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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MARIA GLÁUCIA PIRES CALZAVARA

A CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS: da adaptação à


solução em referência ao sintoma

Belo Horizonte – Minas Gerais


Fevereiro 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MARIA GLÁUCIA PIRES CALZAVARA

A CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS: da adaptação à


solução em referência ao sintoma

Tese apresentada, como requisito parcial para a


obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-
Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão
Social da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais - UFMG.

Linha de pesquisa: psicologia, psicanálise e


educação

Orientadora: Profa. Dra. Ana Lydia Santiago

Belo Horizonte – Minas Gerais


Fevereiro 2012
A CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS: da adaptação à solução em
referência ao sintoma.

Autora: Maria Gláucia Pires Calzavara

Orientadora: Ana Lydia Bezerra Santiago

Tese de doutorado submetida ao programa de Pós- Graduação em Educação, da


Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Doutor em Educação.

Aprovada por:

______________________________________
Presidente, Profa. Dra. Ana Lydia Bezerra Santiago – Orientadora

_______________________________________
Profa. Dra. Margarida Maria Elia Assad

_______________________________________
Profa. Dra. Ilka Franco Ferrari

_______________________________________
Profa. Raquel Martins de Assis

_______________________________________
Profa. Dra. Margaret Pires do Couto

Belo Horizonte

Fevereiro de 2012
Dedico este trabalho aos amores da minha
vida: Américo e Gabriel.
“O pro gra ma de tornar-se feli z, qu e o principio do p razer nos impõe,
não pode ser realiza do; contudo, não d evemos – na verdad e, não
pod emos – abandonar nossos esforços de aproxi má-lo da consecução, de
uma maneira ou de outra.

Caminhos muito diferentes pod em ser tomados nessa direçã o, e pod emos
con ceder prio rida des quer ao asp ecto positivo do objetivo, e ob ter
prazer, q uer ao negativo , e evitar o despra zer. Nenh um d esse s caminh o s
nos leva a tud o o qu e desejamo s.

A felicidade, no reduzido sentido em qu e a reconhecemos como po ssível,


con stitui um problema da econo mia da libido do indivíduo.

Não existe regra de ouro qu e se aplique a todos: todo homem tem de


desco brir por si mesm o de que modo específico ele po de ser salvo.

Todo s os tipos de diferen tes fatores operarão , a fim de dirigir sua


escolh a. É uma questão d e quanta satisfação rea l ele pode espera r ob ter
do mundo extern o, de até ond e é levado para to rnar-se in dependente
dele, e, finalmente, d e quan ta força sente à sua disposição para alterar
o mundo, a fim de adaptá -lo a seus desejos.

Nis so, sua con stituição psíquica desempenhará papel d ecisivo,


indepen dentemente das circunstâncias extern as. ”

O Mal estar na Civilização


Sigmund Freu d - 1929 /1930
AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ - por ter possibilitado a


realização desta pesquisa.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) junto


ao Programa Mineiro de Capacitação Docente - PMCD pela concessão de bolsa auxílio
à pesquisa.

À Dra. Ana Lydia Santiago, pelos preciosos momentos de orientação, pelo


enorme conhecimento que me proporcionou durante a construção deste trabalho. Muito
mais do que orientar, ela possibilitou que eu pudesse me reorientar em um
conhecimento e uma prática que vão além da consistência.

Aos professores doutores, que muito me honraram ao aceitar o convite para


compor a banca da minha tese.

À Dra. Ilka Ferrari, pelos comentários tão bem colocados e estimulantes durante
o exame de qualificação. Causou-me ânimo para prosseguir.

Agradeço ao Américo, meu marido, que sempre participou em minha trajetória


de estudos e trabalho, e especificamente nesta tese me deu apoio incondicional,
revelando cada vez mais que nossa relação de amor e de casamento valem a pena.

Ao meu filho Gabriel, por compreender que as horas permanecidas no


computador tinham uma boa causa. Mais do que isso, penso que o desejo que carrego na
construção deste trabalho foi para ele uma grande lição de como se haver com o próprio
desejo.

Agradeço à minha amiga Geralda Mapa, pela amizade de longa data, pelo
carinho ao saber escutar minhas angústias e pela contribuição sempre pertinente na
leitura deste trabalho.

Agradeço também a todas as pessoas que de certa forma viveram comigo esta
trajetória: Maria do Carmo, sempre Madrinha; Aline, sempre querendo saber em que pé
estava o trabalho; e à Josie, sempre cuidadosa com minhas coisas, facilitando tudo ao
máximo para que eu pudesse me dedicar ao trabalho de escrita.

À Cristina Drummond, que de uma forma singular me deu serenidade nesse


processo de construção.

Aos meus colegas, professores do Departamento de Psicologia da UFSJ. Cada


um, a seu modo, contribuiu para a realização deste trabalho ao ministrarem as
disciplinas as quais leciono.

Ao Rogerio Lucas de Carvalho, agradeço pela presteza e prontidão na leitura e


correção deste trabalho.
À Dra. Ana Maria Jacó Vilela, pelo acolhimento e pelo aceite na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, quando da realização do Doutorado “Sanduíche”.
Do mesmo modo, pela participação no grupo de estudos em História da Psicologia -
Clio- Psyché.

À Dra. Regina Helena de Freitas Campos que por motivos de estudos fora do
país não pode compor esta banca de tese. Meus sinceros agradecimentos, pelo
acolhimento neste doutorado, pelo carinho por mim, pela preocupação recorrente se eu
estava com bolsa de auxílio ou não, pelo carinho pela minha cidade e minha
Universidade (UFSJ). Obrigada pela leitura sempre atenta dos meus textos, pelos e-
mails sempre respondidos com prontidão e por acreditar em mim.

A todos os outros, amigos e familiares, que de uma forma ou de outra


participaram comigo e torceram, por mim durante a construção deste trabalho.
RESUMO

A ideia principal deste estudo consiste em destacar as transformações pelas quais passou
a clínica psicanalítica com crianças a partir da orientação lacaniana, que enfatiza o
sintoma e sua relação com a dimensão pulsional, em detrimento da adaptação ao social.
Considera-se que a perspectiva adaptacionista da clínica com crianças é um desvio
promovido por algumas inflexões conceituais, sobretudo a postulação freudiana da
pulsão de morte em 1920. Assim, buscou-se demonstrar que o recurso à adaptação
priorizado pelas psicanalistas de crianças que se destacavam no movimento
psicanalítico – Anna Freud e Melanie Klein – nesta época, conduziu à desconsideração
da dimensão pulsional do sintoma. Na prática clínica com crianças, ocorre, assim,
segundo estas autoras, um afastamento da clínica do sintoma como produção do
inconsciente, visando à minimização daquilo que, na criança, caminha na contramão da
educação e do projeto social. A partir da leitura das produções teóricas das duas
psicanalistas de crianças pode-se destacar a perspectiva terapêutica que se encaminha
para a adaptação ao social. Anna Freud propõe uma clínica essencialmente voltada para
um viés pedagógico. Melanie Klein, por sua vez, ancora inicialmente, sua prática, nos
fundamentos psicanalíticos freudianos e, depois, formula sua própria teoria. No
primeiro momento de seus trabalhos, é possível isolar algumas considerações daquilo
que se propõe, neste estudo, como adaptação do sintoma. Não se desconhece que, mais
tarde, a dimensão pulsional foi privilegiada por Melanie Klein, porém suas primeiras
formulações não deixaram de influenciar aqueles que praticavam o tratamento clínico
psicanalítico com crianças até os dias de hoje. Além disso, no segundo momento da
contribuição de Melanie Klein, o arcabouço teórico, baseado na teoria de objeto com
ênfase em sua completude, parece velar a importância da teoria das pulsões. Por último,
este trabalho busca mostrar que a orientação lacaniana, promovida pelos alunos de
Jacques Lacan nos anos de 1960, reintroduz efetivamente a articulação do sintoma à
pulsão. O aforismo preconizado por Robert e Rosine Lefort, segundo os quais “a criança
é um analisante em plenos direitos”, é o que mobilizou uma mudança radical na clínica
com crianças em que a adaptação não tem mais lugar. A referência ao sintoma nessa
clínica se apresenta como solução para o sujeito, cuja manifestação se impõe como
condição da clínica psicanalítica: trata-se de interrogá-lo para se chegar ao particular de
cada sujeito. A partir de então, é o sintoma como solução que se transforma em
qualquer forma de adaptação.

Palavras chave: clínica com criança, sintoma e adaptação


ABSTRACT

The main idea of this study is to highlight the transformations that came
to psychoanalytic practice with children from the Lacan’s orientation, which
emphasizes the symptom and its relation to the instinctual dimension at the expense
of social adaptation. It is considered that the adaptationist perspective of the clinic with
children is a deviation promoted by some conceptual inflections, especially Freud’s
postulation of death instinct in 1920. Thus, we attempted to demonstrate that the use of
adaptation, prioritized by the children psychoanalysts, who stood in the psychoanalytic
movement, Anna Freud and Melanie Klein, at that time, led to disregard the instinctual
dimension of the symptom. In clinical practice with children, according to these authors,
there is a removal from the clinical symptoms as a production of the unconscious, in
order to minimize what, in the child, was going in the opposite direction of education
and the social project.
From the reading of the productions of the two theoretical psychoanalysts of children it
is possible to highlight the therapeutic approach that is headed for the social adaptation.
Anna Freud proposes a clinic essentially focused on an educational bias. Melanie Klein,
in turn, initially anchors its practice in Freud’s psychoanalytic foundations, and then
formulates her own theory. At first, in her work, it is possible to isolate some
considerations of what is proposed in this study as an adaptation of the symptom. It is
known that, later, the instinctual dimension was privileged by Melanie Klein. But her
early formulations did not fail to influence those who practice clinical psychoanalytic
treatment with children up to the present day. Moreover, in the second stage of Melanie
Klein’s contribution, the theoretical framework, based on the theory of object with
emphasis on completeness, seems to hide the importance of the theory of instincts.
Finally, this paper tries to show that Lacan’s orientation, organized by the Jacques
Lacan’s students in the 1960’s, reintroduces effectively the articulation of the symptom
to the instinct. The aphorism recommended by Robert and Rosine Lefort, according to
which “the child is an analyser in full rights,” is what mobilized a radical change in
clinical practice with children in which the adjustment has no more room. The reference
to the symptom in this clinic presents itself as a solution to the person, whose
manifestation is imposed as a condition of psychoanalytic practice: it is about to
interrogate him or her to get to the inside of each person. Since then, it is the symptom
as a solution that transforms itself in any form of adaptation.

Key terms: children, symptom, social adaptation


RÉSUMÉ

L’idée principale de cette étude consiste à rehausser les tranformations subies par la
clinique psychanalytique avec les enfants à partir de l’orientation de Lacan, qui met en
valeur le symptôme et sa relation avec la dimension pulsionnelle, en détriment de
l’adaptation au social. On considère que la perspective adaptative de la clinique avec
les enfants est un détour promu par quelques inflexions conceptuelles, notamment la
postulation freudienne de la pulsion de mort en 1920. Ainsi, on a cherché démontrer que
la ressource à l’adaptation mise à priori par les psychanalystes d’enfants qui se
distingaient dans le mouvement psychanalytique – Anna Freud et Melanie Klein – à
cette époque, a mené le dénigrement de la dimension pulsionnnelle du symptôme. Dans
la pratique clinique avec les enfants, selon ces auteurs, il arrive ainsi un éloignement de
la clinique du symptôme comme production de l’inconscient, envisageant à la
minimisation de ce que, dans l’enfant, allait dans le sens contraire de l’éducation et du
projet social. D’après la lecture des productions théoriques des deux psychanalystes
d’enfants on peut mettre en relief la perspective thérapeutique qui va vers l’adaptation
au social. Anna Freud propose une clinique essentiellement tournée vers un biais
pédagogique. Melanie Klein à son tour, établi au début, sa pratique dans les fondements
psychanalytiques freudiens et, après, formule sa propre théorie. Au début de ses travaux,
il est possible d’écarter quelques considérations de ce qu’il est proposé dans cette étude
comme adaptation du symptôme. Il n’est pas méconnu que, plus tard, la dimension
pulsionnelle fut privilégié par Melanie Klein, cependant ses premières formulations non
pas manqué d’influencer ceux qui pratiquaient le traitement clinique psychanalytique
avec les enfants jusqu’à nos jours. En outre, dans le deuxième moment de la
contribution de Melanie Klein, le projet théorique, basé dans la théorie d’objet avec
emphase en son intégralité, semble veiller sur l’importance de la théorie des pulsions.
Finalement, ce travail cherche montrer que l’orientation de Lacan, promue par des
élèves de Jacques Lacan dans les années 60, introduit effectivement à nouveau
l’articulation du symptôme à la pulsion. L’aphorisme préconisé par Robert et Rosine
Lefort, qui d’après eux « l’enfant est un analysant en pleins droits », c’est ce qui a
mobilisé un changement radical dans la clinique avec les enfants où l’adaptation n’a
plus lieu. La référence au symptôme en cette clinique se présente comme une solution
pour le sujet, car la manifestation s’impose comme condition de la clinique
psychanalytique : il s’agit de l’interroger pour atteindre l’individuel de chaque sujet. À
partir de là, c’est le symptôme tant que solution qui se transforme en n’importe quelle
forme d’adaptation.

Mots clés: clinique avec les enfants; symtôme; adaptation


SUMÁR IO

INTRODU ÇÃO ...............................................................................12

CAPÍTULO I
A Concepção de Sinto ma a partir da Pulsão de Morte ....................22

1.1 A clínica com cria nça s: p ulsão nã o é adap tação ......................22


1.2 O sintoma como defesa......................... ................................25
1.3 O sintoma como satisfação .................... ................................29
1.4 Apropriação particular da nova formulação pulsional........... 31
1.5 O sintoma como repetição é uma solução ................................36
1.6 O sintoma como solução não é adap tação ................................40
1.6.1 O equívo co da desco nsid eraç ão do sinto ma no campo
esco lar............................................................ ................................40

CAPÍTULO I I
Anna Freud: O Eu em Detri mento da Referencia à Pulsão ..............43

2.1 Privilé gio da observação do comportamento da criança .........43


2.2 Instrume ntos teóricos p ara uma d efesa da adaptação do sintoma
ao social......................................................... ...............................49
2.3 Experiências educativas de preve nção co ntra o sinto ma..........51
2.3.1 As Creches-lare s: educação para uma ad aptação ao
socia l.............................................................................................51
2.3.2 A Escola He it izing: educação sem coerção.......... .........54
2.4 “O tratame nto psica nalít ico com crianças” ............................56
2.4.1 O eu: defe sa contra o sintoma .....................................60
2.4.2 Cria nça no tratamento ................................................64
2.4.3 Família no tratame nto ................................................65
2.4.4 O sintoma da criança.................................................68
2.4.5 O inconscie nte..........................................................70
CAPÍTULO I II
Mela nie Klein e o Tratamen to do Sintoma .................................... .72

3.1 1921-1932: influê ncia da teoria freudia na clás sic a..................73


3.1.1 Preve nção co ntra o sintom a no tratame nto ?.................75
3.2. 1934-1957: no vas elaborações teó ricas..................................84
3.3 A ansiedad e co mo d efesa do eu contra a pulsão .......................85
3.4 O tratamento psicanalít ico com crianças.................................89
3.4.1 A cria nç a no tratame nto............................................90
3.4.2 Família no tratame nto ...............................................94
3.4.3 O sintoma da criança................................................9 5
3.4.4 O inconscie nte.........................................................9 7

CAPÍTULO I V
A Orientação Lacania na............................................................100

4.1 Sujeito do inco nsc iente – sujeito do desejo ...........................103


4.2 O sintoma e a pulsão...........................................................105

CAPÍTULO V – A Prática Clínica com Cria nças na Orienta ção


Laca niana ....................................... ........................................ .112

5.1 A criança ana lisa ndo em ple nos direitos..............................113


5.2 A prática c línica d a cria nça na o rie ntação la ca niana.............117
5.2.1 – A criança no tratamento............ ...........................1 17
5.2.2 – Família no tratame nto..........................................121
5.2.3 – O sinto ma d a cria nça............................................123
5.2.4 – O inconsc iente.....................................................124

CONSID ERA ÇÕES FINAIS......................................................126

REFER ÊNC IAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................134


Calzavara, Maria Gláucia Pires, 1965-
C171c A clínica psicanalítica com crianças : da adaptação à
T solução em referência ao sintoma / Maria Gláucia Pires
Calzavara. - UFMG/FaE, 2012.
145 f, enc,

Tese - (Doutorado) - Universidade Federal de Minas


Gerais, Faculdade de Educação.
Orientadora : Ana Lydia Santiago.
Bibliografia : f. 134-145.

