durante a República de Weimar. (N. do
T.)
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
Uma pessoa desonesta poderia introduzir fios ocultos para roubar parte
da corrente sem indicação do medidor; ou poderia fazer lançamentos
falsos nas contas financeiras.
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XVIII. Por que Dinheiro Real é Indispensável
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XIX. Crédito e Depressões
C
omo a produção é executada ao longo do tempo, o crédito surge
como uma conseqüência natural. O crédito é moldado nos
processos da natureza. Quando um homem planta alguma coisa
na expectativa de uma colheita, está gastando bens e trabalho no presente
para um retorno no futuro, com o risco correspondente de perda. O
próximo passo é óbvio; um homem pode adiantar bens para outro em
troca de um retorno subseqüente. Não existe nenhuma razão para supor
que o dinheiro tenha criado o crédito, embora eles possam ter se
desenvolvido simultaneamente. O dinheiro é o único meio pelo qual
trocas adiadas1 de bens podem ser realizadas sem crédito. Mas os
homens concedem crédito e não é possível convencê-los a deixar essa
prática, porque está em sua natureza. Em virtude de sua mente, o homem
trabalha através do tempo e do espaço. O impulso não é a ganância, mas
a faculdade criativa e expansiva. O risco adicional é aceito por causa da
extensão maior e mais rápida do poder sobre a natureza.
1
SCHERMAN, Harry. The Promises Men Live By. Random House. O sr. Scherman
cunhou a expressão “trocas adiadas”. (N. da A.)
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XIX. Crédito e Depressões
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2
Um especialista em transportes com amplo conhecimento geral e experiência prática
(Robert Selph Henry, assistente do presidente da Associação de Ferrovias Americanas)
sugeriu que as grandes depressões de negócios do século dezenove aconteceram logo
depois de momentos em que a rápida expansão da infra-estrutura de transportes
avançou além do desenvolvimento geral do país. Qualquer desproporção nessa
estrutura teria conseqüências diretas em todo o sistema, de maneira previsível. Mas,
enquanto o financiamento vinha de capital empresarial privado, essa condição se
autocorrigia.
O sr. Henry diz: “No caso das depressões anteriores, o novo sistema de transporte,
embora criado mais antes de ser viável economicamente, com o tempo se justificou e
se pagou, porque era inerentemente muito mais eficiente e econômico que o sistema
de transportes anterior […] Isso já não foi verdade depois da depressão de 1929 […]
Uma possível razão para essa diferença é que o novo sistema, (super-highways,
melhorias nas hidrovias internas, aeroportos federais, etc.) no qual mais dinheiro foi
gasto em duas décadas do que havia sido gasto com as ferrovias em mais de um
século, não cumpria essas condições. Sua manutenção e operação não são mais
baratas que as do sistema anterior, mas tremendamente mais caras. Outra diferença
importante é que, enquanto mais de 98% do investimento em ferrovias veio de fundos
privados e, portanto, estava sujeito ao teste inescapável de realidade econômica,
aproximadamente 85% dos investimentos recentes em transportes vieram de fundos
públicos, que estão isentos daquele teste extremo.”
Em resumo, uma grande quantidade de energia vai para formas estáticas e uma
corrente contínua ainda vai para um fio-terra por meio dessas formas. Não é apenas
uma perda líquida, mas um vazamento permanente. (N. da A.)
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XIX. Crédito e Depressões
A noção de que deve haver algo errado com o dinheiro real porque ele
não paga automaticamente dívidas ruins é uma ilusão tão completamente
irracional que parece estar além do alcance das evidências ou da lógica.
Aparentemente, deriva do fato de que o crédito, que é uma dívida, tem
de ser computado em dinheiro. A soma das dívidas então pode ser dez
ou vinte ou mil vezes o total de dinheiro real existente; porque o mesmo
dinheiro pode pagar uma série infinita de dívidas em seqüência. Se vinte
milhões de alqueires de trigo fossem vendidos e somente dez milhões de
alqueires existissem, de fato não haveria trigo suficiente para cumprir o
contrato; mas, nesse caso, ninguém iria dizer que deve haver algo errado
com o trigo como commodity; muito menos que a situação poderia ser
resolvida chamando-se meio alqueire de trigo de um alqueire.
Certamente, se um homem se comprometeu a entregar o trigo que espera
adquirir e não consegue obtê-lo até o momento combinado para a
entrega, dificilmente alguém iria propor que o trigo fosse tomado de
outro homem que o possuísse, para completar uma transação na qual o
3
O ponto mais fraco de um sistema de crédito é que um lucro presumido é
contabilizado pela agência financeira (o banco ou a corretora de investimento)
quando uma dívida é feita, não quando é paga. (N. da A.)
