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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

CENTRO DE ARTES
CURSO DE ARTES VISUAIS - LICENCIATURA

2017/2

Artistas Mulheres e causas sociais: breve análise de obras

Luiza Prates dos Santos


Noemi de Campos Bretas

Pelotas, 2018
Suzanne Valadon - Marie-Clémentine Valadon

Bessines, França
23 Setembro 1865
7 Abril 1938
Paris, França
Pós-impressionismo e Simbolismo

Suzanne Valadon nasceu em 23 de setembro de 1865, na cidade de Bessines,


localizada no Nordeste da França. Aos cinco anos de idade, Valadon se mudou para Paris
com a sua mãe. Ela frequentou uma escola de convento por alguns anos e depois teve
que trabalhar em diversos outros locais para ajudar sua mãe na renda de casa.

Quando Valadon era uma adolescente, fez amizade com alguns artistas que
moravam no bairro Montmartre de Paris. Esses artistas ajudaram Valadon a obter um
emprego como acrobata no circo Mollier. Em março de 1880, Valadon caiu de um trapézio
ao praticar seu numero e machucou suas costas. Depois de várias semanas de
recuperação, ela nunca mais pode se apresentar nos circos devido à lesão sofrida.

Quando Valadon se recuperou 1880, ela chamou a atenção do pintor Pierre Puvis
de Chavannes, foi o inicio da carreira de Valadon como modelo de artista. Nos próximos
sete anos, Valadon posou para várias pinturas de Puvis.

Em 1881, Valadon iniciou um relacionamento com o espanhol Miguel Utrillo. E em


26 de dezembro de 1883, Valadon deu à luz um filho ilegítimo, Maurice Utrillo, que mais
tarde se tornou um pintor de renomado por sua própria conquista.

Durante meados dos anos 1880, Valadon produziu muitos desenhos com cenas de
rua. Seu trabalho artístico foi auxiliado por Toulouse-Lautrec, para quem muitas vezes
modelou e com quem teve um caso amoroso. Para aprimorar suas técnicas a artista
observava os trabalhos dos artistas para quem ela modelava. Em 1890, ela se tornou
amiga do pintor Edgar Degas, depois de ver alguns dos trabalhos de Valadon, Degas
encorajou a amiga a ser uma artista, ele acabou comprando algumas de suas peças e
ajudando-a a começar sua carreira como pintora.

Os primeiros trabalhos de Suzanne eram desenhos feitos a lápis ou em pastel, e


em 1890 ela começou a trabalhar com tinta a óleos, para produzindo suas primeiras
pinturas.

Em 1986 Suzanne Valadon casou-se com o corretor de ações de Montmartre, Paul


Mousis. Este casamento proporcionou Valadon com estabilidade financeira, permitindo
que ela abandonasse o emprego de modelo para os artistas e se dedicasse somente a
desenhar e pintar. Ao passar dos anos a artista tem alguns problemas com seu marido e
acaba se envolvendo com o amigo de seu filho Andre Utter, que era um jovem pintor.
André Utter passa a incentivar muito Suzanne a pintar e ela acaba tendo um número
significativos de obras em 1910 ela se separa e casa-se com o seu amante.

Em 1920, Valadon atingiu seu pico como artista produziu pinturas e desenhos em
um ritmo acelerado, e em 1920 foi eleito para o Salon d'Automne. E em 1924, Valadon
assinou um contrato com a galeria de arte Bernheim-Jeune, permitindo que ela voltasse a
viver no conforto financeiro. Em 7 de abril de 1938, Valadon estava pintando em seu
cavalete quando ela sofreu inesperadamente um AVC. Ela morreu no hospital apenas
algumas horas depois, aos 72 anos.

Produção artística:

As obras de Suzanne Valadon estão consolidadas com um estilo que remete aos
conhecidos artistas de quem foi amiga. Mas apesar de essa influência ser bastante nítida,
sua obra não deixa de ter os aspectos mais pessoais da artista. Vivendo em uma época
em que as mulheres serviam muito mais como modelos do que ao reconhecimento e
destaque no campo artístico, Valadon consegue ascender em sua carreira devido ao
talento que apresenta e dedicação em seu trabalho. A temática que se percebe como
pauta em seus trabalhos ao longo da vida, é o corpo. Pode-se especular sobre a
influência que sua queda teve em suas intenções de ser artista circense, o que pode ser
um aspecto determinante da produção de um artista de qualquer área.