1. Educação -- Teses. 2. Psicanálise infantil -- Teses. 3.


Adaptabilidade (Psicologia) -- Teses.
I. Título. II. Santiago, Ana Lydia. III. Universidade Federal
de Minas Gerais, Faculdade de Educação

CDD- 370.15
Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG
INTRODUÇÃO

A formulaç ão da pulsão d e mo rte por Freud no ano de 1920 foi um


conce ito que rep rese ntou u m divisor de águas na teoria freud iana e entr e
os freu dianos, p rincipalmente pela particu lar idade dessa pulsão que,
se gundo Freud (1938/1980), “é reco nduzir o qu e está vivo ao estado
inorgâ nico” (p. 173). Esse mo vime nto regress ivo de um retorno ao estado
anter ior tornou -se a espec ific idade da pu lsão e, portanto , o p ro tótipo da
pulsão de mo rte. Além do mais, o texto de 1920 introduz a noção de
compulsão à repetição do sintoma, qu e permite “tra zer à lu z as
ativid ades do s impulsos reprimidos” 1 (FREUD, 1 920/1980, p. 33). A
ins istência do material reca lcad o em fazer sua aparição na co ns ciência
por meio do sintoma reve lou a Freud uma sat isfa ção de ou tr a ordem, que
ins iste como repetição incessant e em alc ançar seu objet ivo. O que pode
ser dest acado nes se texto é a presença da dimens ão pulsio nal no sinto ma ,
que, na segu nda tópica, toma a cena e m d etrimento do sintoma como
merame nt e descrit ivo. A partir dessa data, a presença da dimens ão
puls iona l se inscreve como imposs ibilidade adaptativa d o sintoma .

1
Nas citações literais da obra de Freud, utilizarei tal como a tradução da Edição Standard Brasileira –
ESB, as palavras: repressão e instinto. Nos comentários das citações, utilizarei como substituição as
palavras: recalque e pulsão.

12
Mais adiante, no texto O Mal-esta r na Civiliza ção , Freud
(1929 /1930/1 980) destaca a dimensão p articu lar d a pu lsão de morte como
faze ndo parte do esse ncia l d o homem. Para e le, es sa p ulsão é própria à
condição do homem no processo de c ivilização e a loca liza como
inere nte à estrutu ra do sujeito .
No que co ncerne à referência à pulsão , po stulada por Freud , est a
foi tem a de uma pesquisa rea liz ad a por Campo s (1991), int itulada o
Contexto sócio -cultu ral e tendências da pedagogia psicanalítica na
Europa Central e no Bra sil . A auto ra reconhece na obra d e Freud duas
verte ntes, que, a seu ver , se contradizem no q ue diz respeito a ded uzir da
psicanálise princíp ios p ara u ma educação d e cria nça s. Uma primeir a
verte nte, qu e ense ja a livr e expressão dos impulsos inconsc ientes é
compensada, p or sua vez, por uma tendê ncia à neces s idade de adaptar as
crianças ao princíp io da realidad e. É a edu cação de crianças que toma a
ce na ne ssa prime ira vert ente. Po r outro lad o, a segund a vertente possu i
como característ ica es se ncia l a ênfa se no papel das p ulsõ es p rimár ias e a
relevânc ia do s destinos puls ionais na estruturação do psiquismo. A
presença da pulsão de morte re vela a imposs ibilidade de ente nd imento
dos distúrbios da ordem do psiquismo pela via da preve nção.
Cons idera ndo a se gunda vert ente apo ntada por Campos (1991),
nest a, é po ssí vel reco nhecer a presenç a da repetição do sintoma e a
impo ss ibilidad e de resolu ção de qualquer comportame nto po r essa via. É
a presença d a dim ens ão pu lsio nal e seus efeitos no psíquico que marcam
um p essimismo em relação às possibilida des de p revenção, destacada em
su a prime ira vertente. A le itura realizada p ela autora nos le va a d estaca r
que o ante s e o depo is d a reve lação da presença da sat isfação no sinto ma
demarcam a imposs ibilidade d a adap tação do su je ito como um fato de
estrutura, tal como reve lado por Freud (1920 /1980). Isso nos leva a
considerar, como diz Camp os (1991), q ue a prese nça d o elem ento
puls iona l na vida da cr iança nos imposs ibilita fazer qualquer
determina ção do resultad o de sua edu cação .
Nes se mesmo ano d e entrada d a formulaçã o da pulsão de morte por
Freud , a psicanálise com cr ianças começa a se e stabelecer no movim ento
psicanalít ico com as p ioneira s nessa p rática : A nna Freud e Me lanie

13
Kle in. De ss e modo, perguntamos : como se deu para Anna Freud e
Mela nie K lein a re ferênc ia ao sinto ma a partir da p ulsão de morte? Como
cada u ma d essas autoras se co locou fre nte à dime ns ão pulsional do
sintoma em sua prática clí nica co m cria nças?
O interes se pe lo tema desta p esquisa nasc eu a partir d e m inha
exp eriênc ia na prát ic a c lí nica com cr ianças. Na minha fo rmação, optei
por uma formação clínica espec ific ament e pela clí nica com cria nças.
Nessa época, anos d e 1980, os estudos teó ricos sobre a cr iança se
ancoravam no s textos de Anna Freu d e Mela nie K lein e a p rática c lí nica
se orient a va p ela p roposta kle iniana.
Inicie i minha prática em c lí nica part icula r e em inst ituição infa nt i l
(crec he). A partir desse mo me nto, comecei a supervis ão dos casos
ate ndidos em clí nica particu lar com superviso r em formação pelo ensino
de Lacan. Ao mesmo tempo , mantinha supervisão na inst itu ição de
crianças pela ab ordagem kleiniana.
Med iante o trabalho em inst ituição infant il assoc iado à abordagem
kleiniana, e concomita nte ao trab alho em clí nic a particular com
su pervisão em o rie ntação lacania na, algu mas questões me inq uiet avam .
O qu e eu ente ndia na minha prática, po r meio da minha formação
kleiniana, sob re o qu e era clí nica sob uma perspectiva ps icanalít ica
aprese ntava-se no trabalho em inst ituição infant il com uma vertent e
terap êutica, a fim de e liminar o s intoma para adaptar es sa cr iança ao
so cial. Essa perspect iva era evid ent e nessa inst ituição, cujo ob jet ivo do
psicólo go e de sua prática era normalizar os co mpo rtamentos
inaceit áveis. Ao me smo tempo, iniciei a exper iência de docent e , que
ampliou meus conhec imentos e , do mesmo modo, meus q uestioname ntos.
Vivi, então, um imp as se, po is part icip ava de u ma inst itu ição q ue tinha
como ob jet ivo fa zer a cria nça se compo rtar e s e aju st ar para se adaptar
ao socia l. P or outro lado, descobria, na sup ervis ão clí nica de orie ntação
lacania na, que a crianç a “é um su jeito em plenos direitos” (LEFO RT,
198 4).
Depois de um longo tempo de trabalho e obt end o orientaçõ es
distint as – uma kle iniana e o utra lacania na – , algu mas questõ es me
inquietavam: o que é clí nica e o q ue é adaptação na prát ica com

14
crianças ? Po r que ess as duas perspect iva s parecem s e misturar no âmbito
da psicaná lise com crianças? Essas q uestõ es, vividas na prática com
crianças, me exigiram es clarecimento s, e minha intenç ão nes te tr abalho é
pesqu isá-las.
Dia nte dessa cena, propus-me a e stud ar a prátic a c línica com
crianças, es se ncia lmente no que co ncer ne à abord agem teórica ta nto de
Anna Freu d quanto de Mela nie K lein, para examinar se há a lgum
momento ou situação em que pod emos perceber a exist ência de u ma
abertura nes sas práticas q ue se encam inham p ara o objetivo terapêutico
de adaptar a cria nça ao social.
Do mesmo modo , verificar se, em fu nç ão da forma como essa s
psicanalista s iniciaram no terre no da psicanálise com crianças, se não
haver ia indicat ivos ou até certa preponderânc ia de adaptação da criança
ao social em seu s textos. Será que poderemos verificar e lementos que se
repetem e que nos permitem dizer que a perspectiva da adaptação se
imprime em detrimento da referênc ia ao inco nsc iente e ao sinto ma? Da
mesma forma, será q ue poderemos afirmar que a perspectiva d o sinto ma,
como p roduto do inconscie nte, parece ter se perd ido nesse
encam inhamento dado por Anna Freud e Mela nie K lein?
Inter essa- nos tamb ém, nesta pesq uisa, verificar as transformaçõ es
que o correram na psica nális e co m crianças com a introdução, no âmbito
dessa c lí nica, d as contribu ições de Jacques Lacan, q ue elucidadas e
ordenad as por Jacques A lain M iller no campo freudiano s e to rnaram
conhec idas por orie ntação lacaniana. A o rie nt ação lac ania na, como
hera nça da Esco la de Laca n, fu ndada em 1964, se dir igiu a um
movimento de denúnc ia ao s d es vios pelos qu ais pas sa va a t eo ria de
Freud, para que “reconduza a práxis original q ue ele inst itu iu so b o no me
de psica nálise ao dever que lhe compete neste mu ndo” (LACA N,
196 4/2003 , p. 235).
A o rie ntação laca niana, so bretudo , elucid ou certa inflexão na
clí nica ps ica nalít ic a, qu e se deu a partir d a formu lação freud iana da
pulsão de morte, o qu e nos parece ter promovido um afastamento da
clí nica do sintoma co mo produção do inco ns cient e. Cons iderando a

15
clí nica com cr ianças, esta pesquis a visa a invest igar se e ssa infle xão
provo cou ressonâ ncias nes sa clí nica e q uais seus efeitos.
Nes se se nt ido, a leitura da clí nica com cria nças realizada p or
Santia go (2005) no âmbito de sua pesquisa sobre a inib ição intele ctua l
apo nta uma inflexão nes se campo. A autora destaca, inic ia lme nt e a partir
de sua leitura dos textos fr eudianos, que a fobia foi, em relação ao
tratamento psica nalít ico com crianças, a “categoria c lí nica fu ndamenta l
da apreensão psica nalít ica da neu rose na infâ ncia ” (p. 67). Como se sabe,
o tratamento da fobia do p equeno Hans – um menino de cinco ano s de
idad e –, relatado por F reud (1909), inau gura o campo da p sicaná lise com
crianças, fazend o desse s intoma “o grande paradigma das p atologias
me ntais da infâ ncia” (SANT IAGO, 2005 , p. 67).
Entreta nto, a partir do ano de 1920, quando a clí nica ps icana lít ica
com crianç as começou a se firmar no movimento psicana lít ico, Sant iago
(2005 ) reconhece uma inflexão nes sa clí nica. A auto ra mostrou que “as
formulações teóricas sobre o infans inscre vem -se para além d es se
paradigma d a fob ia” (p. 67 ). Os trabalho s de Freud referent es à fobia
ser vem de base p ara o s inter es sados na prática co m cria nças, mas a
questão que se sobress aía ness e ano de 1920 era saber “qu al a prát ica
mais aprop riada para se e vit ar que a cria nça se torne um adulto
neu ró tico” (ibid em). São as questõ es refer ente s à preve nção que tomam a
ce na nes sa data.
Nes se contexto, as precurso ras da p rática clí nica co m cr ianças –
Hermine Vo n Hug- He llmuth, A nna F reud e Mela nie K lein – introduzem
variadas ind agações sob re a efic ácia do tratamento co m cria nças . E a
questão que se tornou centr al para a prática com crianças é: qual
orientação clínica ma is apropriada para gara nt ir o desenvolvim ento da
criança em dificu ldades: “cura p sic ana lít ica prop riame nte dita ou método
edu cativo fundame ntado na p sic aná lise ?” (SA NTIAGO, 2005, p. 68).
Sant iago (2005) le va nt a a hip ótese de q ue ess a inflexão da clí nica
com cria nça s do sinto ma fóbico ao mét odo educativo mais ap ropriado
para a preve nção da neurose pode ter o corrido em fu nção da introdução
da ob servação diret a do que as cria nças dizem e fazem, que, na épo ca,
teve como ob jet ivo compro var a sexualid ade infa nt il.

16
A partir d esse trab alho, formulamos a hip ótese de que houve no
movimento psicanalít ico, naquela data, por p arte de alguns s eguidores da
dou trina freudiana, uma apree nsão partic ular da referê ncia ao núcleo da
pulsão d e morte present e no s intoma. A forma co mo se deu a apropriação
da conceituação da pulsão nos parece ter promovido na clí nica com
crianças uma infle xão que prop iciou um recurso à ad aptação do sinto ma
ao so cial, como descons ideração pu ls ional, em detrimento do sintoma
como produção do inconsc ie nte.
Cons idera ndo as produções teó ricas das d uas em inente s
2
psicanalista s de cr ianç as, Anna Freud e Melanie K lein, q ue se
destacavam, no movimento psicana lít ico, no qu e diz respe ito ao
conhec ime nto e à prática ps icanalít ica com crianças no ano d e 1920, cada
uma, a seu modo, fez sua ins erção no movim ento, propondo novas
práticas para a clí nica com cria nças. Essas p rátic as permit iram o início
da formação de d uas esco la s de pensame nto, cujo objet ivo se a nco rava
em práticas c línicas próprias para se haver com o sintoma da criança,
mas qu e, sobretudo, nos parece se afastar em dos fu ndamentos c línicos da
teoria fr eudiana, princ ipalmente em refer ênc ia à dime nsão puls ional d o
sintoma.
Cons idera ndo nossa hipótese, parece -no s que, a p artir do modo
particular, utilizado tanto por Anna Freud quanto Melanie Kle in, na
apreensão d o conceito de pulsão de morte, hou ve certo encaminhamento
da prática, que po ssib ilitou, aos se guido res fu turos, no esp ecífico da
clí nica co m cr ianças, a ideia de cu ra na medida da ad aptação d a criança
ao social.
Ao lo ngo de no ss a pesquis a, naquilo que s e apresenta como u ma
prática de ad aptação do comportament o da criança ao socia l, ser á
ressa ltado justame nte o que é desco nsid erado no sintoma d o sujeito , a
saber: a dime nsão pu lsio nal. Ver -se-á que o objetivo terap êutico de
determinadas p ráticas com cria nça s é adaptá-las ao social, so b o
reco nhe cime nto do bom comportamento na famí lia, na e scola o u na

2
Como psicanalista de crianças, Hermine Von Hug-Hellmuth é a autora dos primeiros escritos sobre a
clínica com crianças, mas quem são realmente reconhecidas como primeiras psicanalistas de crianças são
Anna Freud e Melanie Klein.

17
so cied ade, desco nhecendo, por essa perspect iva, a d imensão p ulsio nal do
sintoma.
A e ntrada da o rie ntação lacaniana no mo vime nto psica nalí t ico
denunc ia es se des vio pelo qual passou a clí nica com cr ianças na medid a
em qu e resgata a re ferênc ia ao sintoma. Essa trans fo rmação da clínica
inicia-s e a part ir d o aforismo preconizado por Rob ert e Rosine Lefort de
que “a cr ia nça é um ana lisa nte em p lenos d ireitos” (LEF ORT, 1984 ). Tal
como o adulto que chega à aná lise queixand o -se de seu s intoma, o
sintoma d a criança também deve s er levado em co nta como u ma respo sta
do sujeito .
Nes se se nt ido, referindo -se à posição do analis ante, Lacan no s
fala, no texto Conferência em Gen ebra sobre o sintoma , do ano de 1985,
que a pessoa qu e chega a fo rmular uma verd adeira demand a de análise é
es sa pes soa qu em trab alha. Desse modo, o analisante é aquele que
desincumbe o ana lista de ser o resp onsáve l, na ocasião, p ela anális e. E
acrescenta mais adiante: “Vocês não devem co nsid erá - la, de modo
algu m, como alguém que d evem mold ar” (p. 7 ). Ser um “ana lisa nt e em
plenos direito s” marca u ma no va forma de abo rd ar a criança na c línica,
pois, tal como o adulto, a cria nça é um suje ito do inco ns cie nt e e
particip a, co mo tal, dessa co nd ição de su jeito na clí nica.
O afo rismo , preconizad o p elos p sicana listas com crianç as, Robert
e Ros ine Lefort, revita lizou a clínica infant il e s e ap rese nt a como
condição d a prática c lí nica com crianças na orie ntação lac ania na.
Portanto , analisante em p lenos direitos, convoca -nos a pensar no sujeito
de d esejo, nesse su jeito que se localiza diante do objeto co mo falta a se r
(LEFORT, 1991).
Prete ndemos, a partir da no ssa hipó tese, verificar como se deu, na
clí nica co m cria nça s, a apropriação p articular d a postulação da pu lsão de
morte p elas ps ica nalistas de cria nça s A nna Freud e Melan ie Kle in. D es se
mod o, nosso percurso teórico tem como objet ivo re visit ar o s traba lhos de
Anna Freud e Melanie Kle in especificamente no s te xtos e livro s no s
quais a perspect iva do tratame nto p sica na lít ico co m cr iança s é
enfat izad a. Em Anna Freud e Melanie K lein, são os livro s que, a nos so
ver, destacam suas trajetória s c línicas e p ráticas de tratam ento com

