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Resistência africana e afro-brasileira à escravidão na

Amazônia portuguesa, na segunda metade do século XVIII.

A delimitação temática refere-se ao tráfico e resistência africana na Amazônia


portuguesa, na segunda metade do século XVIII, mas especificamente no Grão Pará
(1755-1800). Com o objetivo de desenvolver sobre a resistência dos africanos ao
sistema colonial no Grão-Pará.
Neste trabalho, discute-se a percepção da historiografia a acerca do tráfico de
africanos escravizados para o Grão-Pará. A partir das produções analisadas ficou
evidente em alguns trabalhos que a presença africana foi colocada em segundo plano,
por se considerar que a capitania (Grão-Pará) oferecia condições restritivas ao ingresso
do cativo negro. Dentre os elementos impeditivos recorrentes nos trabalhos encontra-se,
a pobreza dos moradores, abundância de mão de obra indígena, a inconsistência dos
empreendimentos agrários e a “incapacidade do tráfico”. Entretanto, é evidente na
cultura local a presença marcante de elementos africanos, daí a necessidade de os
estudiosos buscarem justiçar os motivos que possibilitaram o ingresso desses na região.
A dita “preguiça” do indígena, o conflito entre religiosos e moradores por causa do
domínio desses últimos, o debate em torno da legitimidade da escravidão e escravização
do indígena, as epidemias, a experiência brasileira, as dificuldades de apresamento, a
resistência do gentio, a legislação indígena dentre outros, são motivos que ajudam a
explicar e a entender a presença africana na Amazônia Colonial. Além das constantes
fungas e elaborações de mocamos como uma das formas de resistência o sistema
escravista.
Os negros constituíram mão de obra fundamental no Estado do Brasil. No
contexto da Amazônia colonial portuguesa, foram os indígenas a principal força de
trabalho necessária para a efetivação do projeto colonizador luso. Contudo, a
importância fundamental do indígena como força de trabalho (livre ou cativa) não
significou uma exclusão do elemento africano. Esse último era desejado pelos
moradores que muitas vezes viam o cativo africano como aquele capaz de fazer o
“Estado prosperar”, o negro esteve presente e junto com o indígena constituiu a mão de
obra tão necessária para a colonização portuguesa. Entretanto, a historiografia a de certo
modo minimizou a presença do africano por algum tempo, situação que já foi revista
graças a alguns trabalhos que buscaram “recolocar” o negro no cenário amazônico. Não
raro a Amazônia Colonial foi entendida, caracterizada e apresentada como “área
periférica” do império português (CARDOSO, 1984). Supostamente o local do fracasso,
onde não se conseguiu obter o sucesso alcançado por outras capitanias como Bahia.
Diferentemente do que aconteceu no Estado do Brasil, a mão de obra africana foi
utilizada com menor intensidade, especialmente, no Grão-Pará. Mesmo com a menor
intensidade ao se comparar com capitania da Bahia, é notável que a presença africana
esteve evidente na Amazônia já nas primeiras décadas da colonização, só que era pouco
expressiva. A esse respeito, trabalhos clássicos que abordam a temática da presença
africana na Amazônia no período colonial, como os de Manuel Nunes Pereira e Arthur
Cezar Ferreira Reis, procuram fundamentar, como menciona o historiador Rafael Ivan
Chambouleyron (2006), que a pouca presença africana no período se “explica pela
própria inconsistência dos empreendimentos agrários na região. Essa explicação se
adaptaria perfeitamente ao contexto do século XVII.” (CHAMBOULEYRON,2006, p.
80).
Contexto que começou a mudar a partir da elaboração das Reformas Pombalinas
(1755-1777). O período foi marcado por inúmeras reformas, entre elas, a criação da
Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e elaboração do
Diretório dos Índios. Enquanto a Companhia de Comércio buscou a atividade comercial
e destacou-se por incrementar a entrada de escravizados africanos em quantidades
significativas ao comparar com o período anterior das reformas pombalinas. Nesse
período, ocorreu a regulamentação do tráfico que trouxe escravizados dos diferentes
portos da África e antes da sua existência, o tráfico era irregular e em pequenas
quantidades.
Paralelamente, o Diretório de acordo com o historiador Mauro Cezar Coelho
(2017), dava continuidade a outras duas leis indigenistas de 1755: a primeira lei
determinou o fim da escravidão indígena, mas também estabeleceu os casos nos quais a
utilização do trabalho dos nativos seria permitida; e a segunda retirava os poderes das
autoridades temporais dos missionários, contudo, mantinha-os como autoridades
religiosas nas mesmas aldeias que antes da lei comandavam. Essas duas leis já
demonstravam um pouco do que seria o Diretório, que diminuiu parte dos poderes que
os religiosos tinham sobre os nativos, em especial o papel que os jesuítas
desempenhavam nas aldeias, e sua expulsão em 1759. O historiador destaca que
anteriormente os religiosos gozavam de liberdade e autonomia, eram os principais
arregimentadores de mão de obra indígena. Após a liberdade dos indígenas, a