Para além das questões já citadas, nota-se em sua vasta e rica produção, um olhar
bastante atento aos corpos que pintava, que em sua maioria não eram cânones de beleza,
mas corpos diversificados, com as formas o mais parecidas possível com as formas
comuns e outra característica forte de sua produção são os retratos de mulheres em
poses descontraídas, com uma aura de captura do momento. Algumas de suas obras
causam certa confusão nos retratos feitos de adolescentes, perceptível nos nus com a
ausência de pelos pubianos ou seios, cenas de banho e em que há mais de uma pessoa
enquadrada naquela cena de nu. Há também uma prevalência de obras de mulheres e
em cenas de interior.
Nude Arranging Her Hair. 1916

Nude to the boots


Louise Bourgeois

25 de Dezembro 1911 - Paris

31 de maio de 2010 - Nova Iorque

Formação: Sorbonne, Académie de la


Grande Chaumière, École du Louvre,
École des Beaux-Arts

Surrealismo, arte feminista

Nascida em Paris em 1911 Louise Bourgeois foi criada pelo seu pais trabalhavam
com restauração de tapeçaria. Louise trabalhava na oficina de seu pai ajudando nos
reparos da tapeçaria.

Em 1924 seu pai teve um caso com sua professora, isso acabou afetando muito
seu psicológico. No ano de 1930, Louise entra na faculdade de Sorbonne para estudar
matemática e 1935 ela se forma e começa a estudar artes em Paris. Em 1938 conheceu
seu marido Robert Goldwater, um historiador de arte americano, em Paris se casaram e
se mudaram para Nova York em 1938, o casal criou três filhos.

Os primeiros trabalhos de Bourgeois foram na pintura e na gravura, voltando-se


para a escultura apenas na década de 1940. Ela explorava uma variedade de temas ao
longo de sua carreira, incluindo temas familiares, sexualidade e corpo.

Em 1973, Bourgeois começou a trabalhar em varias escolas publicas e particulares.


Louise se juntou a ativistas feministas fundada pela artista Anita Steckel e na decada de
70 esse grupo defendeu o uso de imagens sexuais na arte.

Bourgeois morreu de insuficiência cardíaca em 31 de maio de 2010, e suas últimas


peças foram finalizadas na semana anterior a sua morte.

Produção Artística:

Apesar de Bourgeois ser mais reconhecida por suas esculturas monumentais, foi
uma artista de todas as áreas, o que se percebe de cara na catalogação de seu trabalho
no site do MoMA, cujo acervo é dividido em sessões temáticas e/ou técnicas, indo de
Abstraction, passando por Animal and Insects, Motehrhood and Family, Objects, Spirals,
Spiders a Words, entre outras categorias. O trabalho da artista não possui características
marcantes que abranjam todas as produções, em cada técnica suas habilidades se
percebem de uma outra perspectiva, se tornando impossível reconhecer por uma
característica em comum em uma produção tão vasta, entretanto a infância é uma
temática bastante explorada e retomada pela artista, e que pode ser percebida com um
olhar um pouco mais atento. Bourgeois passa por diversas áreas de produção, algumas
delas são desenho, escultura, projetos arquitetônicos, instalação.

“I am a searcher...
I always was...and I still am...
searching for the missing piece.”1

—Louise Bourgeois

Louise Bourgeois

Maman - 1999

1
“Eu sou uma pesquisadora...
Sempre fui... e ainda sou...
Procurando pela parte que falta” (tradução livre)
Louise Bourgeois,

“Fragile Goddess”, 2002


Ana Mendieta

18 de novembro de 1948 - Havana,


Cuba

8 de setembro de 1985 -
Greenwich Village, Nova Iorque,
EUA

Uma artista influente, mais conhecida pelas suas performances. Ana Mendieta
explorou sua identidade como emigrante em seus trabalhos que também se estendeu a
fotografia, cinema e escultura. Exilada de Cuba aos 12 anos e enviada a um orfanato em
Iowa. Ao longo de sua adolescência, quando se sentia como uma estranha, A jovem
artista sentia uma desconexão sempre presente dos conceitos de mãe, lugar, identidade,
pertença e lar. Por 15 de seus 37 anos, ela explorou essa dor através do trabalho, usando
a fotografia e filmagens. Na obra Silhuetas realizadas no ano de 1973 a 1977 onde ela
preenchia frequentemente sua silhueta com materiais como rochas, galhos, flores e
sangue, se preocupando com rituais primitivos e uma sensibilidade feminista moderna.
Em outras obras, ela se manchou de sangue, e o usou para traçar seu contorno. Ana
Mendieta morreu tragicamente, com 36 anos, em Nova York, quando ela caiu da janela de
seu apartamento do 34º andar; seu marido, o artista Carl Andre, que estava no local do
acidente foi absolvido do assassinato da esposa.

