Você está na página 1de 7

Melhor Bayer Sócrates

aluno a compra pede


entrar na Monsanto
por 66
Universidade do Porto mil milhões de dólares Confiamos-lhes os afastamento do juiz

A saga dos protestantes da Madeira


ALBERTO FRANCO  10/04/2000 ­ 00:00

O realizador de cinema Sam Mendes, cujo filme "Beleza Americana" ganhou
este ano cinco óscares, é de origem portuguesa. Mas o que levou a família dos
Mendes a fugir da Madeira, rumo às Antilhas, em meados do século passado?
Tudo começou quando o médico escocês protestante Robert Kalley decidiu,
em 1838, fixar­se no Funchal. Uma história pouco conhecida de perseguição
religiosa em Portugal.

No turbulento Portugal do século XIX, 1846 é o ano da Maria da Fonte e da
Patuleia, duas revoltas populares que puseram o país a ferro a fogo. Toda esta
agitação faz passar relativamente despercebidos os acontecimentos registados
na Madeira, nesse mesmo ano. O essencial dos factos conta­se em três
pinceladas. Em Agosto de 1846 e nos meses seguintes, cerca de 2000
madeirenses de religião protestante são obrigados a abandonar a ilha, devido
a perseguições religiosas. Os fugitivos acolhem­se primeiramente nas
Antilhas. Dois anos depois, muitos deles rumam aos EUA, fixando­se no
estado de Illinois. A questão, que dividiu a sociedade madeirense e quase
originou um conflito diplomático com a Inglaterra, constitui o único caso de
perseguições religiosas em massa de que há notícia no nosso país, depois da
expulsão dos judeus por D. Manuel I, nos finais do século XV. Entre os
descendentes dos fugitivos conta­se o conhecido cineasta Sam Mendes,
realizador do filme "Beleza Americana", tetraneto de madeirenses que se
radicaram nas Antilhas.Robert Reid Kalley, médico e pastor protestante
escocês, é o protagonista desta história. Nascido em 1809, nos subúrbios de
Glasgow, Kalley licenciou­se em Medicina aos 20 anos, tendo começado como
cirurgião em navios que faziam a rota da Índia. Em matéria de religião, o
jovem Kalley era agnóstico e as desigualdades sociais que observa na Índia
mais aprofundam o seu cepticismo. Todavia, sensibilizado pelos casos
dramáticos de alguns doentes, converte­se ao cristianismo, por volta de 1834.
Adere à Igreja da Escócia, do ramo presbiteriano, estuda Teologia e oferece­se
como missionário para a China. Mas os responsáveis eclesiásticos negam­lhe a
pretensão, temendo que o débil estado de saúde da mulher de Kalley,
Margaret Crawford, se agravasse. Em troca, autorizam o casal a estabelecer­se
na Madeira, ilha que Kalley conhecia das suas viagens
marítimas.Desembarcados no Funchal em 12 de Outubro de 1838, os Kalley
vão engrossar a numerosa colónia britânica na Madeira, dona e senhora da
economia insular. Os ingleses dedicavam­se sobretudo ao comércio dos
vinhos, mas o seu dedo fazia­se sentir em quase todos os ramos de negócio,
das agências de navegação aos câmbios, da indústria à importação de bens
essenciais. Gozavam, além disso, de importantes privilégios, como o direito à
escolha de juiz nos conflitos com cidadãos portugueses. "A Madeira está em
grande parte anglicizada, na raça, nos costumes, na propriedade, no comércio,
na moeda; e a língua inglesa é aqui a mais falada depois da nacional. Só o brio
português nos mantém portugueses", lamentava, em 1873, o jurista Álvaro
Rodrigues de Azevedo. O jornal inglês "The Empire" chega mesmo a sugerir,
em 1897, a cedência da Madeira à Inglaterra, ou a sua compra pela coroa
britânica.Mas Kalley não é mais um súbdito de Sua Majestade que vem
sacudir a árvore das patacas madeirense. A sua principal missão na ilha
começa por ser a prática da medicina. Depois de aprender português,
matricula­se na Faculdade de Medicina de Lisboa, que em Junho de 1839 o
autoriza a exercer a sua profissão em Portugal. O novo médico destaca­se
desde logo pela atenção que presta aos mais desfavorecidos. Em 1840 abre no
Funchal um hospital com 12 camas, consultório e farmácia, no qual trata
gratuitamente os doentes pobres. Os ricos também o procuram, mas a esses
Kalley cobra bom dinheiro. Consegue assim financiar o seu hospital e,
segundo diz, "afastar" os mais abastados, para se dedicar inteiramente aos
pobres. Em pouco tempo, a fama do "santo inglês" estende­se por toda a ilha e
