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Verso e Reverso, XXVIII(68):114-124, maio-agosto 2014

© 2014 by Unisinos – doi: 10.4013/ver.2014.28.68.06


ISSN 1806-6925

Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face,


conversação e redes sociais no Facebook

Like, share, comment: facework, conversation and social networks on Facebook

Raquel Recuero
Universidade Católica de Pelotas. Rua Félix da Cunha, 425, Caixa Postal: 402, 96010-000, Pelotas, RS, Brasil
raquel@pontomidia.com.br

Resumo. O presente trabalho busca explorar os usos Abstract. This paper aims to explore the conver-
conversacionais das ferramentas “curtir”, “com- sational uses of the Facebook tools “share”, “like”
partilhar” e “comentar” no Facebook, bem como and “comment”, as well as their effects on the so-
seus efeitos sobre o capital social e as redes sociais, cial capital and the social networks, based on Goff-
a partir da noção de “face” de Goffman (1967). A man’s (1967) idea of “face”. The discussion is based
partir de um estudo empírico com 20 entrevistas e on an empirical case study with 20 interviews and a
um questionário com 300 respostas, este artigo tra- survey with 300 users and focuses on facework as a
balha a manutenção da face como consequência dos consequence of the negotiations for conversational
usos conversacionais dessas ferramentas. Dentre usages of these tools. Our results show that the in-
os principais resultados, aponta-se também que a tersection of networks promoted by these practices
intersecção das redes promovida pelo Facebook e have an effect on facework, elevating the perception
suas apropriações conversacionais têm efeitos no of risk for face-threatening acts which, sometimes,
trabalho de face, aumentando a percepção do risco may be sufficient cause for the actors to decide not
de atos de ameaça à face e levando, inclusive, al- to interact, which also may reduce the tool’s value
guns atores a não interagir, o que também poderia for social networks.
ter efeitos de redução de capital social no Facebook
para as redes sociais.

Palavras-chave: conversação mediada pelo compu- Keywords: computer mediated conversation, fa-
tador, trabalho de face, redes sociais, capital social. cework, social networks, social capital.

Introdução essas apropriações, está a conversação. Essa


prática, geralmente focada nas trocas que
O avanço dos sites de rede social é hoje acontecem entre falantes, passa a ser um uso
uma realidade. Apenas o Facebook, por exem- dessas ferramentas, que são adaptadas para
plo, congregava, em maio de 2013, mais de 1,1 ferramentas primariamente textuais, mui-
bilhões de usuários ativos (Protalinski, 2013) tas vezes assíncronas, através da criação de
dos quais mais de 70 milhões deles estão no convenções e novos sentidos entre os atores.
Brasil hoje (Folha de S. Paulo, 2013). Ele, como E esses sentidos são constantemente adap-
muitos sites de rede social, é uma ferramenta tados e reconstruídos pelas redes sociais que
apropriada simbolicamente para construir o estão em movimento na ferramenta, pela di-
espaço social no cotidiano dos atores, gerando nâmica sistêmica que envolve esses grupos.
práticas que ressignificam seus usos1. Dentre Compreender essas práticas e seus sentidos,

1
No sentido da apropriação simbólica explicitado por Lemos (2003).
Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes sociais no Facebook

