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INTRODUÇÃO

ANTROPOLOGIA
Ashley Montagu

Cultrix
T ítu lo do original:
M A N : H IS F IR S T TW O M ILLIO N Y EA RS
A BRIEF INTRODUCTION TO ANTHROPOLOGY

P ublicado por C olum bia U n iv ersity Press,


N ew Y ork and London. C opyright © 1957, 1962 u n d er
the title Man: His First Million Years by A shley M ontagu.
C opyright (c) 1969 by A shley M ontagu.

2? edição

M C M L X X V II

D ireitos R eservados
ED ITO R A C U LTR IX LTDA.
R u a Conselheiro F u rtad o , 648, fone 278-4811, S. P au lo

Im p resso no B rasil
P r in te d in B ra zil
ASHLEY MONTAGU

INTRODUÇÃO
À
A NTRO PO LO G IA

Tradução de
O c t a v io M endes C a ja d o

EDITORA CULTRIX
SÃO PAULO
4

A ASCENDÊNCIA DO HOMEM

OS PROVÁVEIS ANTEPASSADOS DO HOM EM

É muitíssimo provável que os antepassados imediatos dos


primeiros homens não fossem tão especializados, isto é, não
tivessem realizado quaisquer adaptações irreversíveis especiais
a um habitat ou a um modo de vida determinado, como os
grandes antropóides, e conservassem muitos traços primitivos,
sendo, em inúmeros sentidos, muito mais semelhantes aos ho­
mens do que aos macacos. Tais criaturas teriam preservado uma
tendência vigorosa para não criarem caninos em forma de pre­
sas, para não se tornarem demasiado pesados, para não adqui­
rirem cristas sagitais no topo da cabeça, onde se prendem os
músculos temporais, que movem a mandíbula inferior para
baixo e para cima, nem para quaisquer outras especializações
desse tipo, mas teriam mantido uma tendência um tanto con­
servadora para ampliar os dotes que já possuíam. Por exemplo,
a tendência, na evolução dos primatas, tem sido a de aumento
do tamanho do cérebro. Qualquer grupo de primatas que evol-
vesse no sentido de aumentar o tamanho do cérebro, a fim de
adaptar-se às solicitações do meio, sobretudo através de res­
postas artificialmente desenvolvidas, acabaria tendo, com o cor­
rer do tempo, boa oportunidade de adquirir atributos que o le­
variam a alcançar o status humano. Os indivíduos capazes de
usar eficazmente o cérebro para responder às solicitações do
meio, capazes de responder da maneira mais apropriada a essas
solicitações, teriam maiores probabilidades de perpetuar a es­
pécie do que os que não o conseguissem.
Tais criaturas adquiririam, em primeiro lugar, a postura
erecta, numa adaptação às exigências da caça. Em segundo

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lugar, mercê da sua dependência cada vez maior dos instru­
mentos, nunca se teriam desenvol^do nelas os grandes cani­
nos, superespecializados, desnecessárias a criaturas onívoras; e,
nessas condições, não teriam precisai o de tanto osso nas man-
díbulas superior e inferior, e a rej ião do focinho, reduzida,
teria concorrido para a humanizaçã:> do rosto. Em terceiro
lugar, em razão da necessidade de i m armazém suficientemente
amplo para guardar as informações requeridas, o cérebro teria
sido aumentado, mudando a forma do crânio, no sentido de
imprimir ao topo da cabeça um feitio mais abobadado e de am­
pliar a testa. O remaneio dos ossos faciais e a verticalização
da frente da cabeça produziriam uma elevação e uma projeção
frontal dos ossos nasais — que nos macacos continuam acha­
tados — culminando na estrutura única, a península feita de
osso, cartilagem e tecidos moles, que conhecemos como o na­
riz do homem.
É muito provável que os antepassados imediatos do ho­
mem, como grupo, já tivessem perdido parte considerável do
pelame que caracteriza todos os antropóides e, na realidade,
todos os primatas. Qual fosse a cor da pele não podemos saber
com certeza mas, visto que os ascendentes do homem foram
quase certamente animais tropicais de origem africana, é bem
possível que tivessem a pele negra.
Falariam eles? Não o sabemos. Talvez possuíssem os ru­
dimentos da fala. Fabricavam instrumentos? É provável. Em
várias partes da África se encontram, em quantidades conside­
ráveis, instrumentos feitos de seixos, hoje em dia atribuídos
aos australopitecíneos.

OS PRIM EIRO S HOMENS — OS AUSTRALOPITECOS?

Na África do Sul e na África Oriental foi desenterrado


grande número de esqueletos de macacos antropóides fósseis,
que receberam o nome de australopitecos ( australis = sul,
pitbecus = macaco). O fato notável a respeito dos australo­
pitecos é que são, em quase todos os sentidos, parecidos com
macacos, exceto na capacidade do cérebro, maior que a dos
antropóides, e na forma dos ossos ilíacos, da coxa (fêm ur),
da perna (tíbia e perônio), e dos pés, parecidos com os do
homem.

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Da estrutura dos ossos do quadril e das pernas, se depreen­
de, manifestamente, que os australopitecíneos caminhavam em
posição erecta, ou quase. Dessa maneira, pela primeira vez,
temos uma prova clara da ordem da evolução funcional de al­
gumas partes do corpo humano. A postura erecta foi atingida
antes que o cérebro se desenvolvesse e assumisse grandes pro­
porções. Algumas autoridades costumavam pensar que ocorre­
ra o inverso. Agora sabemos com certeza que os antecessores
do homem assumiram uma postura erecta antes que o seu
cérebro aumentasse de tamanho.
Há quanto tempo viveram os australopitecos? Não o sa­
bemos com exatidão porque a geologia (estudo da terra) das
regiões da África, em que se encontram os restos dos austra­
lopitecíneos, ainda não é bem conhecida. A maioria das auto­
ridades, todavia, é de opinião que esses restos fósseis datam
dos limites entre o Plioceno e o Plistoceno, ou seja, há muito
mais de 2 milhões de anos. Eles podem ter morrido na África
há uns 250 mil anos, ou mesmo depois, mas isso não quer
dizer que não pudessem ser os ancestrais do homem ou que
não estivessem estreitamente relacionados com o grupo de an­
tigos antropóides que foram os antepassados direitos do homem.
O que pode ter sido perfeitamente um australopiteco foi
descoberto em 1965 em sedimentos do Plistoceno primitivo na
bacia do Kanapoi, suleste de Turkana (noroeste de Q uênia).
O achado consistia na extremidade inferior de um úmero es­
querdo notavelmente semelhante ao do homem e facilmente
distinguível do mesmo osso do chimpanzé e do gorila. Deu-se
ao fóssil o nome de Hominídeo de Kanapoi I. Os sedimentos
em que o osso foi encontrado remontavam, segundo o método
do potássio-argônio, a 2,5 milhões de anos. Não se descobriram
artefatos de espécie alguma.
Os australopitecíneos possuíam um cérebro de tamanho
médio inferior a 600 cc; o tamanho médio do cérebro dos ho­
mens que vivem hoje é, mais ou menos, de 1 350 cc. Em vista
disso, poder-se-á supor que tivessem ainda um longo trajeto
a percorrer antes de alcançarem o status humano. Teriam de
acrescentar, aproximadamente, uns 400 cc ao volume do seu
cérebro para chegarem ao tamanho do cérebro do Homo erectus
erectus. Ora, um salto rápido de 400 cc é inconcebível.
Além disso, a forma do crânio de todos os australopitecí­
neos semelha extremamente a dos macacos. A abóbada crania­
na é baixa e, em certas formas, como o Australopithecus ( Pa-

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ranthropus) crassidens, encontrado em Kromdraai, na África
do Sul, uma crista bem desenvolvida, semelhante à do gorila
macho, percorre o topo da cabeça, de uma ponta a outra.
(Esta crista sagital, como é chamada, se destina à inserção
dos músculos maciços dos lados da cabeça, que movem a man-
díbula inferior para cima e para baixo.) Em outras, como no
Australopithecus robustus, encontrado em Swartkrans, na Áfri­
ca do Sul, a mandíbula inferior tem grande espessura. Mas o
fato é que os australopitecos ostentam muitos traços parecidos

C rânio de um Australopithecus ajricanus juvenil (lado direito in v ertid o ).


