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jurisprudência brasileira
Resumo
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078 de 1990) estipulou, no Art. 6º, VI, que a reparação por danos
morais é direito básico do consumidor. Mais tarde, o Código Civil Brasileiro reafirmou a ilicitude do ato que ocasiona
dano, ainda que exclusivamente moral (Art. 186, CC). Este trabalho investiga a contemporânea prática jurisprudencial
brasileira sobre o tema. Quer-se definir quais são os parâmetros empregados, especialmente em tribunais, para
aceitar e quantificar danos morais perpetrados na constância de relação consumerícia. A partir do estabelecimento
desse quadro geral, fazem-se apreciações sobre a praxe judicial. Investiga-se o cumprimento da função punitivo-
pedagógica do instituto. Avalia-se o argumento que afirma haver, potencialmente, enriquecimento ilícito. Propõem-
se alternativas interpretativas e legislativas.
Palavras-chave: Dano Moral. Direito do consumidor. Indenização. Código de Defesa do Consumidor.
Abstract
Brazil’s Consumer Protection Code (Law 8.078/1990) established that reparations for moral offenses were a basic right
of every customer (article 6, VI). Later on, Brazil’s Civil Code reassured that every act which causes damage is illegal,
including strictly moral injuries (article 186, Brazil’s Civil Code). This article investigates contemporary judicial practice
on the theme. It means to define the parameters that are applied, specially by Courts, when verifying and quantifying
moral injuries registered during a customer-supplier relationship. After showing the state-of-the-art understanding,
critical appraisals are made. The punitive-disciplinary function is studied. Potential allegations of illicit enrichment are
evaluated. Interpretative and legislative alternatives are presented.
Keywords: Moral Injury. Consumer protection. Indemnization. Consumer Protection Code.
Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Internacional pela Uninter. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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E-mail: viniciushsu@hotmail.com
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Introdução
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à pessoa humana, a saber: a vida, a liberdade e a A proteção do consumidor
honra, entre outros. A proteção que se dá a esses é cláusula pétrea
bens primeiros do indivíduo são denominados de
na Constituição
direitos de personalidade” (grifo do autor)2.
Federal de 1988
Nos dizeres de Amaral3:
Direitos de personalidade são direitos subjetivos
que têm por objeto os bens e valores essenciais da
pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual [...]
Caracterizam-se os direitos da personalidade por
serem essenciais, inatos e permanentes, no sentido
de que, sem eles, não se configura a personalidade, A segunda, porque não raro os bens e serviços
nascendo com a pessoa e acompanhando-a por toda
a existência. transacionados entre consumidor e fornecedor
são essenciais para a manutenção de direitos
Quando direitos de personalidade são fundamentais. Por essa razão, a proteção do
afetados por conta de vícios e defeitos constatáveis consumidor é cláusula pétrea na Constituição Federal
em produtos e serviços fornecidos na relação de de 19886. Logo, se defeituosas ou viciadas a prestação
consumo, ocorre o dano moral, a ser amplamente
ou a comercialização, impacta-se, negativamente,
rechaçado pelo ordenamento:
direitos de existência7. Consequentemente, afeta-
Além da autodefesa da personalidade, que todos se o âmago psicológico da pessoa humana, o que
possuímos, o Art. 12 do Código Civil tutela amplamente
o direito geral de personalidade, outorgando os possibilita medidas reparatórias.
meios necessários para que qualquer pessoa, que
esteja na iminência de sofrer um atentado a direito Embora o sofrimento individual não possa
de personalidade, possa fazer cessar a ameaça ou a ser precisamente mensurado, a indenização
lesão e requerer perdas e danos.4
pecuniária é a mais recorrente na jurisprudência.
Ainda: Isso porque o numerário auferido permite ao
lesado acessar bens e serviços que podem
Nos casos em que a execução do atentado tenha
sido instantânea, ou que já tenha produzido efeitos confortá-lo. Ao mesmo tempo, impõe-se obrigação
danosos, a tutela do direito de personalidade violado adicional ao violador, que se vê compelido a evitar
será realizada por intermédio da indenização de dano
moral, independentemente da reparação de dano novas lesões de direito.
patrimonial, quando este coexistir.5 (grifo nosso)
A prática revela que a indenização por
Acertou o legislador ao estipular semelhante danos morais é dirigida, em maciça maioria, ao
direito. A primeira, porque todo dano, ainda que consumidor, cuja vulnerabilidade é presunção
moral, merece a reparação possível, conforme absoluta (Art. 4º, I, CDC). Segundo Marques,
estipulado no Código Civil vigente (Art. 186, CC).