assim, é essencial para compreender também fala e criar semelhanças com a conversação, tais
os efeitos desses sites na sociedade. como emoticons, onomatopeias e etc., passou a
A partir dessas considerações, o presente ser comumente observado por diversos pesqui-
trabalho busca explorar os usos conversacio- sadores e com isso, a conversação mediada pelo
nais das ferramentas presentes no Facebook, computador passou a ser comparada com a oral
de forma específica, das ferramentas “curtir”, (vide Boyd e Heer, 2006; Herring, 1996; Primo e
“compartilhar” e “comentar”, e seus efeitos Smaniotto, 2006, entre outros).
em termos de valor (aqui compreendido como Dizemos que a conversação mediada pelo
capital social, conforme discutiremos adiante) computador é, assim, uma apropriação, ou
para os atores. Para interseccionar esses concei- seja, uma adaptação de meios que original-
tos e as práticas conversacionais, focamos tam- mente são textuais e não propícios às intera-
bém o conceito de “face” e “trabalho de face”, a ções orais para um fim, que é aquele da con-
partir de Goffman (1967, 2001). Essa discussão versação. Embora essas apropriações sejam
será realizada através de um estudo empírico, mais visíveis nos meios que proporcionam a
onde, além da observação dos usos dessas fer- sincronia (ou seja, aqueles onde a interação
ramentas, foram realizadas entrevistas e ques- acontece quando os envolvidos estão conecta-
tionário com usuários brasileiros do Facebook. dos ao mesmo tempo, como os chats, vide Ko,
1996; Araújo, 2004), também naqueles onde
A conversação e a conversação em as interações assíncronas acontecem (ou seja,
rede aquelas onde as interações acontecem espa-
lhadas no tempo, quando os envolvidos não
Marcuschi define a conversação como “uma estão conectados ao mesmo tempo, como blo-
interação verbal centrada, que se desenvolve gs, e-mails e etc.) há conversações (Scoble e Is-
durante o tempo em que dois ou mais interlo- rael, 2006; Primo e Smaniotto, 2006). Assim,
cutores voltam sua atenção visual e cognitiva dizemos que as práticas conversacionais que
para uma tarefa comum” (2006, p. 15). Nesse emergem das apropriações das ferramentas da
conceito, observa-se a conversação como um mediação são o objeto deste trabalho.
evento temporal, com objetivos, e, portanto, or- Essas práticas tornam-se relevantes tam-
ganizada, entre dois ou mais atores. Assim, po- bém com o surgimento dos sites de rede social
demos dizer que a conversação é um fenômeno e dos públicos em rede. Esses sites são compre-
que foca principalmente as interações orais, endidos como aqueles que permitem (i) que os
que ocorrem entre atores em um determinado atores sociais criem perfis individualizados,
contexto, com alternância na tomada de turno que vão funcionar como representações de si;
de fala (Marcuschi, 2006; Kerbrat-Orecchioni, (ii) que suas redes sociais sejam publicizadas
2006). A conversação é também um evento or- pelas ferramentas (Boyd e Ellison, 2007); e (iii)
ganizado que, por isso, necessita de algum ní- que esses atores possam ainda utilizar esses si-
vel de cooperação entre os envolvidos, seja na tes como plataformas de conversação e intera-
negociação das regras, seja no objetivo, seja na ção uns com os outros. São ferramentas como o
legitimação dos discursos. Kerbrat-Orecchioni Facebook (http://www.facebook.com), o Orkut
(2006, p. 11) explica que “na interação face a (http://www.orkut.com), o MySpace (http://
face, o discurso é inteiramente ‘coproduzido’”. www.myspace.com) e mesmo o Twitter (http://
Assim, embora a conversação seja compreen- www.twitter.com). Esses sites impactaram pro-
dida primariamente como um fenômeno falado, fundamente as redes sociais por não apenas
oral (Pridham, 2001; Marcuschi, 2006), a apro- as traduzirem para o digital, mas porque as
priação das ferramentas textuais da mediação reconstroem nesse espaço, gerando novas for-
do computador passou a indicar uma simulação mas de estar conectado, principalmente através
da conversação e uma percepção de uso conver- das chamadas conexões associativas (Recuero,
sacional (Herring, 1996 explica, por exemplo, o 2009). Essas conexões são representações dos
uso das palavras “falar”, “dizer” e etc. como re- laços sociais, reconstruídas e mantidas através
ferência ao que foi escrito a alguém na Internet). desses sites, relacionadas aos laços fracos (Hu-
O uso de convenções para simular elementos da berman et al., 2009)2. Assim, cada vez que um

2
A definição de laços fortes e fracos foi inicialmente construída pelo sociólogo Mark Granovetter (1973), onde os primeiros te-
riam uma relação maior com a intimidade e formas de capital social mais complexas para a rede; enquanto os segundos seriam
responsáveis pelas “pontes” (Burt, 2001), ou seja, pelas interconexões entre os grupos de “amigos”, relacionados ao capital
social menos complexo, com menor intimidade e investimento nas relações e mais relacionado à circulação de informações.

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“amigo” é adicionado numa ferramenta dessas, Essas conversações expressam, geralmente,