As áreas sombreadas diagonalm ente foram reconstruídas

com os do homem, que, sem dúvida, os colocam no gênero do


homem. Os dentes, por exemplo, semelham muito mais os de
seres humanos que os de qualquer outra criatura conhecida.
O mesmo acontece com os ossos da extremidade inferior e dos
quadris. Os austrapolitecíneos também utilizavam os ossos dos
membros dos antílopes como instrumentos. O fato de muitos
crânios de babuínos terem sido encontrados associados a res­
tos de australopitecos, em situação que nos leva a crer que fo­
ram abatidos com uma pancada na cabeça, induziu o Professor

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Raymond D art, da África do Sul, a concluir ter sido isso obra
dos australopitecíneos. E embora algumas autoridades abun­
dem nesse parecer, outras não concordam com ele.

A FORMA MAIS PRIMITIVA DO H O M E M , QUE SE CONHECE

A forma mais primitiva de homem, se bem não seja a mais


antiga, que se conhece, é a de um membro da subfamília dos
australopitecíneos. Trata-se do Zinjanthropus boisei, descober­
to em julho de 1959 pelo Dr. L. S. B. Leakey e sua esposa,
na Garganta de Olduvai, no Território de Tanganhica, na Áfri­
ca Oriental. “ Zinj” significa, em árabe clássico, África Oriental
e “ anthropus” , naturalmente, quer dizer homem. O nome es­
pecífico foi dado em honra ao benfeitor inglês da expedição que
fez o descobrimento.
O Zinjanthropus boisei, ou homem de Oldoway, é repre­
sentado por um crânio quase completo e parte de um osso da
perna. O crânio é o de um jovem entre dezesseis e dezoito
anos de idade, com uma capacidade de 530 cc. O rosto é com­
prido e largo, há uma crista sagital, a testa quase não existe,

V ista lateral (lado esquerdo) de ossos pélvicos do chim panzé


( à e s q u e r d a ), do Australopithecus prom etheus (no centro)
e de um boxim ane (à direita)

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os pré-molares e molares são grandes, mas os caninos e incisivos
são pequenos. O crânio foi encontrado num complexo crista­
lino vivo, associado com instrumentos de pedra de um tipo
primitivo, conhecido pelo nome de oldovânico. Feitos de quart-
zito e lava, esses instrumentos caracterizam-se por ser mal des-
bastados numa ou nas duas direções de ambas as faces; o re­
sultado é um instrumento singelo de corte, afiado, porém irre­
gular, de cada lado da pedra. Utensílios semelhantes, feitos
de seixos polidos pelas águas, foram encontrados, em associa­
ção com três dentes, em Sterkfontein, na África do Sul. A tri­
buídos, a princípio, ao Zinjanthropus, Leakey hoje acredita se­
jam esses artefatos obra de outro homem primitivo, que será

Reconstrução de u m
australopiteco típico
descrito mais adiante (veja a página 5 9 ). Como não existe
pedra no nível do Olduvai I, onde os artefatos foram achados,
os materiais de que se fizeram os instrumentos devem ter sido
trazidos de outro lugar. A presença de 176 lascas de pedra
indica que os petrechos foram manufaturados ali mesmo.
De acordo com a datação pelo processo do potássio-argônio
(veja a página 105), levada a cabo pelos Drs. G. H. Curtis e
J. Evernden, da Universidade da Califórnia, o Zinjanthropus
tem 1,75 milhões de anos.
A maior parte das autoridades concorda hoje em que o
Zinjanthropus é um australopitecíneo do mesmo tipo do Pa-
ranthropus, encontrado em dois lugares da África do Sul,
Kromdraai e Swartkrans, e em Java ( Meganthropus).

“hom o h a b ilis ”

Em dezembro de 1960, Leakey anunciou novos descobri­


mentos feitos no mesmo local onde topou com o primeiro
Zinjanthropus. Os novos descobrimentos consistiam em alguns
fragmentos de crânio, juntamente com um pré-molar inferior
e um molar superior, muito mais semelhantes aos do homem
que os do Zinjanthropus, uma tíbia e um perônio.
A uns 300 metros do local da descoberta do Zinjanthropus,
e a uns 60 centímetros abaixo do nível do Estrato I, os Lea-
keys depararam, no verão de 1960, os sobejos de pelo menos
dois indivíduos, um juvenil e outro adulto. Os restos do jovem
consistiam em porções dos ossos parietais, parte de um osso
ocipital e outros fragmentos cranianos, um maxilar inferior,
um molar superior e partes do esqueleto da mão. Os do in­
divíduo adulto eram representados por uma clavícula, alguns
ossos das mãos e um esqueleto quase completo do pé esquerdo.
Os remanescentes do primeiro eram os de uma criança de mais
ou menos 12 anos. Os ossos do crânio, finos, não apresentam
crista sagital nem linhas temporais acentuadas para a inserção
dos músculos temporais. Os ossos da mão e do pé semelham
muito os do homem, e os do pé revelam que o seu dono ca­
minhava e corria de maneira quase idêntica à do homem
moderno.
Associados a esses restos esqueletais havia um sem-número
de artefatos oldovânicos típicos, entre os quais um instrumento
de osso, de forma interessantíssima, que Leakey interpreta como

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sendo uma espécie de “lissoir”, isto é, um utensílio usado para
trabalhar e polir as peles dos animais e transformá-las em couro
utilizável. A ser correta a interpretação do significado desse
instrumento, “ela supõe” , como observa Leakey, “ um modo
de vida mais evoluído do que esperávamos dos fautores da
cultura oldovânica” . Grandes quantidades de sobras de tarta­
rugas, bagres e aves aquáticas, de apresamento relativamente
fácil, foram encontradas nesse nível, dando a entender que,

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Instrum entos oldovânicos de seixos ( la v a ) , Estrato I, G a rg a n ta
de O lduvai, T erritório de T a n g a n h ic a , África O riental

nessa fase, os homens primitivos ainda não haviam progredido


tanto que soubessem arrebanhar e matar filhotes de animais de
maior porte. Se isto era assim, como explicar, então, a pre­
sença do “ lissoir” ? Um “ lissoir” seria empregado na prepara­
ção de peles de grandes animais, alisando-lhes as asperezas.
Essa preparação especial de peles só poderia significar que elas
eram usadas para propósitos domésticos, como roupas e esteiras,
e até como coberturas de habitações.
Se esses homens primitivos não caçavam caça grossa, como
se explica que conseguissem as peles dos animais? O mais
provável é que as obtivessem das carcaças de animais mortos
de morte natural ou mortos por outro animal. É muito possí­
vel também que conseguissem o seu alimento animal como
seres carniceiros. Os abutres indicariam aos homens primitivos
o lugar onde um carnívoro, provavelmente, fizera uma matança
ou onde um animal morrera de outra maneira qualquer. É este
o processo de obtenção de carne posto em prática até hoje por
muitos povos africanos, entre os quais alguns hotentotes.
O fato de não se terem encontrado ossos de grandes ani­
mais nos estratos em que se acharam os primeiros vestígios da
cultura oldovânica dá a entender que, se eles agiam, às vezes,
como animais necrófagos, comiam a carne do animal morto
onde quer que o encontrassem, como ainda fazem muitos povos
africanos, sobretudo quando o animal é grande, como o ele­
fante ou o rinoceronte. Se alguma carne houvesse sido trans­
portada para o território deles, teria sido levada com a menor
quantidade possível de ossos e, provavelmente, cortada em pe­