6
SCARPETTA, J.; EFING, A. C. O Direito do Consumidor no Brasil
e a Concretização dos Direitos Humanos. Direitos Humanos e
2
SZANIAWSKI, E. Direitos de Personalidade e sua Tutela. 2. ed. Rev., Democracia, Ijuí, v. 3, n. 6, p. 136-160, jul./dez. 2015.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 72. 7
“Nesta linha, a irrevogabilidade dos direitos fundamentais constitui
3
AMARAL, F. Direito Civil: introdução. 7. ed. Rev., atual. e aum. Rio elemento essencial da democracia na medida em que salvaguarda
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 283-285. os indivíduos e as minorias”, Cf. SERRANO JÚNIOR, O. Introdução
4
Ibid., p. 248. à Contemporânea Teoria dos Direitos Fundamentais. Curitiba:
5
Ibid., p. 251. Juruá, 2010, p. 40.
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este homo oeconomicus et culturalis necessita O Superior Tribunal de Justiça (STJ),
proteção especial, mediante hermenêutica a mais responsável pela interpretação última das leis
favorável possível8. federais, inclusive do Código de Defesa do
Consumidor, assim se posiciona:
o Novo Regime das Relações Contratuais. 6. ed. Rev., atual. e ampl. sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça. A partir do SCON
do STJ, fez-se pesquisa livre empregando as expressões “dano
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 304. moral consumidor”. Na data de confecção deste trabalho (8 de
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tantos outros julgados em que o STJ entendeu possível 4.1.3 Espera moderada em fila do banco
a condenação.
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4.1.5 Cancelamento de voos 4.2.2 Inscrição em serviço de proteção ao
crédito por uso de documentos falsos
aceitos por instituição bancária
Negou-se indenização por danos morais
decorrentes de cancelamento de voo num pacote
de viagem. Alegou o STJ que “A jurisprudência do Se pessoa é inscrita em serviço de proteção
STJ vem evoluindo para permitir que se observe ao crédito por conta de instituição financeira que
o fato concreto e suas circunstâncias, afastando aceitou documentos falsos de terceiro para abrir
o caráter absoluto da presunção de existência de conta-corrente em nome do inocente, possível a
danos morais”, nos termos do REsp 1595145-RO. condenação por danos morais ocasionados pela
instituição financeira (REsp 1199782-PR).
consumidor de crédito.
128
4.2.5 Ação civil pública para danos morais de marca, ainda que pertencente a pessoa jurídica
coletivos (REsp 1535668-SP)
Foi julgada procedente Ação Civil Pública que 5 Análise da Jurisprudência Recente
pediu danos morais coletivos porquanto posto de do Superior Tribunal de Justiça
gasolina oferecia combustível de outras bandeiras que
não a ostentada publicamente (REsp 1487046-MT).
O Superior Tribunal de Justiça padece
de uniformidade em seus julgados. Notam-se
4.2.6 Reparos em veículo automotor novo incoerências.
De início, ressalta-se a Súmula 7 do STJ,
Aceitou-se imposição de indenização a exemplo de jurisprudência defensiva dos tribunais
título de danos morais para consumidor que, após superiores. Afirma que “a pretensão de simples
adquirir carro novo, teve de voltar à concessionária reexame de prova não enseja recurso especial”.
por diversas vezes para realizar reparos (REsp Haveria, em tese, diferença entre o reexame do
1632762-AP). acervo probatório, caracterizado pela análise
profunda dos documentos, depoimentos e demais
4.2.7 Sobrecarga elétrica provas originais11 e a revaloração das provas,
baseada na narrativa dos tribunais inferiores12.