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dono do trigo jamais entrou. Mas é o que é feito com dinheiro em uma
crise.
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XIX. Crédito e Depressões
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4
Paradoxalmente, embora o socialismo não tolere a livre iniciativa, a estrutura
política da livre iniciativa pode abrigar todo tipo de associação cooperativa, na plena
extensão de seu funcionamento prático. O engenheiro elétrico socialista, Steinmetz,
trabalhando para a General Electric, não quis receber uma compensação fixa,
preferindo retirar todos os recursos que achou que precisava; e seu desejo foi
realizado, numa conta aberta — o que seria impossível no socialismo! O acordo foi
realizável nesse caso simplesmente porque foi submetido à decisão privada e à
vontade das partes envolvidas.
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XIX. Crédito e Depressões
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5
Thomas Babington Macaulay (1800 – 1859): historiador e político britânico. (N. do T.)
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XIX. Crédito e Depressões
6
James J. Couzens (1872 – 1936): industrial e político, foi prefeito de Detroit de 1919 a
1922 e senador pelo Estado de Michigan entre 1922 e 1936. Foi sócio de Henry Ford
desde a fundação da Ford Motor Company, em 1903 até 1919. (N. do T.)
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parar. Por fim, a principal corrente de energia foi desviada para o canal
político.
7
Herbert Spencer (1820 – 1903): filósofo e cientista britânico. Foi um importante
pensador liberal clássico. (N. do T.)
8
Elihu Root (1845 – 1937): advogado e político americano. Foi Secretário da Guerra
dos presidentes William McKinley e Theodore Roosevelt, entre 1899 e 1904 e senador
por Nova York. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1912, por seus esforços para
promover negociações e cooperação entre nações em litígio. (N. do T.)
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XIX. Crédito e Depressões
“Isto não é, de forma alguma, uma medida para criar uma moeda elástica.
Não cria uma moeda elástica. Cria uma moeda expansiva, mas não elástica.
Cria uma moeda que pode crescer, sempre crescer, mas não uma moeda para
a qual a lei contenha qualquer medida que provoque a redução […] Com a
reserva inesgotável do Governo dos Estados Unidos fornecendo dinheiro fácil,
as vendas crescem, os negócios aumentam, mais empresas novas são criadas,
o espírito do otimismo permeia a comunidade. Os banqueiros não estão
isentos desse espírito. São humanos. Os membros do Federal Reserve Board
também não estão. São humanos. O mundo inteiro segue uma onda crescente
de otimismo. Todos estão ganhando dinheiro. Todos estão enriquecendo. Isso
cresce e cresce […] até que, finalmente, alguém quebra […] e a estrutura
inteira desmorona. Não vejo nesta lei […] nenhuma influência interposta por
nós contra a ocorrência daqueles períodos de prosperidade falsa e ilusória, que
terminam inevitavelmente em ruína e sofrimento. Porque os resultados mais
terríveis do despertar das pessoas desse sonho não se encontram nos bancos
— não: nem mesmo nas empresas. Encontram-se entre os milhões que
perderam os meios de ganhar o pão diário.”
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XX. O Humanitário com a Guilhotina
A
maior parte dos males do mundo é causada por boas pessoas, e
não por acidente, lapso ou omissão. É o resultado de ações
deliberadas, feitas com longa perseverança, que essas pessoas
acreditam fazer motivadas por altos ideais e almejando fins virtuosos.
Pode-se provar que isso é verdade; não poderia ser diferente. A
porcentagem de pessoas positivamente mal-intencionadas, viciosas ou
depravadas é necessariamente pequena, porque nenhuma espécie poderia
sobreviver se seus membros fossem habitual e conscientemente
predispostos a prejudicar uns aos outros. A destruição é tão fácil que
mesmo uma minoria com intenções persistentemente más conseguiria
em pouco tempo exterminar a maioria incauta de pessoas de boa
vontade. Assassinato, roubo, pilhagem e destruição estão facilmente ao
alcance de todos os indivíduos a qualquer momento. Se supusermos que
só podem ser evitados pelo medo ou pela força, se todos os homens
possuíssem uma mentalidade maligna, o que temeriam, ou quem imporia
a força contra eles? Certamente, se fosse computado todo o mal causado
por criminosos obstinados, concluiríamos que a quantidade de
homicídios e a extensão dos danos e perdas é desprezível na soma total
de mortes e devastação produzidas contra os seres humanos por seus
pares. Portanto, é óbvio que, em períodos em que milhões são
massacrados, pratica-se a tortura, impõe-se a fome e a opressão se torna
uma política, como ocorre hoje em grande parte do mundo e como
ocorreu com freqüência no passado, isso deve ser por ordem de muitas e
muitas pessoas boas, e mesmo por sua ação direta, pelo que elas
consideram que seja um objetivo justo. Quando não são os executantes
imediatos, são culpados de aprovar, de criar justificativas ou ainda de
esconder fatos com o silêncio e com discussões diversionistas.
