Você está na página 1de 13

Universidade Federal Fluminense - UFF

Curso de Ciências Sociais


Disciplina Libras I

ELLEN FERNANDA NATALINO ARAUJO

A situação linguística dos indígenas surdos no território brasileiro

Niterói
2017
A SITUAÇÃO LINGUÍSTICA DE INDÍGENAS SURDOS EM TERRITÓRIO
BRASILEIRO

Tatiane Militão de Sá1


Ellen Fernanda Natalino Araujo2

RESUMO

O objetivo principal do artigo é apresentar uma revisão da produção bibliográfica


referente aos sistemas de comunicação utilizados por indígenas surdos
pertencentes a povos situados em território brasileiro. De acordo com dados do
censo demográfico de 2010, há no Brasil 818 mil pessoas autodeclaradas indígenas,
305 etnias e 270 línguas orais distintas. Dentre estes fora registrada a existência de
8772 surdos os quais nada ou muito pouco ouvem (Brasil/ IBGE, 2012). São ainda
escassas as informações relativas as modalidades comunicativas empregadas pelos
indígenas surdos (VILHALVA, 2008). Na década de 1960 fora registrada por
Kakumasu (2005) a existência de uma língua de sinais entre os Urubu-Kaapor (LSK)
do Maranhão, analisando alguns aspectos linguísticos. Vinte anos depois, Ferreira
Brito (2010) voltou ao campo e produziu um estudo comparativo entre a LSK e
LIBRAS (PFAU et al, 2012, p. 557). A LSK é a única língua de sinais indígena
oficializada em território brasileiro. Apenas na última década é que vem sendo
desenvolvidas pesquisas mais sistematizadas acerca das línguas de sinais utilizadas
por surdos indígenas do país, tais como VILHALVA (2008, 2012), GIROLETTI
(2008), COELHO (2011, 2016), SUMAIO (2014), AZEVEDO (2015). De acordo com
Nonaka (2004), o estudo das línguas de sinais, inaugurado na década de 1960, vem
abordando de forma privilegiada as línguas de sinais nacionais, ignorando a
diversidade de línguas que coexistem em muitos territórios. É relevante portanto
ampliar os estudos das línguas de sinais indígenas, as quais possuem
características culturais e linguísticas próprias (VILHALVA, 2008, p.15), para que se
possa ampliar o “conhecimento dos aspectos linguísticos universais, dos tipos de
linguagem, e de um quadro histórico-comparativo da linguística” (NONAKA, 2004,
p.737).

PALAVRAS-CHAVE: índigenas, surdez, língua de sinais, LIBRAS

1
Docente de Libras – UFF, e-mail: tatimili2@yahoo.com.br
2
Graduanda do curso de Ciências Sociais, discente da disciplina Libras I – UFF, e-mail:
ellenfernanda.araujo@gmail.com
INTRODUÇÃO