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dacinhos. Isso explicaria a ausência dos ossos de grandes ani­
mais nos complexos cristalinos oldovânicos.
A capacidade craniana da criança pré-zinj de 12 anos foi
estimada, aproximadamente, em 680 cc, talvez mais, e a idade
dos ossos, calculada pelo método do potássio-argônio, em 1,85
milhões de anos.
Em outubro de 1963, toparam os Leakeys com fragmen­
tos de um crânio de adolescente, do mesmo tipo físico da cri­
ança pré-zinj. Os restos da criança pré-zinj foram descobertos
no Estrato I, ao passo que os do adolescente apareceram na
parte inferior do Estrato II. Depararam-se ainda aos investi­
gadores, nos Estratos I e II, remanescentes, quase todos cons­
tituídos por dentes, de mais cinco representantes desse tipo.
Algumas descobertas ocorreram no complexo cristalino vivo
do Zinjanthropus. A tíbia e o perônio talvez pertencessem à
forma mais adiantada.
Os pedaços do adolescente consistiam em quase todo o osso
ocipital, os dois parietais, partes dos ossos frontal e temporais,
partes do maxilar superior, e uma mandíbula virtualmente com­
pleta, com todos os dentes no lugar. Nas características físicas,
esses restos semelham muitíssimo os da criança pré-zinj encon­
trada no Estrato I.
Em virtude do tamanho e da forma dos dentes, do tama­
nho do cérebro, da forma do crânio, das especializações das
extremidades superiores e inferiores, e da associação dos artefa­
tos de pedra manufaturados, descreveram-se tais restos como
representativos de nítido progresso em relação aos australopi-
tecíneos, deu-se-lhes o nome de Homo habilis ( “ habilis” no
sentido de capaz, hábil, vigoroso, mentalmente habilidoso), mas
a maioria das autoridades crê que os remanescentes pertençam
a australopitecíneos.
Os fragmentos de um crânio encontrados, çm 1949, em
Swartkrans, na África do Sul, provavelmente oriundos do Plis-
toceno Médio, e chamados Telanthropus, e alguns descobertos
em 1960 no Lago Chade, em Koro Toro, no norte da África
Central, provenientes do fim do Plistoceno Inferior ou do iní­
cio do Plistoceno Médio, talvez pertençam ao Homo habilis mas,
enquanto não se fizerem os estudos comparativos necessários,
o seu verdadeiro status permanecerá incerto.
Em janeiro de 1964, Leakey descobriu uma mandíbula de
Zinjanthropus quase completa, com todos os dentes no lugar,

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em novo local, perto do Lago Natron, a nordeste de Olduvai.
O depósito é da mesma idade do sítio em que se encontrou o
primeiro Zinjanthropus.
A forma mais antiga de homem, até agora descoberta, é
o australopitecíneo Homo babilis, conquanto, morfologicamente,
o mais antigo seja o australopitecíneo Zinjanthropus. O fato
de se haver descoberto uma forma mais desenvolvida de homem
num estrato mais antigo deve-se, por certo, ao vezo que tem
a Arqueologia de premiar inesperadamente os seus cultores.
Alguns instrumentos de tipo oldovânico foram encontrados em
Sterkfontein e em Swartkrans em associação com australopi­
tecíneos. Acredita Raymond D art que a maioria dos instru-
mentos utilizados pelos australopitecíneos fossem adaptações de
restos esqueléticos de antílopes e animais semelhantes, e con­
sistissem em ossos, dentes e chifres. Daí o nome que lhes deu
de cultura osteodontocerática.
D art descreveu diversos instrumentos notáveis, que se su­
põem feitos de ossos de animais pelos australopitecíneos. Um
deles é um “ descaroçador de maçãs” , encontrado em associa­
ção com o Australopithecus prometheus, em Makapansgat, na
África do Sul. O utro é um “ lissoir”, descoberto em 1958 na
brecha vermelho-castanha de Sterkfontein, na África do Sul.
Os australopitecíneos talvez tenham aprendido a utilizar pro­
dutos naturais, como ossos, dentes e chifres, na produção de
instrumentos de trabalho para escavar, cortar, serrar, raspar
e alisar.
O descobrimento de um círculo grosseiro de pedras soltas
amontoadas no complexo cristalino, na parte inferior do Estra­
to I (inferior e anterior ao local em .que foi encontrado o
Zinjanthropus), com centenas de instrumentos de pedra à sua
volta, numa região em que as pedras não ocorrem natural­
mente, indica que o Homo habilis pode ter construído abrigos.
Dessa maneira, além de serem, possivelmente, os primeiros fa­
zedores habituais de instrumentos de pedra, é muito provável
que tenham sido também os primeiros construtores de habita­
ções domésticas.
Num terceiro local em Olduvai, no Estrato I, cerca de
6 metros acima dos outros dois complexos, encontrou-se notá­
vel reunião de ossos fósseis de animais, muitos dos quais novos
para a Ciência. Todos os ossos de animais grandes haviam
sido quebrados e a medula, extraída. Os crânios e as mandí-

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bulas tinham sido esmagados. A maioria eram ossos de ani­
mais imaturos.
À diferença dos seus ascendentes mais semelhantes aos
macacos, tanto o Zinjanthropus quanto o Homo habilis comiam
carne. Leakey sugeriu que eles, possivelmente, obtinham a carne
atraindo manadas de animais aos pântanos e sacrificando ali
mesmo os que fossem apanhados com maior facilidade.

O DESENVOLVIMENTO DA CAÇA
E AS SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Os descobrimentos de Olduvai nos permitem acompanhar,


virtualmente passo a passo, a evolução dos hábitos alimentares
do homem e os seus métodos de arrecadar alimento. Podem
distinguir-se três fases principais: (1 ) a extensão do hábito de
colher alimentos, que consistiam quase inteiramente de vege­
tais, à colheita de alimentos animais, obtidos de animais va­
garosos, facilmente capturáveis, entre os quais se incluíam as
tartarugas, os bagres e as aves aquáticas, seguida pela extensão
dessa colheita ao (2 ) arrebanhamento de animais jovens, maio­
res, e, finalmente, (3 ) à caça de animais de maior porte do
que eles.
A passagem do regime vegetariano para o regime de carne
assinalou um passo na evolução cultural que, provavelmente,
teve importante influência sobre a evolução física do homem.
A carne requer muito menor mastigação do que as plantas
fibrosas. Os grandes caninos são úteis quando se quer rom­
per a casca mais grossa de muitas plantas comestíveis, e as
cristas ósseas são necessárias à inserção de músculos volumosos,
capazes de mover o maxilar inferior do primata herbívoro. Para
o carnívoro, os grandes caninos, as grandes mandíbulas e as
cristas ósseas são dispensáveis. Por conseguinte, as mudanças
imprescindíveis consistem no desenvolvimento de uma cabeça
mais parecida com a do homem, com espaço suficiente para a
expansão do cérebro.
É um fato interessante que os carnívoros tenham adqui­
rido muito mais amplas capacidades de comportamento do que
os herbívoros, presumivelmente por serem obrigados a resol­
ver um número muito maior de problemas e enfrentar os desa­
fios lançados por toda a sorte de situações, que não se deparam

