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R Joao Luiz Lafeta A Dimensao Da Noite PDF
R Joao Luiz Lafeta A Dimensao Da Noite PDF
JoáoLutz
Lafetâ
A representaçãodo sujeitolírico na Paulicéiadesvairada
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A dim ens ãoda noit e ffi A representaçãodo suieitolírico na Paulicéiadesvairada
tar, em apenasquatro anos,entre I92l e 1925, do ritmo har- do elafica pronta, a família (alvoroçadapor maisestaloucurado
mônico da Paulicéiaao registrocoloquial do Losangocáqut,e daí doido-da-casa)reúne-separaconhecêla.Trata-sedo famosoCris-
à variedadeda pesquisaetnográficado Ck dojabuti-, é preci- to de trancinha,de fato notávelcriaçãode Brecheret.Mas o es-
so entendersuainquietanteexploraçãode tantosângulosda cul- cândaloé imediato:diante da arte modernaa família tradicional
tura internacionale brasileira,para podermosaquilatarsua in- seenfurecee recriminao compradorinfeliz. Mário defende-se e
fluênciadecisivanosjovenspoerasda época,nomescomo Drum- defendeo Cristo, inutilmente - ninguém se convence.Mas é
mond, Murilo Mendes ou Jorgede Lima, que chegarama assi- depoisdestacenameio farsesca que ele,enervadoe exasperado,
milar até mesmoseuscacoetes. Mas senos limitarmos ao exame sentea inspiraçãosúbita,abanca-se e escrevede uma só assenta-
do fenômeno da Paulicéia desuairada,veremos que seu caráter da o que viria depois a constituir a Paulicéiadesuairada,
de novidadedesconcertante rem papeldecisivona recepçãoen, Acho a anedotasignificativapor váriasrazóes,entre elaspor
tusiásticados contemporâneos.O charmeda novidadetinha suas revelar-noso curiosofundo psicológicoda criação:a um perío-
raízesnum impulso profundo de mudanças.Paraagir como agiu, do depressivo, em que o poetaprocurae não encontraa suains-
não podia apenasostentar alevezadas modaspassageiras, mas piração,segue-se a irrupção de uma correntede energiacriado-
necessitava radicar-seem estímulointerior persistente,provocado ra suficientepara removertodos os obstáculos.A energiaé des-
tanto pelo contâto com aspoéticasvanguardistaseuropéias,como pertadapor uma briga em família,em torno da artemoderna-
pela vivênciaintensada nova realidadede São Paulo no início e os fatores familialarte moderna, opondo-se em táo forte ten-
dos anos 1920. Poderíamosdizer,um pouco rebarbativamente, sáo,devem ter revolvido conflitos profundos da personalidade
que e necessidade profunda a animar o sujeitoé a representaçáo (conflitos que Mário representarámais tarde, transfiguradoscom
modernado seupróprio eu moderno,em esrreitacorrelaçãocom humor e freudianaironia, nos Contosnouos).Sejacomo for, o
a cidademoderna. episódiomodifica p situação:o poetaque antestentaraescre'rer
É conhecidaa anedotado "estouro"que estánasorigensda "à maneira de Verhaeren",encontra dentro de si a linguagem
Paulicéia.Em carta a Augusto Meyer,2 Mário de Andrade con- nova para representar-se e para representara suacidade.
