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A semiótica do desejo nos usos de emojis no Grindr

JOÃO CARVALHO DE SOUZA JUNIOR*

Resumo: Este artigo é fruto de uma autoetnográfica e versa sobre o uso de emojis
na autonomeação de perfis em um aplicativo de encontro gay/bi, o Grindr.
Partindo da minha vivência como usuário do aplicativo e me fazendo um
pesquisador na área das linguagens, analiso como os emojis são utilizados nas
performances online, observando como esse novo uso linguístico é utilizado para
substituir enunciados de descrições e/ou de comandos no campo destinado a
nomeação do usuário. Notou-se como o desejo sexual/afetivo influencia nas
autonomeações dos usuários, que utilizam dos emojis como uma estratégia de
chamar atenção de outros usuários.
Palavras-chave: Emojis; Semiótica; Performance; Grindr.
The semiotics of desire in the use of emojis in Grindr
Abstract: This article is the result of an autoetnographic and deals with the use
of emojis in profiles self-naming in a gay/bi dating app, Grindr. Starting from
my experience as user of the application and also making myself a researcher in
the field of languages, I analyse how emojis are used in online performances,
observing how this new linguistic use is applied to replace descriptions
statements and/or commands in the user's self-naming section. It was noted how
the sexual/affective desire influences users' self-naming, who use emojis as a
way to attract the attention of other users.
Key words: Emojis; Semiotics; Performance; Grindr.

*
JOÃO CARVALHO DE SOUZA JUNIOR é mestrando em Letras pelo PPGL da
Universidade Federal de Sergipe.

114
Introdução possibilitam aos usuários das diversas
redes sociais, através de símbolos,
As novas tecnologias, como
transmitirem mensagens de forma mais
computadores, tabletes e principalmente
completa, ampla e prática (PAIVA,
os smartphones, em muito já
2016). Assim, os sujeitos em suas novas
reconfiguraram as nossas vidas. Diversas
práticas de busca por parceiros
práticas do cotidiano ganharam suas
sexuais/afetivos veem nos emojis uma
versões online. Ir ao banco, fazer
nova possibilidade de performarem os
compras, estudar, e encontrar potenciais
seus desejos online. Como as redes
parceiros sexuais/afetivos. Com o
sociais e as redes geossociais, como os
surgimento dos smartphones e os seus
apps de encontro que usam GPS em seu
aplicativos (apps) novas possibilidades,
sistema, exigem dos seus usuários
ainda mais cômodas, de conhecer outras
performances através de textos e
pessoas para fins sexuais e afetivos se
imagens e que sejam capazes de atrair o
tornam comuns. Apps como o Tinder,
desejo de outros usuários (MISKOLCI,
Scruff, Hornet e Grindr estão dando aos
2012) ao mesmo tempo em que tentam se
usuários a possibilidade de, através da
destacar entre eles. Os usuários dos apps
junção de texto, imagem e localização,
desse estilo veem nos emojis uma
encontrarem outras pessoas com os
possibilidade de performarem de forma
mesmos desejos e interesses, e, quem
mais dinâmica, prática e lúdica as suas
sabe, a partir deste encontro virtual
características, os seus desejos e
partirem para um encontro físico offline.
vontades. Porém, como toda
Da mesma forma com que essas novas língua(gem), os significados e usos de
práticas de assujeitamento surgem, cada emoji estão totalmente dependentes
surgem também novas formas dos dos contextos situacionais de cada
sujeitos fazerem uso das línguas e das comunidade. Por isso opto por uma
linguagens. O que Kress (2005b), antes análise autoetnográfica por achar ela
do surgimento e do sucesso dos capaz de alcançar esses significados
smartphones, se referia como um novo internos (ANDERSON, 2006), que estão
panorama semiótico parece caber muito tão atrelados os desejos de nós usuários.
bem para os novos usos linguísticos que
Quanto ao desejo, compreendo-o para
os sujeitos promovem na vida online, e a
além de apenas uma vontade e uma
esse novo panorama de significados que
atração sexual/afetiva de homens para
estamos nos imergindo enquanto o
com outros homens. Muito além de uma
criamos. O texto verbal escrito tem cada
mera questão biológica, ou uma
vez mais dividido espaço com outras
categorização entre
formas multimodais de comunicação.
hetero/bi/homossexual, o desejo, aqui, é
Imagens, vídeos, áudios e fotografias se
principalmente visto como uma
unem aos textos verbais escritos e fazem
construção social que se baseia em
surgir textos cada vez mais interativos e
padrões físicos, os quais nos são
dinâmicos. O que antes exigia do sujeito
impostos através dos discursos e das
uma descrição das suas características
performatividades, e que vão influenciar,
físicas nas paqueras online, por exemplo.
também, as nossas performances online
Pode ser agora resolvido com uma
(MISKOLCI, 2014; BONFANTE,
simples foto.
2016). Segunda Butler,
Agregam-se também a essas novas
o desejo é radicalmente
modalidades textuais os emojis, que são condicionado sem alegar que ele é
novas formas de “escrita” digital que radicalmente determinado, e pode-