Produção Artística:

É difícil dissociar a produção artística da vida desta artista. Ana Mendieta sempre
buscou expressar em suas obras o vazio e as crises existencialistas que sofria, os
conflitos internos e as questões de corpo e familiaridade. Sua produção é absolutamente
voltada para questões de violência e exploração do corpo feminino, deixando explícito em
seus trabalhos impactantes de performance, que causaram aos espectadores a
sensibilização da impotência ante crimes que já aconteceram e levando à uma comoção
com fatos existentes na época. A própria morte da artista causa ainda uma consternação
acerca da culpabilidade do esposo, ser ou não culpado, acusação calcada
principalemente no fato de ele ser homem e da possível carreira voltada para uma
previsão do abuso e crime que poderiam vir a acontecer. Há ainda o fator de ter sido
abandonada por seu pai, que segundo a própria artista, se não tivesse seguido a carreira
artística, teria entrado para o crime.

Ana mendieta

Self Portrait with Blood

Mutilated, 1974
Sophie Calle

9 de outubro de 1953 – Paris

Arte conceitual e instalação

Nascido em Paris em 1953, Sophie Calle é filha do oncologista e colecionador


Robert Calle e crítico de livros. Depois de se formar no ensino médio aos 17 anos, a Calle
parou com os estudos, e passou sete anos viajando pela China, Estados Unidos e
México. Ela nunca frequentou a escola de arte e, muitas vezes, tira o rótulo do artista,
descrevendo muitos de seus projetos como um "jogo privado". Ela não considerava o que
estava fazendo como arte. Calle trabalha com fotografia e instalação, combinando fotos,
textos e vídeos para tecer narrativas de experiência privada, próprias e de outras. Seu
trabalho frequentemente retrata a vulnerabilidade humana e examina identidade e
intimidade. Ela é reconhecida por sua habilidade de detetive de seguir estranhos e
investigar suas vidas privadas. Seu trabalho fotográfico geralmente inclui painéis de texto
de sua própria escrita.

Produção Artística:

Mais um caso em que vida e obra confundem-se. Não a confusão caótica, mas a
de indistinção, pois na obra de Sophie Calle, muitos de seus trabalhos são fragmentos de
sua vida ou de suas experiências, ou um deslocamento de angústia, como foi o caso em
que pediu para 107 mulheres interpretarem, em seu lugar, uma carta de rompimento que
recebeu de seu namorado, esgotando-a. Isto está presente também na filmagem que
captura o momento da morte de sua mãe, em que a angústia sai do momento da morte
para a espectativa de trocar a fita que estava gravando. É uma produção de grande
impacto, talvez por essa tênue linha entre produção para os outros e produção de si.

SOPHIE CALLE. FOTO: JEAN-


BAPTISTE MONDINO

Statues Ennemies
Nan Goldin

12 de setembro de 1953

Fotografia cotidiana

Nascida em 12 de setembro de 1953, em Washington, Nan Goldin é uma


fotógrafa americana conhecida por seu retrato profundamente pessoal e
sincero. As imagens de Goldin atuam como uma autobiografia visual. Depois
do suicídio da irmã de apenas 18 anos, Goldin decide fugir de casa aos 13
anos morou em diversas casas de acolhimento.

A artista começou a tirar fotos ainda adolescente. Influenciada pela


fotografia de moda fotografou seus amigos nos momentos mais vulneráveis,

Em 1974 começou a estudar arte na Escola do Museu de Belas Artes em Boston.


Começou um trabalho retratando sua vida, fazendo centenas de transparências coloridas
de si mesma e de seus amigos deitados ou sentados na cama, envolvidos no jogo sexual,
se recuperando da violência física contra eles ou se injetando drogas. Seu envolvimento
com esse submundo, foi revelado em uma sequência narrativa diária de transparências
frequentemente desfocadas, mas bem coloridas, organizadas como uma apresentação de
slides intitulada “A balada da dependência sexual” de 1981. Esse trabalho era
acompanhado por uma partitura musical que misturava rock, blues, ópera e reggae, a
apresentação foi exibida inicialmente em casas noturnas e eventualmente em galerias.

Goldin fotografou drag queens na década de 1990, ela também criou uma série de
imagens na qual ela documentou as mortes relacionadas a AIDS de seus amigos.

Em 1995, ela também fez um filme biográfico para a BBC intitulado I'll Be Your
Mirror. Atualmente, Nan Goldin segue fotografando e dá aulas em Harvard. Continua
exibindo o seu trabalho em diversas mostras pelo mundo.
Produção Artística:

O trabalho de Nan é, em sua maioria, uma contestação ressaltando a visibilidade


da vida de pessoas que viem em vulnerabilidade social, como drag queens, viciados e
mulheres que sempre sofreram assédio de todos os tipos. A artista retrata, de modo geral,
seus amigos e pessoas de convívio, o que dá o semblante de realidade em sua obra, e
reamente é: é um cotidiano velado, escondido nos subúrbios, exilado dos centros e lugar
na sociedade, é por isso que seu trabalho parece tão “exótico” a alguns olhares. Nan
Goldin tem uma sensibilidade e um olhar que impactam, como ná série em que captura
fotos de um casal de amigos, onde um deles é portador do vírs HIV, em uma época que
não havia tratamento, ocasionando a morte do rapaz, que é registrada por meio dos
registros de convivência com seu parceiro.

