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Tráfico de Escravos Africanos para A Amazônia Colonial PDF
Tráfico de Escravos Africanos para A Amazônia Colonial PDF
(1707-1750)1
Benedito Carlos Costa Barbosa2
Introdução
4 CHAMBOULEYRON, Rafael. “Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão
e Pará (século XVII e início do século XVIII)”. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 26, nº 52, 79-114
(2006). BARBOSA, Benedito Carlos Costa. Em outras margens do Atlântico: tráfico negreiro para o Estado do
Maranhão e Grão-Pará (1707-1750). Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Pará, Belém, 2009.
5 A região no contexto estuado era conhecida como estado do Maranhão e Grão-Pará, com capital em São Luiz
do Maranhão. Sobre o tráfico negreiro para a Amazônia, pós CGCGPM, consultar: SILVA, Marley Antônia Silva
Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão. Em nenhum momento, quero
desconsiderar a importância da Companhia de Comércio, apenas mostrar que antes do seu
estabelecimento existiu um tráfico negreiro, mas que ainda é pouco estudado pelos
historiadores que investigam a temática na Amazônia. Destaco três pontos específicos. O
primeiro, a organização; procuro saber, quem financiava a estrutura para a vinda de escravos
para a região amazônica. O segundo, a procedência, ou seja as regiões e os portos de
embarque de escravos. O terceiro, os números de escravos desembarcados nos portos
amazônicos.
da. A extinção da Companhia de Comércio e o tráfico de africanos para o Estado do Grão-Pará e Rio Negro
(1777-1815). Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Pará, Belém. 2012. SANTOS, Diego Pereira.
Entre Costas Brasílicas: o tráfico interno de escravos em direitura a Amazônia, c. 1778 - c. 1830. Dissertação de
Mestrado – Universidade Federal do Pará, Belém. 2013.
nas trocas comerciais entre a Amazônia e Portugal. 6 Entretanto, a economia e o comércio
giravam em torno de outros produtos que foram incentivados pela Coroa portuguesa, é o caso
do comércio negreiro que formava uma extensão do comércio lusitano, baseado na venda de
manufaturados e na compra de gêneros da terra, envolvendo os moradores e os comerciantes.
6 Belém do Pará, 26 de Julho de 1708. AHU, Avulsos (Pará), caixa 5, doc. 426. Para maiores detalhes
sobre a moeda natural e moeda metálica, ver: LIMA, Alan José da Silva. Do “dinheiro da terra” ao
“bom dinheiro”. Moeda natural e moeda metálica na Amazônia Colonial (1706-1750), dissertação de
mestrado, UFPA, 2006.
9 ant. 9 de dezembro de 1746. AHU, Avulsos (Maranhão), caixa 29, doc. 2993.
10 Lisboa, 15 de maio de 1750. AHU, Avulsos (Maranhão), caixa 31, doc. 3212
O tráfico estabelecido para a Amazônia, dessa maneira, obedeceu a uma rota triangular
tendo como pontos de referência Lisboa-África-Estado do Maranhão, posto que as
embarcações com mercadorias saíam de Portugal até as costas africanas, permutavam os
produtos com escravos, rumavam à região amazônica, e posteriormente retornavam a Lisboa
carregando as drogas do sertão. Assim, o tráfico ocorrido à Amazônia diferenciou-se do de
outras áreas do Brasil, que baseavam-se numa rota bilateral estabelecido diretamente entre a
África e os portos brasileiros. De acordo com Jean-Baptiste Nardi, o tráfico bilateral ocorreu
devido a problemas internos e ao enfraquecimento do poder político português, que deu
margem para os traficantes buscarem mão de obra na África, 11 fato diferente da Amazônia,
onde o poder real se manteve constante em vários momentos da colonização.