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se reconhecer que há estruturas que perspectivas da linguística aplicada
tornam o desejo possível sem alegar indisciplinar (MOITA LOPES, 2002) e
que essas estruturas sejam da linguística queer (BORBA, 2015),
atemporais e resistentes, rompendo barreiras teóricas para que
impermeáveis às mudanças e
pudesse de melhor forma compreender e
deslocamentos. (BUTLER, 2014, p.
259-260).
analisar tais usos linguísticos
promovidos por essa comunidade.
Logo, há uma espécie de interinfluencia
entre o desejo e a performance, e vice-e- Com isto, tomei as minhas experiências
versa. Com um sempre, em alguma dentro do app, analisei e descrevi
medida, refletindo no outro. De acordo recortes de capturas de tela de perfis, os
com Borba (2014), raça, gênero, quais, para preservar as identidades dos
sexualidade, sexo e o próprio desejo “são usuários, tiveram expostas aqui no texto
produzidos na/pela/durante a apenas os emojis em si, omitindo toda e
performance sem uma essência que lhes qualquer informação sobre os perfis,
serve de motivação” (BORBA, 2014, p. como as suas descrições e fotos de perfil,
450). Além disso, é preciso entender, na intenção de manter o sigilo das
para essa pesquisa, que o desejo vai informações de nos usuários. Descrevo,
motivar usuários do Grindr a produzirem então, como se faz o uso da linguagem
atos de fala performativos que visam dos emojis (PAIVA, 2016), nas
atrair a atenção de outros sujeitos performances online, dos quais fazem
também desejantes. Nesse movimento da surgir significados e usos linguísticos
busca por atenção, é que os usuários vão exclusivos desta comunidade, trazendo à
fazer uso de distintas possibilidades de tona o que chamo de uma semiótica do
performar desejabilidade online e assim desejo destes usuários. Antes de
recorrer aos emojis. analisarmos como funciona essa
semiótica do desejo precisamos
Desta forma, este artigo parte dos compreender o que é e como funciona o
estudos da linguagem multimodal e da Grindr, essa rede geossocial que serviu
semiótica (KRESS, 2015a; 2015b), para de “lugar” de análise das performances.
descrever quais são as cargas simbólicas
que os emojis carregam dentro de uma O Grindr
determinada comunidade, neste caso a Criado pelo americano Joel Simkhai e
rede geossocial de homens que buscam lançado em 2009, o Grindr está
encontro com outros homens, o Grindr. disponível nos principais sistemas
Sendo assim, analisarei como as operacionais Android e iOS. Seu objetivo
performances online dos usuários do app é “viabilizar encontros “reais” [ou
são autonomeadas com os emojis, offline] entre homens gays e bissexuais
entendendo as performances online que estão próximos entre si e, para isso,
como atos de fala performativos o app conta com o uso da tecnologia de
(AUSTIN, 1990; BORBA, 2014; geolocalização” (REZENDE, 2015, p.
BUTLER, 2003). Para tal feito, tomei 355). Os principais elementos dos quais
uma abordagem metodológica a vivência no app gira em torno, são
autoetnográfica, que, segundo Jones et imagens (para foto do perfil, ou envio
al. (2013), leva em consideração o lugar privado), textos (para descrição pessoal,
de fala do pesquisador, a subjetividade, e descrição de parceiro alvo e/ou criação
requalifica a posição objeto de estudo e de um nickname) e os
observador, que neste caso também é gay geoposicionamentos (o local em que o
e usuário do app. Fiz uso também de as sujeito se encontra no momento em que

