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MITOS E VERDADES SOBRE O ABA NO TRATAMENTO DO TEA –

Parte 2
Por Juliana Fialho - 23 jul. 2018

Este artigo dá continuidade ao “Mitos e verdades sobre o ABA no tratamento do TEA – Parte 1”, citando mais 2
mitos que são comumente falados e considerados como verdades acerca do ABA (Applied Behavior Analysis –
Análise do Comportamento Aplicada) no tratamento do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e, com base
na teoria e nas pesquisas em Análise do Comportamento, explicando porque são mitos e quais as verdades
sobre o assunto.

MITO 4 – As técnicas utilizadas robotizam a criança:

Segundo Baer, Wolf e Risley (1968) o significado do nome Análise do Comportamento Aplicada pode ser
explicado da seguinte forma: “Aplicada”quer dizer que o comportamento estudado é escolhido pela sua
importância social ou para o indivíduo; “Comportamental” é relativo ao objeto de estudo da Análise do
Comportamento, ou seja, o comportamento,que permite medições precisas e confiáveis; e “Analítico” significa
que podemos demonstrar que os procedimentos de intervenção que utilizamos foram responsáveis pela
alteração comportamental.

Baer, Wolf e Risley (1968) descrevem, ainda,outros termos importantes que definem o ABA: Eficácia, ou seja, ter
como objetivo a mudança de qualidade de vida com a aquisição de repertório adaptativo socialmente;
Generalização, que consiste na manutenção do repertório adquirido no tempo, com diferentes pessoas e em
diferentes ambientes; Tecnológico,isto é,que garante a descrição precisa de procedimentos derivados dos
conceitos e da análise experimental do comportamento.

Assim, o Analista do Comportamento Aplicado, comprometido com a Ciência Comportamental, deve,


invariavelmente: 1) Definir as classes de respostas a serem instaladas ou mantidas e aquelas a serem
minimizadas; 2) Observar e registrar os comportamentos de interesse; 3) Estabelecer a linha de base de cada
comportamento, ou seja, sua ocorrência antes da intervenção; 4) Estabelecer as metas comportamentais a
serem cumpridas; 5) Escolher os procedimentos a serem utilizados; 6) Avaliar constantemente a intervenção
proposta para verificar se os procedimentos estão dando os resultados esperados; e 7) Programar a
generalização, garantindo intervenção em outros ambientes, com outras pessoas e outros estímulos. (Baer, Wolf
eRisley,1968/1987).

Com base nestes pressupostos, os objetivos do Analista do Comportamento na intervenção com Autismo são:
1) Ensinar a comunidade (pais, médicos, professores) a olhar além das “falhas do desenvolvimento infantil”, para
a história de aprendizagem que não modelou repertórios adaptativos; 2) Analisar a história de aprendizagem
considerando algumas causas passadas nos 3 níveis de determinação do comportamento:Filogênese,
Ontogênese e Cultura; 3) Manipular variáveis presentes no ambiente atual (ANTECEDENTES e CONSEQUENTES),
de modo a modificar as determinações no nível ontogenético e cultural; 4) Planejar a generalização entre a)
ambientes, ou seja, planejar estímulos nos ambientes naturais que evoquem ou facilitem a emissão das
respostas aprendidas no ambiente terapêutico, b) entre pessoas, isto é,orientar e treinar familiares e
profissionais do convívio da criança para que estes estimulem a emissão de respostas aprendidas com o
terapeuta e c) entre estímulos,variando as dimensões de estímulos utilizadas no ensino, para que a criança não
aprenda a responder de forma restrita, ou seja, somente aos estímulos utilizados na terapia.
Uma intervenção ABA que garanta a manutenção dos pressupostos descritos acima não “robotiza” a criança.
Mas, infelizmente, sabemos que, como já foi dito em “Mitos e verdades sobre o ABA no tratamento do TEA –
Parte 1”, há um número grande de profissionais que se dizem Analistas do Comportamento, mas não estão
ligados às bases filosóficas e experimentais desta abordagem, são apenas reprodutores de técnicas e, estes
sim, podem estar “robotizando” as crianças.

MITO 5 – “O Behaviorismo ignora a consciência, os sentimentos e os estados mentais.” (Skinner, 1974, pg. 7):

Segundo Skinner (1974),“Uma pequena parte do universo está contida dentro da pele de cada um de nós. Não há
razão de ela dever ter uma condição física especial por estar situada dentro desses limites, e eventualmente
haveremos de ter uma descrição completa dela, descrição que nos será fornecida pela Anatomia e pela Fisiologia.
Todavia, no momento, não dispomos de uma descrição satisfatória e por isso parece ser mais importante que
entremos em contato com ela de outras maneiras. Nós a sentimos e, num certo sentido, a observamos e seria
loucura negligenciar tal fonte de informação só por ser a própria pessoa a única capaz de estabelecer contato com
seu mundo interior. Não obstante, nosso comportamento, ao estabelecer esse contato, precisa ser examinado.”(pg.
23). Desta forma, Skinner (1974) descreveu o comportamento encoberto como sendo “(…) condições privadas
relacionadas com o comportamento público, mas não necessariamente geradas por ele.” (pg. 27).

