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ALERTAS IGNORADOS CONDENARAM PLATAFORMA

Às 10h43 do dia 20 de abril, um jovem engenheiro da BP PLC enviou um e-mail de


173 palavras para os colegas a bordo da plataforma da perfuração Deepwater
Horizon. O e-mail descrevia uma mudança recente num teste de segurança, algo que
causou confusão e debates na plataforma.

Menos de 12 horas depois, a plataforma foi tomada por chamas tão fortes que
derretiam aço. Onze funcionários morreram. Começava o pior vazamento de petróleo
da história dos Estados Unidos.

A explosão do poço da Deepwater Horizon se tornou um dos acidentes marítimos


mais questionados da história. Investigações no Congresso americano e de
especialistas externos já identificaram uma série de decisões nas semanas antes do
acidente que facilitaram a explosão.

Mas ainda há uma dúvida crucial: por que a tripulação não reconheceu os sinais de
alerta nas horas finais e controlou o poço enquanto ainda havia tempo?

O Wall Street Journal teve acesso a documentos internos da BP, e também a horas
de depoimentos para uma comissão da Guarda Costeira e do Departamento do
Interior. Também entrevistou dezenas de testemunhas do desastre. O que surgiu
dessa apuração é um relato chocante do último dia da Deepwater Horizon.

Muitos trabalhadores da plataforma só descobriram na manhã de 20 de abril que


uma mudança num teste de pressão poderia influenciar a segurança da plataforma.
A BP queria retirar do poço um volume excepcionalmente grande da chamada lama
de perfuração e realizar o teste. Foi uma decisão fora do normal e deixou os
tripulantes confusos.

A indústria petrolífera usa tecnologias extremamente avançadas. A BP usa alguns


dos computadores mais potentes do mundo para localizar jazidas petrolíferas. Robôs
submarinos ajustam poços a quase dois quilômetros de profundidade.

Mas a verdade sobre a moderna indústria petrolífera é que muitas vezes ela
depende do julgamento e do instinto do homem.

É preciso ouvir os poços, dizem. Em 20 de abril, um pequeno grupo de homens a


bordo da Deepwater Horizon tentou escutar o poço quase concluído e não entendeu
o que ele estava dizendo.

Gerentes importantes estiveram ausentes durante partes daquele dia. O veterano


gerente da BP a cargo da plataforma disse que estava num treinamento em terra,
com o celular desligado.
Dois gerentes do alto escalão da Transocean Ltd., dona da plataforma, passaram
boa parte do dia recebendo executivos que tinham ido à plataforma para elogiar a
tripulação pelo histórico de segurança, e para discutir futuras manutenções.

Quando se pediram suas versões da história, a BP e a Transocean afirmaram que


agiram com prudência e se acusaram mutuamente. A BP informou que os
trabalhadores da Transocean eram os responsáveis por detectar e solucionar os
problemas no poço. A BP também afirmou que o teste "foi realizado de acordo com
procedimentos estabelecidos pela BP e aprovados" pelas autoridades federais
americanas.

A Transocean afirmou que a BP é que era a responsável por dirigir e interpretar os


testes no poço. "A interpretação final dos resultados do teste é de responsabilidade
do pessoal da operadora da plataforma e seus colegas em terra - os únicos com
informações completas sobre as propriedades do poço e da jazida", afirmou um
comunicado da empresa.

O poço havia apresentado problemas várias semanas antes de 20 de abril. Brian


Morel, o jovem engenheiro que escreveu o e-mail naquela manhã, já o tinha descrito
como "poço pesadelo" para os colegas da BP, segundo um e-mail divulgado pelos
investigadores.

Os trabalhadores tinham perdido ferramentas de perfuração no poço, tiveram de


impedir intrusões de gás natural, inflamável, e estavam com o cronograma atrasado
e o orçamento estourado.

Mas o sol se levantou sobre um mar calmo, e o dia prometia para logo o fim do
pesadelo.

Os operários tinham terminado de furar o poço 11 dias antes e já o tinham revestido


com aço e cimento. A tarefa estava tão perto do fim que eles já se preocupavam com
o próximo projeto, disse Morel depois, segundo anotações dos investigadores da BP
após o acidente. O advogado de Morel não quis comentar. Morel não quis dar
depoimento terça-feira passada para uma comissão do governo americano, citando a
Quinta Emenda da Constituição americana, que dá o direito de não se incriminar.

Antes que a tripulação da Deepwater Horizon pudesse partir para outro projeto, havia
uma atividade final: o poço precisava ser testado para garantir que o cimento e o aço
estavam unidos hermeticamente, impedindo vazamentos de gás que pudessem
causar incêndio ou explosão.