obtém até reconhecimento oficial. Num acto inédito, a Câmara Municipal do
Funchal aprova um voto de louvor ao "bom doutor inglês", em Maio de
1841.Contudo, os interesses de Kalley eram também religiosos. Ordenado
pastor presbiteriano em Julho de 1839, pela Sociedade Missionária de
Londres, Kalley tentou, desde o início, catequizar os madeirenses, ainda que
discretamente. Antes das consultas, costumava rezar com os doentes e nas
receitas que prescrevia podiam ler­se passagens da Bíblia. Esta actividade
doutrinária torna­se evidente quando as preocupações de Kalley se estendem
à educação. Numa época em que o sistema de ensino público era mais que
insuficiente e a instrução um privilégio dos mais endinheirados, o médico
escocês reúne alguns professores e cria pequenas escolas primárias, em
freguesias como Santa Cruz Ribeira de Machico, Porto da Cruz e Santo
António. Estima­se que Kalley tenha fundado 17 escolas, entre 1839 e 1845,
que deram a conhecer as primeiras letras a mais de 2000 crianças e
adultos.Os textos escolares eram extraídos da cartilha oficial, mas também da
Bíblia. E aqui começaram os atritos. Kalley interpreta os textos bíblicos à luz
da doutrina presbiteriana, diferente do catolicismo por rejeitar a autoridade
do Papa, o culto dos santos e da Virgem Maria e minimizar a importância dos
sacramentos. Com o tempo, as escolas transformam­se em núcleos de
propaganda religiosa e centros de reunião dominical, onde se lê e estuda a
Bíblia. "Em 1842, especialmente no Verão e no Outono, o povo acorreu em
grande número para ouvir as Escrituras lidas e explicadas", escreve João
Gomes da Rocha, um português que Kalley adoptou como filho, no seu livro
de memórias "Lembranças do Passado". "Muitos deles caminhavam durante
dez ou doze horas e escalavam montanhas de mil metros de altitude à ida e à
volta para suas casas; durante muitos meses, creio, não havia menos que um
milhar de presenças, cada domingo, geralmente excediam os dois milhares;
ocasionalmente três milhares e uma vez foram cerca de cinco mil", garante.De
acordo com a lei fundamental da época, a Carta Constitucional de 1826, os
portugueses podiam apenas professar a religião católica romana, credo oficial
do reino. Todavia, admitia­se que os estrangeiros praticassem outras religiões,
"em casas para isso destinadas sem forma alguma exterior de templo". No
caso dos ingleses, esse direito era reforçado por um tratado de 1842, que
garantia expressamente aos súbditos britânicos o livre exercício das suas
crenças. A Carta Constitucional assegurava ainda que ninguém seria
"perseguido por motivos de religião, uma vez que respeite a do Estado e não
ofenda a moral pública". Mas esta fórmula era tão vaga que dificilmente os
não católicos se sentiriam protegidos.Em 1841, chega aos ouvidos do governo
central que um médico e pastor escocês faz proselitismo protestante na
Madeira. Como resposta, o governo dirige uma portaria ao bispo do Funchal,
D. Januário Vicente Camacho, ordenando­lhe que ponha termo à
evangelização de Kalley. O bispo, amigo e cliente de Kalley, pede­lhe que
renuncie à propaganda religiosa. Mas este não cede e continua as suas
pregações. Por essa altura, a maioria dos madeirenses estava do lado de
Kalley. Como reconhece a "Revista Histórica do Proselitismo Anti­católico
exercido na llha da Madeira pelo Dr. Roberto Reid Kalley", um panfleto de
1845, a atitude do governo central indignou os ilhéus. Num gesto de
solidariedade, circularam pelo Funchal petições e abaixo­assinados, "a favor
da inocência" das práticas religiosas de Kalley e "dos serviços por ele
prestados à Humanidade".Este sentimento de tolerância teve curta duração.
Depois de uma viagem à Escócia, em finais de 1842, Kalley expressa, mais
abertamente que nunca, o seu pensamento religioso. Ou, como pretende a
"Revista Histórica", "despe por uma vez as cândidas roupas da caridade e da
filantropia, para vestir a negra toga do proselitismo". Alguns católicos
acusam­no de abusar da sua posição de médico e de só tratar doentes que
aceitem as suas doutrinas. "Bem poucas ou nenhumas são por ele agora
atendidas em suas moléstias, a não prestarem atenção às suas longas práticas
protestantes", sustenta a "Revista Histórica". Versão diferente apontam os