De acordo com dados do censo demográfico de 2010, há no Brasil 818 mil


pessoas autodeclaradas indígenas, 305 etnias e 270 línguas orais distintas. Dentre
estes fora registrada a existência de 8772 surdos os quais nada ou muito pouco
ouvem (Brasil/ IBGE, 2012). São ainda escassas as informações relativas as
modalidades comunicativas empregadas pelos indígenas surdos (VILHALVA, 2008).
O objetivo principal do artigo é apresentar uma revisão da produção bibliográfica
referente aos sistemas de comunicação utilizados por indígenas surdos
pertencentes a povos situados em território brasileiro. Foram identificados cinco
trabalhos contemporâneos (desenvolvidos nos últimos dez anos), além de outro das
décadas de 1960 e 1980. Buscarei descrever propriamente a produção
contemporânea.
Tratam-se de cinco dissertações de mestrado realizadas em programas de
pós-graduação das áreas de educação GIROLETTI (2008) e COELHO (2011);
linguística VILHALVA (2009) e SUMAIO (2014); e letras (AZEVEDO, 2015). Tais
trabalhos foram desenvolvidos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
GIROLETTI (2008) e VILHALVA (2009), da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD) COELHO (2011), da Universidade Estadual Paulista Júlio
Mesquita Filho (UNESP) SUMAIO (2014) e da Universidade do Estado da Amazonas
(UEA) AZEVEDO (2015). As etnias indígenas focalizadas pelos autores concentram-
se nas regiões centro-oeste, sul e norte do Brasil, tais como os TERENA do Mato
Grosso do Sul, VILHAVA (2009), SUMAIO (2014); GUARANI KAIOWÁ do Mato
Grosso do Sul VILHALVA (2009) e COELHO (2011); KAIGANG de Santa Catarina
GIROLETTI (2008) e SATERÉ-MAWÉ do Amazonas AZEVEDO (2015).
De acordo com Nonaka (2004), o estudo das línguas de sinais, inaugurado na
década de 1960, vem abordando de forma privilegiada as línguas de sinais
nacionais, ignorando a diversidade de línguas que coexistem em muitos territórios. É
relevante portanto ampliar os estudos das línguas de sinais indígenas, as quais
possuem características culturais e linguísticas próprias (VILHALVA, 2008, p.15),
para que se possa ampliar o “conhecimento dos aspectos linguísticos universais,
dos tipos de linguagem, e de um quadro histórico-comparativo da linguística”
(NONAKA, 2004, p.737). Para além disso, o estudo e a preservação de uma língua
indígena em sua modalidade espaço-visual pode significar também a sobrevivência
e afirmação cultural de um povo” (SUMAIO, 2014, p.10).
Pretende-se apresentar a situação geral em que vivem os indígenas surdos,
suas modalidades expressivas e a relação das línguas de sinais indígenas com a
LIBRAS. os trabalhos aqui descritos nos permitem conhecer parcialmente a situação
em que vivem alguns indígenas surdos pertencentes a diversas etnias habitantes do
território brasileiro. Na maioria dos casos, como se pode depreender das pesquisas
reunidas, os indígenas surdos utilizam sinais caseiros ou emergentes para a
comunicação com seus familiares ouvintes. A frequência em escolas bilingues ou
com turmas com interpretes em LIBRAS, podem proporcionar a esses indígenas
surdos o fim do isolamento a que muitas vezes estão encerrados, permitindo a
convivência com pares e o consequente desenvolvimento dos sinais que utilizam no
âmbito familiar. Se a maioria das pesquisas aqui apresentadas ainda registram
apenas sinais caseiros, não se podendo falar da existência de uma língua de sinais
propriamente dita, com exceção talvez do caso Kaigang, esse cenário poderá mudar
no futuro se tal política de integração nas escolas indígenas com acesso a LIBRAS
perdurar.

CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA
O presente artigo pode ser aproximado do campo teórico dos estudos surdos.
Tal campo da linguística, conforme Skliar (2001), reúne pesquisas em educação, em
que identidades, línguas, a história, e a cultura da comunidade surda, são
focalizados e entendidos a partir da diferença e do seu reconhecimento político.
Outro viés dessa pesquisa é o eixo da Política Linguística, subárea da linguística
interessada em pensar as relações entre a língua e poder. Compete a esse campo
de estudo compreender os processos estatais de oficialização e preservação das
línguas, entre elas, aquelas desenvolvidas entre grupos étnicos pertencentes a
territórios nacionais (SEVERO, 2013).

CONTEXTUALIZAÇÃO METODOLÓGICA
Nosso método consistiu em um levantamento bibliográfico em sites de busca
na internet realizado a partir das expressão “indígenas surdos” e “língua de sinais
indígenas”, com a posterior seleção dos materiais mais relevantes, para a leitura,
fichamento e análise.
A pesquisa nos levou inicialmente a uma reportagem da Revista Nova Escola
intitulada ‘Fim do isolamento dos índios surdos’, publicada em dezembro de 2007,
assinada por Thaís Gurgel, a qual continha referências aos trabalhos incipientes das
pesquisadoras GIROLETTI e VILHALVA. Essas duas autoras podem ser situadas
no investimento recente nos estudos sobre o tema, especialmente VILHALVA,
linguista surda, que publicou, em 2012, como desdobramento de seu trabalho, um
livro que é referência para a área: 'Índios Surdos: Mapeamento da Língua de Sinais
do Mato Grosso do Sul'. Os demais autores COELHO, SUMAIO e AZEVEDO
também foram identificados a partir do aprofundamento das buscas pela internet.
Salvo engano, estes cinco trabalhos são os principais desenvolvidos acerca do
tema, uma vez que produzidos a partir de pesquisas de longa duração. Fazer
referência às teorias dos autores.

APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


O objetivo principal do artigo é apresentar uma revisão da produção
bibliográfica referente aos sistemas de comunicação utilizados por indígenas surdos
pertencentes a povos situados em território brasileiro. Foram identificados cinco
trabalhos contemporâneos (desenvolvidos nos últimos dez anos), além de outro das
décadas de 1960 e 1980. Buscarei descrever propriamente a produção
contemporânea. Tratam-se de cinco dissertações de mestrado realizadas em
programas de pós-graduação das áreas de educação GIROLETTI (2008) e
COELHO (2011); linguística VILHALVA (2009) e SUMAIO (2014); e letras
(AZEVEDO, 2015). Tais trabalhos foram desenvolvidos na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) GIROLETTI (2008) e VILHALVA (2009), da Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD) COELHO (2011), da Universidade Estadual
Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP) SUMAIO (2014) e da Universidade do Estado
da Amazonas (UEA) AZEVEDO (2015). As etnias indígenas focalizadas pelos
autores concentram-se nas regiões centro-oeste, sul e norte do Brasil, tais como os
TERENA do Mato Grosso do Sul, VILHAVA (2009), SUMAIO (2014); GUARANI
KAIOWÁ do Mato Grosso do Sul VILHALVA (2009) e COELHO (2011); KAIGANG de
Santa Catarina GIROLETTI (2008) e SATERÉ-MAWÉ do Amazonas AZEVEDO
(2015). Todos esses trabalhos fazem referência à única língua de sinais indígena já
registrada em território brasileiro, a dos Urubu-Kaapor, do Maranhão, identificada e
analisada pelo pesquisador canadense James Kakumasu na década de 1960, e
posteriormente pela linguista brasileira Ribeiro, na década de 1980, que buscou
marcar sua especificidade em relação à LIBRAS. Entre os Urubu-Kaapor cerca de
2% do contingente populacional era surdo, nas últimas décadas do século XX, em
decorrência de uma epidemia de bouba neonatal (ISA, 2017). Foi constatado que a
língua de sinais era compartilhada pelos surdos e pelos ouvintes, sendo toda a
comunidade bilingue (KAKUMASU).
O que parece ensejar esse investimento recente no estudo de línguas de
sinais entre povos indígenas no território brasileiro é, por um lado, o reconhecimento
da LIBRAS como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda,
tida como uma minoria linguística, estabelecida pela Lei 10.346 de 24 de abril de
2002, regulamentada pelo Decreto 5626 de 22 de dezembro de 2005, e a decorrente
recomendação de seu ensino às pessoas surdas, junto da língua portuguesa escrita,
desde as séries iniciais. A legislação prevê assim o direito a uma educação bilingue
à pessoa surda requerendo um ajustamento das instituições de ensino.
Uma das iniciativas governamentais baseadas nessas novas determinações
legais, fora a implantação do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos do
Ministério da Educação, que tinha como uma das metas a oferta de curso de
LIBRAS aos professores da educação básica para que pudessem estar aptos à
comunicação com alunos surdos. A pedagoga e linguista surda Shirley Vilhalva, que
trabalha com educação de surdos desde a década de 1990, integrou um desses
projetos no Mato Grosso do Sul visitando e conhecendo a realidade de diferentes
escolas indígenas daquele estado. A partir de sua constatação de que não havia
uma discussão sobre a existência de alunos surdos indígenas nesses espaços
escolares, e de seu interesse pelas línguas de sinais, Vilhalva decidiu por realizar
uma pesquisa como parte integrante do curso de mestrado em Linguística da UFSC,
a fim de registrar os sinais emergentes (detalharemos o conceito a seguir) das
comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. Tal pesquisa resultou em um
mapeamento dos indígenas surdos desse estado além de uma discussão acerca
dos sinais emergentes.
O trabalho de Marisa Giroletti (2008) também deriva de seu envolvimento
profissional com as políticas de educação para surdos em Santa Catarina. Na região
oeste do estado, ela atuou no ano de 2005 como docente do ensino em LIBRAS de