Em verdade, a diferença jurispruden-
Procedente a indenização por danos morais
cialmente delineada inexiste. Os acórdãos dos
por conta de incêndio ocasionado após sobrecarga
tribunais inferiores invariavelmente remetem
elétrica (AgInt no AREsp 915216-BA).
ao acervo probatório produzido pelas partes,
inclusive da parte sucumbente. A definição
4.2.8 Graduação ofertada sem aprovação jurídica do que é narrado nos acórdãos depende,
do MEC fundamentalmente, das provas carreadas aos
autos, uma vez que é impossível a subsunção à
norma sem o delineamento do conjunto fático,
Presente a indenização por danos morais
trazido ao juízo mediante provas. Portanto, alega-
quando a graduação ofertada não era aprovada
se que o Superior Tribunal de Justiça determinou,
pelo Ministério da Educação e Cultura, o que
mediante súmula, que a narrativa dos fatos admitida
determinou realocação do discente em curso que
pelos tribunais inferiores é inquestionável, apenas
não era de seu interesse (REsp 1342571-MG).
possível a reavaliação jurídica dessa narrativa13.
4.2.9 Contrafação 11
Voto de Março Buzzi no AgRg no REsp 1036178 SP 2008/0046369-7.
12
Conforme afirma Felix Fischer: “A revaloração da prova ou de dados
explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido
não implica no vedado reexame do material de conhecimento"
Possível a indenização por danos morais (REsp 683702-RS, grifo nosso).
referentes à contrafação que afete a boa imagem “AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PLANO
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No entanto, como a narrativa dos fatos depende Acórdãos do mesmo Superior
de embasamento proporcionado pelas provas
apresentadas nos autos, qualquer recurso especial,
Tribunal de Justiça pedem
naturalmente insurgente, avaliará o acervo atenção às consequências
probatório. Pedir-se-á, e.g., que determinado do dano ao consumidor
fato – comprovado pelo acervo probatório – seja em vez de preocupar-se
especialmente considerado para aumentar ou com regras genéricas
para reduzir o quantum indenizatório.
A Súmula 7, STJ, em realidade, criou amplo
poder discricionário do Superior Tribunal de
Justiça na escolha dos casos a apreciar. Não são
incomuns os acórdãos nos quais se menciona que sumulado afirma impossível o dano moral por
o recorrente busca simples reexame de provas, conta de anotação irregular em cadastro de crédito,
motivo pelo qual não se adentra o mérito do bastando que tenha havido inscrição preexistente e
recurso. Este, por sua vez, sempre busca, explícita legítima. Acórdãos do mesmo Superior Tribunal de
ou implicitamente, a reavaliação da prova. Justiça pedem atenção às consequências do dano
Assim, quando o Superior Tribunal de Justiça ao consumidor em vez de preocupar-se com regras
aceita reavaliar o quantum de indenização por genéricas. Ao mesmo tempo, o STJ cria normas
danos morais (“quando o valor fixado nas instâncias genéricas para casos similares. Essa discrepância
locais for exorbitante ou ínfimo”, cf. AgRg no AREsp entre o casuísmo e a presunção judicial mereceria
775115-RJ, por exemplo), atropela o conteúdo enfrentamento aberto por parte de tribunal cujo
sumulado, pois reavalia provas indissociáveis da escopo é uniformizar a jurisprudência brasileira no
narrativa do acórdão recorrido. que tangem leis federais.
sim, em razão de fundamentações baseadas em fatos, provas e morais: uma reflexão a partir das Decisões do STJ sobre Relações de
circunstâncias específicas de cada processo. 3. Agravo interno não Consumo Bancárias. Revista Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 175,
provido” (AgInt no REsp 1345421-PE, grifo nosso). jan./jun. 2009.
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médios, a redução experimentada no âmbito do econômicos); iii) fática (uma das partes detém
Superior Tribunal de Justiça é da ordem de 85,95%
monopólio ou forte concentração de mercado,
relativamente à quantia fixada na primeira instância e
de 88,25% em relação à segunda instância a ponto de impor vontades a outros sujeitos);
iv) vulnerabilidade básica dos consumidores.
Diante dessas indefinições, questionam-se, Fala-se em vulnerabilidade agravada ou
portanto, os critérios para que seja determinada hipervulnerabilidade para categorias de pessoas
condenação por danos morais, bem como os desvalidas, como os analfabetos16. Quanto mais
meios para determinação do quantum indenizável. diversas as modalidades de vulnerabilidade
aferidas no caso concreto, maior o dano moral.