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faz uso do aplicativo, ou da última vez todos esses ícones abaixo dos dizeres
que fez uso). “Quem está por perto”.
Dentro desses três elementos, texto, O apelido/nick parece ser o segundo
imagem e geolocalização, que os principal ponto da performance online
usuários do app se fazem existir nesta dos usuários do app, logo após a
rede geossocial. Pensando esse imagem. Essa é a primeira prova que os
fenômeno do Grindr, a partir de Foucault apps trazem o corpo para a forma de
(1979; 1996), esse app seria um signo não apenas porque o
dispositivo em que os sujeitos poderiam discursivizam, mas porque também os
praticar “técnicas de si” (2014) e substituem, os tocam e os afetam
transformarem o corpo em discurso, (BONFANTE, 2016). Assim os
através destas três características: apelidos, os textos e as imagens
imagem, texto e geolocalização. Por carregam signos e significados daquele
vezes, essas técnicas de si levam os grupo para dentro dessa
usuários a seguir uma lógica publicitária discursivização/performance, que por
na construção dos seus perfis, recorrendo sua vez, levando em consideração os
a características como: “o uso de estudos linguísticos com autores como
apelidos chamativos, o uso de fotos em Moita Lopes (1994), só podem ser
poses similares às de comerciais, filtros construídos socialmente em cada
e corretivos digitais como Photoshop e contexto – o que engloba também a
Instagram até textos que chegam a seguir linguagem dos emojis.
critérios similares aos de
Possivelmente, por ter essa construção
comercialização de produtos”
estilo menu, como foi brevemente
(MISKOLCI, 2012, p. 7). Essas
descrito nos dois parágrafos anteriores,
características levarão os usuários a
muitos usuários optam por fazer uso de
recorrerem a estratégias performáticas
emojis, pois eles, de forma prática,
online que almejam alcançar os olhares
conseguem enunciar uma mensagem
de outros sujeitos desejantes ao seu com o uso de pequenas imagens e
perfil. A própria construção do app e símbolos, poupando espaço. Com isso,
disposição dos perfis podem contribuir perfis com emojis em seus apelidos
para que os usuários façam tais escolhas
podem facilmente atrair a atenção de
enunciativas. outros usuários, se levarmos em
Fazendo uma descrição de como o consideração que ao abrir o app veremos
Grindr é construído, o que primeiro se vê 100 pequenos ícones, num estilo menu
ao abrir o app é uma sequência de 100 ou cardápio.
ícones, que são pequenos quadrados com O uso inicial do app pode ser
as fotos principais (é possível colocar
compreendido fazendo uma breve
outras fotos, que serão vistas dentro do analogia com o próprio menu do
perfil) dos perfis dos 100 usuários mais
smartphone. Por exemplo, quando
próximos, isso na versão gratuita1. Caso
queremos utilizar o app do banco
algum usuário opte por não colocar foto,
abrimos o menu do nosso aparelho e com
uma tela escura será exibida no seu lugar.
o passar do olho entre os apps facilmente
Junto com as pequenas fotos aparecem
reconheceremos o que desejamos apenas
os seus respectivos apelidos/Nicks (ou
pelo seu ícone, sem precisar fazer
não, caso o usuário não escreva nada),
leituras textuais. Da mesma forma

1
Na versão paga, o usuário pode ver 600 perfis.

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funcionaria a busca no Grindr, se o (como expostos nas figuras 1 e 2 abaixo)
usuário que está fazendo uso do app indícios de que aqueles sujeitos, donos
procura uma determinada performance, daqueles perfis com tais emojis,
mais facilmente encontrará esse perfil ao possivelmente possuem tais
ver um determinado emoji, que acabará características2. Bem como os usuários
se destacando entre os demais. Por que produzem tais enunciados
exemplo, se um usuário do app está em performativos encontram nessas
busca de determinadas características estratégias linguísticas atalhos para atrair
físicas como um pênis grande e/ou uma o olhar e o desejo de outros usuários que
bunda grande ele encontrará nos tenham esse interesse. Sem a
símbolos da berinjela e do pêssego necessidade de textos escritos.