Se o poço fosse aprovado, tampões de cimento gigantescos - da extensão de um


campo de futebol - poderiam ser inseridos. Assim, o poço poderia ser abandonado
até que a BP estivesse pronta para extrair o petróleo e o gás.

Apesar da importância, esse teste "negativo" - como o fazer e interpretar - fica


basicamente a critério dos operários. E cada plataforma tem seu procedimento.

Os trabalhadores normalmente retiram cerca de 90 metros da lama abaixo da válvula


de prevenção de explosões e a substituem por água do mar. A lama impede que o
gás vaze para o poço. Assim, antes de retirar lama demais, as empresas costumam
testar o poço para ver se está protegido contra qualquer vazamento de gás.

Mas os engenheiros da BP em Houston, inclusive Morel e o colega Mark Hafle,


tinham decidido aplicar o tampão de cimento numa profundidade muito maior que o
normal e retirar dez vezes mais lama antes de realizar o teste. Foi algo incomum,
mas a BP afirma que mudou o procedimento para evitar danos a um importante selo
do poço.

Ronald Sepulvado, o principal gerente da BP para a plataforma, que estava em terra


no dia com o celular desligado, foi perguntado, sob juramento, por uma comissão da
Guarda Costeira e do Departamento do Interior, se já tinha realizado um teste
negativo removendo tanta lama. "Não senhora", respondeu. E já tinha ouvido falar de
a BP fazer isso em algum outro lugar? "Não senhora."

A BP tinha pedido às autoridades federais em 16 de abril permissão para usar um


tampão mais profundo e recebeu autorização apenas 20 minutos depois. Mas os
petroleiros e terceirizados da Transocean na plataforma disseram que só foram
informados na manhã de 20 de abril.

A decisão de retirar tanta lama chocou Robert Kaluza, gerente da BP para o turno
diurno em 20 de abril. "Ninguém sabia por que - talvez estivessem tentando poupar
tempo", disse ele depois aos investigadores da BP, segundo notas a que o WSJ teve
acesso. "Às vezes quando o poço está no fim eles resolvem apressar as coisas."

Kaluza não quis dar depoimento ao Congresso ou a comissão do governo federal,


citando também a Quinta Emenda. A BP negou que mudou as coisas para
economizar tempo e dinheiro. A BP afirma que as notas são apenas a interpretação
dos investigadores para os comentários de Kaluza.

Jimmy Wayne Harrell também achou a decisão estranha. Harrell, de 54 anos,


trabalhou na Transocean quase a vida toda. Ele era o mais velho dos 79 funcionários
da empresa na plataforma naquele dia.

Na reunião diária das 11h na sala de projeção da plataforma, Kaluza comunicou a


todos o plano da BP. Harrell protestou.

"Os planos ficavam mudando o tempo todo", disse Harrell depois num depoimento.
Harrell e Kaluza brigaram por causa do teste, segundo uma testemunha.

"É assim que vai ser", disse Kaluza, segundo um depoimento juramentado de uma
testemunha, que acrescentou que Harrell "concordou a contragosto".

Num depoimento juramentado, Harrell negou a discussão com Kaluza. Ele disse que
só queria ter certeza de que o teste negativo seria realizado, e Kaluza concordou.
Mas seu advogado, Pat Fanning, disse que Harrell também disse a Kaluza que não
queria retirar tanta lama antes de realizar o teste negativo, mas foi ignorado. Não foi
possível localizar Kaluza para comentar.

"O poço era da BP, ela é que estava pagando por ele. A BP é que mandava", disse
Fanning.

Pouco depois da reunião, um helicóptero com um grupo de executivos - dois da BP e


dois da Transocean - pousou na plataforma para uma visita.
Harrell disse que passou quase o dia inteiro em seu escritório ou ciceroneando os
visitantes.

Às 17h, os operários da Transocean já tinham retirado a maioria da lama e iniciado o


teste de pressão, segundo um cronograma dos acontecimentos preparado pela BP.
O teste não foi bem. A pressão subiu inesperadamente e ninguém sabia o porquê.
Os petroleiros na "cabana de perfuração" da plataforma, uma espécie de sala de
controle, não conseguiam interpretar as leituras dos sensores. Aí chegou Harrell com
os executivos visitantes.

Harrell ficou por lá enquanto a visita continuava, mas não achou que o problema
fosse sério. Ele mandou outro petroleiro apertar uma peça no topo da válvula de
prevenção - o aparelho que fecha e separa o poço em caso de desastre - para
impedir que mais lama vazasse para baixo.

