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, Torino
Título original:
Storia notturna
Una decifrazione dei sabba
Capa:
João Baptista da Costa Aguiar
sobre O sabä das bruxas (1819-20),
de Francisco José Goya y Lucientes
Preparação:
Mdrio Vilela
índices de nomes e lugares:
Maria Iraê de Souza
Revisão:
Carmen S. Costa
Maria Amélia Dalsenler
1991
Editora Schwarcz Ltda.
Rua Tupi, 522
01233-São Paulo-SP
Telefone: (011)826-1822
Fax:(011)826-5523
INTRODUÇÃO
das pesquisas sobre feitiçaria surgidas nos vinte anos que se seguiram.
Trata-se de uma apresentação de caráter geral, que busca traçar as
linhas fundamentais da perseguição á bruxaria no âmbito europeu,
descartando de maneira desdenhosa a possibilidade de utilizar a con-
tribuição dos antropólogos. Limitação do campo de pesquisa e apelo às
ciências sociais caracterizam, ao contrário, investigações mais recen-
tes, como a de A. Macfarlane sobre a feitiçaria em Essex (Witchcraft
in Tudor and Stuart England, 1970), apresentada por E. Evans-Prit-
chard. Associando-se ao célebre livro desse último sobre a feitiçaria
entre os azandes, Macfarlane declarava que não havia se perguntado
"por que as pessoas acreditavam em feitiçaria", mas sim "de que
modo a bruxaria funcionava, numa situação caracterizada por deter-
minadas atitudes de fundo sobre a natureza do mal, os tipos de causa-
v
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5. O direcionamento e os limites da pesquisa de Macfarlane são
tipicos de uma historiografia muito influenciada pelo funcionalismo
antropológico e, por isso, substancialmente não interessada — até há
bem pouco — na dimensão simbólica das crenças. Também a sólida
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lise sistemática desses elementos não teria lançado alguma luz sobre
as crenças na bruxaria por parte dos feiticeiros e bruxas (reais ou
imaginários)?
Uma crítica cerrada ao reducionismo psicológico e ao funciona-
lismo sociológico de Religion and the decline of magic foi formulada
por H. Geertz. Ao responder, Thomas admitiu ter sido menos sen-
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cativo que sua escolha tenha recaído sobre o sabá. Igualmente signi-
ficativo é o fato de ter sido descartada de maneira tácita a possibilidade
de, pelo menos em parte, alcançar por meio do sabá as "estruturas
mentais invisíveis'' da magia popular. Sem dúvida, o sabá é revelador
— mas revelador de um estrato cultural "menos inacessível": o da
sociedade circunstante. Por intermédio do simbolismo do sabá, essa so-
ciedade formulava em negativo os próprios valores. A escuridão que
envolvia os encontros das bruxas e feiticeiros exprimia uma exalta-
ção da luz; a explosão da sexualidade feminina nas orgias diabólicas,
uma exortação á castidade; as metamorfoses animalescas, uma fron-
teira claramente traçada entre o animal e o humano.
Essa interpretação do sabá em termos de reviravolta simbólica
é, sem dúvida, plausível; todavia, conforme admitido pelo próprio
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tece que, não obstante essa filtragem preventiva das fontes, Kieck-
hefer depara com um documento como as sentenças proferidas no
final do século XIV contra duas mulheres de Milão que haviam con-
fessado encontros periódicos com uma "senhora" misteriosa: ' W
dona Horiente". Aqui, não se trata de tradições folclóricas tardias,
nem de texto literário, nem de crenças consideradas estranhas á feiti-
çaria (as duas mulheres foram condenadas exatamente por bruxaria).