turmas do 1º e 4º ano e como intérprete em LIBRAS do 6º ano do ensino
fundamental da Escola Indígena Estadual Básica Cacique Vanhkre presente na
Aldeia Sede dos Kaingang, do município de Ipaçu. Os Kaigang estão entre os cinco
povos mais populosos do Brasil, com uma população estimada em 29 mil habitantes
à época da pesquisa de Giroletti (2008).
Num universo de 800 alunos, havia apenas dois estudantes surdos
matriculados na escola, os outros dez surdos que foram encontrados na aldeia
estavam excluídos do sistema escolar, alguns à margem mesmo da sociedade,
escondidos ou trancados em casa. A comunicação dos surdos Kaigang era precária
restringindo-se ao círculo familiar e realizada por meio de alguns “sinais caseiros”,
que correspondem a gestos e construções simbólicas convencionados entre a
pessoa surda e ouvintes próximos. Com a implantação das turmas com ensino em
Libras e a inserção de outros alunos surdos na escola, Giroletti considera ter havido
uma mudança significativa na capacidade de comunicação desses alunos. E que ao
lado da LIBRAS que iam aprendendo, os alunos surdos faziam uso de alguns sinais
diferentes, o que levou a pesquisadora a notar existência de sinais particulares à
etnia, conjunto que eram por eles denominados como Sinais Kaigang na Aldeia
(SKA) (GIROLETTI, 2008, p. 79).
Na avaliação que faz da política de educação para surdos implantada entre
os Kaigang, Giroletti ressalva que apesar desta incluí-los não o faz levando em
conta a especificidade cultural desse povo, uma vez que a língua de sinais ensinada
é aquela falada genericamente no Brasil, sem incorporação dos próprios sinais
criados no âmbito daquela cultura. Tal fato viria de alguma maneira, na concepção
da autora a contrariar o direito indígena, garantido pela Constituição Federal de
1988, em seus artigos 210, 215, 231 e 232 e demais resoluções posteriores , a uma
educação bilíngue específica e intercultural (p.72). Da mesma maneira que os
indígenas ouvintes possuem o direito de aprender a língua oral nativa na escola,
seria necessário que o ensino da língua de sinais também fosse específica, levando
em conta os signos convencionados no âmbito familiar ou mesmo produzindo
condições para que tal sistema linguístico viesse a se desenvolver. Vilhalva (2012)
argumenta que o indivíduo surdo só pode desenvolver um sistema linguístico visual-
gestual em contato com uma comunidade de pares. Como isso só se dá muitas
vezes na escola bilingue onde pode geralmente há a presença de outros surdos,
interpretes e professores ouvintes que fazem usa da LIBRAS é imprescindível que
tais instituições se generalizem e contem com estrutura adequada.
Luciana Coelho (2011) argumenta no mesmo sentido. A autora começou a
desenvolver pesquisa junto dos Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul, mais
especificamente dos municípios de Amambai, Paranhos e Coronel Sapucaia, como
integrante de um projeto da UFGD que buscava mapear “deficiências” na população
indígena na região da Grande Dourados. O escopo da iniciativa era estabelecer
parâmetros para a implantação de projetos de educação inclusiva junto a essas
populações. A autora conduziu observação participante nas escolas indígenas das
referidas regiões e junto às famílias das pessoas surdas identificadas. Os Guarani-
Kaiowá (junto dos Guarani-Ñandeva e M'bya) integram o grupo indígena mais
numeroso do país, e só no estado do Mato Grosso do Sul 44.351 pessoas
pertencem a esse povo.
A situação encontrada entre a parcela dos Guarani-Kaiowá pesquisados
assemelha-se àquela descrita para os Kaigang por Giroletti (2008). Dos oito
indígenas surdos identificados, apenas três frequentavam a escola, sendo que os
outros cinco, que também estavam em idade escolar, não a frequentavam. Destes
apenas dois haviam tido contato com a LIBRAS por intermédio de uma intérprete
que atuava na escola do município de Amambai. A comunicação destes indígenas
