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EDITAL 01/2023
Projeto de Pesquisa
Dinâmicas multimodais de difusão de neologismos nativos digitais: uma abordagem
etnográfica
Helena Sarmento Barros
Outubro de 2023
1. Introdução
Como uma fagulha, um neologismo surge e desperta o ímpeto criativo da comunidade virtual
numa reação em cadeia. Cada novo uso tem potencial de adicionar uma nova nuance ao
termo, e seu alastramento é tanto a causa quanto a consequência de sua transmutação: elipses,
reconfigurações, re-referenciamentos são necessários para mantê-lo vivo. O neologismo em
rede sofre desde pequenas modificações à sua completa reinvenção, e é na volatilidade que
seu sentido inicial permanece vivo: seus ecos são sua própria substância.
O objeto de estudo que esta pesquisa propõe investigar são os neologismos virtuais e sua
difusão entre redes sociais. Tais neologismos serão identificados e filtrados de acordo com os
resultados obtidos a partir de uma etnografia digital, que consistirá em traçar o processo de
difusão dos textos entre redes sociais. Uma vez selecionados, os neologismos que servirão de
objeto serão analisados numa tentativa de identificar de que forma os modos nativos digitais
estão operando na criação de significado, filiando-se à abordagem multimodal de Kress e
Benzemer que trata os modos como meios ‘parciais’ de comunicação(2015, p.2), ou seja,
partes que atuam juntas na criação de significados, cada uma à sua maneira.
Dito isso, o objetivo deste trabalho é compreender e mapear as formas que os neologismos
são criados e difundidos através das redes sociais, de forma a identificar padrões no uso dos
modos nativos digitais. Pretende, também, refletir sobre a etnografia digital e a
multimodalidade enquanto abordagens de estudo nas redes sociais.
Como questão prática, a origem dos dados é o X(antigo Twitter), uma rede social propícia
para a pesquisa pois nele ainda predomina a linguagem verbal como principal forma de
produção de conteúdo, apesar de sua exponencial multimodalidade. Concentrando-se no X
como campo de investigação, a pesquisa seguirá o alastramento dos termos por entre as
principais redes sociais, a saber: Youtube, Instagram e Facebook, onde dados pontuais
também serão coletados.
Para tal, dois conjuntos de pressupostos teóricos serão utilizados: a multimodalidade, cujas
potencialidades de aplicação nos estudos da internet a tornam essencial a este trabalho e a
etnografia digital, pela necessidade de considerar “as complexidades das interações
pós-digitais e não apenas perpetuem um objeto de estudo no qual informações são
transmitidas de mente humana para mente humana”(VALLADA, 2020, p. 116).
Analogamente, para a análise propõe-se um híbrido entre a duas abordagens: a etnografia
digital como forma de adentrar e entender densamente o ambiente digital escolhido e o
modelo multimodal de Kress, que possibilita a identificação dos modos atuantes em cada
neologismo e seus respectivos affordances (Kress, 2021).
A escolha do tema em questão parte do princípio de que a internet enquanto meio modifica a
linguagem. Segundo Vallada (2020), isso implica em tecer constantes rupturas (ou, ao menos,
tentativas de rupturas) epistemológicas com os fundamentos modernos, mentalistas,
essencialistas e antropocêntricos que forjaram o pensamento linguístico.
Partindo daí, este trabalho entende ainda a etnografia digital como uma abordagem oportuna
para estudos sobre o ambiente digital dada a sua vocação imersiva, definida pelo Coletivo
Ciborga (2022, p.27) como “o compromisso etnográfico com a investigação dos fenômenos
sociais, bem como o esforço pela descrição densa das ações do grupo observado e a falta de
suposições anteriores ao trabalho de campo (especialmente nas etnografias mais críticas)”.
Apesar disso, admite-se também a necessidade de uma ferramenta de análise para suplementar
as descobertas da etnografia, ajudando a lidar com o aparente caos da linguagem no ambiente
digital. Para tornar possível a interpretação do conteúdo adquirido na etnografia digital, será
adotado o pressuposto de Gunther Kress (2012) de que cada modo tem seu próprio affordance
e fornece diferentes insights sobre os significados criados, muito além das possibilidades
reconhecidas disponíveis nos meios “canônicos” de representação.