investigadores protestantes que estudaram a acção de Kalley em Portugal.
Segundo o pastor americano Michael Testa, autor de "O Apóstolo da
Madeira", uma biografia de Kalley publicada em 1963, o despertar da
animosidade contra o médico escocês deveu­se ao clero católico. "Instigações
contra os hereges calvinistas, nome dado aos cristãos reformados, eram
lançadas dos púlpitos", afiança Testa. "Dichotes ridículos eram ensinados às
crianças. Ouviam­se discussões azedas nas lojas ou nas esquinas e artigos e
panfletos de polémica inflamada eram distribuídos abundantemente",
acrescenta.A partir de 1843, a reacção das autoridades madeirenses contra
Kalley e os seus seguidores é nítida. Em Janeiro desse ano, o administrador do
concelho do Funchal, João Crisóstomo Uzel, aconselha­o a não falar de
assuntos religiosos aos portugueses, sob pena de ser processado. Na mesma
linha, o governador civil do Funchal adverte a população sobre a ilegalidade
das práticas protestantes. A hierarquia católica, por sua vez, instaura um
processo por heresia contra dois madeirenses convertidos ao protestantismo,
Francisco Pires Soares e Nicolau Tolentino Vieira. Estes, "abandonando a
Religião Católica Romana, apostataram", lê­se numa carta de Janeiro de 1843,
dirigida pelo governador do bispado, Clemente Salgado, ao vigário­geral da
diocese, Sebastião Vasconcelos. Condenados pela câmara eclesiástica do
Funchal, Pires Soares e Tolentino Vieira são formalmente excomungados, em
Abril de 1843. "Que ninguém lhes dê fogo, água, pão ou qualquer outra coisa
que venham a precisar para a sua subsistência. Que ninguém lhes pague
qualquer dívida; que ninguém os socorra ou auxilie em qualquer coisa que
porventura tragam a juízo", lê­se na sentença de excomunhão, assinada por
Sebastião Vasconcelos.O próprio Kalley começa a ser hostilizado pela
população que antes quase o venerava. Recebe ameaças de morte e a sua
residência é apedrejada. As autoridades concedem­lhe protecção policial, mas
publicam no jornal madeirense "O Defensor", em Fevereiro de 1843, um ofício
em que acusam o médico de ser o responsável pela situação. Para não correr
riscos, "bastava­lhe não se obstinar contra tantas advertências, desistir de
suas catequeses, deixar de ostentar em terra de cristãos o espírito dos antigos
mártires em terras de infiéis". Em Março, o administrador do concelho intima
Kalley a não "admitir em sua casa reuniões de súbditos portugueses, nem a
dirigir­lhes práticas, palestras ou discursos sobre matérias religiosas". Dias
depois, o mesmo administrador ordena aos regedores das paróquias que
impeçam os professores das escolas de Kalley de continuar a ensinar.O
médico defende­se destes ataques publicando um panfleto intitulado "Uma
Exposição de Factos", que constitui uma súmula dos seus pontos de vista. Mas
o cerco aos "hereges calvinistas" aperta­se cada vez mais. Em Abril de 1843, as
autoridades religiosas processam Kalley pelo crime de apostasia, acusando­o
de explicar a Bíblia em português, "segundo a doutrina da sua seita", e de ter
"conduzido à comunhão de sua igreja alguns iludidos". Pelas mesmos motivos,
é aberto no tribunal do Funchal um processo­crime, que leva à prisão
preventiva de Kalley e de 26 "calvinistas", em Julho de 1843. A ofensiva
prossegue com uma pastoral do bispo do Funchal, que considera que as
Bíblias utilizadas por Kalley estavam adulteradas. Além de serem editadas em
Inglaterra ­ um bastião do protestantismo ­, não tinham a totalidade dos livros
exigidos pelos cânones católicos e apresentavam diferenças de tradução.
Deviam, portanto, ser apreendidas, bem como todas as obras de propaganda
"calvinista".Kalley é libertado passados seis meses, pois o procurador régio,
em Lisboa, entende que o crime de apostasia se tinha extinguido com a Carta
Constitucional. Alguns juízes madeirenses, contudo, não foram da mesma
opinião e tiveram mão pesada com os "calvinistas" detidos. Um deles, José
Ferreira Lomelino, abastado proprietário, foi deportado para África. Mas o
caso mais sério foi o de Maria Joaquina Alves, mãe de sete filhos, condenada à
morte por blasfémia, em Maio de 1844. Valeu­lhe um erro técnico no
processo, que levou à comutação da pena pelo Tribunal da Relação de
Lisboa.A prisão não esmoreceu Kalley, que prosseguiu a sua propaganda
