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Universidade Federal de Goiás

Instituto de Química

Gerenciamento e Controle Ambiental

O maior desastre químico da história – Bhopal 1984

Aluno: Diana Lara Freitas Mota

Profª. Dra. Araceli Aparecida Seolatto

Engenharia Química

Goiânia, 28 de maior de 2012.


Introdução
1. Acidentes ambientais

Os acidentes ambientais podem ser definidos como sendo eventos inesperados que
afetam, direta ou indiretamente, a segurança e a saúde da comunidade envolvida, causando
impactos ao meio ambiente como um todo.

Eles podem ser caracterizados de duas formas distintas:

i. Desastres Naturais:

Ocorrências causadas por fenômenos da natureza, cuja maioria dos casos independe das
intervenções do homem. Incluem-se nesta categoria os terremotos, os maremotos, os
furacões, etc.

ii. Desastres Tecnológicos:

Ocorrências geradas pelas atividades desenvolvidas pelo homem, tais como os acidentes
nucleares, vazamentos durante a manipulação de substâncias químicas, etc.

Embora estes dois tipos de ocorrências sejam independentes quanto às suas origens
(causas), em determinadas situações pode haver uma certa relação entre as mesmas, como
por exemplo uma forte tormenta que acarrete danos numa instalação industrial. Neste caso,
além dos danos diretos causados pelo fenômeno natural, pode-se ter outras implicações
decorrentes dos impactos causados nas instalações da empresa atingida. Um exemplo desse
tipo de desastre é a explosão da usina nuclear de Fukushima após o tsunami e o terremoto no
Japão.

Da mesma forma, as intervenções do homem na natureza podem contribuir para a


ocorrência dos acidentes naturais, como por exemplo o uso e ocupação do solo de forma
desordenada pode vir a acelerar processos de deslizamentos de terra.

Os acidentes naturais, em sua grande maioria são de difícil prevenção, razão pela qual
diversos países do mundo, principalmente aqueles onde tais fenômenos são mais constantes,
têm investido em sistemas para o atendimento a estas situações.

Já, no caso dos acidentes de origem tecnológica, pode-se dizer que a grande maioria dos
casos é previsível, razão pela qual há que se trabalhar principalmente na prevenção destes
episódios, sem esquecer obviamente da preparação e intervenção quando da ocorrência dos
mesmos.

Assim, pode-se observar que para os acidentes de origem tecnológica, aplica-se


perfeitamente o conceito básico de gerenciamento de riscos, ou seja, um risco pode ser
diminuído atuando-se tanto na "probabilidade" da ocorrência de um evento indesejado, como
nas "consequências" geradas por este evento.

Entre os diversos tipos de acidentes, pode ser destacado como de especial interesse o
acidente químico, que pode ser definido como um acontecimento ou situação que resulta da
liberação de uma ou várias substâncias perigosas para a saúde humana e/ou o meio ambiente,
a curto ou longo prazo.

As consequências dos acidentes químicos estão associadas a diferentes tipos de


impactos: no meio ambiente, mas pessoas ou mo patrimônio (público e privado). Desta forma,
a seguir, resumem-se os danos causados por eventos:
• Perda de vidas humanas;

• Impactos ambientais;

• Danos à saúde humana;

• Danos econômicos;

• Efeitos psicológicos na população;

• Compromisso da imagem na indústria e o governo.

2. Metil-isocianato

O metil-isocianato, cuja forma estrutural pode ser vista na Figura 1, é um composto


utilizado na produção de alguns inseticidas comercialmente conhecidos como Sevin e Temik,
da família dos carbamatos, utilizados como substitutos de praguicidas organoclorados como o
DDT.

É um líquido extremamente volátil à temperatura ambiente e sua tolerância no


organismo humano na forma de gás é de no máximo 5 gramas de vapor por metro cúbico de
ar. Valores acima desse podem causar desde cegueira até entupimento dos alvéolos
pulmonares devido ao excesso de secreção.

Figura 1 – Fórmula estrutural do metil-isocianato ou isocianato de metila.

Na década de 80, a preocupação com os acidentes industriais ganhou grande ênfase, no


tocante à prevenção destas ocorrências, principalmente após os casos de Chernobyl, Cidade
do México e Bhopal, quando diferentes programas passaram a ser desenvolvidos,
contemplando não só os aspectos preventivos, mas também os de intervenção nas
emergências. Dentre estes programas pode-se destacar The Emergency Planning and
Community Right-to-Know Act; CAER-Community Awareness and Emergency Response; APELL
- Awareness and Preparedness for Emergency at Local Level e International Metropolis
Committee or Major Hazards, entre outros.

O objetivo desse trabalho é, portanto, tratar do desastre ocorrido em Bhopal, suas


consequências e repercussões, mostrando, assim, a importância do gerenciamento e do
controle ambientais no que tange às indústrias, especialmente as químicas.