Figura 1: Berinjela. Figura 2: Pêssego.

Fonte: acervo do pesquisador

Mas antes de discutir como e quais vontades dos sujeitos, das sociedades e
emojis se tornaram comuns no processo dos contextos espaciais e temporais.
de auto-nomeação por emojis no Grindr, Diversas características contextuais
quero no próximo capítulo descrever influenciam nessa modulagem da
como os emojis se tornaram uma nova linguagem, como por exemplo as mídias
linguagem nos espaços virtuais. Farei um sociais que têm promovido mudanças
breve apanhado histórico do seu rápidas nos sistemas linguísticos através
surgimento e da sua consolidação (em da ressignificação de palavras, da
processo) como uma nova linguagem introdução de novas palavras, das
(PAIVA, 2006) e como o desejo tem se abreviações e dos acrônimos. Porém, não
expressado por ela. somente a linguagem escrita e verbal tem
sofrido mudanças com a difusão das
Emojis e o desejo na linguagem
redes sociais e geossociais. Outras
Para entender a linguagem em ascensão estratégias de comunicação têm surgido
dos emojis é preciso entender que a e se constituído como novas linguagens,
língua é um modo completamente este é o caso dos emojis.
articulado de representações (KRESS,
Outrora Kress (2005b) já havia discutido
2005b) e a linguagem é um sistema
sobre o baixo potencial da grafologia em
adaptativo complexo (PAIVA, 2016),
termos de carga semântica e de
logo elas se moldam as necessidades e

2
Refiro-me a essas características como tais estilizações de si online podem contrastar
possíveis visto que, segundo Miskolci (2012), com as versões offline desses usuários.

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representação. Mas em 2005, o ano de simplesmente um enunciado como
publicação desse seu trabalho sobre “tenho um pênis grande”. Com isso, um
multimodalidade, a era digital com os determinado emoji sozinho pode
computadores, tabletes e principalmente representar todo um texto. Um emoji de
os smartphones estava só começando, e pêssego pode substituir um “tenho uma
prestes a fazer surgir os emojis. Algo bunda grande”. No caso dos apps de
entre um pictograma (uma representação encontro, pode enunciar uma
de um conceito por meio de uma figura), performance, uma identidade virtual,
um logograma (um símbolo que nomear um perfil, ou enunciar um
representa uma palavra) e um ideograma comando. Kress (2005b), falando sobre a
(uma figura/símbolo que representa uma possibilidade multimodal da
ideia ou um conceito abstrato). Os emojis comunicação, diz que a simples presença
passaram a ser os novos hieróglifos do de um objeto, e neste caso podemos
homem moderno. Eles “são gravuras aplicar para o uso dessa nova linguagem,
produzidas com a tecnologia criada por é:
um grupo sem fins lucrativos para o indivíduo que está socializado
denominado Consórcio UNICODE” em seu uso - uma instrução, um
(PAIVA, 2019, p. 382) e que viraram comando, tão potente quanto
sucesso com a adesão dos sistemas qualquer comando falado. É também
operacionais para smartphones. Logo um suporte à subjetividade do
essas gravuras digitais se tornaram uma indivíduo: um item semiótico em
nova língua franca, utilizadas em seu devido lugar na vasta estrutura
diversas espécies de contextos digitais de significado da vida social. [...] O
informais e, por vezes, até formais. ponto aqui é simplesmente chamar a
atenção para o poder do "objeto sem
Segundo Kress (2005b), “a forma é linguagem" para se comunicar; ao
usada para representar toda a seu papel e poder em uma vasta
possibilidade semiótica” (p. 182), ele se estrutura semiótica e no apoio à
referia às multimodalidades na subjetividade individual. (p. 187)
comunicação de forma geral. Para o Essa subjetividade diante de objetos, e
autor, toda interação sempre é agora dos emojis, não é obviamente
multimodal e nunca apenas natural, é uma construção social que é
tipográfica/verbal. Ou seja, diversos performada e repetida no cotidiano e na
fatores compõem a nossa comunicação presença desta “materialidade”. Da
sejam os gestos, entonações e até os mesma forma que ocorre com a
objetos ao redor auxiliam e interferem na linguagem verbal, os emojis também
mensagem. Os emojis, em uma trazem uma rede de significados e de
perspectiva digital, conseguem cumprir discursos que são determinados cultural
com (quase) todas essas funções, pois e historicamente e, consequentemente,
eles não são meras ilustrações (PAIVA, os efeitos de seus usos são produzidos
2016), eles também são textos e formas. (ciber)culturalmente. Os atos de fala
Eles têm funções discursivas, que podem performativos outrora defendidos por
ser elas: substituir palavras, expressar Austin (1990 [1960]) e os seus efeitos
emoções, pontuar, e entre outras
características multimodais, das quais
Kress (2005b) se referia. Assim, colocar
um emoji de beringela (figura 1)
consegue alcançar muito mais
possibilidades semióticas do que

