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CAPÍTULO 3
A Máscara: Do Bufão ao Clown
* No livro essas informações estão no final da obra "Sobre Autores", p. 379: Professora colaboradora do
PPGArtes/UFU, pelo PRODOC-CAPES. Fundadora e pesquisadora da Cia Buffa de Teatro (BRA) e da Bottega
Buffa CircoVacanti (ITA). Atriz e Diretora Teatral. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4746439U6
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Para saber mais ler: Brondani (2010).
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A pesquisa se baseia na ideia de imagem∕imaginário de Gaston Bachelard. Para saber mais ler: Gaston BACHELARD:
1986.
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A palavra “link” é tomada emprestada da área da informática e é utilizada, aqui, como uma metáfora. Ela aparecerá,
muitas vezes, coligada à palavra “objeto” (objeto/link) e serve para sublinhar a potência da máscara/objeto como um
portal a esse universo transcendente, pois, o link é um elemento de hipermídia que, ao ser acionado, provoca a
exibição∕abertura de uma nova janela∕hiperdocumento. Para saber mais sobre analogias e metáforas ler: A formação do
espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento - de Gaston Bachelard (1996).
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“In vero, non va sottovalutato che, nella vestizione del comico, l’elemento che conferisce un valore di iniziazione
all’atto è la maschera, la quale più del costume rievoca un gesto talmente antico da confinare con l’extratemporale,
da ricondurci non soltanto al teatro Greco, bensì ancora nel fascinoso mondo del mito”.
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Se pensarmos a Máscara fora dos palcos, essa possui uma história tão antiga
quanto a da aparição do ser humano na face da terra e, em muitas culturas, aparece
como um portal, ícone ou elemento de rituais religiosos, de caça, de festa, de morte,
de vida ou de cura (Degano, 2005).
Nas civilizações em que a máscara aparece como ritual ou elemento
ritualístico, ela acaba possuindo, também, uma função moral, ética, cultural e social
insubstituível. Dentro dessa possibilidade, as Máscaras “[...] representam as concessões do
mundo sobrenatural e as relações estabelecidas do homem com as potências superiores” (Degano,
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“[...] rappresentano le concessioni del mondo soprannaturale e le relazioni stabilite dall’uomo con le potenze
superiori”.
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“Crer [...] é um sentimento, uma maneira particular de sentir a ideia. A crença é a ideia “sentida mais do que
concebida [...] Crer é inferir de uma parte da natureza uma outra parte que não está dada. E inventar é distinguir
poderes, é constituir totalidades funcionais, totalidades que tampouco estão dadas na natureza” Deleuze, 2008, pp. 94-
95.
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sistema estabelecido pela dinâmica recíproca entre o Fundo Comum dos Sonhos 7 e o
Fundo Poético Comum8, a imaginação traz a compreensão necessária do
funcionamento das imagens, para esta pesquisa, podendo ser uma imagem em ação,
no indivíduo e na atmosfera, dando a entender que haja uma a entender uma cíclica
contínua, da qual não se sabe o início ou o “provocador” – mesmo mecanismo da
crença imaginário/imagem/transformação/ação/imagem...)9.
Nessa viagem metafísica, a Máscara aparece como uma refiguração de um vulto
divino, heroico, humano ou animalesco, aterrorizante ou cômico, na qual o indivíduo
anula o próprio vulto e assume os caracteres da Máscara. A máscara, como objeto em
si, aparece, então, dotada de um poder mágico e religioso - ela é o instrumento que
torna possível a metamorfose de um indivíduo, tornando-o diverso dele mesmo e
concedendo-lhe outros poderes. A máscara, através da crença e sistema de
imaginação, adquire a força necessária para produzir a metamorfose no corpo do
indivíduo: ela é um objeto, mas um objeto carregado de uma energia, segundo
Calendoli, secreta e obscura.
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O Fundo Comum dos Sonhos, para Bachelard, é um espaço imaterial no qual passado, presente, fantasia, história,
realidade e imaginação comungam. Ele integra um “a priori onírico” que comporta elementos arcaicos da alma e está
presente em cada ser humano (é inerente a ele), mas, também, fora dele. Para saber mais sobre o Fundo Comum dos
Sonhos, ler: Gaston Bachelard (1990).
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Para Lecoq, o Fundo Poético Comum é um espaço tão imaterial e inerente ao ser humano quanto o Fundo Comum dos
Sonhos. Mas passa a ser concreto por se manifestar /agir no corpo do ator através das experiências e sensações, é dele
que surgem impulsos e desejos de criação, passando do imaterial ao concreto. Para saber mais, ler: Jacques Lecoq.
(1997).
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Para saber mais sobre a dinâmica recíproca entre o Fundo Comum dos Sonhos, o Fundo Poético Comum e o sistema
de imaginação, ler: Brondani (2010).