18
crianças que serão estudados. No sso percurso, diante dess es te xtos, parte
da segu inte questão , que será colocada em cada leitura: como cada u ma
dessas ps ica nalistas d e cr ianças se colocou frente à dime nsão puls iona l
do sintoma no tratame nto com cria nças.
Da me sma forma, buscaremos, na medid a do entendime nto da
entrada da orienta ção laca niana no movime nto psica nalít ico , que se
encam inhou a um movimento d e de núnc ias aos des vios pelo s qu ais
passava a teoria de Freud, como se deu uma mudança de perspect iva
quanto ao sintoma na c lí nica com crianç as. Essa c lí nica, por meio dos
psicanalista s Robert e Rosine Lefort, resgata a re lação do sujeito em sua
relação com o inco nsciente e o sintoma e m sua dimens ão pu lsional. São
os textos qu e espec ificam ente trat am des sa mudança d e perspectiva em
relação ao sintoma que serão trabalhados.
Para esc larecermo s nos sa tra jetória, no primeiro capítulo, faremos
o percurso relat ivo à elabo ração da segu nda tópica do ap arelho psíq uico,
aprese ntando o desvio que ficou impresso a partir dessa nova
formulação . Importante dest acar q ue não entraremos na d escr ição de
como Freud constru iu e postulou a pulsão d e morte, mas, sim, de como
es sa nova e labo ração int erfer iu na prática psicana lít ica e produziu
resso nânc ias na clí nica, e aq ui espec ific ame nte na clí nica com cria nças.
A forma p articular d e aprop riação dessa nova fo rmulaç ão no s parece ter
encam inhado a c lí nica com cr ianças em direção a u m r ecurso à adaptação
do sinto ma ao so cial como descons ideração da dimensão puls iona l do
sintoma. Do mesmo modo, nes se capítulo, é a co ncepção do sintoma em
Freud qu e será destacada : o s intoma como defesa e como repetição. Na
repetição , é a insistênc ia da dime nsão pu lsional que será sublinhada.
No segu ndo capítulo, trataremos da prática c lí nica co m criança s
iniciada por Anna Freud . Para nortear esse cap ítulo, colocamos a
se guinte questão: como se deu para Anna Freud a referê ncia ao s intoma a
partir da formu lação da pulsão de mo rte? Sua entrad a no campo analít ico
com cria nça s nos for nec e indícios de uma vertente adaptacionista em
relação ao sintoma da cria nça ? A p artir d es sa s questõ es, iso lamos algu ns
recu rsos utiliz ados por Anna Freud em sua prática p ara ver ificar qual
encam inhamento d ado po r ela. A p rát ica de ob servação de crianças, o s

19
texto s freudia nos em relação ao socia l e as e xperiê ncia s educativas , tai s
como as creche s-lare s e a Es cola He it zing, são algu ns d os recursos
utilizados por Anna Freu d, qu e nos le vam a co nsid erar o
encam inhamento de sua prática para a descons ideração d a dimensão
puls iona l do sintoma, p ermit indo um recurso adaptativo na clí nica. No
int ento de destacar em qual perspect iva do sinto ma A nna Fr eud se inser e
em sua prática, recorreremos ao tratamento psicanalít ico com cria nça s
propo sto po r ela a part ir de qu atro pontos p or nós definido s: a cr iança no
tratamento , a famí lia no tratam ento , o sintoma da cr iança e o
inco nsc iente.
No terce iro cap ítu lo, trataremos da prática c lí nica de Melanie
Kle in. D es se modo, a p ergunta q ue nos orienta nele é: como Melani e
Kle in se coloca em sua c línica frent e à fo rmulação da pulsão de morte?
Para respo nder a essa pergunt a, inic iarem os com Melanie K lein no que se
refer e, em um prime iro mo mento d e sua teo ria, à influência da teoria
freudia na c lás sica em seus te xtos e nos en cam inhar emos, posteriorme nte,
para as novas e labo rações teóricas de Mela nie K lein, que se distanc iam
das fo rmulações freudianas. Do mesmo modo que em Anna Freud , será
por meio d o tratame nto psicanalít ico com cr ianças e dos q uatro tópicos
por nós cons iderad os: a criança em a nálise, a famí lia no tratamento, o
sintoma d a criança e o inco nsciente , que iremos resp onder à questão: em
qual perspectiva em rela ção ao sintoma Mela nie Klein se insere ?
No quarto capítulo, trataremos da entrada da o rient ação lacania na
na clí nica com crianças e como essa e ntrada repercutiu nes sa c línica ,
produ zindo u ma nova forma de conceber o tratamento com crianças. É a
noção de suje ito do inco nsc iente q ue será dest acad a em sua nova
elaboração articulada à co nceituação de s intoma e pulsão. É , tamb ém, o
binário sent ido e gozo em relação ao sinto ma que irá nos encaminhar
para a sua d imensão de rea l do s int oma na c línica de orie ntação
lacania na.
No qu into capítulo , partiremos do aforismo psicanalít ico “a
criança é um suje ito em plenos d ire itos”, preconizado por Robert e
Rosine Lefort. Ele é rep rese ntativo da unidad e da p sicaná lise e da
condição da cria nça na clí nic a. O a xioma referente a essa c línica, como

20
uma clí nica orientada p ara o real, marca o fim do desvio denunc iado por
Jacqu es Lacan no s anos de 1950 no que concer ne às p ráticas vo ltad as
para um vié s adaptativo. A prát ica de trat amento com cr ianças na c línica
de orie ntação laca niana ser á também d estacada nos quatro pontos j á
utilizados na invest igação de A nna Freu d e Melanie K lein. S ão e les : a
criança no tratamento, o lugar da família, o s intoma da criança e o
inco nsc iente. A p artir de então, será a presença da dime ns ão puls iona l
inser ida no sintoma o campo de inves t igaç ão d essa clí nica.
Esta pesquisa partiu de um impasse vivid o em minha p rátic a
clí nica em re laç ão às ab ordage ns utilizadas nos tr atamentos com
crianças. A questão que provocou inq uiet ação era s aber como Anna
Freud e Mela nie K lein s e co locaram na dime ns ão da tens ão e ntre o que é
adaptação do sujeito ao socia l e a e scuta do su jeito particular.
Partind o d essa s co nsid erações, a re levâ ncia desta p esquisa para a
clí nica com cria nças é por ente nder que este trab alho faz u m a lert a ao
clí nico com cria nças em su a prática. Do mesmo mod o que esse imp as se
foi uma qu estão para mim, ele tamb ém poderá permit ir uma ab ertura de
reflexão p ara outros profiss ionais, que vivem a exper iênc ia d a p rática
clí nica, a se int errogarem so bre sua posiç ão como analistas na c lí nica
com crianças.

21
CAPÍTULO I – A CONCEPÇ ÃO DE SI NTOMA A PAR TI R DA
PULS ÃO DE MORTE

Trataremos neste c apítulo da pulsão de morte como qu estão que


provo cou certa inflexão da prátic a clí nica ps ica nalít ica , mais
espec ificamente sobre a clínica com cria nças a part ir do ano d e 1920.
Importante d estacar que não entr aremos na descrição d e como Freud
construiu e postulou a pulsão de morte, mas, sim, de como es sa no va
elaboração inter feriu na p rática p sic ana lític a, prod uzindo resso nâncias na
clí nica com cria nças.
A p ostu lação da pulsão de morte por Freud no ano de 1920 parece -
nos ter permit ido , às interes sadas na c línica com cria nças, A nna F reud e
Mela nie Kle in, uma abertura em d ireção a u ma prátic a cu ja terapêutica
iria utilizar como recurso à adaptação do sinto ma ao socia l, conduzindo a
uma desconsideração d a d imensão p ulsional present e no sintoma. Essa
desco ns ideração pulsio nal do sintoma no s cond uz a co nsid erar, como
efeito, a presença d e uma inflexão na prátic a clí nica com crianças.

1.1 A clínica com cria nças: pulsão não é ada pta ção

O novo conceito de p ulsão postulado por Freud no ano de 19 20 no


texto Além do Princíp io do Pra zer (1920/1980) representou a gra nde
virada ep istemo lógica nos fundame ntos freudia nos no que concerne à
clí nica e seus efeitos. Naqu ele mesmo ano, a psica nális e com cria nças

22
começou a se estab elecer no movimento psicanalít ico represe ntada po r
Anna Freud e M elanie Kle in. Todavia, as primeiras p ublica ções sobre a
clí nica com cr ianças inic iaram -se no s anos anter iores a 1920. Hermine
Vo n Hug-Helmuth, ps icanalista viene nse, foi pione ira nes sa c lí nica e se
destacou po r d esenvo lver e p ublicar ar tigos sob re a imp ortânc ia de
ativid ades de jogo e d esenho com crianç as. Desse modo, foi a p rimeira a
desenvolver a prática c lí nica com crianças. No ano de 1912, Freud,
conhecendo Hug-Helmuth e su as atividades sobre jogo e dese nho ,
ded icou -lhe, na re vista Imago, uma ses são referent e à ps ica nálise com
crianças. A part ir de então, Hu g- He lmuth publicou artigos e s e ded icou
às at ividades lúd icas e do desenho , revela ndo a importânc ia do brincar
na c lí nica com crianças (ROUDINES CO; PLON, 1998).
Entreta nto, foi no a no de 1909 que a psic aná lise com cr ianç as teve
como ato fundado r, na teoria fr eud iana, a publicaç ão do caso de Herbert
Graf, denominado Pequeno Hans – Aná lise de u ma fob ia em um menino
de cinco anos (FRE UD, 1909/1980). O ca so do p equ eno Herbert Graf se
tornou célebre na teor ia freud iana ao inau gurar o tratamento de u ma
criança e m psica nálise. Mas a int enção maio r d e Freud com esse caso não
era elab orar, a partir deste, uma técnic a d e at end imento infant il. Seu
int eresse ma ior era co nfirmar na infâ ncia a causa das neuroses e
fundame nt ar sua te se acerca da sexua lidad e infant il – e xpo sta em 1905
nos T rês ensaios sobre a teoria da sexualidade (FREUD, 190 5/1980 ).
Mas o que se d estaca nesse caso de Ha ns, de aco rdo com Santiago
(2005 ), é a re ferênc ia ao s intoma fóbic o como o grande modelo das
divers as ma nifest ações pato lógicas d a infância.
No enta nto, no ano de 1920, mo mento que pode ser considerado o
nascimento e dese nvo lvimento da psicaná lise com crianças, Sa nt iago
(2005 ) reconhece uma inflexão nessa clínica. Segu ndo essa autora, as
formulações sobre a criança vão além do paradigma da fobia formu lado
por Freud . Há u ma prese nça constante da p ro blemát ica da inib iç ão nes se
momento. Essa infle xão , que, segu ndo Sant ia go (2005), “se opera na
temát ica da fobia para a inib ição , tem como pano de fundo o
questio namento sobre a eficácia e os limit es no tratamento co m crianças”
(p. 67). O que se destacava naquela data era a questão refer ente à

23
preve nç ão: “co mo evitar que a cria nç a se to rne um adulto neu ró tico”
(id em). Essa posição s e ancora na descoberta de Freud (1896 /1980 ) sobre
a neurose do adulto e de suas reminiscê ncia s em rela ção à sexu alidade.
A partir d es se traba lho p ublicado por Sa nt iago (2005), podemos
considerar a hipótese da prese nça de uma inflexão na c lí nica com
crianças que se deu devido a uma aprop riação particu lar d a referência à
pulsão de morte present e no sintoma . As psica nalistas d e crianças, aqu i
espec ificamente, falamos de Anna Freud e Melanie K lein, quando
iniciaram s eu trabalho na clí nic a, incent ivadas pela teor ia freudia na ,
parece-nos t er desco ns iderado a referê nc ia ao s intoma como dimensão
puls iona l, le vando a uma infle xão na clí nica com crianç as. T a l infle xão
pod e ter possib ilitado um encaminham ent o que privile gia a adap tação da
criança ao socia l.
No int ento de esc larecer o que chamamos de adap tação ao social, é
necessár io nos dirigirmos inic ialme nt e ao entendimento do “senso
comum”. Quando fala mos de adaptação ao social, imed iat amente somos
remet idos aos padrões de edu cação vigentes na sociedade , que permitem
ao su jeito, que se ins ere nes se p adrão , viver em conformidade com o
so cial. Alain de Mijo lla (2005), no Dicionário Interna ciona l de
Psi canálise, designa adaptação como “um co nju nto de p ro cessos que
permitem a um orga nismo vivo ajustar -se da melho r forma possível às
condiçõ es de vida qu e lhe são imp ostas pelo meio ambie nte ” (p. 24 ).
Essas co ndições de vida b uscam gara nt ir a próp ria so brevivênc ia do
organismo e têm a fina lidad e de perpetuar a espéc ie.
Do ponto de vis ta da psicolo gia, W. Arnold, Eyse nck e Me il i
(1982 ) consideram a adap tação “uma condição onde se ac ham plenam ent e
sat isfeita s a s ne cess idades d o ind ivíduo, por um lado, e as exigê ncia s do
ambiente por outro ” (p. 18). Na prática, co ntinuam ess es autores, não se
conse gue mais do qu e uma adaptação relativa entre a s neces s idades do
indivíd uo e d o meio . Por ou tro lado , do po nto d e vista da pedagogia ,
adaptação “é um estado de fato. No termo d e uma aprendizagem ma is ou
me nos lo nga, o ap rendiz encontrava-se apto para tarefas que ele teria que
exercer em toda a sua vida” (FELLER, 1980).

24
Essa p rát ica adap tativa p oderia ser co ns id erad a, a no sso ver, como
uma crença na predominância de elemento s exter nos para a educação do
su jeito. Dessa ma neir a, uma criança, cujo comportamento não se des via
da norma est abelecida, ta nto na escola q uanto na famí lia e na sociedade,
ser ia uma cria nça adaptada ao social. Por outro lado, podemos
int errogar: e a cr iança que não se insere na norma soc ial? Qu ais os
efeitos desse comportamento , cons iderad o aqui um sintoma, no so cial e
no campo esco lar ?
No ent a nto, nest a pesqu isa, q uando nos referirmos à adaptação da
criança ao social, estaremos falando do que resulta d e uma p ossíve l
desco ns ideração da referênc ia ao núcleo d a pulsão d e morte prese nte no
sintoma. Formulamos a hip ótese de que a ap ro priação particular do
conce ito da no va po stulação pulsio na l, p or p arte de algu ns segu idores da
teoria freu diana, nos ano s de 1920 , pode ter permit ido uma abertu ra para
uma prática cuja terapêutica iria privilegi ar o sintoma naquilo qu e ele se
adapta ao socia l. Sendo ass im, a referênc ia à dime ns ão pulsio na l
presente no s intoma no s parece t er sid o desco ns id erad a pelas ana lis tas de
crianças, A nna Freud e Melanie K lein, na quela época.
Essa nos p arece ser uma int erpretação utilizada po r parte de
algu ns teó ricos pó s-freudianos, que parecem acred itar que, por meio da
eliminação do sintoma, se d ominar ia também a pulsão de morte.
Segu iremo s os ca minhos d a formulação do sintoma em Freud até a
concepção do sintoma em sua dimensão puls iona l.

1.2 O sintoma como defesa

A po stulação da pulsão d e morte e a p rese nça da dimensão


puls iona l no sinto ma repres entaram a gra nde visada de Freud em relação
à clí nica a partir da s egu nda tópica. E ntreta nto, o reconhecimento da
nova postulação da pulsão foi precedid o por uma p rimeir a concepção do
aparelho psíquico , que é re leva nt e destacar, princ ipalm ente no que
concerne ao sinto ma naqu ele p rimeiro momento.
Nos primeiros 20 ano s de seu s estu dos, Freud desenvolveu sua
primeira concep ção tópica do aparelho psíquico : co nsc ient e, inconsc ient e

25
e p ré-conscie nte. O sent ido do percurso ana lít ico e da cu ra analít ica
propo sto por Freud, naqu ela épo ca, se a nco ra na proposição tão
reco rrente em A Interp retação dos Sonhos: “tornar cons cient e o
inco nsc iente” (FREUD, 1 900/19 80). Essa propo sição era a expressão do
mod o d e fu ncio namento do psiquismo , que tinha como fim, p ela
int erpretação, fa zer o inconsciente se apresentar, per mit indo , desse
mod o, o esvaec imento do sintoma.
Essa proposição , to rnar conscie nt e o inco ns cie nt e, er a
representat iva da terapêutica ut ilizada preced entemente nos estud os
so bre a histeria : “o mo mento em que o médico desvenda a ocas ião da
primeira ocorrênc ia do sinto ma e a r azão de seu aparecimento é
exatam ente o momento em que o sintoma se esvai” (FRE UD, 1893 /1980,
p. 47). O sintoma, ness e momento específico dos estudos de Freud, se
aprese ntava no tratame nto ana lít ico como mensa gem c ifrada a ser
int erpretada p elo analist a e decifrada pelo analis ante.
Um pouco mais ad ia nt e, no texto Novos co mentários sob re as
neu ro psicoses de defesa , Freud (1896 /1980 ) acrescent a que o sinto ma
neu ró tico “é cara cteriz ado p elo retorno das lemb rança s rep rim idas – isto
é, pelo fracasso da defesa” (p. 195). Entre tanto , continua Freud:

o q u e s e t o rna consci ent e como i dei a e afet os ob sessi vos,


substit ui nd o as l emb ra nças p at ogê ni cas, no q ue con cer n e
à vi da co ns ci ent e, s ão estrut ur as q u e co nsistem e m u m a
con cilia çã o entr e i deias r ep ri mi das e r epr ess oras (id em).