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perfocucionários3, agora ocorrem perfis têm de chamar a atenção de outros
também através dos emojis. A forma, usuários para as suas performances –
materialidade e os atos de fala assim conseguindo se torna sujeito de
repercutem na subjetividade, de tal desejo – entende-se porque alguns
forma que, para Kress (2005b), até a sujeitos optam por nomearem-se com
semiótica do nosso próprio gosto, o que emojis, já que esses, segundo Paiva
aqui eu compreendo como desejo, é (2016), têm a capacidade, muita das
atravessada por esses discursos sejam vezes, de substituir palavras e termos por
eles, dentre tantos outros, sociais, completos. A urgência e a necessidade
culturais e sexuais. Da mesma forma que se fazerem claros em suas
que, para Butler (2006), os atos de fala performances induzem quem usa o app a
influenciam nas nossas subjetividades. tomar escolhas objetivas na construção
Já que os nossos desejos interpelam e são dos perfis, principalmente na nomeação,
interpelados pela/na linguagem, sejam para assim tornar as suas performances
com emojis ou não. online dignas de desejo.
Todavia, esses discursos e significados, Quando suas performances são
bem como os desejos e as interpelações, reconhecidas como ‘dignas de
são sempre dependentes de um contexto, desejo’, eles ascendem à condição
ao ponto que, sujeitos que não pertencem de sujeito do desejo de modo que o
reconhecimento e a inteligibilidade
a redes como o Grindr podem não
dos corpos são altamente
compreender – bem como não serem dependentes da performance da
interpelados por – os significados dos renomeação (no caso uma
emojis de “berinjela” e de “pêssego”, performance de auto nomeação).
apresentados no capítulo anterior, e entre (BONFANTE, 2015, p. 62)
outros emojis que analisarei no próximo.
Pois, reafirmo, os mesmos emojis têm Sendo assim, a autonomeação é uma
significados diferentes em diferentes espécie de empreendimento, em que os
contextos e diferentes redes, o que deixa usuários apostam em características que
explícito a dinamicidade e a diversidade possam atrair a atenção de outros
das ciberculturas no campo usuários. Para exemplificar, voltemos
virtual/digital. A partir destas aos sujeitos berinjela e pêssego, exposto
perspectivas, analisarei na próxima respectivamente nas figuras 1 e 2 no
seção os emojis mais comuns dentro do início do texto. Para atrair a atenção de
app Grindr, quais significados essa nova outros usuários, esses sujeitos optaram
linguagem carrega dentro dessa rede por utilizar dois emojis que se referem as
geossocial. suas partes íntimo/eróticas (e ao tamanho
dessas partes) com a berinjela remetendo
A semiótica do desejo ao pênis (grande) do sujeito e o pêssego,
O app do qual o corpus foi tirado, o a nádega (também grande), são o que
Grindr, permite que os usuários façam chamarei aqui de nomeação por partes
uso de apenas 15 caracteres na intimas. Pela ausência de emojis que
autonomeação dos seus perfis. Dado a representem essas partes do corpo
pequena quantidade de caracteres humano, os usuários são obrigados a
disponibilizados e a necessidade que os recorrerem a símbolos que retomem,
físico/anatomicamente, a essas partes, o

3
Segundo Austin (1990 [1960]) quando agindo no mundo e produzindo efeitos na
produzimos atos de fala, mais do que enunciar realidade. Esse efeito produzido é o que o autor
constatações verdadeiras ou falsas, estamos vai chamar de ato de fala perlocucionário.