61
aos herbívoros. Para estes, na floresta, por assim dizer, a mesa
está posta: só lhes resta comer. A passagem do arrebanhamento
ou da caça de pequenos animais à caça de animais maiores deve
ter constituído um processo de desenvolvimento gradual. Nas
atividades venatórias, a vantagem pertenceria aos que pudes­
sem aproximar-se furtivamente da caça, fazendo-o em posição
erecta. O caminhar sem esforço foi provavelmente conseguido
após a aprendizagem da corrida e serviu, quase certamente,
para exercer pressão seletiva sobre os detentores das possibili­
dades genéticas adequadas ao desenvolvimento da postura bí­
pede erecta e da locomoção. A postura erecta libera os mem­
bros anteriores para outras finalidades além da locomoção, não
só para a feitura de instrumentos, mas também para o seu em­
prego mais eficiente em conexão com a caça.
A caça de animais pequenos põe mais em destaque a so­
lução de problemas do que as reações ou instintos automáticos
biologicamente predeterminados. Num ambiente de savana se­
riam mais favorecidos os indivíduos que dessem com maior
freqüência as respostas apropriadas às solicitações do meio, do
que os outros. As reações e instintos automáticos estariam em
situação desvantajosa, ao passo que a solução de problemas, que
é outro nome da inteligência, se veria em situação privilegiada.
À proporção que essas criaturas afeiçoassem os seus instrumen­
tos, engenhassem as suas armadilhas e cavassem os fossos para
que nelas caísse a sua presa, a inteligência assumiria um valor
cada vez maior para a sobrevivência. Dessa maneira, no novo
meio, por seleção natural, os primeiros homens teriam continua­
do a crescer e a desenvolver a inteligência.
Uma criatura que perde os instintos e se vê obrigada a
fiar-se cada vez mais da inteligência para sobreviver, precisa
fazer duas coisas: (1 ) passar por um período maior de depen­
dência, a fim de aprender os elementos essenciais básicos que
lhe permitirão funcionar como ser humano, e (2 ) desenvolver
um depósito grande e suficientemente complicado de armaze­
nagem e recuperação, isto é, um cérebro bastante grande para
abrigar os muitos bilhões de células e seus circuitos, necessá­
rios a uma inteligência dessa natureza.
Como conseqüência da perda dos instintos que ela, um
dia, possa ter possuído, uma criatura assim precisará aprender
tudo o que tiver de fazer e saber, como ser humano, de outros
seres humanos. Daí que passe por um prolongado período de
dependência, durante o qual ocorre a parte fundamental da

62
aprendizagem. O armazém necessário à aprendizagem, à ar­
mazenagem e à recuperação de todas essas informações precisa
ser grande. Preparando-se, portanto, para aprender, o cérebro
do feto humano, no derradeiro mês de gestação, cresce em
ritmo acelerado, de sorte que, no momento em que ele atinge
um volume de 350 a 400 cc, a criança precisa nascer pois,
de outro modo, a sua cabeça, grande demais, não lhe permitiria
nascer de maneira alguma. E, assim, 266 dias e meio, em
média, a partir da concepção, nasce a criança em condições de
imaturidade extrema. Nesse momento, de fato, ela mal com­
pletou a metade da sua gestação. A parte que passou em de­
senvolvimento no ventre materno é chamada gestação uterina.
A outra metade da gestação se completa fora do ventre, na
continuada relação simbiótica da criança com a mãe. Essa se­
gunda metade da gestação denomina-se gestação externa. A
gestação externa dura quase tanto quanto a uterina, ou seja,
cerca de dez meses, idade em que a criança, por via de regra,
principia a engatinhar sozinha.
A imaturidade do recém-nascido humano valorizou consi­
deravelmente as mulheres mais capazes de prover às necessi­
dades da criança dependente. E, assim, teriam sido natural­
mente selecionadas as que possuíssem tal capacidade, ou amor
materno, ao passo que as que dela carecessem não teriam sido
tão bem sucedidas na procriação. Também seriam grandemente
valorizados os homens que patenteassem qualidades cooperati­
vas na caça e na vida social, ao passo que os indivíduos ego­
ístas, não cooperativos, já se teriam dado menos bem.
Parece provável, portanto, que as pressões da mudança
ambiental primeiro conduziram ao desenvolvimento dos atri­
butos adaptativos, que transformaram em homem uma criatura
semelhante ao macaco. Os mais importantes desses atributos
não são os físicos, senão os funcionais, os de comportamento, e
as características incorpóreas que conhecemos como cultura —
a parte do meio feita pelo homem, os principais recursos hu­
manos de adaptação ao meio.
Os atributos funcionais que evolveram interdependentes na
espécie humana, além da adoção da postura erecta e do de­
senvolvimento de um cérebro volumoso, foram a perda de
quanto possa ter sobrado dos instintos, a substituição da forma
reativa de comportamento pelo comportamento de respostas, de
solução de problemas, elevado ao máximo, isto é, inteligente, o
desenvolvimento de um cérebro grande e complexo, o nasci­

63
mento em estado imaturo e de total dependência, uma longa
infância de sujeição, durante a qual a criança cava os alicer­
ces dos conhecimentos que lhe são necessários para vir a ser
um membro atuante da sociedade, e o desenvolvimento do com­
portamento altruísta ou cooperativo.
Em outras palavras, a perda dos instintos, a dependência
e a interdependência, o altruísmo e a cooperação, a educabi-
lidade e a inteligência evoluíram inter-relacionadas para produ­
zir a espécie humana. E é singular e altamente dotada dessas
possibilidades que nasce a criança humana.
Tornando-se onívoro, o homem aumentou sobremodo a
sua capacidade de sobrevivência em todos os meios. Inclui-se
entre os poucos animais onívoros. Como tal, é capaz de comer
e digerir, virtualmente, tudo o que é comestível ou que se
pode tornar comestível. Essa é uma das razões por que veio
a ser a mais amplamente distribuída de todas as criaturas sobre
a Terra.
Com o advento dos australopitecíneos e de suas ativida­
des de fabricantes de instrumentos, o grupo dos primatas, do
qual, finalmente, promanou o homem moderno, transferiu-se
para uma zona completamente nova de adaptação, a dimensão
da cultura. Com essa transição surge, pela primeira vez, o
atributo essencial e caracteristicamente humano: a mente hu­
mana, que se caracteriza por uma capacidade cada vez maior de
utilização de símbolos complexos, de aplicação desses símbolos
na criação de coisas novas, e de solução de problemas com­
plexos. Acrescente-se a isto o aumento da facilidade e da ha­
bilidade com que se utilizam os símbolos e tudo o que eles
pretendem representar, e se verá como, pela primeira vez, de
maneira substantiva, um animal transcende as próprias limita­
ções físicas e o inarticulado da natureza, para tornar-se crítico,
analítico, e controlar cada vez mais a crítica e a análise.