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“La maschera é, fin dalle più remote apparizioni, la raffigurazione di un volto divino, umano o animalesco, eroico,
terrificante o comico che un individuo può imporre al proprio volto, cancellandolo ed assumendone i caratteri.
Questa operazione di trasformazione esteriore, ma anche interiore, ha un contenuto magico e perciò si colloca
originariamente nell’ambito religioso, anche se le ragioni che determinano questa trasformazione possono essere
assai varie. La maschera, considerata come oggetto in sé, appare dotata di una valenza magica e religiosa, perché é
lo strumento che rende possibile la metamorfosi di un individuo, facendolo diverso da sé e conferendogli altri poteri.
La maschera racchiude la forza necessaria a produrre la metamorfosi: è, si, un oggetto, ma un oggetto carico di un
energia segreta e oscura.”
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“Lo stesso sdoppiarsi della maschera in un’espressione tragica ed in un’espressione comica corrisponde anzitutto
alla duplicità del dio, che governa la vita e la morte e perciò il riso e il pianto”.
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inteiro. Algumas descrições desses Sátiros, falam de seres meio humanos e meio
bestiais, vestidos grotescamente com peles de animais (geralmente de bode)
(Molinari, 2007) e que, muitas vezes, seus chegavam ao êxtase e ao transe (Brandão,
2007; Gassner, 1974). Nesses cortejos, estava presente, também, o elemento
sacrificial: era oferecido a Dionísio um animal (geralmente o bode).
Dessa oferenda nasce mais uma das relações da Máscara com o mundo obscuro
da Morte. A primeira é a relação em que o ator deve se anular, falada anteriormente,
gerando a ideia de matar o ego para deixar a Máscara viver (nesse caso, o ator pode
ser visto como um animal sacrificado); a segunda é a relação do próprio sacrifício
animal que acontecia nos rituais à Dionísio; e a terceira é o fato de que uma Máscara
sempre é feita com um material que antes tinha vida, seja animal ou vegetal, então, o
ator que trabalha com Máscara (principalmente com a Máscara de couro), sempre tem
a morte próximo ao rosto.
Através de uma pesquisa iconográfica profunda e detalhada, Molinari reafirma
a potência da crença na Máscara, chamando a atenção para o fato de que os Sátiros
foram pintados às vezes como seres mitológicos, às vezes como atores e/ou
adoradores do deus do vinho travestidos (Molinari, 2007, p. 19-24). Percebe-se
nessas pinturas que a crença do indivíduo que se mascarava em Sátiro era tanta que
chegava a comover o público, que, a partir da sua crença de incorporação, passava
não mais a ver o ator travestido, mas a sentir12 o mito incorporado.
Do rito ao deus, desdobrou-se o ditirambo, uma representação desse rito que,
posteriormente, em um processo de desdobramentos e bifurcações, passou a contar
não somente as histórias sobre Dionísio, mas também as histórias de outros deuses e
mitos13, estruturando-se, ao longo dos tempos, como as tragédias e comédias do
Séc.V a.C. - a história anterior aos espetáculos já estruturados na Grécia desvela o
grande universo mágico que está por detrás do ato de mascarar-se.
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É preciso chamar a atenção para o fato de que se trabalha com a percepção deleuziana, que por sua vez busca no
pensamento humeniano o conceito de que a crença é a ideia sentida mais do que concebida e que, portanto, ela é do
fluxo do sensível. Para saber mais ler: Deleuze (2008).
13
Para saber mais, ler: Costa & Remédios (1988). Brandão (1980). Gassner (1974).
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“Con ogni probalilità tutti i mimi, i clown, i guitti e i commedianti conosciuti in Europa derivano dal Sátiro
dell’antica commedia greca, genere che, a sua volta, risale ai riti fallici e alle cerimonie in onore di Dioniso”.
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“[...] les corps sont de véritable masques de jeu devirent la matérialisation des forces que nous portons tous en
chacun de nous, des passions, de la violence, de la démesure dont nous sommes capables. Êtres cosmiques, primitifs,
de nature divine et animale, amusants fascinants, magiques.”
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Para saber mais sobre os calendários relativos ao carnaval na Itália, ler: Reato (1988).
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Para saber mais, ler: PAËRL: 2001.
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ritual que acontecia em várias cidades e consistia no ato de carregar um falo pelas
ruas da cidade em procissão – é clara à relação ao ato de semear∕fertilizar, pois desse
modo, o falo carregado fertilizava as ruas da cidade e por consequência, os seus
moradores.