6 Critérios para Determinação da Por fim, a hipossuficiência compreendida
Ocorrência como pobreza ou desfavorecimento material17
também deve ser levada em conta no julgamento,
pois o hipossuficiente tende a sofrer mais com
Concorda-se que nem toda violação a direito vícios ou defeitos em bens e serviços, que lhes são,
do consumidor configuraria dano moral. Para que conceitualmente, menos acessíveis do que àqueles
seja configurado casuisticamente, o critério a ser com maior poder aquisitivo.
empregado é, efetivamente, a violação a direito
de personalidade. No entanto, esta, sozinha, é Analisados esses aspectos, seria possível
insuficiente para se afirmar tanto a ocorrência determinar a ocorrência do dano moral.
do dano moral quanto o montante pecuniário Idealmente, ainda, o órgão julgador deve
eventualmente devido. buscar amparo jurisprudencial. Se outros juízos
entenderam que, em casos similares, configurou-
Afastadas presunções, defende-se que o se dano moral, mais sólida a sentença.
julgador deve atentar-se i) à natureza do direito
ofendido; ii) ao grau de vulnerabilidade do
consumidor, polo naturalmente frágil da relação; 7 Quantificação e Função
iii) às consequências de curto, médio e longo prazo Pedagógico-Punitiva
da ofensa; iv) à hipossuficiência.
Quanto à natureza do direito, quanto mais Uma vez estabelecido que a frustração
próximo o bem ou serviço em relação ao direito supera o “mero aborrecimento”, alcança-se
à vida, tão mais grave o fornecimento defeituoso questão não pacificada. Trata-se da quantificação
ou viciado. do dano moral. Enquanto danos materiais tendem
Quanto ao grau de vulnerabilidade do a apresentar extensão bem definida, uma vez que
consumidor, admite-se a classificação exposta em bens materiais têm valor de mercado, a constituição
Marques. A doutrinadora entende que há quatro do quantum derivado de danos morais é tarefa
modalidades distintas15: i) técnica (conhecimentos eivada de obstáculos.
sobre o produto oferecido); ii) jurídica (ou
científica, faltam conhecimentos contábeis ou
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A indenização pecuniária merece aceitação, A função pedagógico-punitiva
pois a oferta de numerário possibilitaria ao ofendido
não se isenta de críticas
acessar bens e serviços que trariam conforto
psicológico. Obviamente, o casuísmo determinará se
o aspecto monetário é a melhor satisfação judicial,
dado que outras providências podem ser tomadas.
A reparação pode realizar-se, a título de exemplo,
mediante nota pública de desagravo. Possível, ainda,
A jurisprudência brasileira acatou a função
que haja cumulação do pedido de desculpas com
pedagógico-punitiva porque, reiteradas vezes, a
indenização pecuniária, o que poderia, inclusive,
condenação por danos materiais e morais não
reduzir o quantum monetário. Nesse aspecto, o
demovia o fornecedor, que continuava a praticar
órgão julgador deve ter em consideração os pedidos
ilícitos consumerícios. Forçar o consumidor a
realizados na exordial.
dispender tempo e recursos financeiros para acionar
De maneira geral, entende-se que a o Judiciário compensava, porquanto as violações em
quantificação do dano moral deve levar em massa não determinavam resposta proporcional.
consideração os mesmos critérios empregados na
Entretanto, a função pedagógico-punitiva
aferição da ocorrência (natureza do direito e sua
não se isenta de críticas. Alega-se que o inchaço da
importância; grau de hipossuficiência do devedor;
condenação pecuniária por danos morais é caso
consequências da violação), mas também i) a
de enriquecimento sem causa19, pois não seria o
possibilidade de se evitar a ofensa; ii) a recorrência
indivíduo ofendido quem deveria receber o valor.
da ofensa tanto contra o ofendido quanto contra
Seria necessário o direcionamento a fundo específico.
os demais consumidores; iii) os esforços ensejados
Além disso, assevera-se que eventuais punições
para reparar o dano.
devem ocorrer nos termos do Direito Administrativo,
Esses dois últimos critérios são relevantes sob atuação de agências reguladoras.