Jimmy Paulette & Misty in a Taxi,


NYC - 1991
Cindy Sherman

19 de janeiro de 1954 - Glen Ridge, Nova


Jersey, EUA

Formação: State University of New York


College at Buffalo (1972–1976)

Filmes: Mente Paranóica, Doll Clothes,


Prima Donna
Fotografa, diretora de cinema e artista.

Cynthia Morris Sherman nasceu em Glen Ridge, Nova Jersey, em 19 de janeiro de


1954 foi criada no subúrbio de Long Island, Nova York. Em 1972, Cindy se matriculou no
curso de artes visuais do Buffalo State College , onde começou a estudar
pintura. Sherman pintou auto-retratos e imagens realistas que encontrava em revistas e
fotografias. Mas Ela gostava mesmo era da fotografia.

Cindy Sherman estabeleceu sua marca inovando a forma de fotografar auto-


retratos. Ela uma série de fotografias da própria artista que promovem clichês femininos
da cultura pop do século XX. Embora seu trabalho reexamine continuamente os papéis
das mulheres na história e na sociedade contemporânea, Sherman resiste à noção de
que suas fotografias possuem uma narrativa ou mensagem explícita, deixando-os sem
título e amplamente abertos à interpretação.

Produção Artística:

Cindy Sherman é, sem dúvidas, a artista mais satírica desta lista. Sua produção é
toda em cima de uma crítica ferrenha aos “tipos” de pessoas. Por meio de maquiagem e
uma grande produção de montagem de cenários, ambientes e figurinos, consegue
fotografar cenas do bizarro, ressaltando os principais aspectos do criticado.
Cindy faz trabalhos lidando com o bizarro e o exótico, plenamente percebido em
sua série Californianas e a série dos palhaços, que podem ser considerados os extremos
de sua produção, no qual resgata uma memória lúdica e a torna perturbadora, e na qual
traz diretamente no título a memória de mulheres da Califórnia, ou seja, um deboche de
estilos de vida.

Cindy não só produz estes personagens como se caracteriza e é sempre ela a


retratada, embora mal seja possível reconhecê-la entre tantas dessas camadas.

M·A·C Fall Colour Look #1

Untitled #474, 2008


Relações entre as obras das artistas

Devido ao tipo de produção feito por todas as artistas listadas, nos é difícil
estabelecer um panorama das artistas e as relações entre suas obras. Primeiramente é
impossível desentrelaçar a carreira da vida pessoal, já que as seis artistas viveram (e
ainda vivem) pela e para a arte, e o que é arte, senão a vida expressa em gestos?

Mas bem, para esta seleção de obras, optamos pela escolha de um tema, o que
facilita a digestão visual de imagens2, e o tema que optamos e que pudemos perceber a
presença na maioria destas produções é O Corpo. Esta temática é nítida nas seis das
artistas selecionadas, lidam com o corpo seja como objeto de observação, como é o caso
das fotografias em que o objeto da captura são corpos, ou como suporte, em que os
corpos servem de personagem passível de caracterização ou retrato da vida cotidiana.

Seja de forma natural ou artificial, as artistas tratam majoritariamente de questões


de gênero, feminismo em sua maior parte, criando uma esfera de crítica, denúncia e às
veze, pedidos nítidos por socorro. No que tange às questões femininas, hoje estamos em
um nível considerável de equiparação societária, contudo, questões como abuso,
violência e agressão à mulher seguem ocorrendo. Bem como retrata uma das artistas, as
agressões a homossexuais, drag queens, entre tantos outros grupos que sofrem ainda
esta segregação.

Poderíamos tranquilamente expor essas artistas em conjunto sem que os temas e


ambientações se perdessem e suas obras, algumas inclusive, ácidas, outras
descontraídas, outras verdadeiramente cruéis, são apenas a amostra do que sabemos
que ocorre em todos os lugares. O predomínio de uma intolerância com nossos díspares
é preocupante e não apenas hoje, mas foi, e seguirá sendo.

Consideramos assim, de profunda importância todas estas produções, que


deveriam ter mais visibilidade principalmente no Brasil, onde sabemos que impera a
intolerância, tão próximas de nós, questões que devem ser abordadas cotidianamente.

2
Partindo do estudo de Aby Warburg (1866-1929), o agrupamento por temas faz com que sintamos mais familiaridade
com a temática, facilitando assim o processo de observação e leitura subjetiva de imagens.

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