a conexão torna-se permamente no site, onde a participação de centenas de pessoas, por
não ocorre desgaste e nem distanciamento, vezes, com milhares de interações que são
como nos laços sociais offline. Além disso, es- acessíveis, de forma assíncrona, por todos os
sas conexões tornam-se canais permamente de atores. Essa assincronia é que permite que pes-
informação entre os atores, pois cada um que soas temporalmente distantes tomem o turno
acrescenta outro a sua rede passa a ter acesso a e recuperem as conversações, espalhando-as
tudo aquilo que o “amigo” publica na rede. e fazendo com que migrem entre os grupos e
Nesses sites, as conversações, como apro- entre os sites de rede social.
priações, precisam nascer das ferramentas
para a interação que estão disponíveis. Com Face, capital social e conversação
isso, novos usos e novos sentidos são constru-
ídos nas ferramentas, de modo a permitir que Uma vez discutida o que é conversação e o
os elementos da conversação, como a interação que é conversação em rede e seu impacto nos
entre dois ou mais sujeitos, sua organização sites de rede social, passaremos a um outro
(a criação e o espalhamento das convenções) ponto importante para a discussão que que-
e mesmo os contextos sejam divididos pelos remos fazer neste trabalho, que foca elemen-
participantes. Além disso, as conversações, no tos que, do nosso ponto de vista, influenciam
espaço dos sites de rede social, também adqui- profundamente essas práticas: a face e o capi-
rem os contornos associados aos públicos em tal social. Dissemos que os sites de rede social
rede. Boyd (2007, p. 126) explica que há qua- proporcionam novas formas de conexão social
tro características desses públicos em rede, a e de manutenção dessas conexões aos atores.
saber, a persistência, a replicabilidade, a bus- Por conta disso, esses sites também são capa-
cabilidade e as audiências invisíveis. Essas ca- zes de gerar valores diferenciados específicos
racterísticas dariam uma nova dimensão para para os atores. Chamamos esses valores de ca-
a audiência das ferramentas mediadas. As in- pital social. O capital social é constituído dos
terações, nesses sites, assim, são persistentes, valores negociados e embebidos na estrutura
ou seja, são registradas pelas ferramentas e ali dos grupos sociais (Coleman, 1988; Putnam,
permanecem, a menos que exista uma ação no 2000; Bourdieu, 1983). Refere-se, assim, grosso
sentido de excluí-las (e, mesmo assim, muitas modo, aos valores associados ao fazer parte de
vezes, essas interações permanecem). Do mes- redes sociais. Nesse sentido, Coleman (1988)
mo modo, porque permanecem, essas intera- argumenta que toda a ação social é motiva-
ções são replicáveis por outros atores e buscá- da pelos interesses individuais no capital so-
veis dentro das ferramentas digitais. cial. Ou seja, os atores participam de grupos
Assim, as características iniciais da media- e redes porque percebem valores constituídos
ção digital proporcionam que as conversações nessas ações, que são acessíveis a eles. Fazer
que são criadas nesses espaços permaneçam, parte de uma rede, estar conectado, é um valor
sejam buscáveis e replicáveis independen- por si, porque, conforme Burt (2001), os recur-
temente da presença online dos atores. Com sos que estão disponíveis a cada ator são de-
isso, as conversações tomam outra dimensão: pendententes daqueles que estão disponíveis a
elas são reproduzidas facilmente por outros seus contatos ou conexões. Logo, quanto mais
atores, espalham-se nas redes entre os diver- contatos, maior a quantidade de recursos a
sos grupos, migram e tornam-se conversações que alguém potencialmente tem acesso, o que
cada vez mais públicas, moldam e expressam justificaria a valorização das conexões associa-
opiniões, geram debates e amplificam ideias. tivas nos sites de rede social.
Tem-se o que chamamos de conversações em A natureza desses valores é, entretanto,
rede (Recuero, 2012). São, assim, conversações polêmica. Neste artigo, consideraremos que
públicas que tomam espaço nesses sites, cole- o capital social é definido “por sua função”,
tivas, que se espalham pelas redes e que su- a partir da visão de Coleman (1988). Os va-
plantam as limitações dessas, mantendo-se de lores embebidos na estrutura, assim, seriam
forma síncrona e assíncrona3 no ciberespaço. percebidos pela sua função para os demais.

3
A sincronia, ou a assincronia é menos uma característica do meio do que da apropriação. Ferramentas geralmente tidas
como síncronas, como os chats, podem assim tomar dimensões assíncronas e vice-versa. No caso da conversação em rede,
é a assincronia que a caracteriza, na medida em que ela vai migrando entre os diversos grupos e abrindo-se a participação
de atores que não estão conectados diretamente aos participantes originais do evento.