surdos encontrava-se, assim, restrita à utilização de sinais caseiros e icônicos, os
quais foram registrados em fotografias pela pesquisadora. Na esteira de Giroletti,
Coelho (2011) também manifesta a necessidade que as escolas indígenas possuam
profissionais capacitados em línguas de sinais para que possa promover a educação
desses indígenas e que também que esses espaços possam integrar esses sujeitos
para que saiam dos isolamentos em que vivem e tenham condições de
desenvolverem uma língua de sinais própria àquela cultura.
Ao lado desses trabalhos que abordam as formas expressivas dos indígenas
surdos da perspectiva da educação encontra-se a pesquisa de Priscilla Alyne
Sumaio que propõe uma análise linguística acerca dos sinais utilizados pelos
indígenas Terena de Mato Grosso do Sul, mais especificamente Aldeia de
Cachoeirinha, no município de Miranda, onde vivem quase 10 mil pessoas dessa
etnia. Na condução da pesquisa, Sumaio (2014, p.11) observou a existência de
vários casos de surdez na aldeia de Cachoerinha, e também em outras, como em
Babaçu e Argola. O estudo tomou como foco pessoas surdas de diferentes faixas
etárias sendo a maioria jovens. Entre eles e com a comunidade ouvinte próxima a
comunicação é realizada a partir de sinais convencionados. A LIBRAS é
parcialmente conhecida. Alguns Terena que estudam na escola da cidade de
Miranda, MS têm aprendido essa língua, mas na comunidade utilizam mais os sinais
que são comuns naquele espaço. Outros surdos nunca frequentaram a escola e não
tiveram qualquer contato com LIBRAS.
De acordo com a análise de Sumaio (2014, p.29) o grau de compartilhamento
dos sinais terena entre praticamente todos os surdos da comunidade e parcela dos
ouvintes “já não estão mais na fase inicial de serem construídos, desenvolvidos em
casa e não estão emergindo agora, mas já foram estabelecidos, fixados,
padronizados por seus usuários, os surdos terena e pessoas próximas”. Sendo
assim, diferente daqueles registrados para os Kaigang e Guarani-Kaiowá, a situação
da constituição da língua de sinais terena parece estar mais avançada, não se
tratando de “sinais caseiros” ou “sinais emergentes”. Sobre estes últimos Vilhava
(2012, p.137) teoriza que surgem em virtude de “uma necessidade de comunicação,
passando por sinais indicativos, icônicos e arbitrários” e que “são fruto da linguagem
num processo visual, usado pelos surdos indígenas e seus familiares ouvintes na
interação com o meio.” E que é a partir do desenvolvimento destes sinais caseiros e
emergentes que são criadas as condições para o surgimento de uma Língua de
Sinais convencionada (VILHALVA, 2012, p.138). Assim, para a autora é
imprescindível que se registre os sinais e se realize estudos acerca da situação
linguística de diversas etnias espalhadas pelo Brasil para as quais são conhecidas
mais de 170 línguas orais (VILHALVA, 2012, p.29).
A pesquisa de Sumaio (2014) desenvolve-se nessa direção. Em sua pesquisa
a autora notou que os surdos faziam uso entre si de sinais próprios, os quais se
repetiam em casas e aldeias diferentes e distantes. Tal fato leva-a a considerar a
existência de uma Língua de Sinais cuja existência ela pretende começar a
descrever em sua dissertação de mestrado. No material já trabalhado, Sumaio
(2014, p.74-97) registrou e apresentou vinte e três sinais terena referentes às
seguintes expressões da língua oral portuguesa: cacique, nome da aldeia habitada,
papai, mamãe, peixe, mandioca, namorar, pastor, bebida tereré, árvore, bocaiúva,
igreja católica, dança da siputrena, moto, coar café, tomar banho, dormir, trabalhar,
cortar cana, cesto terena, cerâmica terena, pintura corporal terena e colar terena.
Para a autora, tais sinais
revelam em sua semântica a relação de seus usuários com os elementos de seu
dia-a-dia, de sua cultura, que são resultado de sua história e do meio em que vivem.
As práticas sociais envolventes parecem influenciar seus itens lexicais assim como o
desejo de comunicação na criação deles (SUMAIO, 2014, p.100).