para que o dano moral cumpra a função
Em verdade, a função pedagógico-punitiva
pedagógico-punitiva que se encontra respaldada
não é caso de enriquecimento sem causa. Trata-
jurisprudencialmente. Ilustre-se:
se apenas de um dos critérios utilizados para
A compensação por danos morais, dessa forma, estabelecer o quantum indenizatório do dano
reveste-se também de um aspecto pedagógico-
preventivo, a servir de desestímulo à atividade ilícita
praticada pela recorrida, sobretudo em razão da
presente ou no futuro (lucros cessantes), afetam-se bens imateriais
gravidade das consequências econômicas e sociais
que constituem o patrimônio moral dessa personalidade. Assim,
que dela advêm.18 (REsp 1535668-SP)
possível a indenização por danos morais. No REsp 1637629-PE, a
relatora Nancy Andrighi alega que o dano moral à pessoa jurídica
No caso do REsp 1535668-SP, aliás, a indenização por dano moral
18 é aquele de caráter extrapatrimonial. O TJ-MG (Apelação Cível
foi percebida por pessoa jurídica que teve nome e marca afetados 10035110171200001-MG) afirma que o dano moral contra pessoa
por contrafação/falsificação. Com efeito, para a jurisprudência, jurídica depende de “ofensa à honra objetiva”, “ao conceito de que
nada impede que pessoas jurídicas sofram danos morais. Nesse goza no meio social”, o que denominamos “desprestígio público”.
caso, não se fala de sofrimento psíquico individual, mas em Recorde-se que mesmo a pessoa jurídica pode ser consumidora
desprestígio público. Embora críticos apontem inconsistência, numa relação.
19
pois o dano moral dependeria de frustração psicológica, essa Na redação do Art. 884, Código Civil, “Aquele que, sem justa
teoria tão somente apresenta validade para pessoas naturais. Para causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
pessoas jurídicas, se a lesão não ocorreu contra bens tangíveis no indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.
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moral. Explica-se: se o fornecedor tinha amplas então, pode elevar-se ou reduzir-se a depender da
condições de evitar a ofensa, a vontade de checagem dos critérios supramencionados. Nunca
ocasionar o dano determina sofrimento psíquico haverá perfeita equivalência de casos concretos,
gratuito, desnecessário, o que agrava ainda mais o mas a construção jurisprudencial que compartilha
dano moral. Atos involuntários tendem a ocasionar critérios e que respeita julgados anteriores
menos abalo emocional, pois compreende-se que garante, concomitantemente, igualdade entre
a ilicitude não derivou do desprezo do fornecedor consumidores, segurança jurídica e efetividade da
em relação às necessidades do consumidor. No tutela jurisdicional.
mesmo sentido, se as violações são reiteradas,
o fornecedor demonstra não se importar
com a situação dos vulneráveis, que se veem
8 Resultados
constrangidos a buscar a tutela judicial. Por fim, a
falta de postura ativa para aliviar a situação do lado Nota-se que a jurisprudência do STJ ainda
mais frágil revela desinteresse sobre ocorrência ou sofre de incoerências, especialmente sobre
inocorrência de dano moral, o que ofende ainda a necessidade de criar regras abstratas ou de
mais a personalidade do atingido. Nesse último ater-se ao caso concreto. Faltam critérios bem
aspecto deve ser tomado em conta a necessidade definidos para que se imponha a condenação
de oferecer ação judicial contra o ofensor. do dano moral, bem como para se delimitar o
Quanto a eventuais punições adminis- valor justo. Afirma-se a necessidade de o tribunal
trativas, não se confundem com a função superior, cuja missão é pacificar a interpretação
pedagógico-punitiva do dano moral que, repise-se, do Direito brasileiro, determinar quais são os
é tão somente um conjunto de critérios utilizados critérios de aferição e de imposição do dano
para estabelecer a extensão da ofensa a direitos de moral. Oferecem-se modalidades interpretativas.
personalidade.