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que ocorre com o legume e a fruta como: nomeação pelo consumo de
utilizados, devido aos seus formatos e/ou drogas (i)lícitas; nomeação por tipo
tamanhos. físico; nomeação por preferência sexual;
nomeação por posses; nomeação por
A seguir, descreverei mais seis formas de
localização; a as performances de
autonomeação e de performances
exigências. Começando pela nomeação
recorrentes no app, as quais categorizo
por consumo de drogas (i)lícitas.

Figura 3: Raio e Folha. Figura 4: Cerveja

Fonte: Acervo do pesquisador.

A presença dos emojis com símbolos do bebidas alcoólicas fazem parte dos
raio e de uma folha, expostos na figura 3 teclados de emojis oficiais, e são
e 4, na nomeação dos usuários, significa invocadas nas performances dos
que os sujeitos destas performances usuários do Grindr também (figura 4),
online fazem uso de cocaína (raio) e com a mesma intenção das performances
maconha (folha), bem como pode estar da figura 3. Com isso recursos
convidando outros usuários a fazerem semióticos de desejabilidade são
uso juntos em possíveis encontros invocados para além do corpo físico, e
offline. Não há emojis que façam partem para o convite a uma experiência
referência a drogas ilícitas nos teclados físico-sensorial, que com o uso dos
oficiais dos sistemas operacionais, e que emojis a performance/convite é
tomam como base o UNICODE4. Desta abreviada para simples desenhos. Assim,
forma, com esses enunciados os usuários apenas um caractere multimodal
recorrem as figuras de linguagem, como: consegue enunciar um convite e/ou
a sinestesia com o raio fazendo a assumir uma prática sem a necessidade
referência a possível sensação do uso de de palavras e textos. Outro tipo de
cocaína; e da metonímia com a maconha representação por metonímia nas
sendo representada por uma folha que performances se dá através do uso dos
tem o formato parecido. Porém, as emojis de ursos, como na figura 6.

4
Veja mais em: <https://home.unicode.org/>
Acesso em: 29/11/2019.

121
Figura 5: Urso.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Os usuários recorrem ao símbolo de um relações virtuais dos apps de encontro e


urso para representar os seus corpos para as relações sexuais/afetivas, pois
físicos de homens grandes, definidos ou eles viabilizam os encontros offline,
não, e com pelos. Neste caso, os sujeitos neste tipo de performance a aparência
fazem referência, não as suas práticas, física tem uma grande influência na
mas as suas corporeidades, para assim se possibilidade de um encontro ou não.
tornarem reconhecíveis e desejáveis Reconhecimento também é buscado por
nessas nomeações por tipo físico. sujeitos que fazem uma autonomeação
Segundo Bonfante (2015), esses por preferência sexual, como na figura 6.
reconhecimentos são fundamentais nas

Figura 6: Setas.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Na tentativa de serem endereçados de exposto na figura 6. Para chegar a tal


forma ainda mais prática, alguns significação os usuários ativam a suas
usuários tomam como estratégia capacidades de promoverem
enunciativa chamar a atenção para as ressignificações linguísticas (KRESS,
suas preferências nas práticas sexuais 2005a) de termos nativos das
entre homens. Aqui então a corporeidade comunidades LGBTQ+ de língua
volta ao centro da desejabilidade, mas o inglesa. Entretanto, é preciso entender
uso desse corpo, mais especificamente como os termos em inglês se referem as
na cama, é que é evidenciado. Por não posições sexuais nas relações de homens
haver emojis com conotação sexual, e com homens, eles são: bottom
para fazer tal alusão a essas práticas, os significando passivo; top significando
usuários fazem uso de setas, como ativo; e switch, versátil. Assim, os

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termos em inglês bottom, top e switch se se aproximem, de suas necessidades
transforam em setas e agora retomam comunicativas. Assim, nós usuários dos
semioticamente ao passivo, com a seta apps ressignificamos termos, signos,
para baixo, ativo, com a seta para cima, símbolos e significados para que
e versátil, com a seta para os dois lados. consigamos de alguma forma alcançar os
nossos objetivos
Para Kress (2005a; 2005b) os
linguísticos/comunicacionais, o mesmo
interlocutores durante a comunicação
ocorre com o uso do emoji de
(re)fazem a materialidade (as palavras e
mamadeira.
os objetos) para que estes consigam, ou