Naquele momento do s estudos de Freud, caracteriz ado como


primeiras p ublicaçõ es ps icanalít icas, o s s intomas vis avam a promover
uma conciliação, por uma fa lha da defesa no psiquismo, entre as
representaçõ es de id eias inconcil iáveis do inconscie nte para o
consc ient e.
Segu indo nos textos freudia nos, no ano de 1900, no estudo sobre A
Interpretação dos Sonho s, Freud (1900/1980), ao apresentar o modo de
funcio nam ento do psiq uismo, reconhec e nes se estudo que, tal como o
sintoma, “os sonhos são invariavelme nt e realizaçõ es de desejo s e são
produ to s do sistema inconscie nte” (p. 605). E assim continua a respeito

26
do sintoma : “é um fato que a teo ria que rege todos os s intomas
psico neurótico s culmina numa única proposição , qu e asse vera qu e eles
também devem s er encarados como realiz açõ es de dese jos inconsc iente s”
(p. 606 ). Portanto, no ano d e 1900, tanto o sonho quanto o sintoma foram
reco nhe cidos p or Freud como produ ções do inco nsc iente e, co mo tais,
passí veis d e interpretação e de sent id o. Logo, isso fazia da p sic aná lise
uma arte interpretat iva.
Todavia, naq uela data, as manifest ações inconscie ntes, tanto do
sintoma q uanto do sonho , se d ifere nc ia vam entre si. Embo ra se jam
reco nhe cidos como produções do inco nsc iente , Freud ob servava que
havia uma fixid ez do sintoma em contrap osiç ão ao efêmero do so nho , o
que dificultava o trab alho ana lítico.
Freud (1900 1980) começou a reconhec er , a partir de e ntão, q ue a
int erpretação , dirigindo -se diretamente ao sintoma , se apresent a va como
uma impossib ilid ade d a ordem estrutu ral. Ao mesmo temp o, reconheceu
também que a proposição tornar conscie nt e o inconscie nte não poderia se
reduzir a uma simples dec ifração dos eleme ntos censurados e exclu íd os
da consciência. No enta nto, Freud destacou qu e a ins istência e a
const â ncia do sintoma reve lavam a p rese nça de outra dimensão para a lém
do saber inconsc iente q ue precis ava ser investigada. Ess a dim ens ão
representava algo d a ordem da pulsão .
Foi no ano de 19 05, no texto Trê s Ensaios da Teoria da
Sexualidade, que Freud (1905/1980) recorreu pela prime ira vez à pa lavr a
pulsão. E particu larment e ne sse te xto , o qu e está em cena é a pulsão
se xua l. Esse mo mento de entrada da class ificação das pulsões é
me ncionado , por Freud (1915/1980), um tempo depois no p refácio d e A
Pulsã o e seu s Destinos, como uma no ção que fo i formalizada tardiam ent e
em seus escr ito s. Is so porque, d iz-nos Freud , ainda nes se t exto, os
instintos já se faz iam presentes antes do ano d e 1905 . Todavia,
apareciam sob ou tro nome: “Emp rega vam -se amplam ente em seu lugar
exp ressões como ‘exc itaçõ es’, ‘ide ias afet ivas’, ‘ impu lsos a nela nt es’,
‘estímulos end ógenos’” (p . 132). O que falt ava ne sse momento era
formalizar es sa dime nsão.

27
Foi no ano de 1 910, no texto int itulado A concepção psicanalítica
da perturbação psico gênica da visão, que Freud (1910/1980) p rincipiou
a fo rmaliza ção d e sua inve st igação sobre a dime nsão puls io na l. Nesse
texto , Freud inicia dize ndo de seu interess e em to mar o exemp lo da
perturbação psicogê nica da visão, “a fim d e mostrar as mod ificações q ue
se o peram em nossa conc ep ção da gênese dos distúrbios dessa espécie ,
so b a influência dos métodos de investigação p sicana lít ic a” (p. 197 ).
Prossegue o texto , relat a ndo qu e reco nhe ce a pesquis a de algu ns au tores
so bre tal distúrbio, como a d a Esco la Fran ce sa com Charcot, J anet e
Binet e o modelo de sugest ão hipnótica utilizad o nos casos de hist eria.
Media nte es se s posicioname ntos já conhec idos, diz Freu d (1910/1980)
que há um int eresse em ob ter u m ente ndimento de p erturbação visua l à
luz da psic análise. Para isso, Freud ressalta a importância das forças
consc ient es e inco nsc ient es qu e int era gem ou qu e, mu itas vezes, se
inibem e ntre esses dois s istemas no psiquismo. Reco nhece t ambém a
relevânc ia do p apel do recalqu e interagindo no grupo de ideias qu e se
opõem à cons ciê ncia. É a imp ortânc ia do recalque e, mais aind a, da sua
falha em isolar no inconscie nte um grupo de ideias inac eitáveis que
“const ituem a precond ição da formação dos s intomas” (p. 199).
Des sa ma neir a, Freud (1910/1980) admite qu e o fato de “certas
ideia s relac ionadas com a vis ão ser suprimid a da consc iênc ia, [...] que
es sa s ideias entraram em o posição a ou tras ideia s, ma is poderosas” (p.
199 ). Entreta nto, ele lança a qu estão: “mas qual pode ser a o rigem d es sa
opo sição, que provoca a repressão entre o ego e os vár ios grupos de
ideia s?” (idem). E continua:

d es cob ri mos q ue cada insti nt o pr o cu ra t or nar-s e efeti v o


p or mei o d e i dei as ati vant es q ue est ej am em har mo ni a
com seus ob j eti vos. Est es i nsti ntos n em semp r e s ã o
comp atí veis ent r e si; s eus int e resses a miú de entram e m
con flit o. A op osi çã o en tr e as ideias é ap enas u m a
exp r essão das l utas ent re os vári os insti nt os ( ib idem).

Nes se te xto de 1910, Freud reconhece, p ortanto, a importância d as


pulsões no psiq uismo co mo dimensão capaz de rep rese ntar a insist ênc ia e
permanê ncia d os s intomas e , a p artir de e ntão , inic ia su a elab oração da

28
teoria puls iona l. Ele introduziu naq uela data o p ar primeiram ent e
considerado pulsão sexu al e pu lsão de autoco nser vação , que serviu de
refer ência para a inve st igação da dimensão pulsio nal e sua p osterior
elaboração.
Em 1915, no primeiro dos textos que compõem sua metap sico logia ,
A Pulsão e seus Destino s, Freud (1915/1980 ) destaca a lgumas
caract eríst icas da pulsão , que p ermitem consid erar su a presença no
organismo como uma fo rma muito p articular de atuação . Primeiram ente ,
a pulsão é considerada como prove nient e do p róprio organismo, o que
permite sua atuação direta sobre o psiquismo. Por o utro lado, a pulsão
tem como finalidade a e xe cução de um ato para sup rimir a tensão
provocad a por ela no o rganismo. E como caracterí st ica qu e a especifica
como dimens ão p ulsio nal é q ue “uma pulsão jamais atua como uma força
que imp rime u m impacto momentâneo, mas s empre como um impacto
const a nte” (p. 1 38). Portanto, sua presença co nsist e e in siste. N ão há
como descons iderá-la.
No entanto , a clí nic a psic ana lít ica, fu ndamentada no s moldes da
int erpretação com o objetivo d e to rnar conscie nte o inconsc ient e,
começava a se aprese ntar insuficie nte na prática naquela época. Isso
porqu e a interp retação do materia l inco nsciente po r parte do ana lista ,
ampliand o o campo do saber do sujeito , não gara nt ia a produ ção de
resultado s efet ivos. Des se modo, o sintoma como defes a, represe nt at ivo
desse prime iro momento tópico, ced e lugar ao sintoma como satisfaç ão.
A partir d e ent ão, era a ins istê ncia d a dimensão pulsio nal, produzindo
efeitos na clí nic a, o po nto a ser cons idera do po r Freud.

1.3 O sintoma como satisfação

Foi no ano de 1920, no texto Além do Prin cípio do Pra zer, que
Freud (1920/1980 ) promoveu um mar co em seu e ns ino com a introdução
da segu nda tópica do aparelho psíquico e da postulação da pulsão de
morte. Texto de ruptu ra e avanço no p ensam ento de Freud, esse texto
introduz a noção de pu lsão como u ma sat is fação mais além, u ma
sat isfaç ão de outra orde m, que alme ja insist enteme nte u m ponto a

29
atingir. Ne le, Freud reconhec e que o objet ivo terapêutico est abelecido
nos primeiros tempo s da psica ná lis e, tal co mo referido na int erpretação
dos so nhos, não era possíve l ser alca nçado na prática. E co nt inua:

o pa ci ent e n ão p od e r ec or dar a t otali da de d o qu e nel e s e


a cha r ep ri mid o, e o q u e nã o l he é p ossí v el r ecor d ar po d e
s er exat amen t e a p art e ess encial. [...] É ob rigad o a
r ep eti r o mat erial r ep rimi do co mo se fosse um a
exp eriê nci a cont emp o r ânea, em vez d e, co mo o médi co
p r eferi ria v er, recor dá -lo como al g o p er tencent e a o
p assad o (p. 3 1).

Des sa ma neira, a ins istência do material recalcado em fazer su a


aparição na co nsc iê nc ia po r meio do sintoma permit iu a Freud
reco nhe cer a dime nsão pu lsio nal ins er ida nele.
Des se modo, a introdu ção do conceito de p ulsão de mo rte no ano
de 1920 terminou po r alterar a teo ria pulsional conc er ne nte à primeir a
tópica ao modificar a concepção d e dualidade puls ional: o par,
primeirament e cons iderado pulsão se xua l e pulsão de autoco nser vaçã o,
cederá lugar ao binômio pulsão de vida e pu lsão de mo rte, resultado da
nova formulação do psiquismo na segu nda tópica (FREUD, 1920 /1980 ).
O q ue se destaca no especí fico desse te xto é a compulsão à
repetição como fenômeno clí nico que emerge co mo ponto d e resistê ncia
no processo a nalít ico , mas q ue, por outro lad o, permite “trazer à luz as
ativid ades dos inst intos reprimido s” (FREUD, 1920/1980, p. 33). Como
ele no s d iz, é preciso ficar claro q ue pensamo s equ ivocadament e que a
res istência provém do inconsci ente. Na verdad e, o material recalcado
inco nsc iente não oferece res istência; pe lo contrário, su a insistênc ia em
aparecer na consciência é co ntí nua. É a ins istê ncia de aparição do
mater ial rec alcado qu e se apresenta como desprazer. Desse modo, su rge a
res istência na te nt at iva de evitar e ss e desp razer. Isso, no e nt anto ,
“const itui desprazer para u m dos s ist emas e, s imultaneamente, sat isfaç ão
para o outro” (ib idem).
Entreta nto, a tendência a repet ir, traço característico da neurose, é
um fenômeno que, ao se apresent ar na clí nica, se co loca como um
obstáculo, u m entrave. Ess a insist ênc ia d a repetição de situaçõ es

30
dolorosas levou Freud a caracter iz ar esse fenôme no como u ma e xigê ncia
de sat is fação, que é da ordem da pulsão. E, ass im, co mpleta ele :
“e nco ntraremos co ragem para supor que e xiste realme nt e na mente u ma
compulsão à repetição que sobrepu ja o princípio do prazer” (FREUD ,
192 0/1980 , p. 36). Essa no va elab oração psíq uica modifica a dimens ão
do sintoma agora revelad o so b a vertent e da p ulsão.
O s intoma, q u e na prime ira tó pica era originalme nt e uma o rd em
defe nsiva contra as representaçõ es inco nciliáveis do inconsc iente,
adquire, a p artir d a segu nda tópica, a qualidad e de uma satisfação.
As s im, define Freud (1925/1926/1980), em In ib ição , S intoma e Angústia :
“um sinto ma é um s inal e u m su bstituto de uma sat isfação inst intual que
permane ceu em estado jacent e; é uma consequ ênc ia do p ro cesso de
repressão” (p. 112 ). Nesse no vo mo ment o, o sinto ma, que até ent ão era
visto como mensagem a s er decifrada, se dist a ncia d esse o bjetivo
merame nt e descr itivo a favor da d imensão puls iona l.

1.4 Apro priação pa rticular da nova formulação pulsio nal

Dia nte da no va formulação do funcioname nto psíq uico e da


hipótese da existên cia de u ma pulsão de morte , houve, por parte do
movimento psicanalít ico , uma forma particu lar de apreensão de seu
conce ito (J ONES, 1979), princ ipalment e pela particu lar idad e da
finalidade dess a pulsão , que, segu ndo Freud (1938/1980), “é reco nduzir
o que está vivo ao es tado inorgâ nico ” (p . 173). Esse mo vimento
regres s ivo de reto rno a um est ado anter ior torno u-se a espec ific idad e da
pulsão e, portanto, o protó tip o da pulsão de mo rte.
Essa nova p ostu lação d a pulsão fo i uma descoberta fundament a l
para a clí nica p sic ana lítica. No e ntanto, essa no va teo ria , d iz- nos J ones
(1979 ), dep arou -se “com uma recept ividade bastante de sigual entre os
ana lista s” (p. 606). Rep rese ntou, desse modo, um divisor d e águas na
teoria e entr e os freud ianos, sendo que foi r ecusada po r uma série de
adeptos da doutrina freud iana, pro vocand o dissensõ es, como relata J ones
(1979 ):

31
O di fí cil r aci ocí ni o q ue s e des enr ol a no li vr o q u e
con si d era mo s faz q ue a linha de p ensa me nt o sej a, d e
to dos os ân gulos, ár du a de s egui r-s e, e muitos a nalistas ,
in cl ui ndo -se eu mesmo, t ê m t ent ad o apr es entá-l o e m
lin gu agem ma is si mpl es, s en do q ue os p onto s d e vista d e
F reud em r el açã o a ess e ass unt o mu itas v ez es tê m si d o
mal ap reendi d os (p. 60 7).

Esse modo particular de apree ns ão da pulsão se estend eu a muito s


psicanalista s. Uns pou cos, segu ndo Jones (1979 ), tais como Alexander,
Eit ingo n e Melanie K lein, aceitaram-na imediat ament e. Os único s
ana lista s qu e ainda empre gavam a express ão “inst into de morte” , e nestes
Mela nie Klein es tava inc luída, “fazem -no num se nt ido purament e
clí nico, q ue é u m se nt ido dista nciado da teo ria original de Freud ” (p.
606 ).
Historicame nt e, o ano de 1920 pode ser caracter izad o como um
se gundo momento d e disse ns ão na teoria de Freud. O primeiro momento
pod e ser destacad o logo no iní c io d e seus trabalhos da primeira tó pica,
no qu e se refere à s cons iderações sobre o inconsc iente , a se xua lidade e a
trans ferênc ia. Es se s fundamento s p sic analít icos não t iveram aceit aç ão
por parte de algu ns de seus discípulos, tais como Alfred Adler , no ano de
191 1, e Car l Gustav J ung, no ano de 1913. A partir de e ntão ,
conduziram-se a doutrinas próprias med iante a fo rmação de suas
produ ções teó ricas : a ps ico logia individu al, no caso de Adler , e a
psicolo gia analít ica, no que se refere a J ung (J ONES, 1979).
Com o texto História do movimen to psicana lítico , do ano de 1914,
Freud (1914/1980) alme ja definir quais s ão os fundament os q ue regem a
psicanálise. Ne ss e texto , ele demonstr a clarame nt e os postulado s e
hipótese s fundame ntais da p sicaná lise. E ss es p ostu lado s se base iam no
inco nsc iente, que pod e ser exp lorado sob trans ferência, p or meio da
as so ciação livr e po r parte do pacie nte, d a interpretação por parte do
ana lista e d a importância da se xualid ade infa nt il, qu e se este nde a u ma
disposição psíquica universal, r et irando -a d e seus component es bio lógico
e ge nit al. Portanto , d estaca Freud (1914/198 0) que qu alqu er outra forma
de int er venção que não co ntemple es se s co nc eitos fundame nt ais não
pod erá ser nomeada p sicaná lis e.