ta que desejara,inspiradopor leiturasde Verhaeren,escreverum A recepçáoda obra foí capazde captar esteélan.Foi capaz
livro de poemassobreSão Paulo, sem enrrerantoconseguirfa- de captartambém os problemasque ele implicava.Veja-se,por
zê-lo.Na mesma época,encantadopor um busto de Cristo es- exemplo,o seguintetrecho de Tristão de Athayde, escritoime-
culpido em gessopor Brecheret,decidecompráJo. Semdinheiro, diatamentedepoisda publicaçãodo livro: "Haverá muita coisa
entra em negociaçóes com o irmão, conseguelevantara quântia transitória,nestapoesiaa um tempo demolidorae construtora,
necessária e autorizao artistaa passara obra em bronze.Quan- não poderá agradarfacilmente a grandemaioria dos leitorescujo
gostoainda refugacom razáoa certasousadiasdassínteses poé-
ticas atuais,já superadascomo vimos em outras literaturas-
z Em Mário de Andrade
escreuecartas a Alceu, Meyr e outros. Coligidas e forçarâmuitasvezesa nota com o simplesintuito de espantaros
anotadas por Lygia Fernandes, Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1968, pp. 49-57. burgueses[...] -, terá por vezescondescendências com
excessivas
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A representaçãodo sujeitolírico na Paulicéiadesvairada
como tais,fizeram-senelaessenciais, ou, pelo contrário,afunda_ sujeito-objetoem formasconstrutivase objetivas(na linha do Fu-
ram-sena intemporalidade."a
turismo,do Cubismo e do Abstracionismo),ora invertendoa
ora, justamenteo "momento histórico" fez-seessencial na ênfrueatravésda elaboraçãode formasdestrutivase subjetivas(na
Paulicéia desuairada-Aqueles que depreciam uma obra por ser
linha do Expressionismo,do Dadaísmoe do Surrealismo).t
ela datada,querendodizer com issoque ela não superasuacir-
Essadistinção,feita assimem traçostão largos,serveapenas
cunstancialidade - e portanto não seuniversaliza- deveriam
paranos mostrarcomo a oscilaçáoentre uma arte extremamen-
refletir melhor sobreessafrasede Adorno. Ela indica que o mo-
te impregnadade subjetividadee outra marcada,ao contrário,
mento histórico moderno - a coisificaçáo,aprepotênciado
pela objetividadedas formas,acompanhoude modo profundo
mundo, o esmagamentoda subjetividade,a negaçãodo huma_
o desenvolvimentodasvanguardashistóricas.No casoda Pauli-
no (váriosnomesdo mesmofenômenobásico)tornou-seessen-
céiadesuairada,como em tantos outros, a separaçãodas linhas
ciaÌ na arte modernaporque seincorporou à sualinguagem,vi_
não sedá inteiramentebaseada no "moto lírico", na liberaçãodos
rou procedimentoartístico,foi integradono coraçãod" for-"
impulsosdo que Mário chamavade "subconsciente",a lingua-
de tal modo que fez-se"representarivo".No casod.apaulicéia,
gem tende paraa linha destrutiva,de forte influênciaexpressio-
como bem viu Mário de Andrade, era precisomanrer os ..exa_
nista;contrabalançandoisso,entretanto,é visíveltambém todo
geros",pois eleseram "bem representativos"do "estadoda alma"
um esforço(explicitadona teoria do versoharmônico) de carâ-
- mais que documentocondescendente do subconsciente líri- ter construtivo,a tendência"pronunciadamenteintelectualista"
co, como pensavaTristão, eleserammarcasnegativas(quaseno
do livro, à qual o poetaserefereno "Prefáciointeressantíssimo".
mesmo sentido em que se fala de negativofotográfico)de um
A críticaatual assinalouestatensãona obra de Mário, mos-
momento histórico. Era atravésdestasmarcas_exageros que o trando como ela é constitutivade seu estiÌo.Roberto Schwarz,
mundo da negaçãoficavarepresentado nos poemas,for-"r.r._ por exemplo,no seuensaio"O psicologismona poéticade Má-
gativasbem dignas dagrandezada arte de vanguarda.