É óbvio que isso não poderia acontecer sem causa ou razão. E deve ficar
claro, no trecho acima, que “boas pessoas” significa “boas pessoas”:
pessoas que não agiriam por sua própria intenção consciente com o
objetivo de ferir seus semelhantes, e não propiciariam tais atos, nem por
perversão, nem para obter benefícios pessoais para si mesmas. Boas
pessoas desejam o bem a seus semelhantes e desejam guiar suas próprias
ações de acordo com isso. Além disso, não quero deduzir nenhuma
“transmutação de valores”, que confunda o bem e o mal, nem sugerir que
o bem produz o mal, ou que não há diferença entre o bem e o mal, ou
entre pessoas bem e mal-intencionadas; nem tampouco que as virtudes
das boas pessoas não são realmente virtudes.
- 219 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Então, deve haver um erro muito grave nos meios pelos quais elas
buscam alcançar seus fins. Deve haver mesmo um erro em seus axiomas
primários, que permitem que elas continuem usando tais meios. Alguma
coisa está terrivelmente errada no método, em algum lugar. O que é?
1
Barão Gilles de Retz, ou de Rais (1405 – 1440): cavaleiro bretão, líder do exército
francês e companheiro de armas de Joana d’Arc, foi enforcado pelo assassinato em
série de um número indeterminado de crianças. Não se sabe ao certo se ele era
culpado ou não. (N. do T.)
2
Oliver Cromwell (1599 – 1658): chefe de estado e governo da Inglaterra, Escócia e
Irlanda entre 1653 e 1658, com o título de Lorde Protetor, depois da decapitação do
rei Carlos I, em 1649. (N. do T.)
3
Pedro, o Grande (1672 – 1725): czar e imperador da Rússia entre 1682 e 1725. (N. do
T.)
- 220 -
XX. O Humanitário com a Guilhotina
- 221 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
4
Esmoler: em inglês, almoner. Capelão ou funcionário da igreja encarregado da
distribuição de donativos aos pobres. (N. do T.)
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XX. O Humanitário com a Guilhotina
O que um ser humano pode realmente fazer por outro? Ele pode doar, a
partir de seus próprios fundos e de seu próprio tempo, qualquer coisa que
tenha de sobra. Mas não pode conceder capacidades que a natureza tenha
negado ao outro; nem entregar seus meios de subsistência sem tornar-se
ele mesmo dependente. Se dá o que ganha, precisa ganhar antes. Sem
dúvida, ele tem direito a uma vida doméstica, se puder sustentar esposa e
filhos. Deve, portanto, reservar o suficiente para si e para sua família,
para continuar a produção. Nenhuma pessoa, mesmo que sua renda seja
de dez milhões de dólares por ano, pode cuidar de cada caso de
necessidade do mundo. Mas, supondo que não possua meios próprios, e
ainda imagine que possa fazer com que “ajudar os outros” seja o seu
objetivo primário e modo normal de vida, o que é a doutrina central do
credo humanitário, como ele vai por isso em prática? Foram publicadas
listas dos Casos Mais Necessitados, certificadas por fundações de
caridade seculares que pagam polpudos salários a seus funcionários. Os
necessitados foram investigados, mas não ajudados. Das doações
recebidas, os funcionários pagam primeiro a si mesmos. Isso é
embaraçoso até para a costumeira cara-de-pau do filantropo profissional.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 224 -
XX. O Humanitário com a Guilhotina
As boas pessoas concedem o poder que ele pede porque aceitaram sua
falsa premissa. O avanço da ciência deu a essa premissa uma
plausibilidade ilusória, com o aumento da produção. Já que existe o
suficiente para todos, porque os “necessitados” não podem ser
sustentados primeiro e a questão ser assim resolvida permanentemente?
- 225 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
Muito bem; teria o garoto da fazenda feito alguma coisa errada quando
saiu de lá, onde tinha o suficiente para comer, e foi para Chicago pela
possibilidade de conseguir um emprego?
Se a resposta for sim, então deve existir um poder legítimo que o impeça
de deixar a fazenda sem permissão. O poder feudal fazia isso. Não
podia impedir as pessoas de passar fome; simplesmente as obrigava a
passar fome exatamente onde nasceram.