20 FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 1997: 11-113.
prédios públicos, joias, metais preciosos e outros setores. Estes investimentos permitiram aos
traficantes dominarem o mercado no Rio de Janeiro, criando-se assim um fluxo de capital que
sustentou o comércio negreiro diretamente entre o porto carioca e Angola, sem a interferência
da Coroa portuguesa, caracterizando um tráfico bilateral. Dentro desse comércio, os homens
de negócios patrocinaram toda a infraestrutura para o tráfico negreiro que superava os
problemas econômicos no Rio de Janeiro e na África, na medida em que parte dos traficantes
dependia plenamente do capital carioca.21
Se no Rio de Janeiro a Coroa não teve uma participação ativa no comércio, fato que
possibilitou aos traficantes desenvolverem os negócios negreiros, na Amazônia ela manteve a
estrutura econômica em todos os setores, inclusive na organização do comércio negreiro, já
que os moradores sem recursos financeiros capazes de patrociná-lo ficavam na dependência
do poder real. A participação da Coroa no comércio negreiro ocorreu não apenas com os
assentos, mas por conta da Fazenda Real. No ano de 1714, o navio Santo Antonio e Almas e
Nossa Senhora do Bom Sucesso sob o comando de Domingos Veloso da Fonseca
desembarcou na região, 356 escravos, de um total de 406 saídos da Baía de Biafra e Ilhas do
Golfo da Guiné.22 No ano seguinte, mais um navio trouxe para a região, 85 escravos de um
total de 100 embarcados na Costa da Mina.23
21 Ibidem.
23 Ibidem.
assisto neste bispado e em nenhum de seus portos entraram escravos nem de Angola, nem da
Costa da Mina que houvessem de batizar”.24
No ano de 1721, o rei em resposta à carta do bispo frei José Delgarte insistia na
lembrança da “ordem que vos foi em examinardes se nos navios que levam escravos a esse
Estado se iam ou não batizados”. O soberano encomendava ao bispo que logo que chegasse
navio ao Maranhão, pedisse aos mestres uma lista dos escravos embarcados, examinando-se
os que vinham batizados e verificando a quem se venderam; tal lista se entregaria aos párocos
das “freguesias onde se acham os tais negros, e estes serão obrigados a procurarem que seus
senhores os instruam na doutrina cristã”.25
Após mostrar ser uma pessoa capacitada para o comércio negreiro, legitimando seu
pleito, o capitão apresentava as vantagens para se introduzir escravos no estado do Maranhão
e Grão-Pará. Argumentava que o “Maranhão padecia por falta de escravos e que queria prover
o mesmo Estado com dois mil escravos e o mais que pudesse tirar da costa da Mina e Angola
em tempo de seis anos”. Pedia dessa maneira, “a permissão para poder navegar do mesmo
[Maranhão] dois navios cada ano carregados com gêneros para a mesma costa e a preferência
24 São Luiz do Maranhão, 9 de junho de 1720. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1246 (a
carta do rei encontra-se anexada).
28 Belém do Pará, 16 de setembro de 1741, AHU Avulsos (Maranhão), cx. 26, doc. 2700. Anexo
29 Pará”. 11 de outubro de 1741. AHU, Avulsos (Pará), cx. 24, doc. 2263.
30 São Luiz do Maranhão, ant. 8 de maio de 1743, AHU, Avulsos (Maranhão), caixa 27, doc. 2774.
terça parte dos direitos que devia, e serem os ditos escravos para as fábricas das madeiras”. 31
Embora não se saiba o resultado final dessa contenda, o provedor-mor da Fazenda explicava
ao rei de que forma tinha procedido no pagamento de direitos. De qualquer modo o que
interessa aqui é que a chegada dessas embarcações nos portos da região, trazendo escravos, e
as dúvidas referentes aos impostos indicam tratar-se de investidores privados que trouxeram
escravos para trabalhar nos seus negócios na região, no caso específico, na fábrica de
madeiras, atividade que contou em vários momentos com o apoio da Coroa.32
31 Pará, 8 de novembro de 1743. AHU, Avulsos (Pará), cx. 26, doc. 2445, Anexo
32 Para maiores informações sobre a atividade madeireira na Amazônia Colonial ver: BATISTA,
Regina Célia Correia. Pau pra toda obra: atividade madeireira no Estado do Maranhão e Grão Pará
na primeira metade do século XVIII. Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Faculdade de
História/UFPA, 2008.