rio de Andrade", referiu-sea "polaridadesirredutíveis",que di-
Mostrar como se dá isso na paulicéia desuairadaédifïcil e
lacerariamo pensamentoestéticodo autor.6Luiz Costa Lima,
complexo.Parteda demonstração,entretanto,é o que tentarei
em "Permanênciae mudançana poesiade Mário de Andrade",
fazer aqui, buscando focalizaro problema da representaçãodo
partiu destaobservaçãode Schwarzsobreo "traço psicologizante"
sujeito Ìírico, como sesabecentralna arte modernadesdeBau-
para desenvolvera tesede que a poesiamário-andradinadeixa
delaire, e que asvanguardasdo começo do século tenraram re-
solverem duasdireçóesprincipais:ora equacionandoa relação
t A distinção entre as linhas "impressionista-cubista-abstracionista"e "pri-
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escaparaquilo gue, desdeBaudelaire,fora fundamental"ao sen- que há no livro, entre â representação do eu e a representação
timento da poesiamoderna: o impacto da grandecidade".Isso da cidade. Impressionismoe expressionismo,nas palavrasde
se daria na medida em que Mário, levadopelo desejode "conri- Ronald de Carvalho,ou objetivismoe subjetivismo,na formu-
nuar a exploraçãode seu eu", resquíciode um subjetivismoro- laçãode CarlosAlberto de Araújo, o movimento tenso aponta
mântico, é ìncapazde representara cidade,pois roma-aapenes paraasduasgrandeslinhas que dividiram asvanguardas.No meu
para logo mergulhá-la "no anonimato da subjetividadepoética".7 entendimento,esteponto de irresoluçáo- que traz conseqüên-
Adiante voltarei a esteponto, e veremosque talveznão seja ciasgravespare o acabamentoformal dos poemas- é de mui-
isto exatamenteo que ocorre.Por enquanto,observemosque a ta relevânciapara se discutir os modos de representação do su-
tensa oscilaçáoentre subjetividadee obietividadefoi assinalada jeito lírico na poesiâda modernidade.Quando CarlosAlberto
pelos contemporâneos da Paulicéiadesuairada.Já Ronald de de Araújo sugereque Mário é objetivo na sensação, emborasub-
Carvalho, escrevendosobreo livro em 1922, anotava:"Seuim- jetivo na expressão, suâ mâneira de formular o problema lem-
pressionismoé ao mesmo tempo deformadore expressionista".S bra-mea análisefeita por Auerbachdos procedimentosnarrati-
E Carlos Alberto de Araújo, em anigo de Klaxon, desenvolviaa vos de escritorescontemporâneosda Paulicéia:Virginia-Woolf
mesma idéia: "Dissemos que Mário é um objetivo. Mas é um e Proust.Auerbachmostra,em "A meia marrom", que nelesos
objetivo paradoxal,isto é, que toma à cidadeem que vive aqui- recursosdo foco nerrativovisam a objetivar,ao máximo possí-
lo apenasque lhe pode servir.É portanto um objetivo na sense- vel, a reproduçãodos movimentosda consciência,mas o resul-
çáo (recebetudo, embora só guardealgumacoisa),masé um sub- tado final é paradoxalmenteo máximo de subjetivaçãoda nar-
jetivo, se assimpodemos nos explicar,na expressão". E prosse- rativa.O eu quenos fala escaPaem meio a meandrosde pensa-
gue: "Este subjetivismo,aliás,como é natural num livro de se- mentos,senseções, desejos,percepçóes incompletasetc. Ou seja:
paração,de rompimenro enrreo eu que possuíaartificialmente o eu aïtifrcial e uno do século XIX dá lugar a rm eu múltiplo e
e o eu que afinal reconheceuem si mesmo, é um subjetivismo desagregado,de um "subjetivismo exagerado"- 6srns dilix
exagerado".9 CarlosAlberto de Araújo.