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Além disso, esse capital social, como recurso, é torno de 3,74 (o que significa que duas pessoas
construído coletivamente, mas pode ser apro- estão conectadas, em média, por outras duas
priado individualmente na mesma linha (Lin, pessoas no Facebook). Isso significa que há
2001). Ainda sobre o capital social, Bertolini e maior associação entre os perfis do Facebook,
Bravo (2004) explicitam seus tipos baseados tornando as redes mais densas (e os atores
no trabalho de Coleman (1988), como capital mais próximos uns dos outros), o que é uma
social de primeiro nível (relacionados aos cha- possível consequência da busca individual pe-
mados “laços fracos”), composto de suporte los valores associados às conexões no sistema.
social, conhecimento das normas de interação Este trabalho mostra claramente que estamos
e acesso à informação; e capital social de se- diante de outro fenômeno, gerado e mantido
gundo nível (relacionado aos chamados “laços pelos sites de rede social: o fenômeno da hiperco-
fortes”), composto de uma maior confiança no nexão das redes sociais online.
ambiente social e o reconhecimento do grupo Enquanto os sites de rede social mantém as
enquanto grupo. conexões que são estabelecidas ali, permitem
Estar conectado em um site de rede social, que essas conexões não se desgastem com a fal-
deste modo, proporcionaria acesso a valores ta de investimento, mantendo-as ativas e capa-
de capital social, conforme demonstra o traba- zes de transitar informações e outros tipos de
lho de Ellison et al. (2007) a respeito dos tipos valores. Entretanto, isso não acontece sem um
de capital social que seriam disponíveis no custo. A hiperconexão é uma forma de agregar
Facebook. Para os autores, o site proporciona tipos de capital social que não estariam nor-
a seus membros acesso a um tipo de valor es- malmente acessíveis aos atores, mas também
pecífico, denominado por eles de “capital so- tem custos importantes. Com a redução da
cial de manutenção”, ou seja, o Facebook torna distância social, por exemplo, as interações es-
mais fácil a manutenção das conexões sociais tão mais públicas. As informações disponibili-
já existentes. Por outro lado, este não é o úni- zadas nos sites de rede social tornam-se mais
co valor discutido nos sites de rede social. Ao acessíveis, menos privadas, mais circulantes.
permitir a manutenção, ela também facilita a Além disso, por conta das características dos
associação com outros atores que não conhe- públicos em rede (Boyd, 2007), as interações
cemos ou que conhecemos muito pouco e com tornam-se mais rastreáveis, mais capazes de
os quais dificilmente teríamos oportunidade espalhamento e acessíveis a atores que, apro-
de aprofundar os laços sociais. Essa associação ximados pela ferramenta, pertencem a grupos
também produz tipos de valores diferenciados mais heterogêneos. Ou seja, esses sites também
e relevantes para os atores. Primo (2009, 2010), aproximam redes heterófilas4, diferentes, e tor-
por exemplo, demonstrou como é possível nam suas interações mais visíveis.
construir, através dessas conexões associati- Mas como a conversação influencia esses va-
vas, valores conectados à fama e à populari- lores nas redes sociais presentes no Facebook?
dade do ator na rede. Hogg e Adamic (2004), Dissemos, no primeiro capítulo, que um
em uma via semelhante, demonstraram como dos elementos que caracteriza a conversa-
as redes sociais são capazes de engrandecer a ção são os rituais, que são construídos cultu-
reputação dos atores, outro valor associado às ralmente pelas sociedades e pelos grupos de
conexões associativas dos sites de rede social. atores. Goffman (1967) explicita essas normas
Portanto, estar mais conectado através desses como rituais, convenções que guiam o proces-
sites representa, também, ter acesso a tipos di- so da conversação, cujo sentido é construído
ferentes de valores sociais. Por conta disso, o culturalmente. Há rituais para a troca de falan-
comportamento de adicionar outras pessoas à tes, para o contexto, para aquilo que é dito e
rede social é relativamente comum nos sites de etc. Nos sites de rede social, esses rituais são
rede social. confusos, justamente pela ausência de um
Backstrom et al. (2012), recentemente, pu- contexto claro para cada enunciado publicado.
blicaram um trabalho onde explicitam que o Além disso, outros fatores característicos da
distância social entre quaisquer dois perfis no própria estrutura das redes sociais na ferra-
Facebook é bem menor do que se esperava, em menta criam novos contextos para a interpre-

4
Essas redes são compreendidas como aquelas constituídas por grupos sociais diferentes, heterogêneos. Grupos sociais
constituídos de laços mais fortes tendem a conectar atores a outros atores com crenças, backgrounds, classe social e etc.
mais semelhantes a si mesmos. Grupos sociais tendem a formar-se, assim, entre atores mais parecidos entre si, mais ho-
mogêneos.

