Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Máscara, Do Bufão Ao Clown - Joice Aglae
A Máscara, Do Bufão Ao Clown - Joice Aglae
A Máscara, então, é uni objeto 1ink que interroga e suscita interrogações que
vão muito além do movimento teatral profissionalizado - mesmo que esse movimento
de profissionalização da classe dos cômicos tenha sido realizado, pela primeira vez (em
25 de fevereiro de 1545, em Padova. região de Trento), por atores da Commedia
dell’Arte, isto é, por atores que trabalhavam com Máscara.
Se pensarmos na Máscara fora dos palcos, essa possui uma história tão antiga
quanto a da aparição do ser humano na face da terra e, em muitas culturas, aparece
como um portal, ícone ou elemento de rituais religiosos, de caça. de festa, de morte, de
vida ou de cura (Degano, 2005).
Para melhor clarificar os caminhos até aqui traçados: teve-se primeiro a crença,
depois se teve o rito ao mito. passando à representação desse rito e integrando a tal
representação outros mitos e, a partir de então, outras histórias e a inserção de
personagens. Juntamente com essas adições de agentes na cena, o teatro foi se fazendo e
sendo feito, também, sem a Máscara objeto.
Cesare Molinari (2007) faz uma descrição detalhada da evolução dos coros dos
sátiros, para o ditirambo, para os coros da tragédia e da comédia, passando pelo Bufão.
e é muito interessante constatar que o Bufão ganha a liberdade da obscenidade através
dos caminhos ritualísticos, quando o corpo nu e a fertilização da terra com o sêmen
humano faziam parte do ciclo de fevereiro. Esse caminho dos rituais até a farsa, em
termos de estrutura, acontece através dos dois elementos que integravam a Comédia
Antiga: o “kòmos" e a farsa. O kômos podia ser profano ou dionisíaco (religioso).
Segundo Brandão (2007), o kômos profano fazia parte de um hábito das cidades e
aldeias de Hélade, e se tratava de um cortejo de pessoas travestidas em animais que iam
de casa em casa pedindo doações e zombando dos moradores através da imitação, da
paródia e da sátira dos kômos religioso. O kômos religioso era um ritual que acontecia
em várias cidades e se consistia no ato de carregar um falo pelas ruas da cidade em
procissão - é clara a relação com o ato de semear/fertilizar, pois desse modo, o falo
carregado fertilizava as ruas da cidade e, por consequência, os seus moradores.
Tanto o Sátiro quanto o Bufão são máscaras de corpo lodo -máscaras físicas que
representam a síntese de uma compreensão de mundo - quem a veste, deve vestir,
também, o seu universo. Nesse ato de vestir/travestir, então, o bufão traz com ele a
natureza da metamorfose em transformação e renovação, e essa qualidade,
posteriormente, desdobra--se em máscaras dell’Aarte e clowns.
O Bufão é portador da verdade e, por isso, é agressivo por natureza - não se está
falando de uma agressividade no plano físico, mas sim de uma agressividade moral; ele
burla todas as normas da sociedade - eles não são seres imorais, mas amorais. Essa
característica continuou fazendo parte da máscara do Arlecchino, do Pulcinella e de
outras Máscaras e depois se perpetuou na crueldade reveladora do clown.
O Bufão é uma máscara que contém conexões com o primitivo e o divino, com o
que o ser humano tem de mais grotesco, mas também mais elevado - e aqui se
encontram as características da Máscara do clown divididas na dupla, em que um
encarna o grotesco e o outro o sublime, um o caos e o outro a ordem. Essa mesma
divisão pode ser vista nas duplas de Io e 2° Zanni, da Commedia delll'Arte.
Zanni e Bufão possuem conexões variadas. Riccoboni (1730) faz uma coligação
do nome Zanni com a palavra latina Sanniones, sinônimo de uBufão” - Sanniones,
Sannio, Zanni, presentes na comédia/fabula Attelana'8 e entre os Mimos da Antiguidade
(Sannio). Alessandra Mignatti traz a informação de que Zanni é uma corruptela dialetal
de Gíovanni (Giovanni, Gianni. Zanni). O filólogo Cario Dati19 traz a informação de
que, na Espanha, em léxico antigo, os bufões das farsas eram chamados de Giovanni -
então, tudo se reconecta, por um outro fio da rede.