religiosa, centrada agora na zona de Santo António da Serra, a 24 quilómetros
do Funchal. A Igreja da Escócia é que receava que a ousadia do médico
deitasse a perder o trabalho já realizado. Embora a confiança em Kalley se
mantivesse, a Igreja nomeia outro pastor para a Madeira, William Hewitson,
que chega à ilha em Fevereiro de 1845. Este levava como missão continuar o
trabalho de Kalley e, dentro dos estreitos limites impostos pelas autoridades,
organizar a igreja presbiteriana madeirense. Para não despertar suspeitas,
Hewitson instala­se em casa do pastor da comunidade britânica no Funchal.
Com a ajuda de Kalley, baptiza clandestinamente alguns madeirenses,
promove encontros e cerimónias de culto. Por fim, em 8 de Maio de 1845, é
fundada secretamente a Igreja Presbiteriana do Funchal, a primeira a ser
criada em solo português.Por muito discretas que fossem, estas
movimentações não podiam deixar de atrair a atenção das autoridades. Sabe­
se que em Dezembro de 1845 estavam presos 28 "hereges", pessoas que se
tinham declarado abertamente protestantes, que tinham sido surpreendidas
em reuniões religiosas ou simplesmente na posse da Bíblia presbiteriana. Nas
colunas da imprensa madeirense, nos jornais "O Imparcial" e "O Defensor",
duros artigos contra Kalley competiam com escritos a seu favor. Os mais
radicais incitavam a população contra os "leitores da Bíblia". Como resultado
destes apelos, entre Junho e Julho de 1846 assinalaram­se diversos casos de
espancamento de "hereges" e cinco casas foram incendiadas. Os "calvinistas"
vêem também as autoridades negar­lhes o direito a enterrar os seus mortos
nos cemitérios católicos, vendo­se forçados a sepultá­los em terrenos baldios
ou nos caminhos públicos. Mas o mais grave estava ainda para acontecer.Na
noite de 2 de Agosto de 1846, um grupo de populares, chefiado por um padre
católico, o cónego Teles de Meneses, arromba a residência de uma cidadã
britânica, Miss Rutherford, onde estavam reunidos 40 "calvinistas". A
intervenção da polícia evitou o pior, mas adivinhava­se que novos ataques
estavam em preparação. A 8 e 9 de Agosto, uma explosão de violência tem
lugar nas localidades de maior penetração protestante. A altas horas da noite,
em Santo António da Serra e no Lombo das Faias, populares e soldados
atacam casas de "hereges", expulsam os seus locatários, matam­lhes os
animais e saqueiam as provisões. De nada valem os protestos da comunidade
britânica e de muitos madeirenses contra este serôdio espírito de cruzada. Na
sequência dos tumultos, 22 protestantes são presos, enquanto centenas de
outros fogem para os campos.Como seria de esperar, Kalley é o alvo preferido
dos antiprotestantes. Mas o médico troca as voltas aos seus perseguidores.
Disfarçado de mulher, deitado numa rede usada para transportar doentes,
consegue refúgio numa quinta próxima da sua residência. Ao raiar do dia 9 de
Agosto, embarca no navio britânico "Forth", ancorado na baía do Funchal, que
o leva são e salvo à ilha de Trindade, nas Antilhas. Entretanto, os anti­
protestantes destruíam tudo quanto lhes cheirasse a "calvinismo". A casa de
Kalley e algumas das suas escolas foram incendiadas. O seu hospital foi
saqueado e parcialmente destruído. Na praça principal do Funchal, numa
espécie de auto­de­fé, foram queimadas Bíblias e outras publicações
"herejes".Os protestantes que tinham conseguido escapar erravam pelos
matos e montanhas da ilha. Quem fosse apanhado, arriscava­se a uma dupla
condenação: ser encarcerado pelo poder civil e excomungado pelas
autoridades religiosas, com as graves consequências que daí resultavam. Os
poucos que permaneciam em liberdade não tinham melhor sorte, pois sentiam
na pele a discriminação de muitos dos seus conterrâneos.Por essa altura, a
Inglaterra tinha em curso um plano de recrutamento de trabalhadores para as
suas colónias nas Antilhas Menores. Navios britânicos eram enviados a países
estrangeiros, para angariar mão­de­obra e conduzir os emigrantes ao seu
destino. O "Forth", que deu abrigo a Kalley, era um desses navios. Outro era o
"William", que também estava ancorado no Funchal nesse final de Agosto de
1846. 0 "William" será a primeira tábua de salvação dos protestantes
madeirenses. A 23 de Agosto, o navio larga do Funchal, levando a bordo mais