É muito interessante observar que o falo, um dos símbolos da obscenidade, é
também um dos símbolos da parte religiosa da Comédia Antiga. Por essa relação
ritualística, a obscenidade se fortalece como instrumento do Bufão, não porque o
obsceno é transgressor da moralidade, mas porque o ato de fertilizar a terra faz parte
de uma força telúrica que integra homem, animal e vegetal, potencializando o
submundo, no que diz respeito ao que está embaixo da terra – o alimento que permite
a sobrevivência tem ligação com o que está debaixo da terra através da raiz. A
sexualidade∕baixo ventre faz parte da fertilização do cosmos e, na festa carnavalesca,
potencializa-se e transforma-se em uma das principais forças do popular e, segundo
Bakhtin (1999), tudo o que se relaciona com o baixo ventre pertence aos domínios do
Carnaval - festa da fertilização.
Metaforicamente e de forma real, pode-se dizer que foi na festa carnavalesca
que o coro satírico, com a força popular, desdobrou-se em bufões, mimos, máscaras
dell’arte, até chegar aos clowns.
Tanto o Sátiro quanto o Bufão são máscaras de corpo todo - máscaras físicas
que representam a síntese de uma compreensão de mundo - quem a veste, deve vestir,
também, o seu universo. Neste ato de vestir∕travestir, então, o bufão traz com ele a
natureza da metamorfose em transformação e renovação, e esta qualidade,
posteriormente, desdobra-se em máscaras dell’arte e clowns.
Se o período anterior ao Medieval é visto como intensamente ligado ao ritual e
ao mito, a Idade Média foi, ao longo de seu tempo, o momento em que o misticismo
primitivo foi sendo suprimido e substituído pelas festas cristãs. Mesmo com tal
supressão, o bufão sempre festeja a vida no sentido mais ritualístico da festa,
apresentando ao ser humano o seu corpo transformado, deformado, metamorfoseado,
dilacerado, aberto e exposto, servindo-lhe de imagem e semelhança. A sua presença
invoca uma percepção da dualidade do mundo e da vida humana (vida e morte), ele
traz nas suas entranhas e entranças o “princípio da vida material e corporal” da festa
dionisíaca, do bacanal e fertilização.
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Espetáculo farsesco da Roma Antiga, segundo Giovanni Calendoli, se trata de uma cultura tipicamente itálica com
grande influência grega e também latina, osca e etrusca.
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O filólogo Carlo Roberto Dati trabalhou no Antico Archivio Storico della Accademia della Crusca (Firenze-IT) e
realizou uma importante compilação de documentos e cartas de descrições contextuais históricas, intitulada
“Smarrito” (1667).
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que, na Espanha, em léxico antigo, os bufões das farsas eram chamados de Giovanni
– então, tudo se reconecta, por um outro fio da rede.
Nesses desdobramentos do Bufão em Zanni e estruturação da Commedia
dell’arte, passamos pela fábula atellana, um espetáculo farsesco da Roma Antiga que
tinha as tramas baseadas nas máscaras de Maccus, Pappus, Bucco e Dossennus. Estas
quatro máscaras, hipoteticamente, teriam servido de núcleo para o desenvolvimento
da commedia dell’arte (dramaturgicamente e como estilo) (Chacra, 1983; Sartori;
Lanata, 1984 ; Molinari, 1985).
Durante muito tempo a commedia dell’arte foi conhecida como Commedia
degli Zanni (Molinari, 1985, p. 13), por ter como parte principal as chamadas
Zannate, cenas em que o 1º e 2ª Zanni apresentavam seus monólogos, contando de
suas relações com seus patrões, bem como, apresentando cenas de confusões entre a
dupla, parceiros e servos de patrões diferentes - foram nestas Zannate que o jogo da
dupla cômica se apresentou enfaticamente - o que depois viria a ser o jogo da dupla
clownesca.
No decorrer do tempo, as máscaras foram se refinando e se desdobrando,
aparecendo o Dottore, Capitano e outras. A necessidade do primeiro Zanni se
“duplicar” chamando um segundo Zanni para a trama, não tem uma data precisa, mas
já na fábula atellana existia esse jogo da dupla cômica, o qual permanece durante os
obscuros caminhos da Commedia dell’Arte na Idade Média e no Renascimento, e se
perpetua no jogo dos Clowns, que vão do Circo ao teatro e ao cinema.
Com a presença do segundo Zanni na cena, o jogo da dupla cômica se
estrutura: o primeiro Zanni (ex.: Trufaldino e Brighella) era o mais inteligente e
astuto, o segundo o mais estúpido (ex.: Arlecchino) (Artoni, 1999) - esse mesmo jogo
se perpetuou na dupla de clown: Branco e Augusto.
Além de se dividirem para garantir um jogo mais ágil na cena, as máscaras dos
servos foram desenvolvendo algumas características individuais. Cada ator trazia
suas características para a máscara, o que provocou ainda mais desdobramentos das
máscaras de 1º e 2º Zanni (uns mais gentis, outros mais estúpidos, uns mais
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REFERÊNCIAS
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