Além de se dividirem para garantir um jogo mais ágil na cena, as máscaras dos
servos foram desenvolvendo algumas características individuais. Cada ator trazia suas
características para a máscara, o que provocou ainda mais desdobramentos das
Máscaras de 1° e de 2° Zanni (uns mais gentis, outros mais estúpidos, uns trabalhadores,
outros vagabundos), mas a fome continuou como uma das características principais
dessa classe servil.
Tudo indica, então, que foi do Zanni Gian Farina Pedrolino que o clown branco
se desdobrou, desenvolvendo e redesdobrando, depois, suas características próprias,
como aconteceu com todas as máscaras, dando origem a muitos outros clowns brancos e
Pierrot.
Pedrolino tinha muitas versões, mas, no século XIX, ele ganhou sua vestimenta
mais famosa: vestes brancas, largas e brilhantes e seu chapéu em cone. Nos Canovacci
de Flaminio Scala, muitas vezes. Pedrolino era um Zanni apaixonado, geralmente pelo
amor de Franceschina (Duchartre 1981), o que permaneceu como característica tio
Pierrot.
Nesse caminho, por volta de 1770, o inglês Philip Astley dedicou--se aos
espetáculos eqüestres e desenvolveu o picadeiro, criando o circo. Mais tarde, com uma
visão empreendedora, Astley transferiu esses espetáculos eqüestres para um ambiente
fechado, o que possibilitou cobrar uma taxa dos espectadores. Com desejos de alcançar
um grande público, seus espetáculos foram enriquecidos com acrobatas, ventríloquos,
funâmbulos e outros artistas, organizando, desse modo, o espetáculo circense
tradicional. Muitos dos comicos dell’arte passaram a trabalhar no circo e Pierrot se
transformou, adequando-se a nova realidade, como aconteceu durante toda a história das
Máscaras, metamorfoseou-se em Clown Branco (Stott, 2010).
Em 1774. Astley passa a habitar Paris, onde continuou suas atividades, mas,
após a guerra, o inglês deixa a França e. nessa época, entram na história do circo os
nomes de dois italianos: Antonio Franconi, continuando as ações de Astley, e Joseph
Grimaldi, que entrou no picadeiro em 1819, em Paris, no Circo dos Franconi, já com a
máscara de PieiTOt que portava todas as suas impressões pessoais (Stott. 2010).
Mas, daí para frente, segue-se um outro segmento dessa rede, o qual vislumbra o
aparecimento do clown Augusto. Os caminhos desse ciou n também são tortuosos e
nebulosos - o que merece outro momento de pesquisa O importante deste artigo era
vislumbrar os caminhos da Máscara, desde o Bufão até o clown, passando pelo jogo da
dupla cômica das Máscaras dell’Arte - 1o e 2o Zanni.
REFERÊNCIAS
1990.
do conhecimento. Trad. Esteia dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
DELEUZE. G. Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes. 4. cd. São
Paulo: Perspectiva. 2007.
FO, D. Manual Minimo do Ator. Franca Ranie (org.): l rad. Lucas Baldovino, Carlos
David Slak. São Paulo, Ed. SEN AC. 1999.
MARTIN. S.: PE/.1N. P Le Fou Roí des tliéâtres I o\ age en ( omntedia deli arteSaint-
Jean-de-Védas/FR I Lntretemps. 2003
PAERL. II. Pulcinella - Ia misteriosa maschera delia cultura europea. Roma: Ed.
Apeiron. 2001.
S IOTT. A. M. The pantomime life of Joseph Grimaldi: Laughler. Madness and lhe
Story of Britam s Greatest Comedian. Canongate: Reino Unido, 2010.
TURNER. V. Da! rito a! teatro. Trad. Paola Capriolo. Bologna/ÍT: Socieü Editrice il
Mnlino. 1986.
WILLEEORD, W. // hoot e il suo scettro. tfaggio nel mondo dei c/own, dei I buffoni e
deigiid/ari. Trad. Daniela Bonelli 2. cd Bergamo\IT. Moretti & Vitali. j