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tação desses enunciados. Assim, por exemplo, respeito à face a alheia. Assim, atos de ameaça
referências feitas a um determinado arcabouço à face são aqueles que colocam em risco a face
cultural podem ser esvaziadas quando atores proposta, quebrando as normas de interação
pertencentes a grupos sociais diferentes têm (por exemplo, falas ofensivas, descrédito e
acesso ao que foi dito. Com isso, novas con- etc.). Assim, interagir é sempre um risco.
venções precisam surgir. É o caso, por exem- Uma face positiva, desse modo, constitui-
plo, do uso de hashtags como âncoras contex- se quando a interação legitima a face apresen-
tuais no Twitter (Honeycutt e Herring, 2009); tada, ou seja, quando as normas da interação
ou mesmo, dos mecanismos de retweet (RT) na são respeitadas, gera-se capital social para
mesma ferramenta (Boyd et al., 2010). a relação entre os atores (fortalecendo, por
Goffman (1967) explica que para compre- exemplo, o laço social e criando maior confian-
ender esses rituais é preciso também compre- ça na relação e no ambiente da conversação,
ender a noção de face. A face, para o autor, é conforme Bertolini e Bravo, 2004). Quando há
constituída pelos “valores sociais positivos” atos de ameaça à face, há também tentativas de
que um determinado ator reivindica através salvaguarda da face na interação. Esses atos,
de sua expressão, de sua participação em situ- entretanto, podem prejudicar a relação entre
ações de interação com outros. “A face é uma os envolvidos na conversação, quebrando as
imagem do self delinada em termos de atribu- normas (Coleman, 1988) que governam a in-
tos sociais aprovados”5 (Goffman, 1967, p. 5), teração nos grupos sociais, gerando tensão e
ou seja, uma imagem positiva constituída por conflito.
um ator diante dos demais. A face é mantida Os sites de rede social, assim, permitiriam
através de um “trabalho de face”, ou seja, ne- aos atores que maximizassem o capital social
gociações entre os atores de modo a manter a que tem acesso na medida em que susten-
os valores sociais positivos atribuídos à face tam mais conexões do que seria possível obter
proposta e que precisam ser legitimados pelos no espaço offline. Ribeiro (2009) salienta ainda
demais. O trabalho de face, assim, está direta- a importância da “identidade pessoal” nessas
mente relacionado ao capital social. Propor e tecnologias, como um guia unificador dentre
receber legitimação de uma determinada face os diversos papéis (e faces) propostos pelos
em uma determinada conversação é essencial- atores na Comunicação Mediada pelo Com-
mente uma negociação de valor que envolve o putador. Assim, um dos valores fundamentais
suporte ao ator que reivindica a face, o conhe- das redes sociais está relacionado à face. Está
cimento das normas de interação, a informa- na reputação, ou seja, a legitimação obtida pe-
ção e outras formas de capital social (Bertolini los atores da face que apresentam nessas fer-
e Bravo, 2004). Estar ou manter uma face com ramentas, que acrescenta valores positivos ao
sucesso implica, explica Goffman (1967), senti- ator e à identidade.
mentos positivos e valores para um ator e para
um determinado grupo, na medida em que Abordagem metodológica
gera algum tipo de segurança social. A repre-
sentação do “papel” social (Goffman, 2001) só Dissemos, no início deste trabalho, que
pode ser bem sucedida na medida em que há nosso objetivo é buscar compreender como
legitimação do contexto e da face apresentada. a apropriação das ferramentas do Facebook,
A face buscada e a legitimação dessa face pelos de forma específica, das ferramentas “curtir”,
demais atores, assim, influenciam as escolhas “compartilhar” e “comentar” é construída
discursivas dos envolvidos na interação. diante das conversações em rede, e quais im-
Entretanto, interagir também apresenta ris- plicações essas apropriações têm para o capital
co para a face. Esse risco é baseado na possibi- social e para as redes sociais que estão expres-
lidade de que atos de ameaça à face venham sas na ferramenta. Para explorar esse objetivo,
a surgir de situações de interação. Goffman utilizamos uma proposta metodológica com
(1967) argumenta que esse risco pode levar três focos, todos qualitativos no sentido de
desde a tentativas de salvaguarda da face até construir um estudo empírico. Inicialmente,
mesmo o recolhimento do ator que não partici- realizamos uma observação deste uso in loco.
pa da interação para não sofrer essas ameaças. Para tanto, observamos diariamente, durante
Em geral, as normas de interação pregam o o período de três meses (maio, junho e julho de

5
“Face is an image of self delineated in terms of approved social attributes”.