Mas, se a resposta for não, o garoto da fazenda não fez nada de errado,
ele tinha o direito de correr aquele risco, então, o que exatamente pode
ser feito para assegurar que ele não terá má sorte quando chegar ao
destino que escolheu? Será que um emprego deve estar disponível para
qualquer pessoa, em qualquer lugar para onde decida ir? Isso é absurdo.
Não pode ser feito. Ela tem direito a algum tipo de assistência, quando
chegar lá, desde que decida ficar; ou, pelo menos, a uma passagem de
volta para casa? É igualmente absurdo. A demanda seria infinita;
nenhuma abundância de produção conseguiria cobri-la.
5
John Masefield (1878 – 1967): poeta e escritor inglês, Poeta Laureado do Reino
Unido de 1930 até sua morte. (N. do T.)
- 226 -
XX. O Humanitário com a Guilhotina
6
US$1,00 de 1943 equivale a cerca de US$110,00 de 2014. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
família poderia deixar a empresa falir e tomar posse dos ativos, e esses
ativos, depois da falência, poderiam não valer nada. É impossível obter
qualquer coisa da produção antes de garantir sua manutenção.
Além disso, é claro que sua família poderia hipotecar as ações, entregá-
las à “administração” de algum amigo “benevolente” — já se viu esse
tipo de coisa acontecer muitas vezes — e, então, não receberiam o
dinheiro de qualquer maneira. É mais ou menos o que acontece com
organizações de caridade que recebem doações. Sustentam uma porção
de bons amigos em empregos bacanas.
- 228 -
XX. O Humanitário com a Guilhotina
governo não tem “direitos” sobre esse assunto, mas apenas uma
autoridade delegada.
Por outro lado, o que o poder político tem condições de fazer? Um dos
supostos “abusos” do capitalismo é a sweatshop7. Imigrantes vieram
para a América sem um centavo, ignorantes do idioma e sem capacitação
profissional; foram contratados por salários muito baixos, trabalhavam
longas horas em ambientes sujos e considera-se que eram explorados.
7
Sweatshop: estabelecimento em que os empregados trabalham longas horas,
recebendo salários muito baixos, em condições ambientais ruins. Essa expressão é
muito comum em inglês. Mantive no original porque não achei um equivalente
igualmente expressivo. (N. do T.)
- 229 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 230 -
XX. O Humanitário com a Guilhotina
filantropo pode apenas desviar energia de tal maneira que não haja
retorno para a produção e, portanto, diminui a chance de que o objeto de
sua caridade encontre emprego.
8
Thomas Alva Edison (1847 – 1931): inventor e empresário americano. Desenvolveu
diversos dispositivos que influenciaram enormemente a vida em todo o mundo,
incluindo o fonógrafo, uma câmera para filmar e um modelo de lâmpada elétrica
viável comercialmente. Foi um dos primeiros inventores a aplicar os princípios de
produção em massa e de grandes equipes de trabalho ao processo de invenção.
Considera-se que ele criou o primeiro laboratório industrial de pesquisas. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
9
Robert Owen (1771 – 1858): reformador social galês e um dos fundadores do
socialismo utópico e do movimento cooperativista. (N. do T.)
- 232 -
XXI. Nosso Sistema Educacional Niponizado
1
Isabel Paterson se refere ao século 19. (N. do T.)
2
Por volta de 1900. (N. do T.)
3
Patrick Lafcadio Hearn (1850 – 1904): escritor que estudou a cultura e a sociedade
japonesas. Nasceu numa ilha grega, de pai irlandês e mãe grega. Foi criado na Irlanda.
Emigrou para os Estados Unidos aos 19 anos. Mudou-se para o Japão aos 40 anos,
onde viveu o restante de sua vida. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
O objetivo final vem do ideal social japonês. Por mais de mil anos, pelo
menos, o mais puro altruísmo é ensinado aos japoneses, no culto
comunal. “A simples idéia de que alguém tenha o direito de fazer o que quiser
não entra na mente japonesa. […] O tempo e o esforço de um homem jamais
podem ser considerados exclusivamente seus. Seu direito de viver repousa
unicamente em sua disposição de servir à comunidade. O indivíduo foi
completamente sacrificado em nome da comunidade. […] Cada membro de
uma comunidade deve observar cuidadosamente a conduta de seus
companheiros.” Para que não pudesse haver nenhuma chance de iniciativa
ou escolha pessoais, todo o trabalho era completamente controlado por
guildas; e todos os bens eram distribuídos pela autoridade, de maneira
que a quantidade e o tipo de posses que uma pessoa poderia ter era
determinado minuciosamente. Um pai não poderia comprar nem mesmo
uma boneca de papel adicional para sua filha. Qualquer desvio de
4
HEARN, Lafcadio. Japan: an interpretation. Macmillan, 1894. (N. da A.)