de 200 refugiados, embarcados pela calada da noite, nas praias mais desertas.
Quase todos iam sem bagagem e vestiam roupas oferecidas pela tripulação.
Dias depois, embarcam no "Lord Seaton" mais 500 pessoas, a que se somam
centenas de outras, nos meses seguintes. Calcula­se que cerca de dois mil
madeirenses tenham sido forçados a exilar­se, para escapar à vaga de
intolerância religiosa.Os refugiados distribuem­se pelas ilhas de Trindade e
Tobago, Antigua, St. Kitts, Demerara e Jamaica. Uns empregam­se nas
plantações de açúcar, cacau e café, outros trabalham como barbeiros,
alfaiates, carpinteiros e sapateiros. Mas quase todos se davam mal com o
clima dos trópicos, muito diferente das amenas temperaturas da Madeira.
Para agravar a situação, em 1847 a economia das Antilhas é fortemente
abalada pela baixa de preço do açúcar, que leva à falência das principais
empresas da Trindade e ao abandono pelo governo britânico de
empreendimentos que davam trabalho a muitos emigrantes.Lançam então um
apelo à Sociedade Protestante Americana e à União Cristã Americana, em
Março de 1848, solicitando a cedência de terra para se instalarem nos EUA. A
resposta é favorável. Os primeiros madeirenses ­ mais de uma centena ­
chegam em Novembro de 1848 a Baltimore, onde são calorosamente
acolhidos pela comunidade protestante local. Meses depois, em Maio e Junho
de 1849, mais 500 refugiados trocam as Antilhas pelos EUA, em barcos
fretados pelas organizações protestantes americanas.A terra prometida dos
madeirenses situava­se no estado de Illinois, entre as cidades de Jacksonville
e Springfield. Tinha sido cedida por uma empresa, a American Hemp
Company, que se comprometera igualmente a dar emprego aos emigrantes.
Porém, à última hora a empresa dá o dito por não dito, e os cerca de 700
madeirenses que já tinham viajado para Illinois têm que regressar a Nova
Iorque. Ao saberem disto, os membros das igrejas protestantes de
Jacksonville, Springfield e Waverly mobilizam­se. Chamam os emigrantes de
volta e põem­nos a viver em suas casas, enquanto não lhes arranjam melhor
acomodação e empregos dignos.O "responsável" por este êxodo, Robert
Kalley, não se alheou da sorte dos seus seguidores madeirenses. Embora
prosseguisse a sua doutrinação em terras distantes ­ em Malta e na Palestina ­,
mantinha contactos com os exilados e passou mesmo o Inverno de 1853 em
Illinois. Apoiado pelo governo britânico, Kalley pediu ao governo português
uma indemnização pelos danos sofridos com a destruição da sua casa na
Madeira. Portugal não quis pagar à primeira e o assunto arrastou­se durante
sete anos. Houve artigos nos jornais, troca de notas diplomáticas e alguns
incidentes que azedaram as relações luso­britânicas. A questão acabou por
compor­se em 1853, com o pagamento por Portugal de uma indemnização de
sete contos de reis. Depois de alguns anos de acção pastoral no Brasil, Kalley
faleceu em Edimburgo, em 1888.Os madeirenses adaptaram­se facilmente à
vida no Illinois. Americanizaram os apelidos ­ os Rodrigues tornaram­se
Roderick, os Oliveiras converteram­se em Oliver e os Ferreiras passaram a
Smith ­ e dedicaram­se à agricultura e ao comércio. Alguns prosperaram,
como o agricultor Emanuel Gouveia e o comerciante Frank Meline, que depois
de ter começado por vender sapatos em Jacksonville, se tornou um grande
proprietário, chegando a comprar a mansão da actriz Mary Pickford, em
Beverly Hills. Entre os que optaram por ficar nas Antilhas, destacam­se os
Mendes, figuras de relevo na vida política e cultural de Trindade e Tobago. É
deles que descende Sam Mendes, encenador e cineasta britânico de
ascendência portuguesa, realizador de "Beleza Americana", filme sensação do
ano transacto.Apesar de esquecida em Portugal, a saga dos protestantes
madeirenses mantém­se viva nas terras que os acolheram. Na Internet, há
"sites" americanos que focam o assunto, incluindo as listas de passageiros dos
barcos que transportaram os refugiados para os EUA
(http://www.halcyon.corn/www3kleber/genealogy/shipov.htm). Ali, mais de
um cidadão americano tem localizado os nomes dos seus bisavós e, com eles,
uma remota costela portuguesa.

COMENTÁRIOS

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.

Você também pode gostar