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Resenha WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria, RJ: Zahar, 2001.

Em seu texto, Loic Wacquant defende que o desmantelamento do estado-


providência se deu de maneira concomitante ao desenvolvimento do estado
penitenciário. Por meio de dados, o autor demonstra o crescimento econômico
norte-americano chamando atenção para o fato de que apenas 5% dos mais ricos
puderam aproveitar 95% do lucro obtido. Por esse motivo, a população mais pobre
pagou o preço do crescimento, ao sofrer com desemprego ou subemprego e a
redução de salários devido ao corte de gastos. A ideia apresentada à Europa dos
Estados Unidos como um país economicamente desenvolvido, com qualidade de
vida à população, é assim, ilusória uma vez que poucas pessoas puderam usufruir
dos ganhos do Estado, ao passo que outras ficaram para trás por sua condição
social.
A redução dos investimentos em políticas sociais resultou em um
crescimento de investimentos em encarceramento e investimentos penais,
tornando os Estados Unidos o país com a maior população carcerária do mundo. A
maior parte dos presos tem origem negra ou imigrante e pertence à classes que
perderam os benefícios do estado-providência. Foram presos por delitos pouco
importantes que poderiam ser tratados com penas alternativas ou tratamento em
clínicas para aqueles que foram detidos por uso de entorpecentes.
O sistema penal norte-americano passou a adotar um banco de dados
criminais, por meio de um organismo federal, que distribuía dados processuais e
identificação de presos para observação de órgãos da administração pública,
serviços sociais e até mesmo para organismos privados. Essas "fichas criminais"
continham quase um terço da população masculina dos Estados Unidos. A ideia
por trás do encarceramento de massa nos mostra a desistência do processo de
reabilitação do condenado por aquilo que Wacquant chama de "nova penalogia",
que busca afastar da sociedade grupos considerados perigosos, e portanto, não
apenas cumprir o objetivo inicial de prevenção ao crime ou de lidar com presos
para que retornem à sociedade.
Os crescentes gastos ao encarceramento só foram possível com a redução
dos custos em saúde, educação e ajudas sociais. Para diminuir os custos das
detenções, o governo passou a adotar certas táticas: 1) limitar os benefícios aos
presos como educação, esportes e lazer; 2) adotar a tecnologia como aliada à
vigilância humana; 3) transferir parte dos gastos aos presos e suas famílias como
comida e tratamento médico; 4) utilizar a mão-de-obra carcerária em trabalho
compulsório, tendo empresas como Microsoft, Boeing e Konika como beneficiadas
deste sistema.
Vemos então um processo de mercantilização do sistema carcerário, que
gera lucros para empresas privadas, que por sua vez, oferecem uma série de
bens e atividades necessárias à detenção. Notamos uma privatização do
encarceramento, cuja "indústria" movimenta até 4 bilhões de dólares ao ano.
Wacquant aponta outro ponto importante: os afro-americanos são maioria
nas prisões, mesmo representando apenas 2% da população. Isso porque bairros
que concentram população negra e latina são considerados mais passíveis de
vigilância. Dessa forma, negros e latinos acabam sendo confinados em
determinados guetos e bairros para maior vigilância e assim, facilmente presos.
Para o autor, essa população é perseguida por uma política social de abandono e
sofre uma agressiva repressão penal e policial. O isolamento de negros aos
brancos não é consequência de uma divergência de conduta e propensão ao
crime, mas do caráter discriminatório do sistema penal e das práticas policiais.
Portanto, o sistema carcerário assume um importante papel no que o autor
chama de "novo governo da miséria" que é de vigiar e controlar as "populações
desviantes e dependentes". Para tanto, o sistema prisional acaba tendo certas
funções que Wacquant nos mostra. Uma delas é a regulação do mercado de
trabalho, como já demonstrado anteriormente, a lógica carcerária retira das ruas
uma massa de desempregado e, por outro lado, gera empregos no setor de bens
e serviços carcerários para empresas de segurança privada. Outra função é a
exclusão de grupos étnicos e a "perpetuação da ordem racial", substituindo os
guetos cuja população é considerada "perigosa". A última função é a
mercantilização da assistência e da prisão, tornando pobres e presos "rentáveis" a
partir de empresas privadas que gerenciam o serviço social do país.
Wacquant mostra que há tendência em quase todo mundo de seguir o
sistema penitenciário norte-americano, adotando políticas econômicas neoliberais,
retirando o papel social do Estado, fortalecendo o sistema judiciário e punindo as
populações consideradas "supérfluas" que acabam sendo marginalizadas,
desamparadas e assim, encarceradas. Dessa maneira, o espaço público passa a
ser um espaço de repressão e não um ambiente de aprendizagem social.

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