Você está na página 1de 2

Aluno (a): 2º Ano: A Ano: 2022

Data: Bimestre: 2º Valor da Avaliação: Nota:

Conteúdo: Ressignificando: A formação do povo brasileiro


Habilidades: EMIFCH503 e EMIFCH507

Atividade de História

Com quantos escravos se constrói um país?


Portugueses e holandeses sabiam: o Brasil não era viável sem Angola. A riqueza daqui se fez à custa da destruição
de lá

No Atlântico português formou-se uma matriz espacial colonial específica. De um lado, no litoral
da América do Sul, desenvolveram-se uma economia e uma sociedade fundadas no trabalho escravo africano. Do
outro, principalmente em Angola, mas também no Golfo de Guiné, situavam-se as redes de reprodução dessa mão-de-
obra escrava. As duas margens do Atlântico Sul se completavam em um só sistema de exploração colonial, cuja
singularidade ainda marca profundamente o Brasil contemporâneo.
No início do século XVII, a circulação de homens e mercadorias entre Brasil e Angola já era
considerável. Uma das mais claras demonstrações da ligação entre as duas colônias aparece no encadeamento das
invasões holandesas. Na estratégia holandesa, os portos comerciais dos dois lados do Atlântico Sul eram alvos
conjugados.
Quando tomaram a Bahia, em 1624-5, os holandeses promoveram também o bloqueio naval de
Benguela e Luanda. A segunda campanha atingiu o alvo em 1630, com a captura de Olinda e Recife. Cinco anos
depois, a Zona da Mata pernambucana tinha caído sob o controle de Maurício de Nassau. No primeiro relatório que
envia a Amsterdã, ele enuncia as regras do jogo colonial no Atlântico Sul. Adverte que não era qualquer um que servia
para ser colono na Nova Holanda: os candidatos deveriam dispor de capital “para mandar fazer a fábrica de que
precisam, pois não podem ser trazidas da Holanda como são aqui necessárias, e para comprar alguns negros, sem os
quais nada de proveitoso se pode fazer no Brasil”. E insiste: “Necessariamente deve haver escravos no Brasil (...) é
muito preciso que todos os meios apropriados se empreguem no respectivo tráfico na Costa da África”.
Admitida a necessidade do tráfico negreiro, faltava ainda montar o circuito transatlântico de compra,
transporte e venda dos africanos. Em 1637, Nassau envia uma frota do Recife para capturar São Jorge da Mina,
entreposto português de comércio de ouro e de escravos no litoral africano (atual Gana). Sem saberem ainda negociar
escravos na África, os holandeses levam dois intermediários para tratar com os traficantes africanos. Mas, ao constatar
que a região não era suficiente para dar conta do fornecimento de escravos a Pernambuco, Nassau lança seus navios
sobre o maior mercado atlântico de cativos: Angola.
Luanda, Benguela e São Tomé caem nas mãos dos holandeses entre agosto e novembro de 1641. A
captura dos dois pólos da economia de plantações – as zonas produtoras escravistas americanas e as zonas africanas
reprodutoras de escravos – mostrava-se indispensável para o implemento da atividade açucareira. Nassau é enfático:
sem o trato negreiro e os portos angolanos, o Brasil holandês seria “inútil e sem frutos para a Compagnie”.
Pelos mesmos motivos, Portugal se preocupava com a situação na América. Chegou a tentar um
acordo com os holandeses para que as duas partes tivessem acesso ao comércio de escravos. Não teve sucesso, e em
meados de 1643, Telles da Silva, governador-geral do Brasil, prevenia el-rei: “Angola, senhor, está de todo perdida, e
sem ela não tem Vossa Majestade o Brasil, porque desanimados os moradores de não terem escravos para os engenhos,
os desfabricarão e virão a perder as alfândegas de Vossa Majestade os direitos que tinham em seus açúcares”. Ou seja:
sem o trato de Luanda, a colônia americana estava condenada. Diferentemente do que tem sido dito e escrito em boa
parte da historiografia brasileira, o tráfico de escravos no Atlântico Sul era predominantemente bilateral, e não
triangular.
Tropas, navios e munição em quantidades suficientes para o socorro da África Central não poderiam
sair de Portugal, que continuava em guerra de fronteira com a Espanha e guerra marítima com a Holanda. Coube então