32
A no va formulação tópica é ce nár io para uma nova d is sensão no
movimento psicanalít ico. Foi no Congresso d e Berlim, rea liz ado em
192 2, que Freud proferiu o trabalho, não pu blicado, Algumas
observa ções sobre o inconscien te, cujas ideias fo ram retir adas de O Ego
e o Id, publicado lo go a seguir. Nesse Congresso , relata J one s (1979):

d err ub ara m s ua identi fi ca çã o origi nal do in co ns ci ent e


p r opria ment e dit o com os p ro cessos psíq ui cos em esta d o
d e r ep r essã o, e p assava el e a go ra a dis cu tir os asp ecto s
in co ns ci ent es do eg o nã o- r ep ri mi d o. E ra o começo da
n ov a p si col ogia d o ego (p . 64 7).

A p artir de 1 920, inic ia-se o que foi considerado como p sicologi a


do ego. Seu s represent ante s se anco raram em uma interpretação outra da
se gunda tópica freudia na, que cons idera vam , diz-nos Miller (1988), que
pod iam u nificar a teoria de Freud e “fazer do eu (moi) a instância centr a l
da personalidade, dotada de uma funç ão de sí ntese” (p . 18). Supuseram
também, continu a Miller (1988), “qu e o eu era uma espécie de po nto de
Arqu imed es p ara o psica nalista, e que o psicanalista devia re forçar o eu
para tratar de levar o p acient e ao ní vel da realidade” (id em).
Eles, denominad os pós-freudianos, e nse jam a produ ção de vár ia s
leituras da teoria freudiana, possibilitand o uma constru ção teórica que se
distanc ia da constru ção postulada por Freud e , d esse modo , se d esvia do
pensame nto freudia no em sua originalid ade. Esse des vio, a nosso ver, se
ancora em cert a descons ideração da dimens ão puls ional no sinto ma,
reve lando , po r su a vez, uma forma particu lar de apreensão dessa nova
postulação da pulsão por parte desses intérpretes da teo ria freudia na .
Essa forma particular de apreensão nos p arece ter se e ste nd ido e
possib ilitado, às psicanalista s de cr ianças , Anna Freud e Melanie K lein,
nes sa ép oca, cons iderar determinada crença: de qu e, ao eliminar o
sintoma, estar ia dominando -se a pulsão de morte.
Se co nsid erarmo s as produçõ es realizad as pelas a lu na s de Freud ,
Anna Freud e Melanie K lein, a partir de 1 920, podemos notar u ma
preocupação com a terap êutica do sintoma em detrime nto da importância
que tem o conceito de pu lsão para a psica nálise. Essa posição , em
relação ao sintoma, na clí nic a, nos le va a cons iderar du as possíveis

33
int erpretações acer ca da nova po stulaçã o pu lsional ta nto por parte de
Anna Freud e Melanie Kle in qu anto por parte de outros analist as da
épo ca: u ma, objet iva ndo a eliminação do s intoma e prom ove ndo, po r sua
vez, a norma lização do co mpo rtamento do su jeito ao so cial; a outra
int erpretação foi dar a esse ponto de res ist ê ncia, ou seja, ao sinto ma,
uma so lução possível, por meio de seus efeitos, co mo prod ução do
inco nsc iente.
Como representa ntes dessa pr imeira int erp retação, po demos
ident ificar, no ano de 1939, a Ego Psyc hology como uma corrente do
freudismo norte-americ ano represe ntada p or Ernest Kr is, Heinz
Hartmann e Ru dolph Loewe nst ein. Ess a co rrente divergia em relação às
regras d e formação e atuação ana lít ica a partir dessa no va elaboração
tópica (MILLER, 1988). A Ego Psychology tinha como objetivo a nalít ico
privilegiar o eu em detrimento do is so, d o inconsciente e d o su jeito. Essa
teoria permite, por p arte d e seus s egu idores, uma p rática, cu jo
fundame nto parte da no ção de profilaxia so cial q ue se preo cup a, em seus
objet ivos, com a ob ediência às norma s da realid ade so cial ta nto no
âmbito político como no eco nômico ( FELDSTEIN, 1977 ).
Refer indo -se ainda à ê nfas e reco rrent e na supremacia do eu,
Gu egu en (1997 ) reitera que “os psicólo gos do eu mudaram o espírito da
pesqu isa de Freud ao isolar p orções de s ua obra e interp retar o eu como
representação au tônoma da personalidad e” (p. 102). A teoria do ego forte
e autônomo seria o instrume nto d essa prática qu e se dista ncia va dos
fundame ntos da doutrina freud iana.
Des se modo, ao p rivile giar o eu em detrime nto do isso, do
inco nsc iente e d o sujeito, o s teóricos pós -freudianos faziam dessa
instânc ia um instrumento d e adaptação do indivíduo ao social.
Portanto, pensar em uma terapêutica que tem como objetivo o
fortalec imento do eu, a elimina ção do sintoma, alme ja ndo a
conform idad e d esse sujeito com o so cial, nos leva a interrogar : como
es se s autores se posicio nar am fre nt e a dime ns ão pulsio nal ?
Cons idera ndo , então, a psica nális e co m crianças, é releva nt e c ita r
uma pesquisa rea lizad a no ano de 1991 por Campos , intitu lada Con texto
só cio-cu ltu ral e tend ências da pedagogia p sicanalítica na Europa

34
centra l e no Brasil, na qu al a autora reconhece na o bra de Freud du as
verte ntes dist intas no qu e se refer e a dedu zir da psica nálise os
fundame ntos para a edu cação de cria nç as.
A p rimeir a vertent e delimitada p or Campos (1991), como libertár ia
e tolerant e à livre expres são d os imp ulso s inconsc iente s, “é
contrabala nçada, no enta nto, por uma tend ênc ia a reforçar a necessidade
de adap tar as crianças ao chamado princí pio da realidade” (p. 29). Dessa
ma neira, os princípio s da p edagogia psicanalít ica e st ão enu nciad os,
se gundo a au to ra, “pois é preciso reconhecer a prese nça das p u lsõ es
se xua is infa nt is e aceit á-las co m certa tolerâ ncia, é prec iso tamb ém
gara nt ir a substituição progress iva do princípio do prazer pelo princípio
da realidade” (p. 31). Nessa prime ira verte nte, o destaque é empreend ido
ao ambient e e à educação das crianç as.
Essas pas sa gens iso ladas do te xto de Campo s (1991) nos faz em
acredit ar que a adaptação corrobo raria a dimensão da satis fação da
pulsão. De ss e mo do, encaminham-nos para a co mpreensão de um
primeiro momento, cuja ênfase est á s obre a ide ia de um cam inho
adequado p ara a sat isfação , o que no s le va a co nsid erar que há um
reforço d a co ncepção de adaptação .
No que co ncerne à se gunda vertente, Camp os (1991) consider a
que, nesse momento , houve uma mudança impo rtante no s conce itos
desenvolvid os por Freud:

A ê nfase no pap el d o a mb i en t e e da ed uca ção n a eti ol o gi a


d as neur os es é substit uí da p ela ê nfase no p ap el da s
p ulsõ es p ri mári as e s uas vi cissit u des na est r utura çã o d o
apa r el h o men t al (p. 3 3).

A se gu nd a verte nte, segundo Campos (1991) , nos encam inha p ara a


compreensão da dime nsão de repetição do s intoma e , d esse modo , para o
ente ndim ento da impo ssibilidad e de resolu ção de qualquer
comportamento por esse caminho.
No ent anto, destaca Campos (1991) , é a p rese nça da puls ão de
morte que revela “a m arca de um pess imis mo em relação às
possib ilid ades de prevenção de distúrb ios p síqu icos, [ ...], qu e engendram

35
a a gres sivid ade e destruição” (p. 3 4). Desse modo, a ênfase na prevenç ão
destacada na p rimeira vert ente fica “d imi nuída diant e de dificuldades tão
estruturais” (p. 36).
A le itura realizada por Campo s no a no de 1991 nos p ermit e
su blinhar que, nas prime ira s re ferênc ias freud ia na s, o aspecto da
repetição do sintoma nos parece re fo rçar o campo da adap tação. Todavia,
ao cons iderarmos a s leituras poster iores a 1920 , é a dim e nsão da
sat isfaç ão do sinto ma q ue se faz p rese nte, demarcando a impossibilidade
da adaptação como um fato de estrutura.
Des se modo, podemos reconhecer, nesse segundo momento
propo sto po r Campos (1991), característ ico d a segu nda tópica fr eudiana,
a impo ss ibilidad e da perspectiva adap tativa. Es sa p ersp ect iva, com
ênfase no amb ient e e na educação de cria nça s, utilizad a no prime iro
momento d os estudos de Freud, se apres enta como u ma impossibilidade
no período destac ado da presença da pulsão d e morte. Isso po rque a
presença d o elemento puls iona l na vid a da criança não nos p ermit e
alcançar d eterm inado resultado, muita s vezes alme jado, na educação da
criança, po is cada cria nça irá e laborar de um modo singular sua relação
com o ou tro (CAMPOS, 1991).
Pelo s aspectos discut ido s até ent ão e retomando a primeir a
int erpretação, que objetivava à sup ressão do sintoma como resu ltado
terap êutico, ob serva- se que ess a posição de supressão nos leva a
su blinhar a e xist ênc ia de um a descons ideração da dimensão p ulsio nal do
sintoma.
Por ou tro lado, a segu nda interpretação , que aponta o sinto ma
como produ ção d o inco nsc iente e , des se modo , como uma solução
possí vel na clí nica, será por nós interro gada no p ró ximo tópico .

1.5 O sintoma como repetição é uma so lução

A partir do ano d e 1920, com a postulação da pulsão de morte


torna-se ma is e vident e que é a repetição que se impõe como co ndição do
sintoma na clí nica, reve land o a nó s a pre se nça da dim ens ão p ulsio nal no
sintoma e a impossib ilid ade da adap tação como u m efe ito de estrutura.

36
Freud (1929/1 930/1980) , no texto O Mal-estar na Civiliza ção ,
destaca a d imensão particu lar da pulsão de mo rte como faze ndo p arte do
es se ncia l do ho mem. Nele, Freu d faz u ma invest igação sobre as raízes da
infelicid ade hu mana p or meio d a dualid ade puls iona l já formulada em
Além do Princípio do Prazer : a pulsão d e vida e a pu lsão de morte. Para
ele, a própria condiç ão do homem e su a neurose estão d iretament e
implicadas no processo civilizatór io no qual esse sujeito est á inserido . É
o conflito entre as e xigê nc ia s puls io nais e as re str içõ es da c ivilização
que provocam o mal-estar (1929/1930/1980).
Freud (19 29/1930/1980) reconhec e, ainda nes se te xto , que as
pulsões de vida e de mo rte s ão const itut ivas do ser hu mano e mo vem a
humanid ade ao longo do desenvolvim ento d e toda a civilização :

Nã o era fácil, cont u do, demonst rar as ativ ida des dess e
sup ost o i nstint o de mort e. As manifestaçõ es de Er os era m
visív eis e basta nt e rui dosas. Po der-s e-i a p r esumir q ue o
instint o de mo rte op erav a sil en ci osa ment e dent r o d o
o r ga nis mo , n o senti d o de s ua d est r uição , mas iss o,
n at ural m en t e nã o co nstit uí a uma p r o va. Um a i dei a ma i s
fecu nd a era a d e q u e u ma p art e do i nsti nt o é d es via da n o
s entido do mun d o ext er n o e vem à l uz com o um i nstint o
d e a gr essi vi dad e e destruti vi da de (p. 1 41).

Ao fazer uma reflexão sobre o qu e os home ns r econhecem como o


propó sito da vida huma na, Freud (1929/1930/1980) nos diz, não há
dúvid a: “es forçam-se para obter fe licidade; querem ser felizes e assim
permane cer” (p . 94). Embora a busca da felic idade e sua impo ssibilidade
se jam inerente s ao hu mano, todavia, o homem não abandona seu s
es forços em aproximar de sua realização e percorre caminho s diferent es
na te ntat iva de alcançá-lo. Essa fe licidade, continu a Freud
(1929 /1930/1 980), equiva le à s at isfação puls iona l t anto quanto o
so frime nto que nos acomete ca so o mundo exter ior no s recu se à
sat isfaç ão d e no ssas necessid ades.
A partir dess e texto O Mal-estar na Civilização, Freud
(1929 /1930/1 980) nos dirige para o e ntend imento da impo ssibilidade de
adaptação do sujeito à civilização como um fato de estrutura. Não há,
como ele nos diz, “uma regra de ou ro qu e se ap liq ue a todos: tod o o

37
homem tem de descobrir por si mesmo de qu e modo específico ele p ode
ser sa lvo” (p. 103). Essa é uma partic ularidade inerente ao asp ecto
puls iona l do hu mano. E su a sa lvação irá depender do tipo de esco lhas
que ele irá fazer, do quanto de satis fação ele e spera o bter do mundo
exter no, até o nde ele co nsegue tornar - se indep end ente d es se mu nd o e de
quanta força sente à sua disp osição para alt erar o mund o, a fim de
adaptá-lo aos seus dese jos (FRE UD, 192 9/1930/1980 ). Portanto, o
su jeito quando se la nça na b usca de obtenção de sat isfação co m o mundo
exter no, o qu e Freud nos afirma nesse t exto é que, nessa busca, “sua
const itu ição psíquica desempenhará papel dec isivo, ind epe ndent ement e
de circunstâncias exter nas ” (p. 103).
É, po rtanto, a particular idade da d imensão pu lsional como
inere nte à estrutura p síqu ica do sujeito o q ue Freud esp ecifica nesse
texto de 19 29/1930. Ou seja, não há como descons iderar a presença d es sa
dime ns ão na vid a do suje ito. Sua desco nsid eração e ncaminha para a
perspectiva do sintoma co mo supressão, o qu e nos leva a considerar que
a interpretação dos teóricos que utiliza m essa perspect iva parece se
dirigir à cre nça de que ao su primi- lo est ariam dominad o a pu lsão.
É rele va nte des tac ar qu e o sintoma, na perspectiva ps icanalít ica ,
tem como objet ivo a b usca d a sat isfa ção de o rd em pulsio nal, concer nindo
ao mais particular d o su je ito. A e xigê ncia pulsio nal promove no sintoma
uma repetição insistente, efeito da tent ativa reco rrente de almejar a
sat isfaç ão.
Des se mo do, relat a- no s Serge Cottet (2005), considera ndo a
dime ns ão pu lsional presente no s intoma, “Lacan, q uanto mais ava nça em
su a teorização do sintoma, mais ace ntua sua d imensão de go zo” (p. 17 ).
E comp leta: “o sintoma aparece mais como solu ção do que como
compromisso de um conflito” ( idem). Solução que cad a su jeito encontr a
para lidar com o real, pois, conforme Miller (2 011), não es cap a a Laca n
que “a cha ve d a formação dos sinto mas é puls io nal” (p . 26).
Sendo ass im, o sinto ma como solução e su as manife staçõe s se
impõ em a nó s, na c línica ps ica nalít ica, int erro gá- lo, para che garmo s ao
mais particular de cad a su jeito. O sinto ma, nessa p ersp ectiva de solução,
como no s diz Sant ia go (2005 ), to rna-se uma parte bem -sucedida de

38
amarração do real. Tem como objet ivo te rapêu tico civilizar a puls ão de
morte, permitindo ao su jeito produzir uma invenção particular que va i
fazer laço com o socia l. Ess a é a função do sintoma p ara a p sica ná lise –
uma solução que permite a inve nção d e la ço para se relac io nar com o
so cial (SANTIA GO, 2005 ).
Por outro lado, o fato de se reco rrer à adaptação do sinto ma ao
so cial, o qu e na maioria das vezes leva à supressão des se sintoma, p ode
nos le var ao ma l-e nt endido na clí nica. Ob servamos, co m os intérpretes
da teoria freudia na a partir de 1920 , que estes, ao enfat izarem no sintoma
so ment e a manifest ação de comportament os que precis am ser e lim inados
para se est ar em conformidade com o social, parecem se dista nciar do
sintoma como respo sta do suje ito , ou seja, co mo solução. A
desco ns ideração da dimensão puls ional do sinto ma por p arte dos
int eressado s na clí nica psica nalít ica com crianças nos leva a d edu zir que,
ao escutarem o s intoma, o fazem, não como solução a ser dada p elo
su jeito, mas com o intu ito de eliminá- lo. Há, p ortanto , um equívo co no
que concerne à nece ss idade de adaptação da cria nç a na clí nica.
Cons ideramos q ue a d imensão pulsio nal inerente ao huma no tem
um p apel decisivo no comportament o do su jeito. Não se pod e
desco ns iderar sua prese nça nos comportamentos e s intomas d o su jeito. A
partir de então , noss a invest igação so bre a inflexão pela qu al p assa a
clí nica co m crianças co m a introd ução da dimensão puls iona l no sinto ma
se esc larece, quando, no te xto O Mal-estar n a Civilização, Freud
(1929 /1930/1 980) destaca a p ulsão como decis iva na esco lha sub jet iva
do sujeito . Descons iderar a d imensão puls iona l no s intoma é desconhecer
seus efeitos qu e se tr ad uzem em resposta s ingu lar do suje ito. Dessa
ma neira, qu erer elim inar o s intoma, eliminar o que está fo ra da no rma, é
não considerar o sintoma como so lução para o su jeito. Solução particular
que contrar ia term inanteme nte qu alquer proposta adaptativa, pois o
sintoma como so lução não é uma adap tação.