Aliás, para os efeitos desta pesquisa entende-se o affordance como o termo que designa de
que modo características de um meio ou objeto influenciam, por si só, formas de interação”
(Santos, 2016, p. 35 apud Coletivo Ciborga, 2022,p.15).
Dentre as leituras iniciais, o estudo cujo enquadramento temático mais se aproximou do tema
desta pesquisa foi o “Identifying lexical diffusion in a large online social network”, onde Lisa
Donlan analisa a inovação e difusão de neologismos através de redes sociais digitais. Donlan
desenvolveu um método que identifica quais palavras aumentaram massivamente de
incidência dentro do site. Em suma, a autora produziu um método de análise estatística que é
útil aos estudos de linguagem no contexto da pesquisa em ambiente digital(DONLAN,
2020.p1). Trataria-se da ferramenta ideal para a coleta de dados desta pesquisa se não
removesse palavras já presentes no dicionário, detectando apenas neologismos lexicais.
Mesmo assim, o trabalho motivou uma inquirição sobre métodos de coleta que chegou ao
NCapture e o NVivo, dois softwares que em um teste inicial se mostraram capazes de capturar
e processar os dados necessários.
Apesar do problema da internet enquanto não-lugar e, por isso, imprópria para a etnografia, a
produção de estudos sobre grupos sociais que ocorrem na web se multiplicaram, em geral
buscando emular etnografias tradicionais. Um bom exemplo é “Mapping the manosphere: A
social network analysis of the manosphere on Reddit”, que mapeia a “manosfera” (fóruns
ultra masculinistas na e geraram uma série de termos como “incel”, “redpill”, “alpha”, “beta”,
“sigma” e por aí vai). Apesar de não ter tais neologismos ou a linguagem em geral como foco
da pesquisa, Fitzgerald os cita utilizando metodologias mistas de etnografia digital (2020, p.
3). É uma etnografia com espaço de campo bem delimitado: o grupo estudado é um fórum
dentro do Reddit e o trabalho traz uma visada densa para dentro de uma cultura digital
emergente. Dito isso, faltam estudos que procurem entender o alastramento deste e outros
discursos — e seus termos próprios — internet afora, de site para site e de usuário para
usuário.
Etnografias digitais como essa também existem em cenário nacional, como Os Anacronautas
do Teutonismo Virtual: Uma etnografia do neonazismo na Internet, de Adriana Dias, e "Sabe
o que Rola nessa Internet que Ninguém Fala?”: Rupturas de Performances Idealizadas da
Maternidade no Facebook , de Souza e Polivanov. Estes dois últimos trabalhos trazem visadas
inaugurais para dentro de grupos que habitam a internet brasileira e, assim como o de
Fitzgerald, têm delimitações espaciais bem definidas, onde a rede social em análise é a
fronteira entre o fenômeno analisado e o resto do mundo. Peirano(2014, p.1) defende que
superar a ideia de sistemas fechados (tribo, aldeia etc) é uma contribuição à teoria etnográfica.
Há aqui uma lacuna de pesquisa tanto em experimentação etnográfica digital, em especial nas
transdisciplinaridade com a linguística.
Como expressão dos últimos estágios em que o pensamento sobre etnografia digital se
encontra está uma noção fresca do conceito de affordance trazida pelo muito citado Coletivo
Ciborga(2022, p. 41): a interação no contexto online já emerge como entextualização, porque
está acoplada ao regime metadiscursivo do affordance. Este é o ponto de contato entre os
preceitos de Kress e o pensamento do Coletivo: ambos reconhecem uma modularidade
inerente aos recursos linguísticos em ambiente digital.
A primeira leitura em multimodalidade foi Applied Linguistics and a social semiotic account
of Multimodality, onde Kress propõe uma abordagem teórica e metodológica para a análise de
textos multimodais enfocando a interação entre diferentes modos de comunicação, como
texto, imagem, layout cor, entre outros(2015). O autor introduz o conceito de "gramática
visual", que abrange as normas e convenções que regem a organização e a interpretação dos
elementos visuais em um texto.