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2012), como as pessoas utilizavam essas ferra- O botão “curtir” parece ser percebido como
mentas. Durante essa observação, foram reco- uma forma de tomar parte na conversação
lhidos exemplos e realizadas anotações para sem precisar elaborar uma resposta. Toma-se
que, em um segundo momento, pudéssemos parte, torna-se visível a participação, portan-
explorar aquilo que vimos em entrevistas. Em to, com um investimento mínimo, pois o ator
um segundo momento, entrevistamos 20 ato- não necessariamente precisa ler tudo o que foi
res escolhidos de forma arbitrária a respeito dito. É uma forma de participar da conversa-
de seu uso e sua compreensão da convenções ção sinalizando que a mensagem foi recebida.
estabelecidas sobre as ferramentas (entrevis- Além disso, ao “curtir” algum enunciado, os
tas realizadas em junho de 2012). Essas entre- atores passam a ter seu nome vinculado a ele e
vistas seguiram apenas um roteiro informal, tornam público a toda a sua rede social que a
buscando explorar de forma mais aprofunda- mensagem foi “curtida” (essa mensagem apa-
da aquilo que tinha sido selecionado na fase rece como uma notificação para as conexões
de observação. Nessas duas primeiras fases, de quem “curtiu”) (Figura 1).
observou-se como as pessoas utilizavam o Nesse sentido, “curtir” algo adquiriria uma
“curtir”, o “compartilhar” e o “comentar” na série de contornos de sentido. Primeiro, seria
ferramenta. Foram recolhidos exemplos con- uma forma menos comprometida de expor a
siderados relevantes para o trabalho em cima face na situação, pois não há a elaboração de
dessa observação. As entrevistas com os ato- um enunciado para explicitar a participação
res foram realizadas através da mediação do do ator. Segundo, seria visto como uma forma
computador, principalmente através das fer- de apoio e visibilidade, no sentido de mostrar
ramentas de Mensageiro Instantâneo (GTalk para a rede que se está ali. São duas formas de
e MSN), Facebook Chat, e do Twitter. Na capital social, focadas na difusão da informa-
maior parte, essas entrevistas constituiram-se ção para a rede social e na difusão do apoio/
em conversas informais em torno dos tópicos contato entre os dois participantes da conver-
e das questões elencadas no instrumento de sação (formas de capital social de primeiro ní-
pesquisa (roteiro). Também foram explora- vel, de acordo com Bertolini e Bravo, 2004).
dos os valores que os atores percebiam nesses
usos. Dentre os entrevistados, conversamos “Vejo como uma participação mesmo, sem pre-
cisar se expor muito...” (usuário, 20 anos)
com 13 mulheres e 7 homens, com idade va-
riada entre 20 e 36 anos6.
Em um terceiro momento, construímos um Quando questionados a respeito de seu uso
questionário com 13 questões, todas baseadas da ferramenta “curtir” no questionário, 277
respondentes (92,3%) argumentaram que ser-
nos dados obtidos nas fases anteriores da pes-
ve para mostrar que viram a informação e que
quisa. Esse questionário foi disponibilizado
a consideram interessante, ou digna de aten-
publicamente durante um período de 15 dias,
ção. Além disso, 228 (76%) associam a ação de
e as pessoas foram convidadas a respondê-
“curtir” como uma forma explícita de concor-
lo através de mensagens e da propagação do
dância, de apoio ao enunciado. “Curtir”, por-
convite dentro do próprio Facebook. Foram
obtidas 300 respostas no período, com a par-
ticipação de 140 homens (47%) e 160 mulheres
(53%), das quais 152 (50,6%) entre 16 e 25 anos;
98 (32,6%) entre 26 e 35 anos; 34 (11,4%) entre
36 e 45 anos; e 16 (5,4%) acima de 46 anos.

Curtir, compartilhar e comentar:


funções conversacionais

Como os usuários apropriam simbolica-


mente os botões “curtir”, “compartilhar” e Figura 1. Exemplo de “curtidas” (“likes”) no
“comentar” como forma de tomar parte na Facebook.
conversação no Facebook? Figure 1. “Like” example on Facebook.

6
As declarações selecionadas dos entrevistados aparecerão anonimizadas neste trabalho e apenas como ilustrações dos
dados do questionário.

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tanto, parece ser percebido não apenas uma principal função parece ser a de dar visibilida-
forma de divulgar a informação, também uma de para a conversação ou da mensagem, am-
forma de legitimar a face do outro através de pliando o alcance dela (Figura 2).
concordância e apoio. Não se trataria, assim, No questionário, a principal função elenca-
de apenas tomar parte na conversação, mas, da para a ferramenta foi justamente a divulga-
igualmente, de legitimar aquilo que é dito ção de algo relevante (81%, N=243). A percep-
pelo outro. Curiosamente, “curtir” também ção deste algo como relevante para a rede social
pode denotar agradecimento pela informação é igualmente um valor para aquele que com-
(32%), 97 das respostas. Nesse sentido, as pes- partilha e para aquele que foi compartilhado.
soas agradecem a publicação de uma informa-
ção considerada relevante. Além disso, outro “Compartilho aquilo que acho importante
elemento importante observado é a prática de ou que acho que interessa aos meus amigos”
(usuária, 30 anos)
curtir comentários. Essa prática tem um gran-
de valor por apoiar o comentarista, manifes-
Um percentual igualmente alto de respon-
tando concordância (80%, N=241), mas igual-
dentes explicou que sua decisão de comparti-
mente serve para mostrar que o comentário foi
lhar era baseada na percepção de algo como
lido (38%, N= 113). Neste último caso, vemos
“interessante” para sua rede social (73%,
que existe a intencionalidade de tomar parte N=219). Nesse sentido, parece-nos que com-
na conversação, assentindo e demonstrando partilhar algo que seja valorizado pela rede
que a mensagem foi vista e compreendida. é um valor positivo. Compartilhar uma in-
formação também é tomar parte na difusão
“Às vezes curto minhas postagens para dar visi-
da conversação, na medida em que permite
bilidade mesmo” (usuário, 25 anos)
que os usuários construam algo que pode ser
passível de discussão, uma vez que é de seu
Curtir uma informação, assim, parece ter
interesse, para sua rede social. O comparti-
uma série de funções conversacionais. É vista lhamento também pode legitimar e reforçar a
como uma ação positiva, no sentido de ge- face, na medida em que contribui para a repu-
rar valores de capital social e agregar esses tação do compartilhado e valoriza a informa-
valores à relação entre os atores envolvidos. ção que foi originalmente publicada. Embora
Curtir é também legitimar a face e apoiar a tenhamos observado em alguns casos, o com-
mensagem (e aquele que a divulgou), no sen- partilhamento para crítica, de um modo geral,
tido que Goffman (1967) propõe. Não apenas o compartilhamento parece ser positivo, no
recebe-se um reforço da aceitação da face, sentido de apoiar uma determinada ideia, um
como também manifestações que são com- manifesto ou uma mensagem. Assim, portan-
preendidas como reforços de capital social to, é também uma forma de legitimar a face e
reconhecendo a relevância, a importância e o construir capital social através da cessão da in-
apoio àquilo que foi publicado. formação para a rede (Bertolini e Bravo, 2004).
O botão “compartilhar”, por outro lado, Os comentários, por sua vez, são as práti-
tem outras funções e valores associados. Sua cas mais evidentemente conversacionais. Tra-
ta-se de uma mensagem que é agregada atra-
vés do botão da postagem original, é visível
tanto para o autor da postagem quanto para
os demais comentaristas, atores que “curtam”
e compartilhem a mensagem e suas redes so-
ciais. É uma ação que não apenas sinaliza a
participação, mas traz uma efetiva contribui-
ção para a conversação (Figura 3).
O comentário compreenderia assim uma
participação mais efetiva, demandando um
maior esforço e acontecendo quando os usu-
ários têm algo a dizer sobre o assunto (84%,
N= 252).