39
1.6 O sintoma como solução não é adaptação

O s intoma em sua dimensão pu ls ional é uma solu ção a ser dada


pelo su jeito, orie ntand o -o em seu d esejo. To davia, co nforme nos diz
Santia go (200 5), ness a perspect iva d e solução, o sintoma que prejudica o
su jeito e causa sofr imento alme ja modific ação, mas sem perder a
dime ns ão de querer dizer alguma coisa alé m do comportamento em s i.
O ob jet ivo terap êutico em adaptar a crianç a ao socia l,
desco ns iderando a pu lsão, int erfere na perspectiva qu e reco nhe ce o
sintoma como solução. As p ráticas adaptativas que u tilizam como
objet ivo terap êutico a supressão do sinto ma, como recu rso para ad aptar o
comportamento do sujeito ao socia l, impõem como condição o silê ncio
do su jeito. De ss a ma neira, o sintoma, caso se ja s ilenciad o por meio de
práticas ad aptativas, perde sua função d e so lução. Send o assim , o
objet ivo terapêu tico p ro posto po r essa s p rática s se des via também da
questão ana lít ica. N a prát ica clí nica ps ic analít ica, é p reciso interrogar o
sintoma para se c hegar ao mais p articula r de cada sujeit o, posição que
vai em contracorrente d e uma prátic a, qu e tem co mo ob jetivo eliminá -lo .
O s intoma como produ ção do inco nsc ient e se apresenta como u ma
so lução para se lidar com as moçõ es p ulsionais inco nc iliáve is presentes
no su jeito. Ao co ns id erarmo s que a ins is tê nc ia a repet ir d o sujeito po r
meio do sintoma é um po nto d e resistênc ia e o que está em jo go é a
dime ns ão pulsional, não se pode esperar d o su jeito qu e respond a a
propo stas adaptativas d e seu comportamento p or meio da aprend izagem .
Desse modo , é o equivoco dessa descons ideração que será tratado a
se guir.

1.6.1 O equ ívoco da desco nsideração do sintoma no ca mpo escolar

A perspect iva da dime nsão pulsio na l no sintoma e sua ins ist ê nci a
de sat isfa ção co mo component es de ordem estrutural nos esc larec em a
dificu ldade da ação dos edu cadores na prática es colar.
O campo educacional, represent at ivo de um lugar propício às
ma nifestaçõ es s intomát icas da cria nça, se a nco ra, na ma ioria das vezes,

40
em u ma d emanda de tratamento , visa ndo à adaptação da crianç a ao meio
esco lar. Cordié (1996), no seu livro Os Atrasados não existem, ao falar
so bre fraca sso e scolar na crianç a, nos revela a exigênc ia do campo
edu caciona l e su a contr ibuição para essa s ituação de fra cas so. Para a
auto ra, a escola co nsidera como situaç ão de fr acasso quando a criança
não “acompanha” a proposta esco lar, pois, na e scola,

é p r eciso a co mp anh ar: pri mei r o, o p r ogra ma q ue diz o


q ue é necessári o ap r en der, em q u e o rd em , em q ua nt o
temp o; dep ois, acompa nh ar su a t ur ma, nã o se dist an ci a r
d o s eu r eb an ho (p . 11).

No campo escolar, qu and o a cria nça aprese nta dificu ldad e na


aprendiza gem, provocand o u m desvio do programa escolar, ta l como já
exp osto, observa-se na exper iência da p rática c lí nica co m crianças que,
imed iatamente, uma s érie de profiss io na is é co nvo cada e uma var iedade
de ofertas é utilizada para a cria nça se recuperar e dar o resultado
esperado. Essa situação recorrente em querer adaptar o comportamento
da cria nça ao me io escolar leva a um mal-ent e ndido . Um mal-ent e ndido
no que se refere ao s intoma como so lução. No meio escolar, ao
escutarmos o sintoma da cria nça para além da inadap tação dela na
esco la, pod emos reconhecer qu e ela tem um sintoma que precisa ser
escutado.
Des sa forma, fre nte ao sinto ma esco lar, ou seja, a uma situ ação de
inad equ ação denunc iada pela es cola, o u p ela família, o ptar por tratar a
criança para s er um bo m aluno na esco la, utilizand o a perspect iva d a
adaptação , é descons iderar a p ulsão. Ess a d escons ideração puls iona l
deixa em se gund o plano tudo o que é da ordem do sintoma como
produ ção do inconscie nt e, ou seja, co mo solução.
Portanto, desconhecer a presença d a dimensão puls iona l no
sintoma, numa p rática educativa, é u m grand e complicador para o
ente ndim ento das dificu ldades apresentad as p ela cria nça na escola. Is so
porqu e, na p erspect iva de fazer a cr ianç a ficar bem na e scola, de seguir
um p adrão de comportamento imposto pela própria e scola, a dime nsão do
sintoma como solu ção se perde, po is ele p erde o potencial de resposta ao
que é mais s ingular no sujeito .

41
Cons idera ndo a prátic a clí nic a com cr ianças, t emos Anna Freud e
Mela nie K lein como p ioneiras de ss a c línica p sicana lític a. Se ndo ass im, é
relevant e pergu ntar : em que posição, em relação ao sinto ma na c línica,
se inserem es sa s duas psicanalistas de cria nça s? Como conduziram sua
prática clí nica fre nte a d ime nsão puls iona l no sintoma ? Iremo s, no
próximo cap ítulo, aco mpanhar como se deu a entrada de A nna Freud no
campo da psica nálise com cria nças.

42
CAPITULO II – ANNA FR EUD: O EU 3 EM DETR IMENTO DA
REFERÊNCIA À PULS ÃO

Neste c ap ítu lo, iremos invest igar como se deu, p ara Anna Freud,
su a entrad a no campo da psica nálise com crian ça s concernente à
refer ência ao s intoma e à dim ensão p ulsio nal a partir da s egunda tó pica
freudia na. Do mesmo modo, verific ar se sua e ntrada no campo analít ico
com cria nça s nos for nec e indícios de uma vertente adaptacionista em
relação ao sintoma da criança.
Para ta l inve st igação, faremo s, em um p rimeiro mo mento, um
percurso p elos recursos técnicos utilizad os por Anna Freud em sua
prática com cr ianças que nos le vará a considerar qual o encaminhamento
dado po r ela em sua p rática clí nica com crianças no que se refere à
dime ns ão pulsional do sintoma.

2.1 Privilégio d a obser vaçã o do comportamento da criança

Anna Freud, filha ma is nova de S igmund Freud, nasceu em Viena ,


no ano de 1895, mesmo p eríodo em que Freud inic io u os estudos de
psicanálise. Ela não se guiu, como ele, carreira médica, to rnand o-se
profes so ra primár ia e e xercend o es sa p ro fiss ão nos anos de 1914 a 1920

3
Aqui, no texto no qual citamos Anna Freud, o que seria o eu, nós vamos chamar de ego porque é essa
nominação que nós encontramos no texto da autora ao referir-se a essa instância. Quando for uma
consideração feita por nós, usaremos a nominação eu.

43
(BRUHE L, 1992). O privilé gio da observação do co mpo rtamento da
criança nos parece ser uma influência prove nient e de su a prática como
ped ago ga.
Entreta nto, é rele va nt e s ituarmo s a Prim eira Grande Gu erra co mo o
ce nár io de entrada de Anna Freud no e nsino. Como d iss e su a biógr afa
Elizab eth Young-Bruehl (1992 ), ela lec ionou nos ano s de 1915 a 1918 no
Liceu d e Cabana Salka Go ldman, em Viena, o nde pôde demonstrar seu
int eresse pela p rática e pelo “dom de ensinar”. A prátic a no ens ino e a
relação com o s a lunos em sa la de au la se pautavam em atenção cuid adosa
e disc iplina imp osta po r Anna Freu d sem qu alquer tipo de co erção (p.
61).
Nes se mo mento e sp ecífico do ato de e nsinar, A nna Freu d, então
ped ago ga, inic iou o int eresse p ela o bser vação de crianças, co nvocação já
feit a pelo pai d ela a quem se int eressas se no tratamento com crianças, no
ano de 1909, por meio do caso do Pequeno Hans (FRE UD, 1909 /1980 ).
É importante ressa ltar qu e, com Freud (1893/1980), o início d a
prática ps icanalít ica, p or meio da des co berta de que “os histé ricos
so frem de reminiscências ”, permit iu aos analista s deduzirem do materia l
relembrado pelos pacie ntes adultos a re const ituição dos aco ntec imentos
da infâ ncia. Algu m tempo depois, a psicanális e com crianças avançou no
que concer ne a essa p rática. O s inte ressados nes sa c lí nica com cria nças,
e ne ste cap ítu lo trataremos de Anna Freu d, nos permitiu reconhecer u ma
mud anç a nessa perspect iva de dedução dos acontecimento s da vida da
criança pela lembrança d o adulto. Como no s diz Zaíra Belan (198 8), a
observação d iret a da cr iança, em d etr imento das lembranças do adulto,
permite ao ana list a u ma visão outra da infância da cria nça . E continua:

A vis ão da i nfâ nci a, des en vol vi da a o l ong o dos a nos n a


b as e d o t rab al ho an alíti co co m cria nças, for nece a o
a nalista uma ab o rd ag em q ue di fer e daq uel a dos q u e
ap enas obs erv avam a cri ança p or i nt er médio do ad ult o (p .
1 1).

A observação do comportamento foi uma prática largament e


utilizada por Anna Freud em seu ofício de pedagoga. Elizabeth Brueh l

44
(1992 ) destaca o intere ss e de Anna Freud pela o bservaç ão em sala de
aula, em d epoimento posterior d e um aluno , ao dizer sob re ela: “ Lemb ro
que você usava um uniforme azu l e anotava mu ita s coisas em u m livr inho
e eu sempre me pergu nta ndo se aquilo d izia respeito à observação de
crianças” (p. 61-62).
Por meio da observação em s ala de aula, Anna Freud a notava o s
relatos espontâ neos das criança s co ncernente s às suas fantasia s, em que
operavam conteúdo s relacio nados à Guerra. Existia, na vida des sas
crianças, u ma escassez m ater ia l fru to do pó s-Guerra, que, todavia, er a
negada, pelas cria nça s, principa lment e no momento d as refeições, po r
ideia s relat ivas, p or exemplo, ao pai: “Em vez d e exagerar o tama nho, a
riqueza ou o pod er do pai, uma meninaz inha a nunc iou: meu p ai sempre
come carne aos domingos” (BRUHEL, 1992 , p. 62).
O o fíc io de pedagoga e a inclinação d e Anna Freud à observação
de cria nç as e de suas falas, durante sua prática em sala de aula, fo ram, a
nos so ver, precedentes importantes que podem ter influ enc iado sua
formação e atuaç ão na p rática clí nica com cria nças. Sob retudo, parece-
nos terem p ermit ido imprimir em sua prática com criança s u ma
perspectiva que se encam inhou no sent ido de uma ênfa se ao s aspectos
consc ient es do s comportamentos e das fa las das cr ianças.
Quando Anna Freud deixo u a prática ped agógica de sala d e au la ,
ela iniciou sua p articipação no círcu lo psicanalít ico de Vie na ju ntament e
com o s discípulo s de seu pai. Ingre ssou no movime nto psicanalít ico no
ano de 1922, com u m artigo apresentado à Wiener Psych oana lytische
Vereinigung (WPV) – “Fanta sias e de va neios diu rnos de uma cr iança
espancada” (BRUHE L, 199 2).
Segu indo os passos do pai, embrenhou -se definitivame nt e no
campo analít ico infa nt il no s anos de 1926 e 1927 com o livro O
Tra tamento Psicanalítico de Cria nças, cons iderado su a o bra p rincipal.
Esse livro foi o resultado de uma série de preleções que Anna Freud
proferiu no Inst ituto de Psicanálise de Viena para um d ivers ific ado
púb lico tanto de analis ta s co mo de profes sores e interessad os na
aplicação da psicaná lise à ed ucação. Ele teve t amb ém a fu nção de
divu lgar c laramente como era a aná lise de cria nças praticada em Vie na

45
naq uilo que veio a ser conhec ido como Escola de Viena (FREUD, A.
192 6/1927 /1971 ).
Todavia, uma vez tendo se deslocado d a prática ped agó gica p ara a
ana lít ica, Anna Freud continuo u a privilegiar a ob servação direta do
comportamento, agora, no tratame nto co m cr ianças. No ano de 1927, na
parte II de seu livro O Tratamento Psicanalítico d e Crian ças, ela
enfat iza que a psicaná lise co m cria nças começa a desp erta r interesse,
princip alme nte p or evide nciar a co nfirmação das concepções sobre a vida
me ntal da cr iança, formulada pela anális e dos adulto s, e ressalt a o papel
da observação que irá “fornecer no vos horizo nt es para completar as
novas ideias através da ob servação diret a” (p. 87). Acresce -se a es ses
aspectos d a observação no tratam ento com cria nça s o fato d e privilegiar
o conhec imento p edagógico, que, segu ndo a au tora, terá no fu turo u ma
aplicação no terreno d a psica nális e.
A prática do método de ob servaç ão co nt inuou a ser destacada no
ano de 196 5 no seu livro Infância Normal e Pato lógica . Anna Freud
(1965 /1980), nesse livro, cont inu ou a ressa ltar a importância da
observação, qualifica ndo -a de o bservação da superfíc ie d os
comportamentos das cr ianç as como ferrame nta importante na intervenção
terap êutica

Na m ed i da em q ue o ego e o sup er ego s ão estr ut ura s


con sci ent es, a obs er va ção di r eta, ist o é, da sup er fíci e,
tor na-s e uma a deq ua da ferr amen t a da ex p loraçã o, e m
a dita ment o e em colab ora çã o com a ex plor açã o d a
p r ofun di da de (p. 2 6-27 ).

Anna F reud, ne ss a passagem, ao reconhe cer as estruturas egoica s e


su peregoicas co mo co nsciente s, por sua vez, parece s e au to rizar a faze r
da ob servação uma ferramenta adequada que serviria de complemento à
exp loração do inconscie nte, sobretudo quando há as so ciação com a
psicolo gia do eu, que enfat iza os elem ento s d a consciência em
detrime nto de produ ções inco nscie nt es.
Do mesmo modo, a ava liação da situ ação ext er na do
comportamento, se gundo Anna Freud (1926/1927/1971), associa -se
diretamente com a impo rtância qu e tem para e la o s aspectos do

46
desenvolvim ento d a cria nça. A observação de situações exter nas do
comportamento d a cr ianç a, por sua vez, permite ao profis sional se ver,
“na verd ade, face a fac e com a tarefa d e avaliar a normalidad e do
processo do dese nvo lvimento propriamente d ito ” (p. 134). Dessa
ma neira, são o s elementos da su perfí cie do comportamento e do
desenvolvim ento , aliado s ao s aspectos inconsc ient es, que são ele vado s à
condição nece ss ár ia para a co mpreens ão do comportament o da criança
nes sa clí nica.
Cons ideramos que Anna Freud parece privilegiar mai s
int ensament e os aspectos ext ernos re lacio nado s à observação de cria nç as .
A perspect iva d a cr ianç a em d esenvo lvime nto é um fato r que privilegia
es se inter es se ext er no. Ao mesmo tempo, a associação entre o su perficia l
e a profund idade do comportamento, aliad a também aos fundame ntos
ped agó gicos, parece-nos se e ncaminhar para uma prática preocupada com
as respostas d o comportamento em detrimento das questões estru turais
concernente s ao inco ns cie nt e. A ê nfas e nas respostas d o comportamento
do sujeito nos e ncaminha em direção a uma prática que vai de encontro à
perspectiva d a adaptação do comportamento da criança ao socia l.
Tal como enfat izado por nós anteriormente, a prátic a de
observação p ermit iu um avanço na clí nic a co m cr ianças p or reconhece r
de uma forma d ireta os asp ecto s infantis do dese nvolvimento d a criança
em detrimento das reminiscências do s adulto s. To davia, a ênfase, tão
reco rrente à observação do comportamento, lev ou Anna Freud
(1965 /1980) a fazer uma advertência a os ana list as qu e utiliz am es sa
ferrame nta d a observação co mo meio d e encurtar o cam inho p ara o
inco nsc iente. Isso porque, ao traduzir diret ament e os co mpo rtamento s
ma nifestos do p acie nt e, sobretudo sem a colabor ação dele, co mo recurso
para se che gar ma is ráp ido ao inco nsc ient e, é, cont inua A nna Freud : “um
procedime nto que é contrário às melhores tradiçõ es da anális e” (p . 21).
Des se modo, Anna Freud (1926/1927/1971) reconhece a
observação d e crianças como ferrame nta de exploração distinta daq uela
que acontece na p rática clí nica psicana lí tica. Entret anto, ela p rivilegia
es sa prática de observação , ressalt ando -a como necessária para o
tratamento a na lít ico com criança s. E ass im co mpleta:

47
mais u ma p alavr a s ob r e a fu nç ão ‘p ed ag ó gi ca’ do an alist a
d e cri anças. Uma vez q ue descob ri mos q u e a s fo rç as co m
as q uais t emo s de nos h av er n a cur a de uma neur os e
in fantil não s ão ap enas i nt ern as, mas tamb é m ext er nas e m
p art e, t emos o dir eit o d e exi gir q ue o a nalist a de cri ança s
d ev e avalia r corr eta me nt e a sit u aç ão ext ern a em q ue s e
ins er e a criança; exata ment e co mo del e exi gimo s q u e
d ev a medi r e compr een d er a s ua situ aç ão int er na (p . 99).