Para a Análise do Comportamento, o comportamento encoberto é um comportamento operante como qualquer


outro, mas com a particularidade de só poder ser observado ou sentido pelo próprio indivíduo. Sendo um
comportamento operante deve ser analisado considerando-se a tríplice contingência:

Para descrever e compreender comportamentos encobertos usamos respostas públicas (abertas) que ocorrem
junto com tais comportamentos encobertos.  Skinner (1974) afirmou que “A comunidade verbal pode também
contornar as restrições impostas pela privacidade utilizando respostas colaterais aos estímulos que uma pessoa
deve aprender a identificar ou descrever. Por exemplo, (…) embora a comunidade possa ensinar uma criança a dizer
“Estou com fome”, porque sabe que a criança não come há muito tempo, é muito mais provável que tire partido do
comportamento colateral: observa que a criança responde prontamente ou come vorazmente quando lhe dão
comida. A comunidade diz então à criança que ela está com fome; e a criança pode adquirir a expressão “Estou
com fome” no tocante a estímulos privados colaterais aos quais a comunidade não tem acesso.” (pg. 25).

Assim, não é correto afirmar que a Análise do Comportamento ignora a existência de mente, sentimentos e
outros eventos encobertos. A Análise do Comportamento apenas explicou estes eventos de outras formas.
Segundo Skinner (1974) “Diz-se que Platão descobriu a mente, mas seria mais acertado dizer que ele inventou uma
versão dela. (…) A “consciência’ que se diz a pessoa possuir tomou-se de tal forma um elemento componente do
pensamento ocidental que “toda a gente sabe o que significa ser consciente” e o behaviorista que levanta o
problema é considerado sorrateiro, como se estivesse recusando-se a admitir o testemunho de seus sentidos. (…)
pouco ou nenhum progresso foi feito desde os tempos de Platão. (…) A Psicologia moderna pode sustentar que foi
muito além de Platão no que diz respeito ao controle dos ambientes de que as pessoas se dizem conscientes, mas
ela não lhes melhorou muito o acesso à própria consciência porque não foi capaz de aperfeiçoar as contingências
verbais em que os sentimentos e os estados mentais são descritos e conhecidos. Basta olhar meia dúzia de teorias
mentalistas atuais para se ver quanta variedade é ainda possível. O bebaviorismo, por outro lado, avançou.
Aproveitando-se dos recentes progressos da análise experimental do comportamento, examinou mais de perto as
condições em que as pessoas respondem ao mundo no interior de suas peles, e pode agora analisar, um por um, os
termos-chaves do arsenal mentalista.” (pgs. 31 e 32).

 
            Com a descrição destes 5 mitos (nos artigos MITOS E VERDADES SOBRE O ABA NO TRATAMENTO DO
TEA – Partes 1 e 2) concluímos que a Análise do Comportamento tem sido muito mal interpretada por nada
mais do que falta de conhecimento acercadas suas bases filosóficas e experimentais. Baer (1981) afirmou que
“A Sociedade está com muitos problemas, e parece que há pouco tempo restante para que algo seja feito sobre
isso. A análise do comportamento certamente pode contribuir para fazer algo sobre isso eventualmente – mas a
análise do comportamento aplicada provavelmente pode contribuir com algo imediatamente. (…) diferentes
pessoas fazem estas duas coisas. Poucas pessoas fazem ambas.”(pg. 91).

Referências Bibliográficas:

Baer, D.M., Wolf, M.M., &Risley, T.R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of
Applied Behavior Analysis, 1, 91-97.

Baer, D. M. (1981). A Flight of Behavior Analysis. The Behavior Analyst, 4, 85-91.

Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais: Um estudo de caso a partir de uma
perspectiva comportamental compromissada com a Análise Experimental do Comportamento. In: Guilhardi, H.
J., Madi, M.B. P., Queiroz, P. P., Scoz, M. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. 1ª Ed. Santo André: ESETEC,
v. 10, p. 67-82.

Carvalho Neto, M. B. (2002) Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do


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Skinner, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974.

Tourinho, E. Z. (1999). Estudos conceituais na análise do comportamento. Temas em Psicologia da SBP, 7(3),
213-222.

Juliana Fialho
Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental:
Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha
como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com
desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação
Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção
comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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