Kieckhefer escapa pela tangente ao afirmar, com evidente embaraço,
que os dois casos não cabem na categoria do malefício nem na do sabá
propriamente dito (typical diabolism): num acesso passageiro de
"murrayismo", ele interpreta como descrições de ritos ou festas
populares os encontros de "madona Horiente", sem captar o evi-
dente parentesco, percebido de imediato pelos inquisidores, entre essa
figura e a multiforme divindade feminina (Diana, Holda, Perchta...)
que povoava as visões das mulheres mencionadas pela tradição cano-
nista. Documentos como esses contradizem de forma evidente a
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mente, isso não deve ser buscado nos dois primeiros pontos em que,
como foi visto, aquela tese se articula. É sintomático que, na tentativa
de sustentar a realidade dos eventos mencionados nas descrições do
sabá, Murray fosse obrigada a silenciar sobre os elementos mais em-
baraçantes — o vôo noturno, as transformações em animais —, recor-
rendo a cortes que se configuravam como autênticas manipulações
textuais. Por certo, não se pode excluir em absoluto a possibilidade
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Cohn, ou seja, que "as experiências dos benandanti [...] eram todas
de tipo extático [trance experiences\' e constituíam "uma variante
local do que havia sido, séculos antes, a experiência comum dos se-
quazes de Diana, Herodíade e Holda", deve ser endereçada a Russell
e, em parte, a Midelfort. A mim parece bastante aceitável — mesmo
porque coincide quase literalmente com o que eu escrevera no livro.39
propõe uma definição que pode ser tudo exceto neutra. Numa socie-
dade atravessada por conflitos (ou seja, presumivelmente, qualquer
sociedade), o que é mal para um indivíduo pode ser considerado um
bem por seu inimigo; quem decide o que é o "mal"? Quem decidia,
quando as bruxas eram caçadas na Europa, que determinados indi-
víduos eram "feiticeiras" ou "bruxos"? A identificação desses in-
divíduos era sempre o resultado de uma relação de força, tanto mais efi-
caz quanto mais seus resultados se difundiam de maneira capilar. Me-
diante a introjeção (parcial ou total, lenta ou imediata, violenta ou
aparentemente espontânea) do estereótipo hostil proposto pelos per-
seguidores, as vítimas acabavam perdendo a própria identidade cul-
tural. Quem não quiser limitar-se a registrar os resultados dessa vio-
lência histórica deve atribuir maior importância aos raros casos em
que a documentação tem caráter dialógico não apenas do ponto de
vista formal — isto é, em que sejam identificáveis fragmentos (relativa-
mente imunes a deformações) da cultura que a perseguição se propu-
nha cancelar. 52
não se chocavam apenas duas culturas, mas também dois tempos radi-
calmente heterogêneos.
Durante anos, partindo da documentação a respeito dos benan-
danti, procurei aproximar — tendo por base afinidades puramente
formais — depoimentos sobre mitos, crenças e ritos, sem ter a preo-
cupação de inseri-los em alguma espécie de moldura histórica plausí-
vel. A natureza das afinidades que eu confusamente andava procu-
rando só a posteriori se esclareceu para mim. Nessa andança, encon-
trei, além das esplêndidas páginas de Jakob Grimm, as pesquisas de
W. H. Roscher, M. P. Nilsson, S. Luria, V. Propp, K. Meuli, R.
Bleichsteiner — para citar apenas alguns nomes de uma longa lista.
Muitas vezes, estudos realizados de maneira independente acabavam
convergindo. Pouco a pouco, delineou-se uma constelação de fenô-
menos assaz compacta do ponto de vista morfológico e bem hetero-
gênea do ponto de vista cronológico, espacial e cultural. Parecia-me
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que os mitos e os ritos que recolhera desenhavam um contexto sim-
bólico no interior do qual os elementos folclóricos inscrustados no
estereótipo do sabá resultavam menos indecifráveis. Todavia, periodi-
camente surgia a dúvida de estar acumulando dados destituídos de
sentido, buscando analogias irrelevantes.
Só com a pesquisa já bem adiantada encontrei, na base de ten-
tativas, a justificação teórica do que andara fazendo durante anos.