Para Anna Freud (1 965/1980), a criança exibe seu s


comportamentos em todo s os momentos de su a vida, se ja na esco la ou na
famí lia. Esses comportamentos o bserváveis “p ermit em qu e se extra iam
conclusões diret as do comportamento da crianç a” (p. 26 ). Mas, do
mesmo modo, ela r es sa lta qu e é nece ss ário, por parte do analist a, te r
cautela com a amplitude d e comportament os que podem ser ob servados e,
por sua vez, interpretad os, conforme as fases do dese nvolvimento em que
está a cria nça. E nfat iza ainda, que, apesar de as manifest ações do
comportamento se tornarem evidente s,

h á u ma mu ltidã o de out ros q ue deri v am nã o de uma fo nt e


esp ecí fi ca e i n vari á vel, mas, p or v ez es d e um i mp uls o
subj acent e. [...] S em a expl oraç ão d ur a nt e a anális e,
essas for mas de co mp ortam ent o p er man ec em, p ois,
in co ncl udent es (p . 26 ).

Embora Anna Freud reconheça a imp ortânc ia da ob servação diret a


no comportamento da criança, ela não descons idera a prese nça e
relevânc ia de “impulsos su bjacente s”, que pod em produzir efeitos no
comportamento da criança. A questão é saber se, em sua p rát ica c lí nica,
Anna Freud va i privilegiar essa ferram enta de ob servação direta da
su perfície ou se e la vai as soc iar e ss a ferrame nta com a e xp loração da
profund id ade.
Além do mais, a ênfas e destac ada na observa ção do
comportamento, assoc iada à preo cupação social e specí fica do período da
Gu erra, se ap rese nta a nós como ou tro po nto que pod e ter contr ibuído
so bremane ira para u m possível encam inhame nto da p rática d e A nna
Freud em d ireção a uma persp ectiva de adaptação do sintoma ao socia l.

48
2.2 Instrum entos teóricos para uma defesa da adaptaçã o do sintoma
ao socia l

A evidênc ia na “observa ção de superfície” dos compo rtamento s


das cria nças foi um recu rso inic iado e utilizado po r Anna Freud no ofício
de pedagoga. Do mesmo modo , podemos reconhecer, no ano de 1922, no
qual s e d á a e ntrada de A nna Freu d no mo vime nto p sic ana lítico, u ma
situação so cial especí fica do pós-Guerra, na qual ha via uma emer gência
so cial por soluções de toda a ordem p ara sa nar o mal-estar p ro vocado
pela Gu erra (BRUE HL, 19 92).
Des sa d ata, momento da formação teórica e prática de Anna Freud
são os textos de Freud que tratam sobre a s itu ação socia l da Guerra que
parecem ter influenciado o trab alho analítico de Anna Freu d. Será que
pod emo s dizer que essa situação social colab orou com o int ento d e se
buscar u ma solu ção do sintoma por meio da adaptação ao socia l?
Freud , no ano de 1913, sublinha a relação intrí ns ec a entr e
edu cação e terapêutica na introd ução A Th e Psycho -Ana lytic Meth od de
Pfist er. S e gundo ele, “a educação procura gar ant ir qu e algumas
disposições (inatas) da cr iança não causem qualq uer p rejuízo ao
indivíd uo e à sociedade” (FREUD, 1913/1980, p. 416). No entanto, o
processo terap êutico tem início quando a repressão já p roduziu o
resultado indesejado. Freud reconhece, nes se texto, que “a edu cação
const itu i uma profila xia, que se dest ina a p reve nir ” (p . 416). Ancorado
nes sa posição , Freud se coloca a q uestão “se a psica nális e não dever ia
ser u tilizada para fins educativo s t al como a suges tão hip nótica o foi no
passado ” (ibidem), acres ce nt and o qu e seu uso terap êutico pod eria te r
uma influência p ro filát ica na cr iança.
Um pouco mais adia nte, o texto L inhas de Pro gressos na Terapia
Psi canalítica , datado um pouco antes do fim da Prime ira Guerra
Mund ial, no ano de 1918, no s dá ind ícios d o início da adoção de Anna
Freud aos trabalho s de F reud sobre a educação e o social. Esse texto fo i
proferido no Quinto Co ngresso P s ica nalít ico Inter nac ional, rea lizad o em
Budap este. Ne le, Freud examina va as questões q ue estavam em curso na
téc nica ps ica nalít ic a naq uele s tempos d e guerra. Nesse pro nunciamento,

49
ele co nsid era a nec es sidade de “combinar a influ ênc ia ana lít ic a com a
edu cativa; e mesmo no caso da ma ioria, vez p or ou tra surgem ocasiõ es
nas quais o médico é obrigad o a assu mir a posição d e mestr e e m entor”
(p. 208). Observa- se qu e essa posição de F reud foi co nsid erada por Anna
Freud em seu p rimeiro trabalho, no ano de 1926, relac ionado à técnica
psicanalít ica. Para ela, ante s q ue houves se qualquer ens inam ento
sist emát ico a p ais e pro fessores, “o a nalist a de cria nça s precisa va
reivind icar para s i mesmo a liberdade de guiar a criança [...] e em
consequência a justar, na su a própria pessoa, d uas fu nçõ es
diametralm ente opo stas: te m d e analisar e edu car” (FREUD, A. ,
192 6/1927 /1971 , p. 14).
Todavia, Freud (1918 /1919 /1980), por sua ve z, reconhece, nes se
texto , que se d eve ter cuidado na co mbinação entre o analít ico e o
ped agó gico, pois o ob jet ivo dessa associa ção é que “o paciente deve se r
edu cado p ara lib erar e sat isfa zer a sua própria natu reza, e não
as seme lhar-se conosco” (p . 208).
Freud (1925/1980) continua a d estacar o alcance e a importânci a
da aplica ção da p sic aná lise à ed ucação no seu te xto Pr efácio à Ju ven tude
Deso rientada de Aicho rn. Reve la, nesse te xto, q ue todo esse interesse
perfila pelos caminhos percorridos pela a nális e ao reconhecer no adulto
uma criança qu e o habita. A p artir desse e nunc iado , a criança torna -s e o
ponto de int eresse da clí nica p sica na lítica, como conseq uência d a
edu cação , cujo o bjetivo , diz- nos Freud (1925/1980) , “é orientar e assist ir
as cr ianças em s eu cam inho para d iante e protegê-las de s e e xtraviarem”
(p. 341).
Essa po sição é ratificada mais u ma vez po r Anna Freud no a no de
196 5, quando nos d iz que a educação entra em c ena , esperando sempre
algu ma co isa da criança. Mas a ide ia comum entre todos os objetivo s
relac ionados à ed ucação “é sempre fazer da criança um adu lto que não se
difer encie muito do mundo que a rodeia” (FRE UD, A. , 1965/1980, p.
27). A educação, comp leta Anna Freud, “luta com o modo de ser da
criança, co m os maus costu mes infant is” (p . 28 ). Posição essa que nos
parece segu ir ao enco ntro de mod elos est abelec idos p ela sociedade p elos
quais o tratame nto de Anna Freud visa a alca nç ar.

50
Cons ideramos, a p artir des sa s le ituras realizadas d os te xtos de
Freud refere nt es à educação, que estes s e tornaram r eferenc iais para o
trabalho d e Anna Freud. Sobretu do, a apropriação pontual de questões
ligad as à educação nos le va a co ns ider ar qu e serviu de guia p ara o
desenvolvim ento da prática com crianças criada por ela. Como fonte a
beb er, Anna Freud absorveu do s co nhecime ntos pro clamad os pela teoria
psicanalít ica justam ente nos te xtos em que Freud combina o ped agó gico
com o analít ico. Nes ses prim eiros text os de Freud, o que pode ter
chamado a at enção de A nna Freud foi just ament e es sa combinação .
Embo ra essa não se ja uma ê nfase dada p or Freud em sua doutrina ,
todavia, es sa combinatória p arece ter sido o qu e Anna Freu d extraiu do
texto dele.
Inser ida em um cont exto de emergênc ia so cial, a int erp retação da
obra freudiana p or Anna F reud nos convoca a reflet ir so bre o
encam inhamento dado por ela à sua técnica e prática analít ica.

2.3 Experiências educativas de prevençã o co ntra o sintoma

Uma vez destacado s nos textos de Anna Freud a ênfas e na


observação de cr ianças, a visada pedagógica assoc iada à c lí nica e o
int eresse especí fico nos te xtos de F reud dir igidos à educação e ao socia l,
consideramos, também, a abertura de creches -lares p ara o acolhimento de
crianças sem lar no p ós-Guerra e d a Escola Heit inz ing como duas
situaçõ es que destacam a importância d a e xperiê ncia edu cativa como
preve nç ão contra o s intoma d a cr iança. Será que poderemos cons idera r
es sa s exp eriênc ias ed ucativas como mais um po nto adotado por Anna
Freud que pode ter sido fac ilitador para seu encaminhamento no
tratamento em d ireção à visad a da adaptação ao socia l ?

2.3.1 As crech es-lares: educação para uma adaptaçã o ao social

A d emanda emer gente de soluções para as agruras provo cad as pela


Gu erra convoco u interes sados na c línica co m crianç as para a b usca de
so luções aos prob lemas c ausad os po r ela. A criação d e crec hes -lares fo i

51
uma solução que p ermit iu, mediante s eu func io namento, ser o lo cal de
acolhime nto e, so bretudo , de estudo sobre os aspectos do
desenvolvim ento da cr iança. Des sa m ane ira, as creches -lare s que
nasceram d essa emer gência socia l do pó s-Guerra foram se firma ndo
como campo de atendime nto e tratamento com crianças que sofreram as
atrocidades p ro vinda s d a Guerra (HELLE R, 1994).
No que se refere a essa emergênc ia so cial, não pod emo s dizer que
todos os ana lista s foram influ enc iado s por ess a s ituação socia l da mesma
ma neira, mas, nes se mo mento, o no me q ue s e desta cou como um exemplo
dessa perspect iva foi o de A nna F reud. Como nos diz Bruehl (1992), “a
ana lista para quem a vis ão so cial de Freud tornou -se um credo mais
profund o e duradouro foi su a filha” (p. 65 ). No final d o texto Linhas de
Pro gressos na Terapia Psicana lítica, Freud (1918 /1919 /1980) destaca a
necessid ade d e a ps ica nálise se expa ndir por meio d o acesso às clí nicas
ou inst itu tos, alcançando as camada s mais amp las d a sociedade e
promo vendo o atendim ento a u m maior número de pessoas pela
psicanálise. Reco nhecemos, nesse texto , qu e há uma convocação de
Freud para amp liar o ate ndimento psic analít ico aos su jeito s
desamparados pela Guerra; convo cação ace ita por Anna Freu d, que
particip ou desse mome nto social.
Guiadas p elo sent imento d e cuid ado e ate nção pelas cr ianças ,
Do ro thy Burlingham e A nna Freud (1954/1961) procuraram, du rante
todos os primeiros ano s de estu do, por meio das clí nic as de atend imento
e das creches- escolas, “dar à s cria nça s o qu e ela s perd eram: a se gurança
de um lar está ve l com todas as poss ibilidad es d e desenvo lvimento
individ ual” (p . 18). Como nos relatam as auto ras:

As con seq u ên ci as da g uerr a – mobili zação d o pai,


trabal ho da mãe numa fábri ca, eva cua ção n ec essária,
d estr uiç ão da casa p or b omb ar dei o – fi zera m q u e, e m
g ran de p art e da p op ula çã o, fosse d est r uí da a vi da
fa miliar. Assi m, i nú m er as cria nças, q u e nã o sã o
p r opria ment e ó rfãs, p er dera m o lar. F oi n ecess ári o
a gr up á-l as na crech e-l ar e suj eitá-l as à ex p eriê ncia d a
vi da sem família (ibid em).

52
O objet ivo de Bu rlingham e A nna Freud (1954/1961) era
propo rcionar à s cria nça s uma melhoria d e vida pela p sicaná lise p or meio
da criação de inst ituiçõ es acolhedoras de crianças órfãs e aba ndo nadas
pela Gu erra. A preocup ação co m as cr ianças sem lar motivou o interes se
de Anna Freud na abertura de ins t ituições que p udessem acolher es sa s
crianças em desenvo lvimento .
Os primeiros a na listas que viveram e ss e momento da Primeir a
Gu erra esta vam imbuídos, como nos diz Heller (1994), “de um pathos
humaní st ico” (p . 3 5). Ha via ne les u ma co nvicção de u m “poder saudáve l
do autoconhecime nto” : tema e preocupação da ética ocid enta l desde
Sócrates, mas enco ntrado somente no método da psica nális e , que
permitiria a e sp erança de um es clare cime nto humano (ERIKSON ,
193 0/1983 apud HE LLE R, 1 994). No que diz respeito ao posicio nam ento
profiss io na l e ét ico desse s a nalist as, completa Heller (1994), “ess e era o
etho s de Anna Freu d e de seu círcu lo de amigos” nes se momento d o pós -
Gu erra (p. 36).
Observa- se, a part ir d ess as p assa gens d estacadas, que havia, p or
parte d e Anna Freud, uma preocupação com o social, que se dirige rumo
à questão de uma reco nciliação d a crianç a ao social. Essa reco nciliaç ão
nos fornece ind icat ivo s de se ancorar em uma perspectiva de adaptar es sa
criança ao socia l, p rincipalmente no trabalho d es envolvido e executado
nas cre che s- lare s.
Ainda no qu e concer ne a es se mo mento socia l e com o
desenvolvim ento ind ividual das cr ianças, no ano de 1954, Anna Freud ,
junto com Dorothy Burlingham, escre veram o livro Menino s sem Lar.
Trata-se d e u m relatório de observaçõe s de crianças, colhidas em três
estabe lec imentos do tipo orfa nato . Nes se livro, elas cit am todas as fases
pela s quais a crianç a d eve pass ar para alcançar um des envolvim ento
norma l tanto nos lar es quanto na s fam í lias. O co ntrole muscular, a
lingua gem, o aprendizado do asseio e a alime ntaç ão são a lgu ns aspectos
do desenvo lvimento infant il que são tratados po r elas nes sa s ins t ituiçõ es
(BURLINGHAN; FRE UD, A., 1954 /1961 ).
A preocupação com as cr ianças põ e em rele vo o s aspectos d a
fisio logia e do d esenvolvime nto. É a maturação do organismo , exp ressão

53
do dese nvo lvime nto fisiológico da criança , o fator d eterminante para que
esta est eja ap ta para desenvo lver determinado comportamento . Tanto
Do ro thy Bu rlinghan quanto Anna Freud (1954 /1961) parecem acred itar
que a presença d e possí veis intercu rsos na vida, inere nt es ao meio
exter no e de certas dificu ldades p recoces próprias das cr ianças, no curso
do dese nvolvimento infant il, será o mesmo tanto em crianças que vivem
em crec hes- lares como em crianças qu e vivem em famí lia s.
Portanto, é a perspectiva da criança em desenvo lvimento qu e se
destaca ne ss e trab alho ta nto das creches- lares qu anto d a esco la He itzing.
Por outro lado, ver ificamos, na s pass age ns d esses t exto s citados, vár io s
indicat ivos ou , como não dizer, cert a preponderância da ad aptação do
comportamento da criança ao social.