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XXI. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
5
Amos Bronson Alcott (1799 – 1888): professor, escritor e filósofo reformista
americano. (N. do T.)
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XXI. Nosso Sistema Educacional Niponizado
6
Free education: no contexto, significa “educação gratuita”, mas literalmente, seria
“educação livre”.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
7
O Estado de Tennessee v. John Thomas Scopes (1925): famoso processo legal pelo
qual o professor substituto John Scopes foi acusado de violar o Butler Act, do estado
de Tennessee, que havia tornado ilegal o ensino da evolução humana em qualquer
escola pública. Scopes não tinha certeza se de fato havia dado aulas sobre esse
assunto, mas se incriminou de propósito para que o processo tivesse um réu. Scopes
foi condenado a uma multa de 100 dólares, mas o veredito foi anulado por uma
questão técnica. (N. do T.)
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XXI. Nosso Sistema Educacional Niponizado
8
Por volta de 1890. (N. do T.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
automóveis? Isso não foi feito na escola, nem poderia ser. A habilidade
prática pela qual o homem médio ganha a vida não é aprendida na
escola. Não existe razão para supor que as crianças não seriam
ensinadas. Antes da Guerra Civil, alguns estados do sul aprovaram leis
tornando crime ensinar um escravo a ler e escrever. Isso significa que o
desejo de aprender e a disposição de propagar o conhecimento são tão
espontâneos e universais que só podem ser impedidos por punições
legais, mesmo que o abismo social seja o que existe entre senhor e
escravo.
9
PRATT, Wallace E. Oil in the Earth. University of Kansas Press. (N. da A.)
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XXI. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XXII. O Circuito de Energia em Tempos de
Guerra
A
guerra é uma demonstração em grande escala da natureza do
governo como mecanismo e de sua relação com o fluxo de
energia. A principal razão pela qual o governo é identificado
com o poder é que a autorização e condução da guerra são prerrogativas
da agência política; mas, se essa impressão for examinada como uma
proposição da Física, descobriremos que a verdade é o contrário. O
governo é estrutura repressiva e mecanismo expropriante, pelos quais,
em tempos de paz, a energia dos cidadãos é protegida do canal guerreiro
e represada, para ser liberada — não originada ou criada — quando a
guerra começa. O poderio está antes da barragem. Não está no exército,
mas na nação, uma vez que consiste em um excedente de produção, tanto
em efetivo pessoal como em materiais. Um exército mobilizado é
subtraído da produção e só pode funcionar se houver um suprimento
contínuo fornecido pela vida civil da nação. É um produto acabado.
Assim, nações e impérios de longa duração são sempre aqueles de
caráter civil e sempre parecem estar despreparados para a guerra.
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
1
Patria potestas: instituição romana pela qual o homem mais velho de uma casa tinha
completo controle sobre toda a família, até sua morte. (N. do T.)
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
Cem Anos2, as Guerras das Rosas3 e a Guerra dos Trinta Anos4 foram
desse tipo. A perda de controle é mais evidente na Guerra dos Trinta
Anos. A autoridade do Sacro Imperador Romano-Germânico era
nominalmente válida para recrutar um exército; mas as receitas diretas
do imperador eram inadequadas para sustentar grandes forças em campo,
por qualquer período de tempo. O imperador, portanto autorizou um
soldado aristocrático de posses, o Conde Wallestein5, a recrutar soldados
e sustentá-los por pilhagem ou tributos forçados. Outros soberanos, por
seus próprios objetivos, contribuíam com Wallenstein com subsídios em
dinheiro de tempos em tempos. Como resultado, não havia controle
efetivo sobre o exército de Wallenstein; o imperador não podia
desmobilizá-lo quando quisesse; os soldados vagavam como bandos de
lobos, devastando o país e cometendo atrocidades horripilantes. Quando
veio a paz, foi a paz da desolação, com o exército desmobilizado pela
fome e a zona rural quase despovoada. Foi praticamente o fim do Sacro
Império Romano-Germânico. E o efeito teria sido exatamente o mesmo
se o Imperador estivesse em posição de tomar todos os recursos de seus
súditos para uso militar; nos dois casos, a situação é que a agência
militar não está sob controle do elemento produtivo. A Europa,
atualmente, está em uma guerra do mesmo tipo. Os governos tomaram o
controle de todos os recursos de suas nações. Todos os exércitos estão
lutando sustentados pelo retorno decrescente de seus recursos de capital
e alguns subsídios da América. Não têm como esperar voltar à vida civil
porque não existe vida civil; também não são soldados profissionais;
portanto, lutam sem objetivo. O problema obscuro é escondido pelo
problema aparente; o problema obscuro é que não há controle sobre os
exércitos. (Quando um automóvel não pode ser parado pelas pessoas que
estão dentro dele, está fora de controle.) Os comandantes nominais dos
exércitos da Europa não ousam deixá-los ir para casa. Os exércitos são
porções imensas de massa deslocada colidindo uns contra os outros pela
energia cinética; e os soldados foram isolados tanto do passado como do
2
Guerra dos Cem Anos (1337 – 1453): guerra entre a Inglaterra e a França, que
terminou com a derrota da Inglaterra. (N. do T.)