35 Lisboa, 13 de junho de 1708. ABAPP, tomo I (1902), doc. 87, pp. 129-130.
A rota negreira da África Ocidental para a Amazônia, talvez tenha sido traçada em
razão da ação da natureza, em que o vento e as correntes oceânicas mostravam-se mais
favoráveis à navegação. Segundo Daniel Domingues Silva, ao analisar o tráfico negreiro para
o Estado do Maranhão, no Atlântico Norte o vento e as correntes oceânicas são orientados em
sentido horário, enquanto no Sul se movem em sentido anti-horário. As embarcações que
saíam em direção ao Maranhão de portos, como Bissau ou Cacheu, precisavam somente
navegar em direção à parte sudeste do Atlântico Norte até atingir as correntes do leste para o
oeste exatamente a poucos graus do norte do Equador. Em contraste, navios que partiam de
algum ponto do Atlântico Sul ao Maranhão navegariam nas águas calmas, atrasando a viagem
por longos períodos nas águas tranquilas do Equador.40 Deste modo, Silva considera que os
portos localizados no Atlântico Norte tornaram os principais supridores de escravos para o
41
Maranhão ao longo dos séculos, especialmente Bissau e Cacheu. Tratava-se de uma rota
negreira que diferenciou-se do restante do Brasil, pois em outras regiões brasileiras,
geralmente, prevaleceu o Atlântico Sul. O mapa abaixo mostra o traçado do tráfico de
escravos para a Amazônia no período de 1700-1750.
37 Pará, 8 de Novembro de 1743. AHU, Avulsos, (Pará), caixa 26, doc. 2445.
38 Lisboa, 16 de maio de 1750. AHU, Avulsos (Pará), caixa 31, doc. 2976.
40SILVA, Daniel B. Domingues. The Atlantic Slave Trade to Maranhão, 1680-1846: volume, routes an
organization. Slavery an Abolition, vol. 29, No. 4 dezember 2008: 477-501. p. 485-486.
41Ibidem.
Itinerário do tráfico de escravos da Costa Africana para a Amazônia42
42 GIL, Tiago Luís [et al]. Atlas Histórico da América Lusa. Porto Alegre: Ladeira Livros, 2016: 35.
43
posteriormente com Diogo Moreno Franco. Deste modo, apenas dois contratos realizaram-
se diminuindo essa porção para 350 escravos. No entanto, os dados estimados pela autora
tornaram-se referência na historiografia para rotular a ausência de escravos africanos na
Amazônia para a primeira metade do século XVIII.
Deste modo, dos 350 escravos assentados, subtraio os 87 escravos introduzidos no ano
de 1708, que podem ter sido uma parte dos 200 escravos assentados com João Monteiro de
Azevedo, resultando em um total 263 escravos. Após a subtração, adicionado os 263 escravos
provenientes dos assentos aos 696 escravos efetivamente desembarcados, operação que
resulta em 959 escravos, cálculo que iguala ao de Silva, uma estimativa que teoricamente
oscila em torno de 1.000 escravos introduzidos na região amazônica no período. Essa
estimativa contrapõe-se com os números sugeridos até então pela historiografia que aponta
43 MATTOSO, Kátia. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003: 32.
uma porção menor de escravos desembarcados na região. Kátia Mattoso indica 500 escravos
(se contarmos apenas os assentos, como vimos, esse número diminui para 350). Baseado nos
dados apresentados por Mattoso, José Maia Bezerra Neto indica que para o período entre
1722 a 1755 não encontrou nenhuma referência sobre o tráfico negreiro na historiografia
consultada, salvo pedidos de moradores por escravos africanos, em razão da irregularidade do
próprio tráfico, uma vez que as fontes tornam-se confiáveis a partir da criação de Companhia
de Comércio do Grão-Pará.44 Contrário a essas ideias, as informações obtidas revelam que o
tráfico, embora modesto, não se limitou aos assentos, como sugeriu Mattoso, nem a pedidos
de escravos pelos moradores, como observou Bezerra Neto, mas sobreviveu ao longo dos
anos, com a participação de particulares que introduziram alguns escravos na região, após o
período dos assentos. Abaixo segue o quadro das estimativas de escravos desembarcados na
Amazônia.