Assim, considerando a assertiva de Quadros e Karnopp (2000, p.15) de que


“a língua é o conjunto de signos abstratos presentes na mente como resultado da
história cultural e como consequência da prática social”, Sumaio (2014, p.101)
argumenta que os sinais parecem configurar uma língua de sinais. Para além disso,
a autora apresenta outras evidências a fim de adensar tal proposição. A análise dos
aspectos descritivos dos sinais terena apontam que estes são constituídos pelos
parâmetros básicos de qualquer língua de sinais, estabelecidos por Ferreira (2010) e
Quadros e Karnopp (2004) tais como configuração de mão (CM), movimento (M) e
ponto de articulação (PA), orientação da mão (OM). Parâmetros estes que são
combinados em todos os sinais. Além disso eles também se caracterizariam pela
“incorporação léxico-sintática”, pela “flexibilidade e versatilidade”, “arbitrariedade” –
“a qual está presente mesmo quando fica clara a presença da iconicidade” e
“padrão” (SUMAIO, 2014, p.101-104).
Dentre as contribuições do estudo, uma destacada pela autora é a descrição
de uma configuração de mão inédita realizada no sinal ‘mamãe’ a qual é diferente de
qualquer uma das que estão presentes na LIBRAS e que podem ser verificados de
acordo com a indicação de Sumaio (2014, p.76) na tabela de Quadros e Karnopp
(2010, p.220)
Essa configuração de mão é constituída da mão semi-aberta sendo que os dedos
não são flexionados nem tão pouco estendido parecendoassim ser uma
intermediária entre essas duas configurações, existentes na LIBRAS. Essa então é
uma característica única dos sinais terena. A locação do sinal é na região do tronco,
sobre os seios. O movimento é de aproximação da mão do seio mais distante
(exemplo: do seio esquerdo, se o sinalizante for destro), e depois do seio mais
próximo da mão. Há contato da ponta dos dedos com cada um dos seios. A
orientação da mão é para dentro (SUMAIO, 2014, p.78-79).
Para Sumaio (2014) já há uma coleta lexical entre os Terena considerável e
agora o trabalho precisa avançar em relação à sintaxe – trabalho que permitirá
afirmar com mais precisão a existência de uma língua de sinais entre os Terena a
partir dos princípios determinados por Quadros e Karnopp, 2004, p.48) que
pressupõe a existência de “um léxico, isto é, um conjunto de símbolos
convencionais, e uma gramática, isto é, um sistema de regras que regem o uso
desses símbolos”. Na pesquisa do doutorado, Sumaio (2014) promete avançar
nesse trabalho.
O trabalho de Marlon Azevedo (2015) toma por foco indígenas surdos da
região amazônica, da etnia Sateré-Mawé, da microrregião de Parintins. O autor que
também é surdo desenvolve sua pesquisa a fim de contribuir para a iniciação dos
indígenas surdos na LIBRAS. Como método de trabalho, buscou primeiramente
registros nas instituições educacionais da região acerca da existência e situação de
pessoas surdas. Identificou dez indígenas nessa condição, porém devido às
dificuldades inerentes à região (como o difícil acesso a certas localidades) o autor
acredita que esse total esteja subestimado. Após visitar os indígenas surdos e seus
familiares o autor registrou os sinais caseiros que utilizavam para a comunicação.
Passo posterior, Azevedo (2015) se empenhou na produção de um dicionário
trilíngue nas línguas orais português, sateré-mawé e LIBRAS. Levando-se em conta
que a maioria dos indígenas surdos dessa região viviam isolados e que mesmo,
aqueles poucos que frequentavam a escola, não possuam acesso a qualquer língua
de sinais, o autor preocupou-se em produzir um material que permitisse a introdução
desses sujeitos a uma língua. Tal iniciativa levava em conta os preceitos
desenvolvidos por QUADROS e SOUZA (2005), de que toda a criança surda é
imprescindível ter “contato linguístico com língua de sinais o mais cedo possível,
seja com a comunidade surdas, seja com pais ouvintes que adquiram LIBRAS como
mais uma língua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhos aqui descritos nos permitem conhecer parcialmente a situação