3
Guerras das Rosas (1455 – 1487): série de guerras dinásticas pelo trono da Inglaterra,
entre a Casa de Lancaster e a Casa de York. As guerras terminaram com a vitória de
Henrique Tudor, da Casa de Lancaster, contra Ricardo III, da Casa de York. Ele foi
coroado como Henrique VII e casou-se com Elizabeth de York, filha de Eduardo IV,
unindo as duas Casas. (N. do T.)
4
Guerra dos Trinta Anos (1618 – 1648): um dos maiores conflitos da história da
Europa, lutado entre estados católicos e protestantes. (N. do T.)
5
Conde Albrecht Wensel Eusebius Von Wallenstein (1583 – 1634): líder militar da
Boêmia, ofereceu seu exército de mais de 30.000 homens ao Sacro Imperador
Romano-Germânico Fernando II e tornou-se o supremo comandante dos exércitos da
Monarquia de Habsburgo. Foi destituído pelo Imperador e pensou em se aliar aos
protestantes, mas foi assassinado antes disso. (N. do T.)
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
O erro de uma nação que faz guerra gastando seu capital, pensando em
vencer antes que as reservas se esgotem, é que ela assumiu um gasto
incalculável sustentado por uma quantidade limitada. Cortou a
alimentação e está funcionando a bateria; mas a energia em uma bateria
é uma quantidade fixa, enquanto o tempo futuro que uma guerra vai
durar e o consumo de energia resultante que será exigido ao longo do
tempo jamais podem ser conhecidos previamente. A única certeza é
que a relação que essas conjecturas ignoram — o fato de que se o capital
está sendo exaurido; mais energia é tirada do circuito que o excedente
provê — é uma fórmula para a derrota; a nação ficará cada vez mais
fraca. Se a força militar não é mais que o que o excedente de energia
provê, é pelo menos uma potência permanente, estendendo-se ao infinito
e pode, portanto, manter-se esperando a vitória final por um período
indeterminado.
O tempo está ao lado da nação que aumenta sua produção geral. O tempo
é neutro para a nação que mantém a produção geral em seu nível
anterior. O tempo é mortal para a nação que luta com seus recursos de
capital.
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
6
A distinção entre um “problema aparente”, ou seja, um sintoma ou efeito superficial
enganoso, e o “problema obscuro” real, que é a verdadeira causa, foi feita por Charles
F. Kettering. (N. da A.)
7
A subsistência das pessoas que trabalham na produção tem de incluir a subsistência
de todos de alguma maneira envolvidos por toda a economia, com suas famílias ou
outros dependentes. Mas a subsistência para a alta produção também significa a
manutenção, reposição e melhoria dos bens de capital da nação — maquinário,
edificações, equipamento agrícola, gado e suprimentos de reserva de todos os tipos,
suplementares ao sistema. (N. da A.)
- 251 -
Isabel Paterson O Deus da Máquina
8
Não estou querendo dizer que aviões sozinhos constituem uma força militar eficaz
para uma nação de alta energia. O gerador é o produto e o meio de produção da
economia capitalista de livre iniciativa e propriedade privada. Ele torna possível o mais
alto potencial e fluxo de energia conhecidos. Conseqüentemente, permitiu a invenção
de encouraçados, tanques, artilharia, bombas, aviões — de força, velocidade e alcance
inéditos. Condições e circunstâncias variáveis determinam a combinação, proporção e
relação dominante ou auxiliar mais efetiva dessas diferentes formas de armamento,
com o concomitante efetivo militar. Essa questão pertence necessariamente às
autoridades políticas e militares. Elas não serão infalíveis, mas a autoridade tem de ser
confiada a elas, porque é o único lugar onde pode residir. O avião mencionado aqui é
o desenvolvimento mais recente do poder transcendente na guerra, mas não exclui o
uso de outras armas. Assim, posso dizer apenas que o avião é indicado como
particularmente adaptado, por sua velocidade, para proteger as linhas de um longo
circuito de energia. Também é o armamento de uma nação pacífica, já que, sozinho,
não é um meio de conquista, mas de defesa e retaliação adequada. (N. da A.)