Ela está contida em algumas daquelas reflexões extremamente densas
que Wittgenstein fez a respeito do Ramo de ouro de Frazer: ' 'A expli-
cação histórica, a explicação como hipótese de desenvolvimento é
apenas um modo de coletar os dados — a sua sinopse. É igualmente
possível ver os dados em sua relação recíproca e resumi-los numa
imagem geral que não tenha a forma de um encadeamento cronoló-
gico". Essa "representação clara [übersichtliche DarstellungW ob-
servava Wittgenstein, "perpassa a compreensão, que consiste justa-
mente em 'ver as conexões'. Daí a importância de encontrar elos
intermediários ", 58
35
20. Há muito tempo, eu me propusera a demonstrar experi-
mentalmente, de um ponto de vista histórico, a inexistência da natu-
reza humana; 25 anos depois, acabei por sustentar uma tese exata-
mente oposta. Como veremos, a partir de certo ponto a pesquisa se
transformou em reflexão — conduzida por meio do exame de um caso
talvez extremo — sobre os limites do conhecimento histórico.
Antes de mais nada, porém, estou bem consciente dos limites
de meus conhecimentos. Para que se fizessem mais graves, contri-
buiu a decisão de trabalhar numa perspectiva ao mesmo tempo dia-
crônica e comparada. Isso tornava obviamente impossível uma am-
pliação da investigação do "campo da mitologia para o conjunto das
informações que dizem respeito a todos os registros da vida social,
espiritual e material do grupo humano considerado" . Em termos de
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37
NOTAS
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INTRODUÇÃO (pp. 9-37)
(1) Cf. J. Hansen, Quellen und Untersuchungen zur Geschichte des Hexen-
wahns und des Hexenverfolgung im Mittelalter, Bonn, 1901, índice (no verbete
"Hexensabbat"). Sobre sabbat, cf. P.-F. Fournier, "Etymologie de sabbat 'réunion
rituelle de sorciers' " , in Bibliothique de 1'Ècole des Charles, CXXXIX (1981),
pp. 247-9 (assinalado por Alfredo Stussi), que supõe uma conexão com o dia de des-
canso dos judeus, a qual teria reanimado uma ligação com ensabatés, isto é, valdenses.
(A esse respeito acrescente-se S. J. Honnorat, Vocabulaire français-provençal, Digne,
1846-7, verbete "Sabatatz, ensabatz"). A reconstrução proposta mais adiante (parte 1,
cap. 2) permite pensar que os dois elementos tenham podido reforçar-se reciproca-
mente. Um dos primeiros escritos demonológicos em que aparece o termo, no plural
(sabbatha), é o diálogo de L. Daneau, várias vezes publicado e traduzido em francês,
alemão, inglês (De veneficis, quos vulgo sortiarios vocant..., Frankfurt a. M., 1581,
p. 242). O termo synagoga, utilizado contemporaneamente também com relação aos
encontros dos hereges, acha-se muito difundido na linguagem dos juízes e dos inqui-
sidores até fins do século XVI (cf., por exemplo, E. W. Monter, Witchcraft in France
and Switzerland, Ithaca e Londres, 1976, pp. 56-7). No âmbito alemão, encontra-se
Hexentanz: cf. H. C. E. Midelfort, Witch-hunting in southwestern Germany, 1562-
1584, Stanford (Cal.), 1972, p. 248, nota 92. Striaz, italianizado como striazzo ou stre-
gozzo (título, esse último, de uma famosa gravura de Agostino Veneziano), é recor-
rente nos processos de Módena. Sobre barlòtt, vide o verbete homônimo no Vocabo-
lario dei dialetti delia Svizzera italiana, II, pp. 205-9, muito acurado mas discutível nas
conclusões (vide acima, p. 87). Akelarre é termo basco, de akerra, bode (forma que
assumia o demônio nos encontros noturnos): cf. J. Caro Baroja, Brujerla Vasca ("Es-
túdios Vascos'', V), San Sebastiin, 1980, p. 79. Em algumas zonas bascas, a expressão
é desconhecida dos inquisidores: cf. G. Henningsen, The witches' advocate. Basque
witchcraft and the Spanish Inquisition, Reno (Nev.), 1980,p. 128.
(2) Vejam-se, por exemplo, as passagens de M. del Rio por mim citadas in
I benandanti. Stregoneria e culti agrari tra Cinquecento e Seicento, Turim, 1974 , 3
pp. 8, nota 2, e 34, nota 3 [trad, bras.: Os andarilhos do bem: Feitiçarias e cultos
agrários nos séculos XVIe XVII, Companhia das Letras, 1988].