Figura 2. Exemplo de compartilhamentos (nú- “Ah, pra comentar tem que ser algo que real-
mero abaixo, à direita). mente chame a atenção e que eu possa contribuir”
Figure 2. “Share” example on Facebook. (usuário, 26 anos)

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Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes sociais no Facebook

Figura 3. Exemplo de comentários no Facebook.


Figure 3. “Comment” example on Facebook.
Figura 4. Exemplo de ato de ameaça a face em
conversação no Facebook.
O comentário, portanto, parece envolver Figure 4. Face threatening act example on Fa-
um maior engajamento do ator com a con- cebook.
versação e um maior risco para a face, pois
é uma participação mais visível. Isso porque
aquilo que é dito pode ser facilmente descon-
textualizado quando migrar para outras redes te discordante, por vezes, sarcástico, portanto,
através das ferramentas de compartilhamento, gerador de tensão e insegurança com relação
de curtida e mesmo de comentário. Essa com- à conversação e à manutenção da face. Com
preensão do comentário como um risco para a efeito, tais discussões em comentários foram
face também leva muitos usuários a desistir de observadas com relativa frequência no período
comentar e optar por apenas “curtir” a posta- pelo qual se estendeu este estudo. Observa-
gem, uma vez que o risco para a face é melhor. mos, assim, que os usuários participantes da
pesquisa parecem mais reticentes em comentar
“Já deixei de comentar sim. Achei que ia rolar do que em curtir mensagems, justamente por-
xingamento e discussão e não quis me expor” que parecem perceber que há maior risco para
(usuária, 25 anos) a face e para a reputação nessas interações.
“quando a pessoa tem um monte de amigo que eu
nunca vi é mais provável de alguém se ofender A manutenção da face e o capital
[com o comentário]” (usuária, 29 anos) social no Facebook

Com a hiperconexão proporcionada pelo Como vimos no capítulo anterior, partici-


Facebook, onde os grupos vão ficando cada par de uma conversação, no Facebook, parece
vez mais próximos na rede, conforme Backs- ter uma relação direta com a manutenção da
trom et al. (2012) mostraram, o risco é ainda face positiva. Há quase um acordo de troca na
maior. Essa aproximação, gerada pelas práti- interação entre os usuários (capital social nor-
cas de ampliação das conexões associativas na mativo, de acordo com a classificação de Ber-
ferramenta, coloca grupos diferentes em con- tolini e Bravo, 2004), onde o objetivo do uso
tato direto, fazendo com que contextos dife- de ferramentas como o curtir e o compartilhar
rentes colidem na conversação e gerem maior é aquele, justamente, de legitimar o que está
risco para a face. sendo dito, concordando ou assertindo, atuan-
O exemplo (Figura 4) demonstra uma das do na manutenção da face (no sentido do “tra-
discussões onde há ameaças à face observadas balho de face” construído por Goffman, 1967).
nesse contexto dos comentários. Observa-se Ou seja, o que discutimos até agora é que as
que o “tom” daquilo que é dito é evidentemen- ferramentas que o Facebook disponibiliza para