Estasobservações sãodo maior interesse,
pois mostramco- Talvezsejaesteo grandeproblemade linguagemda Pauli-
mo os próprios contemporâneossentiama tensãosignificativa céiadesuairada:equilibrar a notação objetiva dos aspectosda ci-
dade modernacom o tumulto de sensaçóes do homem moder-
no, no meio da multidão. Este jogo arriscado,do qual Proust e
7 Luiz Costa Lrma, Lira e antilira (Mtirio, Drumrnond,
Cabral),Rio de Ia- Virginia'Woolf sesaíramtão bem, nem semPre- s para di7sl
neiro, CiviiizaçãoBrasileira,1968. a vedade:muito raremente- 1ç5slvsu-se a favor de Mário nes-
8 Ronald de Carvalho, "Os independentesde SãoPaulo",
artigo de 1922, te primeiro livro. A delicadacristalizaçáodo lirismo, que segundo
republicadoem Brasil:primeirl tem?omodzrnista,op. cit., p. 198-200. Hegelconsistena passegem de toda a objetividadeà subjetivida-
e CarlosAlberto deAraújo, Klaxon,n" 7, nov. 1922,p. I entre a Paulicéiae
3, ediçãofac-simi- de, é perturbadapelo movimento incessante
lar com introduçãode Mário da SilvaBrito, SãoPaulo,Martins ISCET, 1972. o desvairadotrovadorarlequinal.Mas o fato de ter tentadoisso'
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desvairada
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nas im-
"La plaine est morne et morte - et la ville seusolhos enxergam,mas procura em suassensaçóes'
que a ciãadedeixa dentro dele' as marcas que revelem
Telle une bête enorme et taciturne pressóes
"Ins-
Qui bourdonne derrière un mur, i-"g.rr.úrrica e dúplicede ambos'Já no primeiro poema'
" menos como
Le ronflement s'entend, rythmique et dur, pir"ção", percebe-seque Sáo Paulo vai servir-lhe
musaconcreta
Des chaudièreset des meules nocturnes [...]"12 ãbj.,o de ãescriçáoe mais como uma espéciede
No verso"Sio
. Áod.rrr", cuja proximidadedespertao canto'
com clateza
Os "mil dedosprecisose metálicos"desaparecem no título Paulo! comoçáoãe minha vida".'' é possívelnotar
realidadeurba-
de Mário, substituídospor "desvairada",assimseatenuandouma estafusáo:a comoçãodo poetaseidentifìca com a
(funçáo do
das conotaçóes.E embora sejamantida aidéia de movimento na, a exclamaçáo(funçáo do eu) é o mesmovocativo
anormal, desatinado,sentimosdesaparecer a repulsae aumen- ,.rj q,r. a SãoPauloé dirigido, como seapelasse à vinda da musa'
tar a aproximação.A dupla substituiçãotem como efeito prin- A identificaçáoentre o espaçoexterno e a interioridadeé
verãohavia
cipal um sendmentode proximidade.Nomeando e individua- perceptíveldesdea epígrafe("Ondeaté na força do
lizando seuprimeiro motiyo temático,a cidade-Paulicéia,o poeta i.-p.r,"d., de ventose frios de crudelíssimo inverno")' Quesu-
um espaço
sefaz mais ligado a ela;atribuindolhe a seguirseupróprio esta- g.r", po, meio da linguagemantitéticae hiperbólica'
elemen-
do de ânimo, cria uma identidadeentreos dois.Poisquem é que L.t"fori.o, mítico e primordial, lugar onde sedefrontam
digamos'
seencontredesvairado,o eu ou a cidade? tos contrários.No corpo do poema estacontradiçáo'
o traie er-
A vida moderna desvairao poeta,e estetransfereseu des- meteorológicae elementar,é retomada' passandopara
da cidade:
vairismo paraavida moderna.A cidadenão surgeapenascomo lequinal dãpo"," e daí, de novo' Para acaÍ^cterlzação
o "correlato objetivo" (Eliot) dos sentimentosdo eu, pois tais Cinzae ouro"'
Trajedelosangos"'
"Arlequinal!...