A RECONSTRUÇÃO DO CURSO
DA EVOLUÇÃO HUMANA

Existem indícios de que, durante o Plioceno (que durou,


aproximadamente, 10 milhões de anos), se modificou, aos pou­
cos, o clima da África. Essa mudança consistiu, principalmente,
no deslocamento das precipitações pluviais do sul para o equa­

64
dor. Em resultado disso, a parte coberta de densas florestas
que, na África, se situava abaixo do equador, desflorestou-se
gradativamente e transformou-se em planícies abertas ou sava­
nas. Os membros do tronco de que proveio o homem, antigos
habitantes das florestas, viram-se, dessa maneira, pouco a pouco,
solicitados a adaptar-se ao meio, que se alterava, e aos novos
problemas que ele apresentava.
Na floresta, o alimento vegetal, abundante, exigia parcos
esforços para a sua obtenção. Nos descampados, todavia, esse
mesmo alimento escasseava cada vez mais. No novo ambiente
a vegetação não bastava ao sustento da vida. Por isso mesmo,
os precursores imediatos do homem teriam sido forçados a
completar a sua dieta arrebanhando animais pequenos, ainda
novos, e vagarosos. Simples comedores de plantas, viram-se
obrigados a incluir animais em sua alimentação e, assim, adotar
um regime onívoro.

UM ANTROPÓIDE C H IN Ê S SEM ELH ANTE AO HOMEM:

O Gigantopithecus blacki
Tem sido na China costume tradicional desenterrar os
chamados “ ossos do dragão” , que são, na realidade, ossos fós­
seis de muitas espécies diferentes de animais, e vendê-los, in­
teiros ou moídos, aos boticários, que, por sua vez, os vendem
aos compradores ávidos, como poderosos elixires, capazes de
curar praticamente quaisquer mazelas ou moléstias. Talvez
pareça estranho que um geólogo se julgue na obrigação de in­
vestigar o conteúdo das farmácias chinesas em busca de ma­
terial fóssil mas, quando ficamos sabendo que foi assim que
o geólogo holandês G. H . R. von Koenigswald descobriu o
dente de uma das mais primitivas formas homínidas que os
cientistas conhecem, o nosso espanto perderá a sua razão de
ser. Na realidade, o Dr. Koenigswald descobriu três dentes
molares semelhantes aos do homem. Tratava-se de molares
inferiores, direito e esquerdo, pertencentes a indivíduos dife­
rentes, e um molar superior que, provavelmente, provinha de
um terceiro indivíduo. O que há de mais notável nesses den­
tes é o seu tamanho. São enormes. O volume da coroa do ter­
ceiro molar inferior é cerca de seis vezes maior que a do mesmo
dente do homem moderno, e quase duas vezes maior que o
dente correspondente do gorila.

65
Autoridades como o falecido Professor Weidenreich con­
sideravam o Gigantopithecus um homem agigantado. Mas tan­
to o gigantismo quanto a atribuição dos dentes a um homem
foram contestados. Com o descobrimento, em 1957, de uma
mandíbula de Gigantopithecus, com a maioria dos dentes in situ,
num depósito do Plistoceno Médio numa alta caverna aberta
num rochedo, na Província de Kwangsi, sul da China, ficou
esclarecido que o Gigantopithecus era um macaco antropóide,
um antropóide adiantado, sem dúvida, mas não era um homem-
-macaco nem se incluía na genealogia do homem.
Na verdade, as criaturas a que pertenceram esses restos
eram antropóides robustíssimos, mas não há razão para se
acreditar que fossem gigantes ou, como sugeriram algumas au­
toridades, que estivessem relacionados aos australopitecíneos da
África. Von Koenigswald, contudo, acredita que eles tenham
maiores afinidades com o homem do que qualquer outro ma­
caco antropóide conhecido, vivo ou extinto.

UMA FORMA JAVANESA SEM EL H ANT E AO HOM EM :

Meganthropus palaeojavanicus
Uma das mais antigas formas semelhantes ao homem,
que se conhecem ( Meganthropus palaeojavanicus), foi desco­
berta em 1941 pelo Dr. von Koenigswald, representada por
fragmentos de dois maxilares inferiores, em estratos do Plis­
toceno Inferior do distrito de Sangiran, na região central de

Fragm ento do lado direi­


to do m axilar inferior do
cham ado M eganthropus
palaeojavanicus, mas que
é, claram ente, m em bro da
subfase Paranthropus dos
australopitecíneos, do Plis­
toceno Inferior de S a n ­
g ira n (Ja v a central)
(Cortesia do Professor
G. H. R. von
Koenigswald)

66
Java. Em 1952, o Dr. Pieter Marks descobriu um maxilar de
Meganthropus mais completo, porém terrivelmente esmagado,
em Sangiran. Os maxilares do Meganthropus eram extraordi­
nariamente maciços, atingindo as proporções do maxilar de um
gorila macho adulto. Não obstante, a sua forma é distinta­
mente humana. O Dr. von Koenigswald considera esse gênero
antepassado do Homo erectus.

O homo erectus erectus


D urante os anos que mediaram entre 1890 e 1897, um
jovem médico holandês, chamado Eugene Dubois, que fora a
Java em busca do “elo perdido” , descobriu em Trinil, no cen­
tro de Java, a calota de um crânio, um osso de coxa, o frag­
mento de um maxilar inferior e três dentes. Eram todos no­
tavelmente semelhantes aos ossos correspondentes do homem,
muito embora a calota craniana parecesse assaz primitiva. O
osso da coxa, quase igual ao do homem moderno, sugeria que
a criatura a que ele pertenceu caminhava erecta. Essa combi-

C râ n io de H o m o erectus erectus do Plistoceno M édio de T rin il


( J a v a c e n tr a l) . As áreas sombreadas diagonalm ente são reconstituídas

67
nação de calota craniana simiesca e osso da coxa parecido com
o do homem inspirou o nome “ o homem-macaco que cami­
nhava erecto” ; por conseguinte, em sua forma latina, Pithe-
canthropus erectus, hoje mais conhecido como Homo erectus
erectus.
Calculou-se que o cérebro do H omo erectus erectus pos­
suía um volume que oscilava entre 775 e 940 cc. Isso já
está, realmente, dentro dos limites do homem moderno. Co­
nhecem-se casos de homens europeus modernos, inteligentes,
cujo volume cerebral não excedia 850 cc. O cérebro do grande
escritor francês Anatole France possuía um volume pouco su­
perior a 1 000 cc.
Só muitos anos depois, em 1937, o Dr. von Koenigswald
descobriu vários outros espécimes de H om o erectus erectus no
distrito de Sangiran, na região central de Java. Todos os
restos do Homo erectus erectus remontam ao Plistoceno Médio.

O Homo erectus robustus


Um dos descobrimentos mais importantes do Dr. von Koe­
nigswald, em 1939, foi o de uma forma robustíssima de Homo
erectus e, por isso mesmo, cognominada H omo erectus robustus.
Consistia o achado na parte posterior e na base de um crânio
e num maxilar superior com os dentes nos alvéolos. Os den­
tes são essencialmente humanos na forma, com uma exceção:
os caninos se projetam além do nível dos outros dentes, e existe
um espaço ósseo entre o canino e o incisivo lateral, para aco­
lher a ponta do canino inferior, exatamente como nos antro-
póides. No H omo erectus erectus esse espaço desapareceu.
Os indícios, portanto, apontam para essa ordem evolutiva
das mudanças na região do maxilar, a saber: primeiro, o ca­
nino sofreu redução, como vemos no H omo erectus robüstus;
a isso seguiu-se, volvido algum tempo, o desaparecimento do
diastema pré-maxilar, como é chamado o espaço entre o canino
e o incisivo lateral. Dessa maneira, reduziu-se a projeção da
mandíbula superior, dando lugar à forma mais ou menos reta,
característica do homem moderno.
No princípio de dezembro de 1960, o Dr. L. S. B. Leakey
descobriu, a uns 4 ou 6 metros abaixo do topo do Estrato II,
em Olduvai, o calvarium (crânio sem os ossos faciais ou ma­
xilares) de um pitecantropo do tipo Homo erectus erectus. A
importância desse descobrimento reside, primeiro, em que assim