Figura 7: Mamadeira.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

Assim como os usuários que fazem uso sexuais para se constituir como sujeitos
de setas praticam a ressignificação de de desejo, como feito na figura 7 e
termos do inglês para a linguagem dos também na figura 6. Outra forma de
emojis, se tornando inteligíveis em atrair atenção é explicitar na sua
outras línguas. Uma outra espécie de (re)nomeação as suas posses materiais
ressignificação de sentidos é o uso de como algo atrativo. Tirando da
uma mamadeira para sugerir a prática de corporeidade e das práticas corporais e
sexo oral entre homens. Desta maneira, sexuais o poder de serem as únicas
mais uma vez, algumas performances formas de potencial atrativo e
íntimo-erótica de si (BONFANTE, sexual/afetivo, como ocorre na figura 8.
2015), utilizam como artifício práticas

Figura 8: Carro+Casa

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.

123
Na figura 8, o usuário se nomeou com carro e uma casa, com o sinal de adição
três emojis, sendo eles um carro, um simbolizando o fato de o sujeito possuir
sinal de adição e uma casa. Toda via, as duas coisas. O emoji da casa e do carro
mais do que expor que tal sujeito possui substituem expressões do Grindr como
tais propriedades materiais, esta “tenho transporte” e “tenho local” e
performance enfatiza que este usuário assim a viabilidade do encontro através
tem um transporte para buscar um outro da locomoção com o transporte e/ou de
usuário para um encontro e um local que um local para possíveis práticas sexuais
poderia servir para encontros físicos, são enunciados como possibilidades e
respectivamente representados por um potenciais de desejo.

Figura 9: Bandeiras

Fonte: Acervo pessoal

Outra espécie de autonomeação de tornam os lugares geográfico como


performance no Grindr faz referência a possibilidades de reconhecimento de
nacionalidade e/ou o país de residência desejo utilizando, muita das vezes, as
do sujeito, é a autonomeação por cargas semânticas dos estereótipos que
localização. Além de se ser móvel, o app cada nacionalidade carrega, e assim
dá à possibilidade de interação com abrindo mais uma vez o leque de
pessoas de outros lugares do mundo, possibilidades semióticas de
assim, alguns usuários, muito deles representação da desejabilidade dentro
turistas, nomeiam-se com o lugar de desse app.
origem/residência. Essas performances

Figura 10: Block. Figura 11: Câmera. Figura 12: Dedo para baixo.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador.


Outras performances, que destoam das exigência. Nestas performances, ao
performances aqui apresentadas, são as invés dos sujeitos falarem de si, eles
que chamarei de performances de optam por falar dos outros sujeitos, e