Dito isso, ainda que sejam estabelecidos Conclusão
critérios de aferição do quantum, persiste a
dificuldade de mensurar o sofrimento psíquico da
pessoa natural e o desprestígio público da pessoa Direito básico do consumidor, a reparação
moral. Para enfrentar a dificuldade, a solução por danos morais na relação consumerícia
passa pelo respeito ao precedente20. Deve o órgão ainda sofre indefinições a serem enfrentadas.
julgador buscar casos similares nos tribunais para São problemas recorrentemente apontados i)
determinar o valor base21. O montante pecuniário, a determinação da ocorrência do dano moral;
ii) a definição do valor de eventuais reparações
O respeito ao precedente, nos termos dworkinianos do “romance
20
monetárias; iii) a possibilidade de imposição
em cadeia”, garante segurança jurídica e coerência da prestação
jurisdicional. Ainda, cria norma geral que exercerá certa função
de valores por conta do caráter pedagógico-
preventiva contra novos ilícitos consumerícios. Cf. DWORKIN, R. O punitivo; iv) a possibilidade de ocorrência de
Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 276. enriquecimento sem causa; v) a indefinição
Na pesquisa que embasa este artigo, notou-se a frequência de casos
21
jurisprudencial sobre aceitação do casuísmo ou
similares que versavam sobre cadastro de inadimplentes, falta de
cobertura do plano de saúde, falta de cobertura do fornecimento de presunções de dano.
de água, entre outros.
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Ao longo deste trabalho, buscou-se traçar as Juízes de direito devem buscar antecedentes não
linhas gerais do que compreendemos constituir o apenas do tribunal a que se encontram vinculado,
melhor posicionamento. mas dos demais tribunais estaduais. Obviamente,
confere-se preeminência ao STJ, sempre e quando
Estabeleceram-se como critério de aferição
este tribunal cumpra sua missão institucional,
do dano moral i) a natureza do direito violado; ii)
consistente em pacificar posições.
o grau de hipossuficiência do consumidor; iii) as
consequências pessoais da ofensa. Esses critérios Por fim, ressalta-se que o Ministério Público
somam-se iv) à análise da possibilidade de se evitar o tem função relevante a exercer. Dos julgados
ocorrido, v) à reiteração da conduta praticada noutros acima, nota-se que se obteve êxito na estipulação
casos similares, vi) à análise de esforços reparatórios do dano moral coletivo por conta de violação do
extrajudiciais para que, então, seja possível direito do consumidor. A ação coletiva lato sensu
quantificar eventual montante pecuniário oferecido garante economia processual, oferece estabilidade
a título de indenização. Como afirmado, os critérios decisória e, ao mesmo tempo, reconhece
‘iv’, ‘v’ e ‘vi’ prestam-se tão somente à definição do violações que seriam apenas quantificadas nos
quantum debeatur. Juntos, correspondem ao que a casos individuais, porquanto patentes a ofensa a
jurisprudência nacional pacificamente denominou direito(s) de personalidade, a hipossuficiência dos
função pedagógico-punitiva do dano moral. Não consumidores da comunidade e a determinação
se trata de sanção pecuniária. Tem-se, em verdade, de consequências psíquicas.
critérios para ampliar ou para atenuar o quantum
do dano moral. De maneira nenhuma a função
confunde-se com eventuais sanções administrativas.
Sobre a jurisprudência nacional, privilegiou-
se o conjunto de acórdãos mais recentes do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), que detém a
palavra final na interpretação das leis federais,
inclusive o Código de Defesa do Consumidor.
Notou-se inconsistência jurisprudencial nos
requisitos de admissibilidade. Ainda, não se tem
determinado se a adoção das presunções de dano
é alternativa superior ao casuísmo.
Do que foi apresentado, este trabalho
entende que o casuísmo deve ser aplicado, dado
que não engessa a jurisprudência. Ao mesmo
tempo, defende que critérios simultâneos sejam
adotados pelos juízos brasileiros. Estes podem ser
definidos em lei ou acordados a partir de decisium
do STJ. O respeito ao julgamento precedente
garante, conforme já advertido em Dworkin,
respeito à segurança jurídica e à coerência decisória.
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Referências
AMARAL, F. Direito civil: introdução. 7. ed. Rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2008
ANTUNES, J. C. de A. A previsibilidade nas condenações por danos morais: uma reflexão a partir das decisões do
STJ sobre relações de consumo bancárias. Revista Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 169-184, jan./jun. 2009.
DWORKIN, R. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o Novo Regime das Relações Contratuais.
6. ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
SCARPETTA, J.; EFING, A. C. O Direito do Consumidor no Brasil e a Concretização dos Direitos Humanos.
Direitos Humanos e Democracia, Ijuí, v. 3, n. 6, p. 136-160, jul./dez. 2015.
SERRANO JÚNIOR, O. Introdução à contemporânea teoria dos direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2010.
SZANIAWSKI, E. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
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