(3) Cf. A. Macfarlane, Witchcraft in Tudor and Stuart England, Londres,
1970, pp. 58 e 139.
(4) Cf. K. Thomas, "L'importanza dell'antropologia per lo studio della stre-
goneria inglese", in La stregoneria, org. por M. Douglas, trad, it., Turim, 1980,
p. 83.
(5) Cf. A. Momigliano, "Linee per una valutazione della historiografia del
quindicennio 1961-1975", in Rivista Storica Italiana, LXXXIX (1977), p. 5%.
(6) Cf. H. R. Trevor-Roper, Protestantesimo e trasformazione sociale, trad,
it., Bari, 1969, pp. 145, 149 e 160 (do ensaio "La caccia alle streghe in Europe nel
Cinquecento e nel Seicento"; modifico ligeiramente a tradução); do mesmo autor,
The European witch-craze of the 16th and 17th centuries, Londres, 1969 , p. 9.
2
(7) Ibid.
(8) Cf. L. Stone, "Magic, religion and reason", in The past and the present,
especialmente pp. 165-7.
(9) Cf. Macfarlane, Witchcraft cit., p. 11.
(10) Ibid., p. 10.
(11) Ibid., p. 139.
268
(12) Ibid., pp. 26-7 e 58. Para a comparação antropológica, cf. pp. 11-2 e 211 ss.
(13) Cf. J. Obelkevich, "Past and Present. Marxisme et histoire en Grande
Bretagne depuis la guerre' ', in Le Débat, 17 de dezembro de 1981, pp. 101-2.
(14) Cf. K. Thomas, Religion and the decline of magic, Londres, 1971, p. 469
(trad, bras.: Religião e o declínio da magia, Sâo Paulo, Companhia das Letras, 1991.)
(15) Cf. ibid., p. 518 (trad. it. cit., p. 568).
(16) Cf. H. Geertz, " A n anthropology of religion and magic", in The Journal
of Interdisciplinary History, VI (1975), pp. 71-89.
(17) Cf. E. P. Thompson, "L'antropologia e la disciplina del contesto sto-
rico", in Societdpatrizia e culturaplebea, trad, it., Turim, 1981, pp. 267-9.
(18) Cf. K. Thomas, " A n anthropology of religion and magic. II", in The
Journal ofInterdisciplinary History, VI (1975), pp. 91-109, especialmente p. 106.
(19) Ibid., p. 108.
(20) Cf. S. Clark, "Inversion, misrule and the meaning of witchcraft", in Past
and Present, 87 (maio de 1980), pp. 98-127.
(21) Cf. Thomas, " A n anthropology" cit., pp. 103-4.
(22) Cf. Kieckhefer, European witch-trials, their foundations and learned cul-
ture, 1300-1500, Berkeley (Cal.), 1976, pp. 8 e 27 ss.
(23) O termo diabolism parece pouco feliz, pois, como veremos, o diabo cons-
titui um dos elementos impostos pelos juizes sobre um estrato de crenças preexistentes.
(24) Ibid., pp. 39-40.
(25) Ibid., pp. 21-2.
(26) A ausência dos judeus na parte medieval da reconstrução de Cohn (exce-
tuando-se uma remissão na introdução a J. Trachtenberg, The devil and the jews,
Nova York, 1943; e outra referência na p. 261, nota) é notável, sobretudo porque ele
próprio, em livro precedente, cruzara por um momento a trajetória que trato de deli-
near: cf. Licenza per un genocídio, trad, it., Turim, 1969, p. 211. Talvez Cohn tenha
sido induzido a pôr em primeiro plano a conexão hereges-bruxas (que, afinal de contas,
considero secundária) em razão de sua polêmica com J. B. Russell. Este lera as fontes
controvertidas, incluindo as mais estereotipadas, como descrições objetivas de uma
suposta transformação, no decorrer dos séculos, dos hereges em feiticeiros; Cohn re-
chaçou, com razão, essa interpretação, mas ficou enredado na mesma série documental
(cf. J. B. Russell, Witchcraft in the Middle Ages, Ithaca (N. Y.), 1972, pp. 86 ss.,
especialmente pp. 93, 140-2 etc.; Cohn, Europe's cit., pp. 121-3).