sentimentosexistemem funçãoda cidade,de modo que a auto-
Luz e bruma," Forno e inverno morno"'"
descriçãotem de ser também a descriçãoda cidade.Quero di-
dourada
zer que no câsode Mário de Andrade não setrata simplesmente Assim sefundem os dois, o arlequim (cuja roupa
lugar con-
de buscarfora da subjetividadea imagem objetivaque a repre- e cinzenrarefleteluz e bruma, calor e frio) e a cidade,
A dua-
sente(como nos mauspoetas),mas que estesujeito da poesiaé, uaditório onde sedesenvolveum confronto de forças.13
dualidadedos
ele mesmo,formado pela realidadeque cânta,e estátão ligado lidade dascoresque lutam no traje de losangosé a
encontram â mesma
a ela quanto o título geraldos poemasprocura sugerir. elementosque lutam na Paulicéia,e ambos
Insisto nessespormenoresapenaspara destacaro proce- representação simbólica:arlequinal!
dimento que é básico na Paulicéia desuairada:diante da paisa-
gem citadina o poetanão registrasimplesmentea faceexternaque I3 ..Na cidadearlequinal,cuja dualidadecontém a dualidadedo eu, espe-
Miguel'W'isnik'
lhado e revestidopor ela como Por um traje de losangos"'José
de 22' SáoPaulo' Duas Cida-
O corodoscontrários:a rnúsìca€rnturno da Semana
12lbidem,pp. 105-106 des,1977,P. 122.
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livro. "O trovador" (etpour cause...) pareceser o casoextremo quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
de expulsãodos elementosdescritivose de pura expansãodo parecem-me uns macacos' uns macacos'"
sujeito.Apesardisso,note-seque um cerrotom analíticoperma-
necepresenteno poeme, que o eu toma-secomo objeto e fala A identidade(e a fusãosujeito-objeto)é criadano Primei-
diretamentesobresi mesmo.Daí o procedimento,nadasimbo- ro verso,quando a monotonia da multidáo é deslocadae atribuí-
lista, da "referênciadireta ao objeto ao invés de alusõesindire- da àsretinasdo poeta- uma metonímia. Depois vem a trans-
tasao mesmo", como diz Pomorskasobreo acmeísmo;daí, tam- posiçáometafórica:os corteiossão"serpentinasde entesfremen-
bém, o fato de uma poesiatão carregadade subjetividadeper- tes".A seguiro terceiroversorePeteo Primeiro: a multidáo é vista
manecer,no entanto, muito pouco introspectiva. de novo como monotonies (metaforizadasem "Todos os sem-
Quanto a esseúltimo ponto, seriabom insistir um pouco pres") dasretinas(também metaforizadasem "minhas visóes")'
mais. O terceiro poema da Paulicéiadesuairada,mantendo ain- Todas estastransformaçóes Permitem-nosâfirmar que o princí-
da o procedimento básicoda transformaçãometafórica,deixa pio construtivoda linguagem,nestaprimeira estrofe,é a expan-
entrevercom nitidez asesferasdistintasde sujeito e objeto, for- sãodo discurso,por meio da qual o poeta' insistindosemprena
çando a parte de oposiçãoentre ambos,mas mantendo ainda a mesmasignificaçãocentrel,amplia o número de signose busca
identidade. precisarcom maior força expressivaaquilo que desejadizer' O
"Os conrl;os primeiro versojá contém, implícitos, os dois versosseguintes'que
vão apenasexpandi-lo,defini-lo discursivamente: "monotonias
Monotonias das minhas retinas... dasminhas retinas"= "serpentinasde entesfrementes"= "todos
Serpentinasde entes frementes a se desenrolar... os sempresdasminhasvisões".
Todos os sempresdas minhas visões!'Bon giorno, caro.' Estatendênciaà definiçãodiscursivaé uma dascaracterís-
Horríveis as cidades!
ticasformaisda poesiade Mário' A redundânciado significado,
compensadapela multiplicaçáo dos significantes'revelauma in-
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asaslNada de poesia!Nada de alegria!
clinaçãoà explicitaçãoprogressivado sentido;daí um afastamen-
to do modo alusivode dizer e uma aproximaçãoao modo dire-
Oh! os tumultuários das ausências!