- 252 -
XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
A lição é que a energia para uso militar deve ser tirada do circuito apenas
como produto acabado, para que se atinja a máxima força combatente
sustentável. Além disso, um homem não é nem um meio nem um
produto; sua competência em uma tecnologia avançada é desenvolvida
por ele mesmo; portanto, só pode se tornar disponível efetivamente por
sua própria vontade. É possível recrutar homens e ordenar que
9
Charles F. Kettering (1876 – 1958): inventor, engenheiro e empresário americano,
detentor de 186 patentes. Suas invenções mais utilizadas foram o motor elétrico de
partida e o aditivo para gasolina chumbo tetraetila. Também inventou o fréon, usado
em refrigeradores e aparelhos de ar condicionado. (N. do T.)
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
10
O falecido Dwight Morrow relatou complacentemente como tantas ações japonesas
foram vendidas em uma cidade da Califórnia! A energia transferida por essas ações
retornou como bombas em Pearl Harbor e Manila. (N. da A.)
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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XXIII. A Economia Dinâmica do Futuro
O
s selvagens primitivos sabem como fazer fogo por fricção.
Devem ter descoberto o processo há dezenas de milhares de
anos. Porém, até a metade do século 18, os cientistas debatiam se
o calor era ou não um elemento material (uma “substância
indestrutível”), embora já estivessem testando máquinas a vapor. Assim,
um princípio pode ser posto em prática muito antes de ser entendido ou
definido. Portanto, não é estranho que o fato óbvio de que um sistema de
alta produção funciona em um longo circuito de energia não tenha sido
percebido e que as leis gerais que governam sua criação e manutenção
não tenham sido formuladas. Mesmo a definição de energia atrapalhou o
entendimento das condições de seu uso estendido pelos seres humanos
para seu próprio benefício. A definição é confinada à medição por seus
efeitos; e nenhum projeto viável de um aparato mecânico pode ser
concebido exceto de acordo com essa medição. Contudo, isso obscurece
o problema principal da utilização da energia através de um sistema de
produção; porque o homem faz parte do circuito de energia que ele
mesmo utiliza e, assim, introduz um fator que não responde à medição.
Como o homem possui uma função tripla no circuito, sua intervenção é
triplamente confusa. Parte da energia é convertida e transmitida
literalmente por seu corpo físico, numa quantidade mensurável, como
por exemplo quando um homem empurra um carrinho de mão; mas, no
longo circuito, ou sistema de alta energia, essa parte é pequena
comparada com a quantidade convertida e usada por meio de materiais
inanimados. Outra função do homem no circuito de energia usa uma
quantidade de energia extremamente variável e praticamente não-
mensurável, no esforço intelectual de invenção ou descoberta de
dispositivos para absorver a energia universal; o retorno desse esforço é
incomensurável com qualquer estimativa possível da energia aplicada.
Então, entra em cena a terceira função do homem em seu circuito de
energia, causando ainda mais confusão de pensamento sobre o assunto.
O que o homem faz em sua terceira relação com o circuito de energia é
dirigir a energia que absorveu e controlou. O homem que empurra um
carrinho de mão o dirige pela mesma ação. Sua mente envia o comando
diretamente por meio de seus músculos junto com a força aplicada.
Existe um imponderável, mas ele não pode ser separado da força
ponderável direta. Quando a energia é dirigida no longo circuito, isso é
feito por ações nas quais a força gasta não é simplesmente
incomensurável com o resultado, mas absolutamente não entra na
seqüência física específica da transmissão.
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- 260 -
XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
1
Wagner Act: Ato Nacional de Relações Trabalhistas, legislação trabalhista americana,
aprovada em 1935. Garante o direito dos trabalhadores se organizarem em sindicatos,
participarem de negociações coletivas e tomarem ações coletivas, incluindo greves.
(N. do T.)