administração dos índios aldeados que, era de exclusividade dos religiosos, tanto no que
diz respeito ao governo espiritual quanto ao temporal e político dos aldeamentos, não
seria mais tarefas das ordens religiosas, mas dos agentes do Estado Português e os
índios que foram denominados de principais, seriam responsáveis pelo incentivo ao
trabalho dos nativos recebendo uma pequena parte da produção como gratificação pelo
serviço prestado. (COELHO, 2017).
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marques de Pombal, foi o
responsável pela implementação do Diretório e fiscalização da aplicação das leis no
Estado do Grão-Pará e Maranhão. Furtado buscou negociar com os colonos de Belém
demostrando que a escassez da mão de obra indígena seria solucionada com uma maior
entrada de escravizados africanos através da criação de uma Companhia de Comércio
incumbida principalmente pela introdução de mão de obra africana. A intenção do
irmão de Marquês de pombal seria o estabelecimento de “um verdadeiro mercado de
escravos, “uma feira pronta”, onde os senhores de engenhos e das mais fazendas fossem
escolhê-los e adquiri-los. Este mercado realmente existiu, não talvez nas proporções dos
que se construíram na Bahia e Rio de Janeiro.” (SALLES, 1984, p. 44). Desta forma, a
possibilidade de substituição da mão de obra indígena por escravizados africanos, os
quais seriem introduzidos por intermédio da Companhia Geral do Grão-Pará e
Maranhão era uma alternativa para que a passagem desses indígenas a vassalos del’rei
fosse consolidada e ainda garantiria proteção dos Sertões. Mas os colonos relatavam
não terem capitais suficientes para a aquisição de escravos africanos e que reivindicando
a força de trabalho indígena. As iniciativas de Mendonça Furtado, não foram o bastante
para que os sucessores dos jesuítas no governo das missões, que nesse caso foram os
fazendeiros, coletores da “droga do sertão”, o governo do Pará e habitantes das cidades
usassem manobras para que permanecessem os abusos sobre a utilização da mão de
obra dos indígenas durante todo o tempo que esteve disponível. (CARDOSO, 1984).
Em síntese, conforme os portugueses desenvolvem suas bases de colonização da
região, progressivamente introduz a mão de obra africana através dos assentos, homens
de negócio, ou por meio de companhias de comércio, responsáveis pelo comércio de
escravos na Amazônia, especialmente no período pombalino. (REIS, 1961).
Os africanos desembarcados na Amazônia assim como os indígenas reagiram
constantemente ao sistema de escravidão. As fugas de escravos indubitavelmente
estiveram presentes desde a chegada dos primeiros nativos africanos e perseveraram no
decorrer que o tráfico se intensificou na região. À medida que esses recém-chegados
conheciam a região, muitos fugiam e construíam ou participaram da montagem de
quilombos, que são conhecidos por “mocambos” no Pará. E segundo Rosa Elizabeth
Acevedo Marin e Flávio Gomes (2003), os mocambos giravam em torno de práticas de
solidariedade entre negros, indígenas e soldados pretos contra dominação colonial.
Localizados próximos das fronteiras e coladas de rios com adversidades geográficas de
acesso com várias rotas de fuga.
Dessa forma, vale ressaltar que os negros nunca aceitaram pacificamente a
escravidão e, de acordo com Vicente Salles (1994), a fuga de escravos na Província do
Grão-Pará tornou-se um processo rotineiro e até certo ponto incontrolável. Foram várias
as formas de resistência ao trabalho escravo, desde atos de resistência individual como
suicídio ou assassinato de feitores e senhores, até atos de resistências coletivas, como
seus cantos à noite nas senzalas, ou a fuga para as matas e sertões. A fuga para os
sertões significava em muitos casos a formação de comunidades negras independentes
do domínio dos brancos. É fundamental perceber que os escravos, mesmo sujeitos a
uma série de limitações impostas pelo sistema escravista, buscavam a construção de
determinados espaços que lhes permitissem conquistar momentos de autonomia, direito
e liberdade, o que era conseguido geralmente com as fugas e formação de quilombos.
(SALLES, 1994).
O fato é que de acordo com Marin e Gomes (2003), existiram diversos grupos de
mocambos em torno do rio Araguari que é limitado pelo estado do Pará, a oeste e sul e
pela Guiana Francesa, a norte. As habitações eram de tamanhos variados e separados
por “diferenças étnicas, sendo alguns mais antigos, outros mais recentes; uns só tinham
africanos ou apenas determinados grupos étnicos africanos, como era o caso do
mocambo acima designado como de ‘nação Benguela’.” (Marin, Gomes, p. 98 2003).
Os mocambos do Araguari preocuparam os habitantes, principalmente do Grão-Pará,
chegando ao século XVIII afirmações aos portugueses que havia populações refugiadas
com mais de 20 ou 30 anos nas proximidades dos rios, como por exemplo, do rio
Araguari, Anani e Cassipure que banham o estado do Amapá.
Desse modo, reconhecer e valorizar a contribuição negra para a Amazônia e
desvelar a africanidade latente em nós, homens e mulheres amazônicos e buscar
incessantemente possiblidades de nos libertarmos daquilo que nos aprisiona.