124
sobre o que constituiria para tais usuários estejam inseridas. Sejam com palavras
como desejáveis e indesejáveis, as suas ou com emojis são as demandas
exigências, em sua maioria utilizando culturais, online ou offline, que
padrões estéticos e de masculinidade determinarão como a relação signo e
como referência (MISKOLCI, 2014). Os significado será constituída. O que os
emojis como nas figuras 10 e 11, ilustram emojis evidenciam ainda mais é que no
e substituem enunciados de exigências. campo da semiótica nada escapa do livre
uso da interpretação e da construção de
O block, geralmente acompanhado por
sentido que os sujeitos aplicam aos
uma lista de fatores, indica que tal
signos.
usuário não deseja interagir com
determinadas performances, sendo o Motivados pela busca de parceiros os
emoji do block seguido pelas indesejadas usuários do app guiaram suas
performances. Por exemplo, o símbolo performances online para um tipo de
do block acompanhado do enunciado enunciação que lembram os estilos
“afeminado” indicando que tal usuário publicitários de chamar atenção
não se atrai por performances masculinas (MISKOLCI, 2012). Assim, alguns
de feminilidade. Por sua vez, o emoji de usuários, na tentativa de otimizar os seus
câmera faz menção a exigência de que enunciados, recorrem aos emojis que são
outros usuários tenham fotos ou no de mais fácil reconhecimento para
perfil, ou para envio, antes da interação. aqueles que estão familiarizados com
A câmera, por sua vez, simboliza a seus significados (KRESS, 2005a). Isso
exigência que aquele perfil faz para que deixa claro que mesmo com um
outros usuários tenham fotos em seus consórcio, como o UNICODE, tentando
perfis ou para envio, colocando a definir quais são os emojis e o que
aparência física como fator fundamental simbolizam, no uso essa relação signo e
para um possível reconhecimento do significado é totalmente dependente do
desejo. É muito comum que essas contexto e dos usuários. Beringelas,
nomeações dos usuários do Grindr, pêssegos, setas, ursos, raios, mamadeiras
principalmente das performances de e entre outros emojis aqui analisados, e
exigência, sejam acompanhadas por um que venham a passar a ser utilizados
emoji de dedo apontando para baixo, nesses contextos no futuro, reforçam que
como na figura 12. Neste caso os a relação signo e significado não é dada
usuários querem chamar a tenção do por convenção, por mais que se tente. Os
leitor, que é outro usuário do app, para a desejos sexuais/afetivos e as
necessidade/urgência de que leiam o que necessidades comunicacionais são os
está escrito no perfil antes de tentarem fatores determinantes desta semiótica.
iniciar alguma espécie de interação. Nesse sentido, emojis se tornam atalhos
linguísticos/discursivos que facilitam e
Considerações finais
dinamizam as urgentes interações e
As práticas de autonomeação das performances online. A semiótica do
performances online com o uso dos desejo expõe também que as estratégias
emojis em apps de encontro trazem à enunciativas no jogo performático da
tona as diversas possibilidades dos usos sedução estão muito além da
das linguagens nas construções de corporeidade dos sujeitos ou na sua
sentido. Sejam elas novas ou já aparência. Nessa disputa por atenção, os
consagradas linguagens, elas estão sujeitos agregam às suas performances
sempre sob os efeitos dos contextos as suas práticas e as suas posições, mas
espaciais, temporais e situacionais a que também os seus consumos, as suas

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posses, as suas exigências e as suas BUTLER, Judith. Problemas de gênero.
localizações e origens. O corpo ganha Feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
aliados performativos, ou até substitutos.
Sejam raios, folhas, casas, carros ou ELLIS, C.; BOCHNER, A. P. Autoethnography,
personal narrative, reflexivity: research as
bandeiras, os emojis vêm nos mostrar
subject. In.: NORMAN, D.; LINCOLN, Y.
que no jogo da sedução operam variáveis Handbook of qualitative research. Thousand
situacionais que vão além da atração Oaks, CA: SAGE, 2000.
física. FOUCAULT, Michel. A história da
Por fim, acredito que este seja um campo sexualidade I: a vontade de saber. Rio de
Janeiro, Edições Graal, 1988.
aberto e possível para estudos nas áreas
das linguísticas, sejam elas aplicadas, KRESS, Gunther. Design and transformation:
queers ou as duas juntas. A linguagem new theories of meaning. In: COPE, Bill;
KALANTZIS, Mary. MULTILITERACIES:
dos emojis segue se consolidado no Literacy learning and the design of social futures.
mundo virtual, quer a academia se Routledge, 2005a: 149-158.
preocupe com isso ou não. Ela segue
______, Gunther. Multimodality. In: COPE, Bill;
sendo utilizada como estratégia KALANTZIS, Mary. MULTILITERACIES:
enunciativa e performática por usuários Literacy learning and the design of social futures.
de todos os tipos de redes sociais e Routledge, 2005b: 179-200.
geossociais. Trazendo para um novo MISKOLCI, Richard. 2012. A gramática do
estilo linguístico possibilidades de armário: notas sobre segredos e mentiras em
estudo dos atos de fala (AUSTIN, 1990 relações homoeróticas masculinas mediadas
[1962]) e performance (BORBA, 2014, digitalmente. XXX International Congress of
LASA, San Francisco. LASA 2012 Congress
BUTLER, 2006), para além dos estudos Paper.
semióticos.
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e ação. Trad. de MARCONDES, D. Porto interpretativista em Linguística Aplicada: a
Alegre: Artes Médicas, 1990 [1962]. linguagem como condição e solução. DELTA
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Sobre performance, performatividade e MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Identidades
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