Verso e Reverso, vol. XXVIII, n. 68, maio-agosto 2014 121


Raquel Recuero

a participação na conversação seriam usadas a busca por esse valor que, ao fazer com que
através de um acordo tácito entre os grupos práticas associativas emerjam cada vez mais,
envolvidos: aquele de usá-las de forma a man- cria contextos conflitantes e tensos de intera-
ter a face alheia e a própria e, através dessas ção que parecem impactar a decisão de parti-
práticas, construir laços sociais mais fortes e cipar ou não de forma mais ativa da conversa-
confiança no ambiente social da conversação. ção. Com isso, menos valores de manutenção
Essa confiança, um dos tipos de capital social da face, tais como as formas de capital social
de segundo nível na discussão que Bertolini e de primeiro e segundo nível (Bertolini e Bravo,
Bravo (1994) fazem a partir das noções de ca- 2004) são gerados, também tornando a parti-
pital social de Coleman (1988), seria associa- cipação na conversação mais arriscada. Com
da a uma maior segurança do ambiente. Essa mais risco, há menos investimento em manter
segurança tem uma implicação direta com a as conexões no sistema. Com menos engaja-
manutenção da face (Goffman, 1967), uma vez mento dos usuários nas práticas conversacio-
que é uma negociação anterior ao momento da nais, menos capital social é gerado, menos gru-
interação, onde cada ator que irá colocar-se na pos sociais emergem e possivelmente, haja um
conversação confiando que sua colocação não esvaziamento do valor social da ferramenta. É
sofrerá tensões que possam resultar em amea- um risco, portanto, presente para a interação.
ça a sua face. Enquanto trabalhos como o de Backstrom
Entretanto, vimos que o Facebook, por con- et al. (2012) têm demonstrado que a rede social
ta de sua dimensão globalizada, tem reduzido no Facebook está mais clusterizada, portando,
as distâncias sociais entre os atores que dele com atores mais próximos entre si, o esvazia-
fazem parte (Backstrom et al., 2012). Com isso, mento do capital social pode gerar um mo-
grupos mais heterogêneos tornam-se mais vimento inverso na rede social, aumentando
próximos dentro da ferramenta, e as ações a distâncias e criando grupos mais privados,
de compartilhamento, curtidas e comentários onde é possível construir mais capital social
tornam mais visíveis as conversações para os para a manutenção da face.
atores que fazem parte de grupos diferentes,
justamente por conta das características dos Conclusão
públicos em rede (Boyd, 2007) e da própria
conversação em rede (Recuero, 2012). Deste Neste trabalho, procuramos explorar os
modo, há também o surgimento de contextos usos conversacionais convencionados sobre
de interpretação diferentes, por conta da he- as ferramentas “curtir”, “compartilhar” e “co-
terofilia da rede participante da conversação. mentar” do Facebook, buscando discutir os
Esses elementos parecem colocar em risco, efeitos desse uso no capital social e nas redes
muitas vezes, a interação e a participação ativa sociais, a partir da noção de face (Goffman,
na conversação por parte dos atores, especial- 1967). A partir de um estudo qualitativo, bus-
mente naquelas onde a apresentação da face camos explorar as funções adotadas para as
possa deixar um número maior de interpreta- ferramentas, notadamente a de legitimar a
ções, como os comentários. face, dando visibilidade e apoio ao ator au-
Dentre os usuários entrevistados, clara- tor da postagem; construindo, assim, capital
mente há uma reticência em comentar. A social para os atores envolvidos. Entretanto,
maioria deles explicitou um certo receio com observou-se também que há um certo receio
as interpretações de suas falas em contextos com relação a atos de ameaça à face em par-
diferentes, receios com relação à tensão com ticipações mais extensas e engajadas na con-
outros usuários, receios com a ocorrência de versação, como o comentário. Por conta da
atos de ameaça a face e efeitos negativos sobre percepção da conversação em rede, onde há
sua reputação. registro e migração daquilo que foi dito, pa-
Essa observação parece relevante na medi- rece haver, entretanto, uma redução do capital
da em que expõe um evidente conflito e um social de segundo nível, pela igual redução da
dilema para a conversação (e, por conseguinte, confiança no ambiente para a manutenção da
para as práticas sociais no Facebook): Se por face. Com essa percepção, parece que há atores
um lado, um dos grandes valores de capital evitando investir em participações mais com-
social encontrados no Facebook é aquele de plexas na conversação para evitar expor a face
proporcionar uma maior facilidade de ma- a atos de ameaça.
nutenção e acesso as conexões sociais (Ellison Esses resultados também são relevantes na
et al., 2007); por outro, parece ser justamente medida em que pensamos na hiperconexão

122 Verso e Reverso, vol. XXVIII, n. 68, maio-agosto 2014


Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes sociais no Facebook

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