Paulicéia-
to, que aliássurgeplenamentenos versosquatro e cinco: "Hor-
a grande boca de mil dentes;
jorros
ríveisascidades!/Vaidadese maisvaidades.'.".
e os dentre a língua trissulca
A nomeaçãodireta elimina a possibilidadede hermetismo
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos,baixos,magros...
subietivistae concretizaa realidadeque se quer descrever'En-
Serpentinasde entes frementes a se desenrolar...
tretanto, emboraa metáforaestejatraduzida,a linguagemcon-
tinua a ser metaforica,a ótica do emitente continue a afetara
Esteshomens de São Paulo, mensageme a tingir o realrepresentado. A Paulicéiasetransfor-
todos iguais e desiguais, ma em "grandebocade mil dentes"(eiscomo setransfiguraram
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camosda perspectivade uma estéticada unidadee do equilíbrio), pâra que hqa civilizaçáo?
tensõesda vida (e da arte) daquelaépoca.É sinal essencialdo Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas
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desvairada
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aPenasesbo-
mo nestepoema bem pode serconsiderada,ainda, como um ou- cos- a tensáodiminui, sutiliza-seem contrastes
triste, o plátano substitui os impermeáveis'
üo sinal do momento histórico. ç.dor, ^ paÍoesorri
dos homens oPõem-se
De outras vezes,entretanto, o dado bem lançado favorece a lo.ra.rr" tem Íazío, as sombraspesadas
final suavizatambém as
o poeta.É o casodo seguintepoema: aoscorpos levesdas moças' A imagem
é chuvisco' Mas este
oporiçá.rt o raio de sol é arisco e a' 3aÍoa
"PRrsecevNo3 náo leva a qualquer penumbrismo sim-
logo i. amortecimentos
pela subjetivi-
Chove? fo"lista tardio. pelo contrário, apesarde marcada
concretude' ePre-
Sorri uma garoacor de cinza, ã"i., linguagem do poema mantém grande
" (a casaKosmos' o
muito triste, como um tristementelongo... ende a Paisagematravesde referênciasdiretas
eo máximo do re-
A casaKosmosnão tem impermeáveisem liquidação... úrgo ao fuãu.h., a Normal) e aproxima-se
cáquiserâamais
Mas nestelargo do Ârouche gi;- .otoq,rial, que na faseseguintedo Lwlngo
possoabrir o meu guarda-chuvaparadoxal, í-porr"rr,. da poesiade Mário' Mas aqui o tableau
já
"onqr'rirr" total
estelírico plátano de rendasmar.. p"ïf,r.*;tt esticompletã e perfe-ito;assimiladode maneira
lírica, o teÍne do movimento cosmopolita en-
i"l" r,rbl.tiuidade o livre
Ali em frente...- Mário, põe a máscara! representaçáona levezade versosque exprimem
"onrr" poeta'
movimento dos sentimentose mediaçõesdo
- Tens razão,minha Loucura,tens razão.
O rei de Tule jogou a taçaao mar...
Os homenspassemencharcados..,
Os reflexosdos vultos curtos
manchamo petitpaué...
As rolasda Normal
esvoaçamentre os dedosda geroa...
(E sepusesseum versode Crisfal
no De Profundis?...)
De repente
um raio de Sol arisco
riscao chuviscoao meio."
O procedimento básico é o mesmo que vimos desde o poe- 17A alusãoa Baudelaireme foi sugeridapor Tableatu berlinois,tesede li-
"A
também pela cópia de seu texto
ma "Inspira$o" e que consiste em desenvolver o jogo de oposi- vre-docênciade \íilli BoÌÌe, a quem agradeço
çóes entre luz e bruma, chuva e sol. Aqui, porém, os harpejos cidadesemnenhumcatáter:leituradePaulicéiadesuairadadeMáriodeAndra-
livro'
harmônicos quese desaparecem, e os versos se tornam melódi- de", análisebenjaminianados Poemasdesse
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