2 PROBLEMATIZAÇÃO
Quais as formas de resistência à escravidão encontradas pelos africanos e afro-
brasileiros escravizados na Amazônia portuguesa?
A escravidão do negro africano foi notória em todas as regiões do Brasil, e a
Amazônia não ficou ilesa, porém, a presença negra na Amazônia se tornou intensa a
partir da criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e do Maranhão em
1755, no período pombalino, onde se estimulou a produção agrícola na região, e os
africanos foram sendo arrancados do seu continente e trazidos em condições insalubres
para a região amazônica.
Desse modo, a motivação da presente investigação encontra seu ponto de apoio
na ideia comumente disseminada de que a Amazônia colonial teria sido pouco ou quase
nada construída pelas mãos de negros escravizados e que sua população predominante
era comporta de colonos e índios e que, ainda, estes formavam a base colonial de
ocupação europeia na Amazônia. Deve-se levar em consideração a argumentação da
baixa quantidade de negros na Amazônia, porém é preciso analisar como esses números
são utilizados, quais os parâmetros aplicados para tratar essa quantificação. Mas resta
saber como o negro se coloca e se impõe nessa sociedade colonial.
Nesse sentido, Rosa Elizabeth Acevedo Marin e Flávio Gomes (2003) destacam
que estratégias de fugas, alianças, conflitos, redes de comércio e proteção eram comuns.
E é justamente esses aspectos de que trata a presente pesquisa. Consideramos que a
questão da resistência foi um componente importante no processo de formação da
identidade desses negros. No século XVIII, nas regiões do Maranhão e Grão-Pará,
foram descobertos mocambos com populações refugiadas com mais de 20 ou 30 anos
nas proximidades dos rios. (MARIM; GOMES, 2003). Além disso, aquilombados
realizavam o plantio de roças extensas de arroz, milho e farinha para comercializarem
com franceses. E não necessariamente ficavam isolados, pois em certos mocambos,
habitantes com mais de um ano de mocambo tinham permissão para frequentar as vilas,
esses se aventuravam em datas comemorativas e estabeleciam contato com inúmeros
escravos, mas os escravos não os eram obrigados a acompanha-los, porque era de sua
decisão a escolha. (MARIN; GOMES, 2003).
Portanto, viver numa região fronteiriça como a da Amazônia, com certa
fragilidade no controle das suas fronteiras, não é difícil de imaginar a constante
movimentação de fugas de escravos e a formação de mocambos. Nesse sentido,
pensamos em como a fronteira étnica contribuiu para a construção do que era ser negro
nessa região, considerando as relações hierárquicas e as resistências. Por termos
decidido incluir os conjuntos de atuações que formavam essa sociedade colonial,
traçando uma relação entre negros, índios e o colonizador.

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