(27) Ibid., p. 228.
(28) Ibid., pp. 220ss.
(29) Ibid., pp. 107ss.
(30) Ibid., pp. 107-8.
(31) Cf., por exemplo, ibid., pp. 108 ss.; Henningsen, The witches' advocate
cit., pp. 70 ss.; C. Lamer, Witchcraft and religion. The politics of popular belief,
Oxford, 1985, pp. 47-8.
(32) Cf. Thomas, Religion cit., pp. 514-7.
(33) Cf. Ibenandanti cit., pp. IX-XII; vide também Henningsen, The witches'
advocate cit., p. 440, nota 14, que distingue da galeria de sequazes das fantasiosas
teorias de Murray alguns estudiosos ' ' mais sérios ' ', dentre os quais o abaixo assinado.
Sobre as objeções a mim dirigidas por N. Cohn, vide adiante, nota 39. Quem adere ás
avaliações feitas por mim das pesquisas de Murray é E. Le Roy Ladurie, La sorcière de
Jasmin, Paris, 1983, pp. 13 ss.
269
(34) Cf. a exaustiva demonstração de Cohn, Europe's cit., pp. 111-5.
(35) Cf. M. A. Murray, The witch-cult in western Europe, Oxford, 1962 , 2
fazem parte de um único projeto: cf. de minha autoria, "Présomptions" cit., pp.
347-8. Problemas análogos foram enfrentados independentemente, em outro âmbito
disciplinar, por A. Leroi-Gourhan, Documents pour l'art comparé de l'Eurasie sep-
tentrionale, Paris, 1943 (cf., por exemplo, p. 90); trata-se de pesquisas já publicadas
em 1937-42.
(63) Cf. o prefácio de Miti cit.
(64) Para essa noção, remeto ao ensaio muito importante de R. Needham,
"Polythetic classification", in Man, n.s., 10(1975), pp. 349-69.
(65) Cf. M. Detienne, Dioniso e la pantera profumata, trad. it., Bari, 1983,
pp. 49-50; J.-P. Vernant, "Religione greca, religioni antiche" (é a aula inaugural dada
no Collège de France em 1975), in Mito e société nell'antica Grécia, trad. it., Turim,
1981, p. 265. Vide também, do mesmo autor, as objeções a G. S. Kirk (que, contudo,
parecem referir-se mais ás posições de W. Burkert) in II mito greco..., org. por
B. Gentili e G. Paione, Roma, 1977, p. 400. A discussão com Burkert é retomada mais
amplamente in M. Detienne e J.-P. Vernant, La cuisine du sacrifice en pays grec,
Paris, 1979, passim.
(66) R. Jakobson, em página muito bonita (Autoritratto di un linguista, trad.
it., Bolonha, 1987, p. 32), citou uma frase de Braque: "Não acredito nas coisas, creio
nas relações entre elas " . Em sentido análogo, Lévi-Strauss falou de ' ' revolução coper-
nicana" induzida nas ciências humanas pela lingüística estrutural (cf. Le regard éloi-
gné, Paris, 1983, p. 12; trad. it.: Turim, 1984).
(67) Sobre a interpretação do mito proposta por Jung, vide as irretorquiveis
observações críticas de Vernant, Mito e société cit., pp. 229-30. Da noção junguiana de
arquétipo M. Eliade se dissociou somente no prefácio da tradução inglesa de seu Le
mythe de l'éternel retour (Cosmos andhistory. Nova York, 1959, pp. VIII-IX). An-
tes, a ela recorrera amplamente: cf., por exemplo, Trattato di storia dette religioni,
trad. it., Turim, 1954, pp. 39, 41, 408, 422 etc. (vide também as observações críticas
de E. De Martino, introdução, p. IX).
(68) Cf. Vernant, Mito e società cit., p. 265; Detienne, Dioniso cit., p. XI:
"Tal interpretação deve não só ser económica e coerente mas também ter ainda valor
heurístico, evidenciar relações entre elementos antes estranhos ou dar novo corte a
informações comprovadas explicitamente, mas inscritas alhures, no mesmo sistema de
pensamento e no interior da mesma cultura " (meu grifo).