2
Líderes trabalhistas acreditaram erroneamente que conquistaram uma vitória
quando o que eles chamam de “yellow dog contracts” foram proibidos. [N. do T.:
“Yellow dog contract”: contrato de trabalho que proíbe o empregado de pertencer a
um sindicato.] Não entenderam a natureza da lei. O “yellow dog contract” era um
acordo entre empregadores para não negociar com sindicatos. Embora isso seja
desagradável para os sindicalistas, esse acordo é exatamente do mesmo tipo que o
“closed shop contract”; [N. do T.: “Closed shop contract” acordo entre um empregador
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
Sua única segurança é reter para si uma base fixa a partir da qual possa
resistir firmemente; e essa base só pode ser a terra que ele possua. Caso
contrário, seu voto acaba privando-o de seu poder natural, ao invés de
permitir que ele o exerça. É o que acontece na democracia; ela libera
força de tal maneira que não há como existir controle. Porque o governo
também não tem o controle em uma democracia. A teoria de que todos
“participam” do governo nas democracias, se todos votam, não leva em
consideração a natureza da força física e a relação necessária entre
qualquer massa física em movimento e uma base sólida. A maior parte
das teorias abstratas de governo nos tempos modernos é completamente
errônea porque ignora a realidade física. Provavelmente, a falácia se
torna plausível porque o voto é apenas um pedaço de papel ou um toque
em uma máquina de votar; nenhuma energia física é transferida no ato
de votar; parece não ser mais que a expressão de uma opinião. Então, se
o representante toma posse apenas pela expressão formal de opinião ou
sinal, acredita-se que ele será suscetível às opiniões expressas a ele no
futuro. Ao contrário, como o representante tem o poder de liberar
energia física real, nenhum outro sinal será obedecido a menos que os
eleitores retenham em seu controle privado um poder de resistência
correspondente, mas preponderante, a qualquer má aplicação do
poder delegado a seus representantes. As ações representativas
paralelas sempre devem representar energia real.
Existe também uma falácia influente hoje, que é dita para negar a
necessidade da ação livre individual para criar e manter um sistema de
alta energia. Em algumas economias comparativamente livres, como a
Dinamarca e a Suécia, grande parte da organização econômica consiste
em associações cooperativas. Mas elas são marginais nas economias
dinâmicas. Colônias semi-socialistas, como a Nova Zelândia e a
Austrália, são ainda mais dependentes do individualismo em outros
lugares. Não criaram nenhuma das máquinas pelas quais obtém produção
em um nível confortável; não contribuíram com invenções ou melhorias;
vendem seu produto excedente no mercado livre. A ligação delas ao
circuito dinâmico permite que consigam um padrão de vida
moderadamente elevado, mas o nível é determinado pelo circuito.
Observadores superficiais dizem que as associações cooperativas podem
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
3
Empréstimos feitos por um governo a outro não atendem a nenhuma das condições
adequadas de crédito. O dinheiro emprestado pertence ao povo da nação que
concede o empréstimo, não às autoridades que o concedem; e tornam-se uma
obrigação do povo da nação que toma o empréstimo, não das autoridades que o
negociam e gastam o dinheiro. Não há garantias, nem meios de cobrança por ação
civil. Se a dívida não for paga, a guerra ou a ameaça de guerra são os únicos recursos.
Enquanto isso, a produção privada naufraga; a economia da nação que emprestou
tem de cobrir a perda do capital; enquanto a economia da nação que tomou o
empréstimo é oprimida pelo peso morto dos projetos governamentais (prédios,
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
exércitos, etc.) nos quais o dinheiro foi gasto. É uma fórmula infalível para o desastre.
(N. da A.)
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
A pior das falácias é acreditar que nada pode ser feito, que devemos ser
levados para o desastre e nos adaptarmos a ele. Se isso fosse verdade,
deveríamos morrer aos montes, com alguns miseráveis remanescentes
regredindo à selvageria; porque não existiria solução. Mas isso não é
verdade.
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XXII. Nosso Sistema Educacional Niponizado
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Isabel Paterson O Deus da Máquina
- 270 -
Sobre a autora
Aos 24 anos, casou-se com Kenneth Paterson. O casamento não foi feliz
e eles se separaram depois de 8 anos. Nesse período, Isabel Paterson
conseguiu um emprego no jornal americano Inland Herald, em Spokane,
no estado de Washington. Foi o início de uma carreira jornalística. Aos
28 anos, havia escrito dois romances, The Magpie's Nest e The Shadow
Riders, ambos publicados pela John Lane Company. Depois da Primeira
Guerra Mundial e de sua separação, mudou-se para Nova York, onde
trabalhou para o escultor Gutzon Borglum, autor do memorial do Monte
Rushmore. De 1924 a 1949, escreveu uma coluna de crítica literária no
New York Herald Tribune. Foi uma das mais influentes críticas de sua
época. Em 1928, aos 42 anos, naturalizou-se americana.
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Obras de Isabel Paterson
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