ao Rio de Janeiro e às capitanias adjacentes – principais interessadas no restabelecimento do tráfico negreiro – a tarefa
de fornecer gente e petrechos, “pois todo o Brasil necessita de escravos para seu remédio”. Por força das circunstâncias
que coibiam a ação da metrópole, abriu-se espaço para uma co-gestão lusitana e “brasílica” (nome genérico para os
colonos do Brasil) no Atlântico Sul.
É Salvador Correia de Sá e Benevides (1602-1688) quem conduz, em maio de 1648, a frota luso-
brasílica que reconquistará Angola. Composta de onze naus e quatro patachos, com quase dois mil homens, a expedição
é financiada em 70% por fundos coletados junto aos negreiros e fazendeiros fluminenses. Dispondo de um estado-
maior experimentado no Atlântico Sul e de “boa gente e infantaria exercitada nas fronteiras nas guerras de Portugal e
na campanha de Pernambuco”, o corpo expedicionário desembarca e, após combates em Luanda, vence os holandeses
em agosto de 1648.
Num memorial enviado à Corte, a Câmara de Luanda reconhece explicitamente que os sucessos da
reconquista de Angola “mal se lograriam se os moradores daquela ilustre cidade [o Rio de Janeiro] se não fintaram
[tributassem] com uma muito grande soma de dinheiro com que a armada se forneceu e obrou o fim desejado”. Cinco
anos mais tarde, a Câmara do Rio de Janeiro reivindicou orgulhosamente o mérito da expedição: “Quem pode negar a
esta cidade a glória da restauração de Angola?” A história da expulsão dos holandeses deixou evidente que o Brasil
tinha continuidade fora das fronteiras americanas.
A partir daí, a presença brasílica afirma-se na África Central. Depois da independência, Angola
continua sob influência brasileira, e desde 1823 fala-se da presença em Luanda, e sobretudo em Benguela, de um
“partido brasileiro”, que joga as cartas dos interesses negreiros dos escravistas do Império do Brasil contra a política
colonial portuguesa. Do lado brasileiro também havia um “partido angolano”, que almejava anexar Angola ao Brasil.
Esta estratégia anexionista foi claramente enunciada por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859), pai da
pátria, senador, regente do Trono e ministro, na Constituinte de 1823.
Nenhuma região escravista das Américas teve na África um peso similar ao do Brasil. A intervenção
brasileira em Angola, como também no Golfo de Guiné, sobretudo no antigo reino do Daomé, só declina após 1850,
com o fim do tráfico negreiro no Atlântico Sul. Concretamente, o ciclo mais longo da economia brasileira é o ciclo
negreiro que vai de 1550 a 1850. Todos os outros – do açúcar, do tabaco, do ouro e do café – são, na realidade,
subciclos dependentes do ciclo negreiro. Neste sentido, pode-se dizer que a construção do Brasil se fez à custa da
destruição de Angola.
A dependência do tráfico negreiro e da escravidão também deixou efeitos perversos entre nós. O
fato de pilhar durante três séculos a mão-de-obra das aldeias africanas facilitou o extermínio das aldeias indígenas,
tornadas desnecessárias, e gerou entre os senhores de engenho, os fazendeiros e o próprio governo, uma brutalidade e
um descompromisso social e político que até hoje caracterizam as classes dominantes brasileiras.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Com quantos escravos se constrói um país? In:
https://web.archive.org/web/20160806135729/http://revistadehistoria.com.br/secao/capa/com-quantos-escravos-se-constroi-um-pais acesso
em 8 de junho de 2022.

Questões
1. Na primeira metade do século XVII, os holandeses, invadiram o nordeste brasileiro em duas ocasiões. O que
advertiu Maurício de Nassau em seu relatório para Amsterdã sobre a necessidade de escravos?
2. Como Nassau resolveu o problema que relatou para Amsterdã?
3. Descreva o impacto de Luanda conquistada pelos holandeses para a América Portuguesa relatada por Telles
da Silva, governador-geral do Brasil.
4. Como o governo português reconquistou Angola?
5. O que observaçou Alencastro sobre os ciclos economicos do Brasil?
6. Quais as consequências, segundo o texto, do tráfico negreiro e escravidão para o Brasil contemporâneo?
Telles da Silva, governador-geral do Brasil,

Você também pode gostar