(69) Cf. Vernant, Mito e società cit., pp. 223-4; Detienne, Dioniso cit., p. XI,
que fala de ' ' dedução sistemática ' '.
(70) Cf. Vernant, Mito e società cit., pp. 249-50. A solução cautelosamente
perspectivada (' 'A resposta talvez consistisse em mostrar que nem na pesquisa histó-
rica nem na análise sincrõnica encontram-se elementos isolados, mas sempre estru-
turas, ligadas de modo mais ou menos forte a outras [...]") converge para as posiçOes
de R. Jakobson que inspiraram, também, esta pesquisa.
(71) Cf. o ensaio "La formazione dei pensiero positivo nella Grécia arcaica"
272
(1957), in J.-P. Vernant, Mito epensieropresso i Greci, trad. it., Turim, 1970 (sobre-
tudo pp. 261 ss.).
(72) A inspiração duméziliana é particularmente evidente no ensaio "Il mito
esiodeo delle razze" (cf. Mito e pensiero cit., de modo especial p. 34). Para uma
avaliação sintética da contribuição de Dumézil, cf. Vernant, "Ragioni dei mito" (in
Mito e societi cit., pp. 235-7), e Detienne, Dioniso cit., pp. 8-9. Na introdução a Mito
epensiero cit., B. Bravo sublinha (p. XVI) que a atitude de Vernant " é sempre impli-
citamente, e is vezes explicitamente, 'comparativa' " . Sobre esse ponto, vide Reii-
gionegreca cit.
(73) Cf. Detienne, Dioniso cit., pp. 8-9.
(74) J. Starobinski propôs sugestivamente que a escolha de Saussure a favor da
sincronia tenha sido provocada pelas "dificuldades encontradas na exploração da dia-
cronia prolongada da lenda e na breve da composição anagramática" (Le parole sotto le
parole. Gli anagrammi di Ferdinand de Saussure, trad. it., Gênova, 1982, pp. 6-7).
(75) Cf. G. Mounin, "Lévi-Strauss' use of linguistics", in The unconscious
as culture, org. por I. Rossi, Nova York, 1974, pp. 31-52; C. Calame, "Philologie et
anthropologie structurale. À propos d'un livre récent d'Angelo Brelich", in Qua-
demi Urbinati, D (1971), pp. 7-47.
(76) Cf. Detienne, Dioniso cit., p. II.
(77) C. Lévi-Strauss tem opinião diferente (// crudo e il cotto cit., pp. 21-2).
É verdade que, em outro texto (Anthropologie structurale, Paris, 1958, p. 242; trad.
it.: Milão, 1966), sustentou que todas as versOes de um mito pertencem ao mito; no
máximo, porém, isso elimina a questão da autenticidade, não a da completude.
(78) Vide adiante, parte 3, cap. 2.
(79) Num ensaio de 1975, M. I. Finley polemizava em nome da diacronia só
com antropólogos ("L'antropologia e i classici", in Uso e abuso delia storia, trad. it.,
Turim, 1981, pp. 149-76, de modo especial p. 160). O adensamento das relações entre
a história e a antropologia complicou o quadro: ao lado de historiadores que afirmam
a superioridade de uma impostação sincrônica, encontramos antropólogos que reivin-
dicam para as próprias pesquisas a utilidade de uma perspectiva diacrônica (cf. B. S.
Cohn, "Towarda rapproachment", in The new history. The 1980s andbeyond, org.
por T. K. Rabb e R. J. Rothberg, Princeton (N. J.), 1982, pp. 227-52). Sobre a compa-
tibilidade entre perspectiva histórica e perspectiva sincrônica, cf. G. C. Lepschy, Muta-
nt enti di prospettiva nella linguistica, Bolonha, 1981, pp. 10-1.
(80) Cf. Ivanov, Lotman et alii, Tesi sullo studio semiotico delia cultura, trad.
it., Parma, 1980, pp. 50-1 (vide também pp. 51-2: "uma abordagem tipológica ampla
elimina o caráter absoluto da oposição de sincronia e diacronia").