A tragédia de Bhopal
Na noite do dia dois para o dia três de dezembro de 1984, na fábrica de agrotóxicos
Union Carbide Corporation localizada em Bhopal (Índia), cerca de quarenta mil toneladas de
metil-isocianato e outros gases letais vazaram causando um desastre químico histórico que
matou entre 3,5 e 7,5 mil de pessoas em decorrência de exposição direta, além de animais e
vegetais. A Figura 2 mostra uma imagem da cidade antes de o gás se dissipar.
Figura 2 – Visão da cidade de Bophal na manhã do desastre.

Os primeiros efeitos agudos dos gases tóxicos no organismo foram vômitos e sensações
de queimadura nos olhos, nariz e garganta. Muitas pessoas morreram dormindo, outras saíram
cegamente de suas casas para a rua, onde morreram, e outras morreram em hospitais e
pronto-socorros (a Figura 3 mostra a situação dos mortos na cidade). A maior parte das mortes
foi atribuída à falência respiratória – para alguns, o gás causou secreções internas tão severas
que seus pulmões ficaram obstruídos, em outros os tubos bronquiais se fecharam, levando ao
sufocamento. Muitos que sobreviveram ao primeiro dia foram diagnosticados como tendo
falhas no pulmões. Estudos mais aprofundados com os sobreviventes também apontam
sintomas neurológicos, que incluem dores de cabeça, distúrbios de equilíbrio, depressão,
fatiga e irritabilidade, além de anormalidade e efeitos negativos sobre os sistemas
gastrointestinal, muscular, reprodutivo e imunológico.

De forma irresponsável e absurda, a Union Carbide abandonou o local deixando ali uma
quantidade imensa de produtos químicos que contaminaram as águas e até hoje causam
transtornos, acidentes e mortes aos moradores da região. Estima-se que, até os dias atuais,
cerca de 16 mil pessoas morreram e mais de meio milhão ficaram feridas devido ao contato
com os venenos.
Figura 3 – Mortos na tragédia de Bhopal.

À época a empresa tentou se livrar da responsabilidade pelas mortes pagando


compensações inadequadas ao governo indiano. Em 1999, a multinacional Dow Chemicals,
sediada nos Estados Unidos, comprou a Union Carbide, assumindo, dessa forma, a
responsabilidade pela tragédia.

Curiosamente, após o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, o


desastre em Bhopal passou a ter mais importância e o próprio vice-presidente para questões
ambientais da Dow discursou dizendo que “...a terrível tragédia que ocorreu em Bhopal, na
Índia, serviu para despertar a indústria química de todo o mundo...”. O atentado marcou,
portanto, um processo de aumento do rigor da legislação ambiental e da indústria química,
especialmente nos países mais ricos. O setor desenvolveu códigos de conduta tais como a
Atuação Responsável, cujos preceitos são a melhoria contínua de aspectos ligados à saúde, à
segurança e ao meio ambiente.

Apesar disso, em Bhopal nada mudou e, mesmo com o insistente trabalho do


Greenpeace, a empresa Dow/Carbide Corporation ainda não foi responsabilizada pela
descontaminação da área, tampouco pela indenização das vítimas diretas e indiretas do
desastre. A Carbide Corporation alega ter investido cerca de 470 milhões em indenizações,
investimentos em hospitais e descontaminação.

De acordo com informações do Greenpeace, na noite do desastre as seis medidas de


segurança utilizadas para impedir vazamentos de gás falharam. Discute-se, pois, se essas
medidas eram adequadas, eficientes e, principalmente, se estavam funcionando na ocasião do
acidente. A sirene de segurança que deveria alertar a comunidade em caso de acidente estava
desligada. A Carbide Corporation não discute as causas do acidente no site criado com esse
propósito.

José Possebon (coordenador de Higiene do Trabalho da Fundacentro) afirma que a


tragédia poderia ter sido evitada. De acordo com ele, o sistema de segurança era ineficiente
devido ao corte de despesas com segurança imposto pela matriz da empresa, nos EUA, que foi
exigido devido ao baixo retorno da empresa.

A revista VEJA, por sua vez, descreveu a noite do desastre da seguinte forma em sua
reportagem:

“Passavam alguns minutos da 1 hora da madrugada da última segunda-feira quando


dois funcionários da filial indiana da indústria química Union Carbide, instalada em Bhopal, na
paupérrima região central da Índia, puseram-se a trabalhar. Como faziam regularmente a cada
seis meses, eles iniciaram a limpeza externa dos três tanques de aço inoxidável onde a empresa
estocava sua produção diária de isocianato de metila - composto altamente tóxico utilizado
como matéria-prima na fabricação de defensivos agrícolas e capaz de, na quantidade estocada
na usina, matar tudo o que estivesse vivo em Bhopal.