Isso aparentemente solucionou o problema. Harrell afirmou em depoimento que ficou


satisfeito com os resultados do teste e voltou a acompanhar os executivos.

Foi a última vez que alguém se lembra de ter visto Harrell, o líder mais experiente na
plataforma, no convés de perfuração. Seu advogado diz que ele não foi distraído
pelos executivos e a tripulação poderia ter solicitado sua ajuda a qualquer momento,
mas nunca pediu.

O braço direito de Harrell, Randy Ezell, ficou na cabana alguns minutos a mais, mas
logo a deixou para acompanhar os visitantes. Ele disse depois num depoimento à
Guarda Costeira e ao Departamento do Interior que, não fosse a visita, teria ficado
mais tempo cuidando da situação.

Quando Harrell foi embora, a briga recomeçou. Wyman Wheeler, o supervisor da


equipe de perfuração nos turnos diários de 12 horas, não estava convencido de que
as coisas estavam indo bem.

"Wyman estava convencido de que algo estava errado", disse depois Christopher
Pleasant, outro petroleiro da Transocean. Não foi possível localizar Wheeler para
comentar.

Mas o turno de Wheeler terminou às 18h de 20 de abril. Seu substituto, Jason


Anderson, assumiu a situação e tirou sua própria conclusão sobre o teste, segundo
Pleasant. Anderson, 35 anos, trabalhava na plataforma desde que ela saiu do
estaleiro, em 2001.

Anderson já tinha ganhado o respeito dos colegas e garantiu que os dados da


pressão não eram anormais.

Kaluza decidiu consultar Donald Vidrine, gerente experiente da BP que o substituiria


às 18h. Os dois conversaram por uma hora, com Vidrine enchendo Kaluza de
perguntas. Vidrine não ficou satisfeito. "Eu queria fazer outro teste", disse, segundo
anotações da investigação interna da BP às quais o WSJ teve acesso.

Os trabalhadores realizaram o teste novamente, mas daquela vez os resultados os


deixaram ainda mais perplexos. Um tubo menor ligado ao poço não tinha pressão,
sinal de que o poço estava estável. Mas as medições do duto principal mostravam
pressão, segundo a investigação preliminar da BP.
Os dois dutos estavam conectados e deveriam exibir a mesma pressão. Não estava
claro o que acontecia no poço. Uma possibilidade proposta pelos engenheiros que
estudaram os acontecimentos depois é que o tubo menor estava entupido, o que
interferiria com a medição da pressão.

Finalmente, às 19h50, Vidrine tomou uma decisão, segundo Pleasant. Ele disse a
Kaluza para chamar os engenheiros da BP em Houston e avisar que estava satisfeito
com o teste, disse Pleasant.

Por meio de seu advogado, Vidrine não quis comentar.

Nas duas horas seguintes, surgiram outros sinais de que o poço saía de controle.
Primeiramente, ele vazava mais fluido do que o bombeado, segundo registros
eletrônicos estudados pelos investigadores após a explosão. Mas nenhum dos
trabalhadores da Transocean que monitoravam o poço percebeu os sinais.
Investigadores federais disseram que os operários da Transocean podem não ter
conseguido monitorar o poço porque estavam realizando outras tarefas ao mesmo
tempo.

Por volta das 21h terminou a reunião com os executivos. Alguns deles foram até a
ponte, inclusive Pat O'Bryan, indicado recentemente para ser vice-presidente de
exploração da BP no Golfo do México. O capitão da plataforma mostrou-lhes um
simulador, que permite à tripulação praticar a manutenção da estabilidade da
Deepwater Horizon durante um temporal.

O'Bryan, de 49 anos, fez doutorado na Universidade Estadual de Louisiana


estudando como medir vazamentos de gás em poços. Agora o gás escapava
livremente do poço e O'Bryan estava na ponte - vendo o simulador com o capitão da
plataforma.

Ezell, o segundo no comando, estava deitado vendo TV quando o telefone tocou,


disse em maio à comissão de investigação do governo. Ele conferiu o relógio. Eram
21h50. "Temos um problema", disse no outro lado da linha o perfurador assistente
Steve Curtis, segundo Ezell. Ezell levantou-se, vestiu-se e foi pegar o capacete
enquanto soavam os alarmes. Antes que pudesse colocá-lo, a primeira de duas
grandes explosões chacoalhou a plataforma.

Nos minutos seguintes, Anderson e Curtis morreram. Wheeler sofreu ferimentos


graves. E a válvula de prevenção não conseguiu tampar o poço.
Fonte - Valor Online – agosto de 2010

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