68
se ampliam os limites dos pitecantropíneos e, segundo, em que
a presença do pitecantropo em Olduvai dá a entender que esse
tipo de homem talvez represente uma forma mais evoluída do
Hotno habilis. A uns 100 metros do local do descobrimento,
no mesmo nível, se encontraram numerosos machados de fa­
bricação cheleana, bem como ossos de grandes animais, que
parecem ter sido quebrados para a extração do tutano. Os
testes de potássio-argônio dão a esses restos 490 000 anos de
idade. No complexo cristalino cheleano de Olduvai se encontra-

Instrum entos chcleanos de pe d ra


ram muitas pedras grandes de boleadeiras. A boleadeira é uma
arma de caça muito engenhosa, que consiste em três pedras
forradas de couro e ligadas por três correias, que são amarra­
das no topo, deixando livres as correias e as pedras. O caça­
dor faz girar a boleadeira sobre a cabeça e, em seguida, a arre­
messa na direção das pernas da presa, em torno das quais,
com o peso das pedras, as correias se enrolam e apertam, der­
rubando-a. É um dispositivo usado, até hoje, pelos gaúchos
da América do Sul e por alguns esquimós. O tamanho das pe­
dras das boleadeiras cheleanas indica que o pitecantropo de Ol-
duvai possuía um físico poderosíssimo. Certas quantidades
de ocre vermelho encontradas no mesmo estrato lhe assinalam
o interesse pela cor, com alguma finalidade especial, pois o
ocre deve ter sido trazido de uma distância considerável.

Sinanthropus pekinensis: O Homo erectus pekinensis


Sinanthropus pekinensis quer dizer “ homem chinês de Pe­
quim” . Esse nome foi dado, ao que ele supunha ser uma nova
forma de homem, pelo Professor Davidson Black, que então

C rânio de Sinanthropus (H o m o erectus pekinensis)

70
pertencia ao Union Medicai Collcge de Pequim, baseado no
descobrimento de um único dente em Chouk’outien, uns ses­
senta quilômetros a sudoeste de Pequim. Isso foi em 1927.
Por volta de 1939, os restos de mais de quarenta indivíduos
haviam sido recuperados, e novas escavações, iniciadas em 1943,
no local original do Plistoceno Médio, conseguiram desvelar
os remanescentes de outras partes esqueléticas. Descobriu-se
que os remanescentes representavam uma forma chinesa do
Homo erectus, hoje conhecida como Homo erectus pekinensis.

Instrum entos do S inanthropus

71
Infelizmente, os restos esqueléticos originais do homem
de Pequim se perderam ao serem transportados para um lugar
seguro, ao qual não chegaram, durante a invasão japonesa da
China. Existem, porém, moldes da maior parte do material
original, assim como boas fotografias e desenhos.
O volume médio do cérebro do homem de Pequim é de
1 075 cc, sendo o tamanho do cérebro cerca de 20% maior
que o do homem de Java. A região da testa é pouco mais
desenvolvida no homem de Pequim do que no homem de
Java. Os dentes têm forma humana, e não existe espaço en­
tre o canino e o incisivo lateral no maxilar superior mas, como
os pitecantropíneos, o homem de Pequim não possui queixo
desenvolvido.
Muitos instrumentos de talho e corte se acharam associa­
dos ao homem de Pequim.
Afirmou-se que o homem de Pequim era canibal porque
se encontraram quebradas as bases de todos os crânios, e muitos
ossos compridos partidos longitudinalmente por meios huma­
nos. E daí se inferiu que o Sinanthropus tirava o cérebro
e comia-o, como também chupava os ossos longos, para extrair-
-lhes o tutano. Isto é possível, mas não está provado e, como
quer que fosse, não implicaria necessariamente que o Homo
erectus pekinensis praticasse habitualmente a antropofagia. Em
condições de fome extrema, a maior parte dos seres humanos
é capaz de canibalismo. Mas, exceto em casos aberrantes, é
muito pouco provável que o homem, alguma vez, tenha re­
corrido à prática de devorar os seus semelhantes, senão in
extremis ou com finalidades rituais.
As analogias entre o homem de Java e o de Pequim são
notáveis e, de um modo geral, parece justificar-se a conclusão
de que o último representa uma variedade geográfica um pou­
co mais adiantada do primeiro, e deve ser incluído entre os
pitecantropíneos.

Homo erectus mauritanicus


Em junho de 1954, o Professor C. Arambourg, do Museu
Nacional de H istória Natural de Paris, descobriu dois maxila­
res inferiores humanos num fosso em Ternifine, na Argélia.
Esses maxilares procediam de um horizonte plistocênico infe­
rior médio (indústria camasiana), a que o Professor Aram-

72
bourg atribui a idade aproximada de meio milhão de anos.
Robustissimamente construídos, os maxilares carecem de quei­
xos desenvolvidos e se parecem muito com os dos pitecantropí-
neos, mas diferem deles o suficiente talvez para justificar a sua
identificação com uma variedade mauritana do mesmo tipo, o
Homo erectus mauritanicus, melhor do que Atlanthropus mau­
ritanicus, nome dado pelo Professor Arambourg.
Os dentes do mauritanicus são inequivocamente humanos
e muitíssimo semelhantes aos dos pitecantropíneos. Associa­
das a esses maxilares se acharam sobras de muitos animais ex­
tintos e inúmeros instrumentos de pedra toscamente trabalha­
dos feitos de quartzito, pedra calcária e sílex, representantes
do tipo mais antigo de artefatos ( abeviliano-acheuliano).
Uma porção de maxilar inferior humano, também encon­
trado em 1954, num depósito do Plistoceno Médio em Sidi
Abderrahman, perto de Casablanca, no Marrocos, associada a
instrumentos de indústria acheuliana média, parece pertencer
ao mesmo tipo mauritanicus. Assim, pela primeira vez, te­
mos provas concretas da presença de tipos pitecantropíneos na
África. Antes disso, em 1943, os fragmentos de três crânios
descobertos num depósito Paleolítico Superior, a noroeste do
Lago Eyassi, na África Oriental, haviam sido considerados por
algumas autoridades pertencentes ao tipo pitecantropíneo. Con­
feriu-se ao tipo representado por esses fragmentos de crânio o
nome de Africanthropus. Os novos descobrimentos na África
do Norte reforçam algum tanto a pretensão do Africanthropus
ao status de pitecantropo.

O H O M E M DE SOLO

Perto de Ngandong, no centro de Java, em 1931, na re­


gião do Rio Solo, encontraram-se onze crânios fósseis. Falta­
vam os rostos e os dentes, mas os crânios, extraordinariamente
espessos, revelavam nítidas semelhança? com o do Homo erectus,
de um lado, e com as formas ulteriores do homem conhecido
como de Neandertal, de outro. O volume médio do cérebro
era de 1 100 cc.
Com os remanescentes do hom jm de Solo encontraram-se
amostras dos seus artefatos, em forma de vários instrumentos
de osso formosamente afeiçoados, um machado feito de arma­
ção de veado, uma ponta de lança farpada, e umas tantas pe­
dras toscamente modeladas. O homem de Solo, portanto, pa-

73
C râ n io do hom em de Solo, do Plistoceno Superior, de N gandong
( Ja v a central)

rece ter sido uma forma culturalmente adiantada, pertencen­


do a algum ponto do Paleolítico Superior ou Antiga Idade da
Pedra Superior (veja a Tabela 4 ).
Nunca ficou demonstrada a associação direta de tais im­
plementos com o Homo erectus, mas em toda a região sino-
-malaia se descobriu uma variedade de instrumentos de talho,
que pode ter sido obra dos pitecantropíneos.