Conclusão
45 MATTOSO, op. cit., p. 32; Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos; SILVA, op. cit., p. 477-
501.
obedeciam a uma rota triangular. Elas saíam dos portos de Lisboa, compravam os escravos
nas praças africanas, descarregavam nos portos amazônicos e retornavam a Lisboa. Elas
traçavam um percurso diferente das outras praças brasileiras, como Rio de Janeiro e Bahia em
que os grandes comerciantes controlavam toda a gerência do comércio entre a África e os
portos brasileiros, sobretudo pelo Atlântico Sul. Diferente de outras praças, na Amazônia, a
Coroa portuguesa deu forte apoio a organização do tráfico negreiro. Na maior parte do tempo,
financiou e proporcionou a estrutura necessária para a vinda de escravos especialmente nas
épocas em que a região foi abalada pelas epidemias de varíola, que mataram muitos
indígenas, considerados até então a principal mão de obra na região amazônica. Nesse
momento, os moradores e as autoridades discursavam sobre a importância do africano para o
crescimento econômico das capitanias, fato que se desdobrou em constantes pedidos de
escravos como alternativa para suprir a carência de trabalhadores. Diante dos problemas
socioeconômicos que a região vivenciava, a Coroa portuguesa por meio de assentos e da
Fazenda Real possibilitou a entrada de africanos a região amazônica. Da mesma forma que os
comerciantes também participaram na organização do comércio negreiro, caso observado nos
anos de 1741 e 1743 quando os proprietários das fábricas de madeiras remeteram mais de cem
escravos ao cuidado dos seus negócios na região. Mas é importante destacar que, embora os
comerciantes tenham participado da organização do tráfico negreiro, sobressaiu o poder
intervencionista da Coroa portuguesa, na maior parte do período ao financiar toda a
infraestrutura necessária à comercialização dos escravos.
Fontes
Arquivo Histórico Ultramarino
AHU, Avulsos (PA), caixa 5, doc. 426.
AHU, Avulsos (MA), caixa 29, doc. 2993.
AHU, Avulsos (MA), caixa 31, doc. 3212
AHU, Avulsos, caixa 8, doc. 41.
AHU, Avulsos (MA), caixa 12, doc. 1246
AHU, Avulsos, (MA), doc. 1247
AHU, Avulsos (PA) caixa. 7, doc. 653.
AHU Avulsos (MA), cx. 26, doc. 2700.
AHU, Avulsos (PA), cx. 24, doc. 2263.
AHU, Avulsos (MA), caixa 27, doc. 2774.
AHU, Avulsos (PA), caixa. 7, doc. 653.
AHU, Avulsos, (PA), caixa 26, doc. 2445.
AHU, Avulsos (PA), caixa 31, doc. 2976.
AHU, Avulsos (PA), cx. 26, doc. 2445.
AHU, códice 268, f. 242.
AHU, códice 269, f. 90
46 Ant. 28 de março de 1738. AHU, Avulsos (Pará), caixa 21, doc. 1948.
AHU, códice 271, f. 170v.
www.slavevoyages.org
Bibliografia
BATISTA, Regina Célia Correia. Atividade madeireira no Estado do Maranhão e Grão Pará
na primeira metade do século XVIII. Monografia de Conclusão de Curso apresentada à
Faculdade de História/UFPA, 2008.
BARBOSA, Benedito Carlos Costa. Em outras margens do Atlântico: tráfico negreiro para o
Estado do Maranhão e Grão-Pará (1707-1750). Dissertação de Mestrado – Universidade
Federal do Pará, Belém, 2009.
BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará / séculos XVII-XIX. Belém:
Paka-Tatu, 2001.
GIL, Tiago Luís [et al]. Atlas Histórico da América Lusa. Coordenação: Tiago Luis Gil,
Leonardo Brandão Barleta Porto Alegre: Ladeira Livros, 2016.
LIMA, Alan José da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”. Moeda natural e
moeda metálica na Amazônia Colonial (1706-1750), dissertação de mestrado, UFPA, 2006.
SANTOS, Diego Pereira. Entre Costas Brasílicas: o tráfico interno de escravos em direitura a
Amazônia, c. 1778 - c. 1830. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Pará,
Belém. 2013.
SILVA, Daniel B. Domingues. The Atlantic Slave Trade to Maranhão, 1680-1846: volume,
routes an organization. Slavery an Abolition, vol. 29, No. 4 dezember 2008, pp. 477-501.