em que vivem alguns indígenas surdos pertencentes a diversas etnias habitantes do
território brasileiro. Na maioria dos casos, como se pode depreender das pesquisas
reunidas, os indígenas surdos utilizam sinais caseiros ou emergentes para a
comunicação com seus familiares ouvintes. A frequência em escolas bilingues ou
com turmas com interpretes em LIBRAS, podem proporcionar a esses indígenas
surdos o fim do isolamento a que muitas vezes estão encerrados, permitindo a
convivência com pares e o consequente desenvolvimento dos sinais que utilizam no
âmbito familiar.
Se a maioria das pesquisas aqui apresentadas ainda registram apenas sinais
caseiros, não se podendo falar da existência de uma língua de sinais propriamente
dita, com exceção talvez do caso Kaigang, esse cenário poderá mudar no futuro se
tal política de integração nas escolas indígenas com acesso a LIBRAS perdurar.
Ainda que se deva levar em conta o direito dos povos indígenas a uma educação
específica e intercultural, o ensino de LIBRAS – enquanto uma língua nacional – é
um importante primeiro passo para que os indígenas surdos de variadas etnias.
possam desenvolver suas línguas de sinais próprios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, M. J. S. de. Mapeamento e contribuições linguísticas do professor


surdo aosíndios surdos da etnia Sateré-Mawé na microrregião de Parintins.
Dissertação de mestrado. Manaus: UEA, 2015.
COELHO, L.L.A constituição do sujeito surdo na cultura Guarani-Kaiowá: os
processos próprios de interação e comunicação na família e na escola. Dissertação
de mestrado. Dourados, MS: UFGD,2011.
GIROLETTI, M.F.P. Cultura Surda e Educação Escolar Kaingang. Dissertação de
Mestrado. Florianópolis: UFSC, 2008.
KAKUMASU, J. Y. Urubu-Kaapor Sign Language. In: Summer InstituteofLinguistics
,2005.DisponívelVem:http://www.sil.org/americas/brasil/LANGPAGE/PORTUKPG.HT
M. Acesso em 25/10/2017.
QUADROS, R.M.; KARNOPP, L.B. Língua de Sinais Brasileira. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
NONAKA, Angela M. The forgotten endangered languages: Lessons on the
importance of remembering from Thailand's Ban Khor Sign Language . Nonaka,
Angela M. Language in Society 33, 737–767. Printed in the United States of America,
Cambridge University, 2004. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4169387.
Acesso em 25/10/2017.
PFAU, Roland, STEINBACH, Markus, WOLL, Bencie. Sign Linguage: an
international handbook. Germany: DeGruyter, 2012.
FERREIRAOBRITP, L. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro,2010.
SEVERO, S.G. Política(s) linguística(s) e questões de poder. Alfa, São Paulo, 57
(2): 451-473, 2013
SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. 2 ed. Porto Alegre:
Mediação,2001.
VILHALVA,S. Mapeamento das línguas de sinais emergentes: um estudo sobre
as comunidades linguísticas indígenas do Mato Grosso do Sul. Dissertação de
Mestrado. Florianópolis: UFSC, 2009.
_________ Índios surdos: mapeamento das línguas de sinais do Mato Grosso do
Sul. Petrópolis,RJ: Arara Azul, 2012

Você também pode gostar