O H O M E M DE WADJAK

Interessantíssima descoberta foi feita por van Rietschoten


em Wadjak, a uns noventa e seis quilômetros a sudeste de Tri-
nil, na região central de Java, de dois crânios humanos, durante
os anos de 1889 e 1890. O descobrimento desses crânios só
foi divulgado em 1922, por Dubois. Dubois afirmava que
ambos pertenciam ao Plistoceno. O volume do cérebro de
um deles era de 1 550 cc e o do outro, de 1 650 cc. Os crânios
são, provavelmente, do fim do Plistoceno e pertencem, evi­
dentemente, ao tipo sapiens.
O mais interessante em relação a esses crânios é a notável
semelhança que oferecem com o crânio do aborígine australia­
no típico de hoje, com uma diferença: o crânio do aborígine
australiano atual tem um volume menor, de aproximadamente
1 300 cc. É muito possível que alguns membros da população
de Wadjak chegassem à Austrália durante o Plistoceno. Já se
sugeriu que possuímos agora uma linha evolutiva quase con­
tínua, que começa no Homo erectus, passa pelo homem de Solo
e pelo homem de Wadjak, chega ao aborígine australiano.

O H O M E M DE HEIDELBERG

Numa pedreira de Mauer, a uns dez quilômetros a sudes­


te de Heidelberg, na Alemanha, um operário, em 1907, en­
controu um maxilar inferior maciço, de um tipo primitivo
de homem, com todos os dentes no lugar. Esse maxilar per­
tence ao Plistoceno Inferior Médio. E isso faz do homem de

O crânio de Steinheim , do Plistoceno M édio de Steinheim -am -M urr.


O prim eiro exemplo do tipo neandertalóide

75
O m axilar de Heidelberg

Heidelberg um dos mais velhos fósseis humanos autenticados


que conhecemos.
Os dentes são um pouquinho maiores que os do homem
comum de hoje, mas incluem-se perfeitamente entre os limi­
tes normais de variação do homem moderno. O lado do ma­
xilar (ram o m ontante) é muito largo, e o queixo não é de­
senvolvido. O homem de Heidelberg pode ser precursor do
homem de Neandertal e parente do homem de Solo.

O H O M EM DA RODÉSIA

Um crânio completo, com exceção do maxilar inferior, e


mais alguns ossos do corpo, além de um parietal e um maxilar
superior de outro indivíduo, todos do Plistoceno Superior, de
um tipo primitivo de homem, foram achados numa caverna
em Broken Hill, na Rodésia do Norte, hoje conhecida como
Zâmbia, em 1921. Combinando traços neandertalóides com
traços semelhantes aos do homem moderno, o homem da Ro­
désia tinha um volume cerebral de 1 280 cc, maciças protu-
berâncias frontais, um grande e saliente maxilar superior, e um
palato desmesurado. Os dentes se parecem muito com os do
homem contemporâneo, e um fato curioso é estarem todos
muito estragados, o que prova que os maus dentes não são
privilégio dos tempos atuais. A presença de traços que osten­
tam semelhança com os do homem de Solo, os do homem de
Neandertal, e os do homem moderno contribui para emprestar
grande interesse ao crânio rodesiano. E dá a entender que o
homem da Rodésia pode ser, na realidade, um produto evolu­
tivo da mistura, entre outras coisas, desses tipos.

76
Crânio do homem da Rodésia

Encontraram-se, ao lado dos restos, implementos de nó-


dulos de sílex e quartzo, da cultura africana de lascas, conhe­
cida como Stillbay e Proto-Stillbay da Idade da Pedra Média.
Em 1953, descobriu-se outro crânio de homem da Rodé­
sia, juntamente com artefatos (objetos feitos pelo hom em ),
a uns vinte e quatro quilômetros da Baía de Saldanha, a quase
cem quilômetros ao norte da Cidade do Cabo, na África do
Sul, e a uns dois mil e quatrocentos quilômetros de Broken
Hill, onde foi achado o primeiro crânio. Isto prova que o
homem da Rodésia percorria extensamente a África.
No crânio faltam apenas a base, o rosto e o maxilar in­
ferior, mas a calota, com as suas partes laterais e posterior e a
grande protuberância frontal, mostra, de maneira concludente,
que estamos aqui diante da mesma mistura de traços do ho­
mem de Solo, do homem de Neandertal e do homem moderno,
que caracterizou o homem da Rodésia I.
No homem da Rodésia, portanto, talvez tenhamos um elo
entre o homem de Solo de Java, o homem de Neandertal de
muitas partes do mundo, e o tipo de homem moderno, ou
neantrópico, como, às vezes, é chamado.

77
Instrum entos encontrados em associação com o hom em d a Rodésia
(Cortesia do Museu Britânico [História N atural])

O HO M EM DE NEANDERTAL

Quase toda a gente já ouviu falar no homem de Neander-


tal. Esse tipo de homem é conhecido através dos restos de
mais de uma centena de indivíduos, e sabemos que houve mui­
tas variedades diferentes dele. O homem de Neandertal é um
tipo do Plistoceno Superior.
A primeira coisa interessante que se pode dizer a seu res­
peito é que o cérebro, em média, era maior que o do homem

78
moderno. O cérebro de Neandertal tinha um volume médio
de 1 550 cc, ao passo que o do homem contemporâneo é de
cerca de 350 cc. Visto que o homem de Neandertal flores­
ceu há cerca de 150 000 anos e cessou de florescer, como tipo,
há uns 40 000, mais ou menos, somos levados a presumir que
o tamanho menor do cérebro humano moderno resulta de uma
tendência evolutiva ou que o cérebro avantajado do homem
de Neandertal era um atributo peculiar a esse tipo. Em face
dos indícios fornecidos por outros tipos primitivos de homem

C rânio do hom em de N eandertal, de La ChapclIe-aux-Saints.


As áreas sombreadas diagonalm ente são reconstruídas

temos razões para acreditar que o cérebro humano realmente


diminuiu de tamanho e estabilizou-se, há coisa de 50 000 anos,
no tamanho atual. A despeito dos prognósticos dos colabora­
dores dos suplementos dominicais dos jornais, é pouquíssimo
provável que o cérebro humano venha a evoluir no sentido
de aumentar em volume. Nem é preciso que o faça. Pode