(81) Cf., por exemplo, R. Jakobson, "Antropologi e linguisti" (1953), in
Saggi di linguistica generale, trad. it., Milão, 1966, pp. 15-6; id., Magia delia parola,
org. por K. Pomorska, trad. it., Bari, 1980, pp. 56-7. A retomada de categorias de
Jakobson por parte de Lotman é sublinhada por D. S. Avalle na introdução á coletânea
de textos por ele organizada, La cultura nella tradizione russa dei XIX e XX secolo,
Turim, 1982, pp. 11-2.
(82) Cf. Jakobson, Magia cit., pp. 13-4, com remissão aos estudos de P. G.
Bogatyrëv sobre o folclore ucraniano. A frase que vem logo a seguir — "E, afinal,
encontrou singular reabilitação a concepção romântica do folclore como criação cole-
tiva" — alude ao ensaio escrito por Jakobson com o mesmo Bogatyrëv, "Il folklore
come forma di creazione autónoma" (1929) (traduzido in Strumenti Critici, I, 1967,
pp. 223-40).
213
(83) Cf. J.-C. Schmitt, "Les traditions folkloriques dans la culture médiévale.
Quelques refléxions de méthode", in Archives de Sciences Sociales des Religions, 52
(1981), pp. 5-20, especialmente pp. 7-10 (trad. it.: Religione, folklore e societâ nell'
Occidente medievale, Bari, 1988, pp. 28-49), a propósito de Bertolotti, "Le ossa e la
pelle dei buoi" cit. (vide acima, nota 45), criticado por causa de seus excessos diacrô-
nicos.
(84) Cf. C. Lévi-Strauss, "Histoire et ethnologie" (1949), in Anthropologie
structurale cit., pp. 3-33 (a citação de Marx e a remissão a Le problème de l'incroyance
de L. Febvre estão ambas na p. 31).
(85) Cf. C. Lévi-Strauss, "Elogio dell'antropologia" (1959), in Antropologia
strutturale due, trad. it., Milão, 1978, pp. 56 ss.; id., "De Chrétien de Troyes à Ri-
chard Wagner" (1975), in Le regard éloigné cit., Paris, 1983, pp. 301 ss. (trad. it.:
Turim, 1984); id., "Le Graal en Amérique" (1973-4), in Paroles données, Paris,
1984, pp. 129ss.;id., "Hérodoteen mer de Chine", in Poikilia. Etudes offerts d Jean-
Pierre Venant, Paris, 1987, pp. 25-32.
(86) Id., "Histoire et ethnologie", in Annales E. S. C., 38(1983), pp. 1217-31
(a passagem está na p. 1227). Para uma visão das discussões em curso sobre a cladistica,
cf. D. L. Hull, "Cladistic theory: hypotheses that blur and grow", in Cladistics:pers-
pectives on the reconstruction of evolutionary history, org. por T. Duncan e T. F.
Suessy, Nova York, 1984, pp. 5-23 (com bibliografia).
(87) Para mim, esse ponto ficou claro no decurso de longa conversa com Ri-
chard Trexler (outono de 1982); aproveito para agradecer-lhe.
(88) Cf. Detienne, Dioniso cit., p. 13.
(89) Cf. E. Benveniste, Il vocabolario delle istituzioni indoeuropee, trad. it.,
Turim, 1976,1, p. 7. A organizadora da edição italiana, M. Liborio, destaca (pp. XIII-
XIV) da ültima frase a implícita polêmica com o "maniqueísmo saussuriano". Essa
passagem integra a outra, também extraída do prefácio do Vocabulario Ç ' A diacronia é
então restabelecida na própria legitimidade enquanto sucessão de sincronias"), que
J.-P. Vernant citou estendendo-a a um âmbito extralingiiistico (cf. Nascita di imma-
gini, trad. it., Milão, 1982, p. 110, nota 1).
(90) Cf. Benveniste, II vocabolario cit., I, p. 31.
(91) Cf. E. Le Roy Ladurie, Montaillou, village occitan de 1294 à 1314, Paris,
1975, p. 601; vide também A. Prosperi, "Premessa" a I vivi e i morti, in Quaderni
Storici, 50 (agosto de 1982), pp. 391-410.
PARTE I