Essa ideia foi aproveitada por Culache e Obadă(2014) em seu Multimodality as a Premise for
Inducing Online Flow on a Brand Website: A Social Semiotic Approach, onde propõem uma
nova abordagem da multimodalidade como um método semiótico que pode ser usado por
profissionais de marketing e semioticistas para induzir a fluidez (“flow”), um estado
psicológico, na experiência de uso em sites comerciais. É uma aplicação da multimodalidade
que a transforma em um amplificador do poder de influência de marcas, corporações e big
techs na internet, o que é uma conclusão desconcertante. Porém, com algum otimismo,
também aponta para a possibilidade de seu uso crítico enquanto uma engenharia reversa aos
discursos dominantes.
Posto isso, esta pesquisa sobre neologismos tem potencial (e ganas) de descobrir se o padrão
notado por Wei se mantém até os dias atuais, ou se a meteórica popularização das redes foi
capaz de reduzir a relação direta entre comportamento multimodal e marcadores
socioeconômicos dos usuários em rede. Essa vontade parte da crença que o letramento digital
se sucedeu de forma vertiginosamente rápida. Anedoticamente, antes que fossem traçados
planos para uma inclusão digital indígena Noah Pataxó(2021) atingiu um milhão de
seguidores do Tiktok.
Por fim, uma última lacuna de abordagem encontrada nos estudos multimodais é a
necessidade de desenvolver análises mais precisas, concretas e especializadas para lidar com a
complexidade das interações multimodais online. Por exemplo, faltam ainda ser identificados,
elencados e examinados os principais modos praticados da internet; para além de imagem,
texto e layout, o “cânone” oculto da linguagem em redes sociais (a ênfase através de likes,
estruturas padronizadas de indexação, o algoritmo em si etc.) ainda permanece pouco
conhecido. Então, sugere-se aqui o estudo de neologismos como um esforço contributivo
nessa identificação.
3. Metodologia
A metodologia utilizada neste projeto será de natureza qualitativa e usará como ferramenta os
passos metodológicos propostos pelo Coletivo Ciborga (2022) em seu Etnografia digital: um
guia para iniciantes nos estudos da linguagem em ambientes digitais. Além de adotar este
modelo de etnografia, o trabalho propõe refletir sobre o mesmo.
A origem dos dados é o X, onde acontecerá a coleta inicial de dados, que será feita utilizando
o NCapture, API que possibilita acesso aos códigos e que permite que desenvolvedores
terceirizados coletem dados internos de sites.
4. Cronograma
Atividades Semestres
1º 2º 3º 4º
Créditos
obrigatórios
Revisão
bibliográfica
Exploração de
campo
Escrita inicial da
dissertação
Qualificação
Análise de materiais
empíricos
Escrita final e
revisão
O cronograma foi elaborado com base no tempo mínimo para a conclusão do mestrado (dois
anos ou quatro semestres) e levando em conta a sincronicidade de algumas das atividades.
5. Considerações finais
Os neologismos são uma parte muito pequena do que acontece no mundo digital. Apesar
disso, a inquirição feita para gerar esse projeto de pesquisa abriu uma miríade de
possibilidades de enfoque e provocou muitas perguntas sem resposta: Estamos lidando com
uma difusão lexical mediada por tecnologia ou, simplesmente, um fenômeno midiático?
Excluindo publicitários, marqueteiros e políticos, a quem interessa saber o como palavras se
difundem pela web? Será que essa difusão não se trata, simplesmente, de uma viralização, e
os neologismos são apenas mais um tipo de “meme”?
Essas e outras questões são sinal de que os estudos da internet têm urgência em se
desenvolverem. Trata-se de um fenômeno sociolinguístico que permeia os principais espaços
de interação na internet. Por isso, há a esperança que os resultados desta pesquisa contribuam
para as novas frentes de estudo que surgem no horizonte da linguística e que sejam úteis no
emaranhado transdisciplinar que se debruça sobre a vida online.
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Padilha, Alexandre. Bolsonaro volta ao Brasil e Padilha reage: 'Recepção a Bolsonaro flopou'.
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