Nesse instante um alarme soou, dando sinal de que a válvula de segurança de um dos
tanques rompera-se. A pressão estava aumentando no tanque - e o isocianato de metila, ali
mantido em forma líquida, ameaçava escapar se o tanque explodisse. Imediatamente um
dispositivo automático disparou o antídoto previsto para tais casos: um sistema de aspiração
que deveria transferir a substância letal para um depósito de 15 metros de altura onde uma
solução neutralizaria seus efeitos danosos para a saúde, antes de liberá-la na forma de gás
para a atmosfera. Mas algo de errado se passou. Os funcionários logo perceberam que a
substância estava saindo depressa demais e que, apesar da transferência para o depósito
neutralizador, a pressão no tanque continuava a aumentar vertiginosamente. A operação
transferência falhara.

Em segundos outro alarme ecoou e os funcionários, ao contrário do que estavam


acostumados a fazer nos exercícios de prevenção, não ligaram as mangueiras destinadas a
esfriar o tanque. Em vez disso, fugiram. Eles sabiam que tinha acabado de se concretizar o que
pode acontecer de pior com o isocianato de metila: passar do estado líquido para o estado
gasoso, transformando-se num assassino silencioso e devastador. Rapidamente, uma nuvem
de gás venenoso surgiu da válvula defeituosa e começou a encobrir a usina. Levada pelas brisas
noturnas, em poucos minutos a massa gasosa pairava sobre o território vizinho da fábrica,
ocupado pelo bairro Jayaprakash Nagar, um amontoado de quase 2.000 barracos miseráveis.
Quando o sol apareceu na segunda-feira, uma área de 40 quilômetros em torno da Union
Carbide transformara-se numa letal câmara de gás.”

Além disso, a reportagem da revista confirma que "Há suspeitas de que os funcionários
que limpavam o tanque misturaram alguma substância ao isocianato, ocasionando uma reação
química em cadeia" que pode ter sido a verdadeira raiz da tragédia.

Conclusão
Apesar dos diferentes relatos dos acontecimentos em Bhopal, dois fatos são certos: a
junção de falhas técnicas e falhas humanas foi o grande responsável pelo desastre.
Acontecimentos como esses são absurdos e impensáveis na atualidade, pois gastos com
segurança jamais devem ser cortados independentemente do caixa da empresa. À época tais
leis não existiam, mas um programa de gerenciamento ambiental, bem como de higiene e
segurança no trabalho que visasse, acima de tudo, a prevenção de acidentes, poderia ter
evitado que a tragédia ocorresse. De forma semelhante, um programa de ações em caso de
acidentes, começando pela sirene de segurança (a qual, não se sabe ao certo se funcionava),
poderia, em último caso, evitar que o acidente tomasse proporções tão grandes. O mais
indicado seria contratação de pessoal especializado para executar treinamentos, manutenção
dos equipamentos e medidas de segurança em caso de falha.

Igualmente importante é a responsabilização da empresa pela descontaminação da


região. O meio ambiente local deve ser restaurado para evitar, futuramente, um desastre de
proporções ainda maiores. Infelizmente é muito difícil fazer com que as rigorosas legislações
dos dias atuais sejam válidas para um desastre ocorrido em 1984, o processo é extremamente
burocrático, ainda que justo. Vale, dentro desse tema, ressaltar a importância da constante
fiscalização de indústrias químicas de qualquer porte e dos programas obrigatórios de
gerenciamento ambiental, o que poderia ter evitado o desastre.

Fica, por fim, a afirmação de Hans Michael Van Bellen em seu livro Indicadores de
Sustentabilidade: “A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD)
estimou os danos ambientais acumulados na Europa em 4% do PIB de cada país do continente.
Pois, apesar dos estragos impressionantes, em termos proporcionais os grandes acidentes
ambientais não se comparam ao efeito cumulativo de práticas ambientalmente agressivas tais
como despejo indevido de efluentes, não reciclagem de lixo e não redução de gases poluentes
emitidos”, que permite refletir o quanto, apesar de trágicos, desastres como os ocorridos em
Bhopal e Chernobyl são pequenos perto do efeito cumulativo do desenvolvimento e
funcionamento industrial sem preocupação ambiental e, assim, o quanto é importante que o
cuidado com o meio ambiente seja constante e rígido.

Referências Bibliográficas
1. http://www.bvsde.paho.org/tutorial1/p/acciambi/index.html

2. http://www1.american.edu/ted/bhopal.htm

3. http://www.greenpeace.org.br/toxicos/pdf/bhopal_desastrecont.pdf

4. http://www.bhopal.com/chronology

5. http://en.wikipedia.org/wiki/Bhopal_disaster

6. http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_12121984.shtml

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