79
aumentar em complexidade sem aumentar em tamanho. Pode
ampliar a sua área superficial sem acréscimo de volume, pelo
simples aumento e aprofundamento das circunvoluções.
O homem de Neandertal propendia a ter uma testa um
tanto fugidia, com protuberâncias frontais bem desenvolvidas,
pesada mandíbula sem queixo e a parte posterior da cabeça
(occipício) proeminente. Por carecerem dos mais rudimenta­
res conhecimentos de Anatomia, algumas “ autoridades” , que
se meteram a “ reconstruir” o homem de Neandertal, figuraram-
-no com o pescoço taurino, traços grotescos, andar curvado,
durante o qual, diziam, os joelhos se chocavam! Asseverou-se
também, amiudadas vezes, que o homem de Neandertal devia
ser pouco inteligente porque tinha a testa curta. Todas essas
alegações são totalmente indefensáveis. O homem de Neander­
tal caminhava tão erecto quanto qualquer homem moderno, não
tinha pescoço taurino, nem joelhos chocalhantes. E faz muito
tempo que inúmeros investigadores científicos independentes
provaram que nem a forma da testa nem a da cabeça tem qual­
quer relação com a inteligência. Na realidade, a testa do ho­
mem de Neandertal era muito bem desenvolvida. Fazia-a pa­
recer curta a presença de maciças protuberâncias frontais (bos­
sas supra-orbitais). Sobejam, na verdade, razões para se acre­
ditar que o homem de Neandertal fosse tão inteligente quanto
o homem contemporâneo. Foi ele quem fez os belos instru­
mentos que se atribuem à cultura musteriana (em homenagem
a Le Moustier, no sul da França, onde foram encontrados pela
primeira vez). Fazia bolas de sílex, perfuradores, discos, ras­
padeiras, facas de pedra, e desenvolveu o uso de pigmentos
minerais, como o ocre vermelho, em cerimônias e, provavel­
mente, para outras finalidades. O homem de Neandertal tam­
bém introduziu o sepultamento cerimonial dos mortos, dando
assim a entender que possuía um sistema religioso altamente
desenvolvido.
Durante muito tempo se acreditou que o homem de Ne­
andertal tivesse sido exterminado por homens do nosso tipo.
Não havia fundamento algum para essa crença, senão o tipo
de teorização que caracterizou os pensadores do século X IX
da escola da “ sobrevivência do mais apto” , que acreditavam
fosse a guerra tão velha quanto o homem e o processo pelo
qual uma raça sujeitava e exterminava outra. Visto que os
remanescentes do homem de Neandertal são conhecidos em
quase todas as partes da terra onde se encontraram fósseis hu-

80
Instrumentos da indústria musteriana

manos, não é lícito supor que ele tivesse sido exterminado em


toda parte. É muito para duvidar até que tenha sido exter­
minado em algum lugar. A verdade, ao que tudo indica, é
que se deve ter misturado a todas as populações que encontrou,
sendo, com o correr do tempo, absorvido por elas. Foi isso,
sem dúvida, o que aconteceu no Oriente Médio e na Europa,

81
onde se vêem ainda muitas pessoas que exibem traços da sua
remota ascendência neandertalense. Esses traços podem ser
observados nas pesadas protuberâncias frontais, nas órbitas
oculares fundas, nas testas fugidias e nas regiões mentonianas
pouco desenvolvidas.

C rânio neandertalense de M a-pa, C h in a

PRIMEIRAS MISTURAS DE DIFERENTES TIPOS DE HOMEM

Conquanto as populações de homens primitivos fossem


muito reduzidas, há boas razões para se acreditar que, ao se
encontrarem, essas populações faziam exatamente o que fazem
as populações modernas quando se encontram: cruzavam-se. Os
indícios reais desse cruzamento, até há pouco tempo, eram
conjeturais mas, no correr dos anos de 1931 e 1932, as provas
se robusteceram. Durante esse período, descobriu-se uma co-

82
T a b u n I. C râ n io do tipo neandertalense de M onte Carmelo,
em Israel. As áreas sombreadas diagonalm ente são reconstituídas

leção de fósseis neandertalóides em cavernas, nas encostas do


Monte Carmelo, na Palestina.
Aqui se depararam dois tipos, um claramente neandertalês,
nas cavernas de Tabun, e outro muito próximo do homem mo­
derno, nas cavernas de Skhul, a poucos metros de distância.
Entre os dois tipos havia toda a sorte de formas intermediá­
rias. Os indícios revelam que os restos das duas cavernas, de
um modo geral, eram contemporâneos. O processo do radio-
carbônio indica-lhes uma idade de 45 000 anos a. p. (antes do
presente). É provável que tenha havido cruzamento entre uma
forma semelhante à do homem moderno e o homem de Nean­
dertal e que a população do Monte Carmelo fosse o produto
desse cruzamento.
Sobram razões para se acreditar que um cruzamento se­
melhante ( hibridização) tenha ocorrido entre as populações
durante toda a longa pré-história do homem.

83
Skhul V (lado direito in v ertid o ). C râ n io de um tipo misto,
de N e a n d e rta l e do tipo m oderno de hom em

0 H O M EM DE CRO-MAGNON

Os homens de Cro-Magnon são os apoios do mundo pré-


-histórico. O homem de Cro-Magnon foi descoberto em 1868,
na aldeiazinha de Les Eyzies, no sul da França central, num
abrigo rochoso chamado Cro-Magnon. Encontraram-se os res­
tos de treze outros indivíduos, entre 1872 e 1902, nas caver­
nas das Rochas Vermelhas da Costa Azul, a uns quarenta mi­
nutos a pé de Mentone, na Riviera italiana. Um esqueleto sem
cabeça, incompleto, achado na Caverna de Paviland, no sudo­
este do País de Gales, em 1832, pertence, quase certamente,
à variedade cro-magnônica.
Os cro-magnons tinham cerca de 1,78 m de altura, um
volume cerebral que chegava, nos espécimes maiores, a 1 660

84
Crânio de um espécime masculino de Cro-Magnon

cc, rosto reto, nariz bem desenvolvido, proeminente, testa


alta e mandíbula forte. Fizeram belíssimos implementos de
osso, ligados a uma indústria conhecida pelo nome de aurigna-
ciana (nome que vem de Aurignac, na França, onde foram
encontrados pela primeira vez).
O homem de Cro-Magnon é um homem moderno em to­
dos os sentidos, mas não temos ainda a menor idéia de onde
veio nem de como apareceu.

Confronto en tre os maxilares inferiores do hom em de Heidelberg,


do chim panzé e do hom em m oderno
86
w M
M axiiar inferior
Molde do cérebro do chimpanzé
do gibão

Seção do crânio
do chimpanzé

Molde do cérebro M axilar inferior


do chimpanzé do orangotango

Seção do crámo Maxilar jnfer!or


Molde do cérebro d ° neandertalô.de
do gorila Face restaurada primitivo de
Ehringsdorf

Maxilar inferior
do Homem de Heidelberg
Molde do cérebro
do Pitecantropo

Seção do crânio
do Homem de Neandertal
La Chapelle-Aux-Salnts

Maxilar inferior
do Homem de Neandertal
La Chapelle-Aux-Saints

Molde do cérebro
d j Homem de N e a n d c t;!
La Chapelle-Aux-Saint.
Maxilar inferior
do Homem de Cro-Magnon

Seção do crânio
do Homem de Cro-Magnon

Maxilar inferior
Molde do cérebro do homem branco moderno
do homem moderno

C o m paração entre as formas dos ccrebros, as secções sagitais médias


dos crânios c os aspectos internos dos maxilares inferiores
e antropóides e do hom em
Homem de Neandertal

■Homem moderno

Homo sapietts
fossilis

Sinanthropus

Homo erectus
erectus

Chimpanzé

C onfronto entre os tam anhos de cérebro: C him panzé, 400 cc,


H o m o erectus erectus, 860 cc, Sinanthropus, 1 075 cc, H o m o sapiens
fossilis, 1 300 cc, hom em m oderno, 1 400 cc,
hom em de N eandertal, 1 550 cc

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INTRODUÇÃO A ANTROPOLOGIA

Ashley Montagu

Uma lúcida apresentação das conquistas da antropo­


logia, descrevendo a história fundamental do desen­
volvimento físico e cultural do homem. Escrito em
estilo direto e focalizando de maneira sistemática e
progressiva uma ampla gama de temas, centrados em
torno da ascendência primata do homem, sua diferen­
ciação nos variados grupos étnicos que hoje conhe­
cemos e suas diversas respostas culturais ao meio-
-ambiente, este livro constitui um excelente manual
para os cursos introdutórios de antropologia em nível
superior.

EDITORA CULTRIX

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