2.3.2 A Escola Heitzing: educação sem coerção

O interesse de Anna Freud na cr iaç ão de instituições com


finalidades educat iva s remont a à cria ção da Escola Hiet zing, no meada
como uma escola ps ica nalít ica “livre ”. Es sa foi m ais uma inst ituição com
finalidade educativa proposta por Anna F reud em conjunto com Dorothy
Burlingham e Eva Rosenfe ld. Anna F re ud tem co m Bu rlingham u ma
relação de parcer ia e amizade, bu scand o nest a uma famí lia sub stituta. Já
no que se refer e a Rose nfeld, eram amigas em Viena, que a aju dou na
adminis tração d a Escola Heitzing. Fu ndada no ano de 1927, essa Es cola
teve seu iní c io apoiada em ob jetivos p articu lare s dessas três mulhere s.
Do ro thy Burlingham qu eria pro porcio nar aos filhos uma edu cação
difer ente daquela que era oferecida pelas esco las públicas au stríac as ,
que, segundo ela, eram autoritár ias. Eva Rosen feld tinha o int eress e em
homena gear a memória d e sua filha fale cida p or meio da criação dessa
Escola. J á o objetivo de Anna Freu d, p autado em fins psic analít icos, se
guia va p elos princíp io s de uma “educação sem coerção” (HE LLER, 1994,
p. 31).
Pod emo s, então, pergu ntar : m as o que é uma edu cação sem
coerção ? Es sa respo sta é dada por Anna Freud em uma d e suas cartas no
ano de 1929 à Eva Rosenfeld : “uma caract eríst ica intrínseca da

54
abord agem ps icanalít ica” (HELLER, 1994, p . 31). Entreta nto, a p rática
esco lar cotid iana promoveu a necess idade de se qu estio nar es sa dispensa
de co erção quando se p ercebeu qu e es sa p roposição resu ltava em
problemas de ordem prática, es crevend o, então, a Eva Rosenfe ld :

S eria melh or co nv er sar sobr e a es col a do q ue es cr ev er a


r esp eit o d el a. [...] acredit o q u e a es co la deve t e r
ob ri ga çõ es. N oss a di fer en ça está r est rita a um ú ni co
p ont o. Des ejo que as crian ça s s eja m leva da s a g ostar de
fa zer o q ue se es pera qu e elas façam . V oc ê des ej a q u e
s ejam l eva das a faz er o q ue não q uerem fa z er tamb é m.
Mas os p r o fessor es nã o ent ende m n en hum desse s
asp ect o s. Tu do q ue sab em é co er ção o u disp en sa d e
coer çã o. E a ú lti ma alt ern ati va l eva a o ca os (Carta nº 8
d e Anna Freud a Eva Rosenfe ld, 1929: gr ifo nosso).

Nes se trec ho da Carta nº 8, destacamos , pelo gr ifo , o p ens ament o


de Anna Freud vo ltado para os aspectos de adaptação de ssa s cr iança s. O
fato de as cr ianças serem levadas a fa zer o que se espera delas nos d eixa
clara su a posição co m relação a es se empreendime nto educacio nal. Nessa
passagem, segu ndo Anna Freu d, a criança é levada a faz er o qu e a
cultu ra espera dela. Situação oposta quando ela afirma a posição d e Eva
Rose nfeld, qu e destaca o fato d e a cria nça fa zer também o que ela go st a
de fazer, po sição que po derá ir contra o que a cultu ra espera dela.
Anna Freud , ness e trecho , apo nta para algo do faze r da crianç a
refer ido à cultura e re lacio nad o ao desejo d a criança. P or outro lado,
pod emo s reconhec er u ma perspectiva ad aptativa ao apontar o fazer da
criança em d ireç ão a um ideal esperado pela sociedad e. Essa posição nos
aporta um d eterminado encam inhamento de sua prática clí nica.
A Esco la Hiet zing findou no ano de 1931 por fa lta de
reco nhe cime nto oficial junto às autoridades educacio nais d e Viena. No
enta nto, ela s e torno u o modelo de um ens ino baseado na educação s em
coerção . Propo sição que não deixou de trazer d ificuldades para qu em
dela participou e necess ito u mud ar de ins tituição após o seu fec ham ento
(HELLER, 1994 ).
A perspectiva da clí nica de A nna Freud e os elementos utilizados
em sua prática, tais como a ob servação do comportamento , os aspectos

55
do desenvo lvimento d a cr iança, a preo cupação com o social e as
exp eriênc ias educativas de prevenção co ntra o s intoma, nos d irigem ao
reco nhe cime nto de um viés p ara o tratamento, cu ja terap êutica se
encam inha para u ma p ersp ectiva educativa.
No entanto, no que concer ne à s egunda tópica freu diana, A nna
Freud depara-se com o problema da pu lsão. Esse conceito se insere em
uma p ersp ectiva d a clí nica ps ica nalít ic a que não nos deixa dúvidas da
dime ns ão estrutural e seus efe itos no sujeito . Para Anna Freud, parece -
nos que, a partir daí, houve um verdadeiro impass e em sua c línica: como
introduzir a questão da pulsão em uma perspect iva ed ucativa?
Cabe-nos, nes te mo mento, ver ificar como se deu, para Anna Freud
em sua clí nica, a e ntrada da segu nda tópica freudiana co m a nova
postulação da pu lsão. E, dessa maneir a, destacar no tratamento
psicanalít ico com cria nças qual p ersp ectiva A nna Freud irá utilizar no
que se r efere ao sinto ma: o s intoma como adaptação, descons idera ndo a
pulsão, ou o sintoma co mo solução?

2.4 “O tratamento psicana lítico com crianças”

Anna Freud (1926/1 927/1971) reconheceu Viena como um luga r


que se tornou fértil para o estudo psicanalít ico do desenvo lvimento
norma l da cria nça e para a aplic ação desse novo conhec ime nto na
edu cação . O cenário profícuo p ara a divulgação de seu trab alho no
tratamento com crianças foi o Inst ituto de Psica nális e de Vie na no ano de
192 6. Nesse Inst ituto, proferiu, para um divers ificad o público, tanto de
ana lista s como d e profes sores e intere ssado s na ps icanálise, uma sér ie de
preleções que se transformaram em seu primeiro livro sob o título O
Tra tamento Psicanalítico de Crian ças (FREUD, A., 1926/1927/1971).
Nes se livro, Anna Freud (1926/1927/1971) destaca a d ificuldade
de se p raticar com crianças a téc nica ana lí tica p ura:

P ara tra bal har com cri anças t em-s e a i mp r es sã o d e q u e a


a nális e nest e set or é u m mét od o de masi adamen t e di fí cil,
disp en di oso e co mpli cado, e q ue ex i ge ex cessi v o
d es gast e; p or out r o la do, em outros casos, e ist o e m

56
carát er ai nda mais fr eq uent e, s ent e-s e q ue com a análi s e
p ura e si mpl es con segu em-se r esultados medí o cr es (p .
2 0).

Cons idera ndo es sa dificuldade de se praticar a aná lise pura em


crianças, A nna Fr eud (19 26/1927/1971) reconhece a nece ss idad e d e se
as so ciar o co nhecime nto analít ico com o pedagógico em sua prática com
criança. Essa associação , para ela, é própria condição da criança em
aná lise :

Ent en de m q u e o a nalista d e cria nç as, exat a ment e p orq u e


o pa ci ent e é uma criança, deve, al é m d e trei na ment o
a nalíti co pr op ria ment e dito, ta mb ém p oss uir um segun d o
el e ment o – o con he ci m en t o p eda gó gi co. Nã o s ei p o r q u e
d ev emos n os atemori za r co m esta palav ra, o u p or q u e
d ev emos t omar uma co mp osiçã o das duas at itud es co m o
s e fosse meno scab o p ar a a a nálise (p. 8 8) .

Observa-s e que o viés edu cativo perpassa o tratamento


psicanalít ico p roposto por Anna Freud.
Por outro lado , Anna Freud associa es se viés adaptat ivo à
perspectiva d a criança em dese nvo lvimento. Nessa concepção, Anna
Freud (1926/1927/1971) destac a qu e a cria nça se aprese nt a ao tratamento
com um eu imaturo ou incompleto. Este irá se desenvo lver ao lo ngo da
infânc ia s egu ndo os estágios p róprio s do desenvo lvimento comu m a
todas as cria nças. A nna Freud (1926/1927/1971) atribuiu ao eu, por meio
de seu fortalecime nto, o equilíbrio interno de su as dificuld ades, b em
como o do mínio do mundo externo. Essa p osição fo i int erp retada, po r
Anna Freud (1965/19 80), como uma forma de estimular na crianç a o
desenvolvim ento d e um eu forte, capaz de resistir às pressõ es dos
impu lsos int er nos incontro lá ve is. Ne ss a perspectiva, para cons eguir
melhorar o desempenho do eu, o analista precisa se inte irar de
conhec ime ntos teó ricos e práticos relat ivo s ao cuid ado e educação das
crianças.
Cons idera ndo a p ersp ectiva do desenvolvime nto da criança na
prática de Anna Freud (1965 /1980 ), ela propõe co mo referên cia para o
ana lista, no acomp anhame nto das fa se s do desenvolvime nto da criança, o
protótipo de uma diretriz do dese nvo lvimento:

57
T rata-s e d a s eq uê ncia q ue vai d es de a p r ofun d a
d ep en dê ncia do recé m-n as ci do d os cui dad os mat er n os at é
a aut ocon fi a nça emoci on al e mat erial do j o vem ad ult o –
u ma seq uê nci a p ar a a q u al as s ucessi vas fas es d e
d es envol vi m ent o libi dinal ( oral, anal, fálico) for ma m
ap enas a b as e i n ata e mat ur aci on al (p. 6 1-62 ) .

As etapas, as qu ais a cr iança perco rre em seu desenvolvim ento , são


definid as pelas fas es do desenvo lviment o da libido, já demarcad as de
antemão na teoria ps ica nalít ica por meio do que já s e sabia d a anális e de
adu ltos (FREUD, A., 1965/1980 ). Segund o Anna Freud , basend o -se
nes sas fases, têm-se já definidas quais as re ações e r esp o stas possíveis
dad as pela crianç a: por exemplo : dia nt e da vio laç ão do víncu lo bioló gico
mãe-filho dá-se origem à a ns iedade de s eparação; quando há o fracasso
da mãe em desempe nhar s eu pap el de prover as necess idades d o filho ,
pod e surgir a dep ressão a nac lític a tal como d efinida po r Spitz; na fa se
fálico-edípica, com reações de amor e ódio ao progenitor do sexo oposto,
pod e permitir que sent ime ntos d e rivalida de e ciúme, bem como atitudes
exib icio nist as se d es envolvam; e no período de latê ncia, o btém -se como
so lução o abrandamento da urgência impuls iva nes sa fase .
Nes se s ent id o, as fases p elas quais pas sa a cr ianç a em seu
desenvolvim ento psíquico são determinadas e fixadas em c ada momento
do desenvo lvimento dela. As d ificuldad es emoc iona is que po rventura a
criança venha a apresent ar s ão resp ostas cuja solução será e ncontrada
conforme a fase do desenvolvim ento e m q ue ela s e e nco ntra. Dessa
ma neira, ancoradas na perspect iva do dese nvo lvimento , a s variações de
comportamento apresent adas por cada cria nça irão re meter o ana lista a
ident ificar em q ual fase d o desenvo lvimento e de sua cronolo gia a
criança e stá inserid a. É a perspectiva d a cria nça em dese nvo lvime nto um
dos aspectos relevante s d e sua clí nica que se associa com a p rática
edu cativa, promovendo uma prátic a clí nic a que nos parece privile giar os
aspectos da co nsc iênc ia e d o sujeito em detrimento das produçõ es do
inco nsc iente.
O qu e p odemos d estacar na prática clí nica de Anna Freud ,
so bretudo, é que a perspectiva do d esenvolvime nto não p ermite

58
reco nhe cer em c ada criança uma particu laridade. Todas já se e nco ntram
determinadas pelo seu dese nvolvimento e submetidas a determ inados
padrõ es de normalidade e ano rmalidade, posiç ão que se distanc ia do
fundame nto da prática p sicana lít ica. Desse modo, a direção dad a por
Anna F reud por meio do int eres se pedagógico do tratamento vai “se
orientar em d ireção a u m reforço do eu ao preço de u m fechame nto da
verdade p articular d o desejo do sujeito”, tal como d estacado no livro O s
Poderes da Palavra (AMP 4, 1996).
A não apreensão de uma p rática qu e fo ss e puramente ana lít ica no
ano d e 1926 permitiu a Anna Freud reconhecer e cons iderar, no ano de
192 7, primeiro ano de sua preleção na Sociedade de Viena, qu e sua
téc nica e sta va lo nge de s e dizer ps icanalí tica: “minha co nduta, tal como
a co nfigurei para os senhores, contrad iz em inúmero s aspectos as regras
téc nicas da psic aná lise tais como nos foram ensinadas no p as sado”
(FREUD, A., 1926/192 7/1971, p. 35 ).
Mesmo Anna Freud reconhecend o seu método como distinto d a
prática analít ica, e la a inda co nt inu a a p rivilegiar o método da observação
e os aspetos do desenvo lvimento d a criança, associa ndo o analít ico com
o pedagógico . Para a autora, a asso ciaç ão do analít ico ao ped agó gico nos
dá indic at ivos d e u ma prátic a p reciosa ao se trabalhar com a criança ,
pois esta é um ser em desenvolvim ento (FREUD, A., 1926/1927 /1971 ).
Des se modo, podemos cons iderar que a perspect iva da cria nça em
desenvolvim ento , bem como o método de observa ção de cr ianças e a
prática educativa est ão impresso s no percurso teó rico de Anna Freud
como uma linha refere ncia l que enlaça toda a teoria no qu e co ncerne ao
tratamento com cria nça s. Es ses recu rsos no s d ão elem ento s p ara u ma
prática vo lt ada para a adaptação da criança ao meio so cial, realizada
tanto nas institu ições de crianças quanto no tratamento delas.
Cons ideramos r e leva nte destac ar que a perspect iva da observação
de crianças, t ão cara a Anna Freu d, nos leva a cons iderar q ue sua
exp eriênc ia inicial so bre a ob servação do comportamento das cria nças
faz inferê ncia s à teoria para a co mpreens ão do que d esse comportamento

4
Livro: Os Poderes da Palavra, resultado de uma compilação de artigos da Associação Mundial de
Psicanálise (AMP) do ano de 1996, sem especificação de autores nos artigos.

59
está ou não em co nformidade co m o social. Ao reportar à teoria para o
ente ndim ento dos compo rtamentos inad equ ados d a crianç a q ue se
aprese ntam em sua prática, parece- nos que Anna Freud não permite fazer
exist ir a experiê ncia do inconscie nte na s es são. Do mesmo mo do, a
“qu estão do sujeito enq uanto interro gação sobre seu ser é d esqualificada
em b ene fíc io da ob servaç ão” ( AMP, 1996, p . 158). Assim, cons idera ndo
que a pulsão é da ordem do inco nsciente, como então se colo ca para
Anna Fr eud, a questão d a dime nsão puls ional em uma prát ica qu e não
privilegia a e xperiê ncia do inco ns cie nt e?
Com base no qu e foi exp osto até então, co nsid eramos que a
perspectiva clí nica do tratamento de Anna Freu d, nos le va a reco nhecer
es sa clí nica dir igida para a ad aptação d a criança ao so cial. Des se modo,
es sa constat ação no s encam inha para uma prática clí nica que parece se
amparar na cre nça de que a supressão do sintoma, qu e não est á em
conform idad e com o social, permit ir ia a resolução do conflito e, as sim,
pod eria dominar a pulsão de morte. Tudo is so no s co nduz a cons iderar,
portanto, que o sinto ma como adap tação é privilegiado na prát ica de
Anna Freud.
A segu ir, iremos utilizar quatro tópicos qu e nos auxiliarão a
ana lisar se a desco nsid eração puls ional do sintoma já verificado irá se
su ste ntar na prática clí nica co m crianças e m Anna Freud.

2.4.1 O eu: defesa contra o sinto ma

O método de observação na prática clí nica de Anna Freud


contrib uiu em sua teoria para o reconhecimento de q ue o campo
adequado de observação é semp re o eu . Na c línica d e Anna Freud , é po r
int ermédio do eu, relata- nos e ssa autora, que se faz possí vel em sua
prática a ob tenção do co nhecimento das outras duas instâ ncias – o id e o
su perego. Ness e e ntrelaçam ento entre as três instâncias, o eu tamb ém
possu i a posição privilegiada de exercer medid a defe ns iva contra a
invasão de impulsos do id. Des se modo, segu ndo Anna Freud
(1946 /1986 ), o eu se apresenta como medida defe ns iva frente o
irreco nciliáve l prese nte no id, part ici pando como d efesa contra o

60
sintoma. Fre nte e ssa ênfase recorrente do privilégio do eu em sua
prática, int errogamo -nos ma is uma vez : c omo se deu para Anna Freud a
apreensão da no va formulação pu lsional?
Nes se sentid o, a biógrafa de Anna Freu d, Elizab et h Yo ung-Bruehl
(1992 ), destaca, em seu livro, uma passagem de uma carta de A nna Freud
à Lawrence Ku bie em ja neiro de 1955, na qu al Anna Fr eud explica va a
Lawrence Kubie, sua contemporânea, como “vacila va” ao introdu zir para
seus alu nos a int egração da teo ria estrutural com a hipótese do s dois
instintos contr ários formulados pelo pai dela:

Cr esci, como vo cê, co m as hipót es es de trabal ho d a


di visão do espírit o e m i n co ns ci ent e, p ré- cons ci en te e
con sci ent e. Aq uilo era p ar a mi m u m t err en o familiar e,
como vo cê, hesit ei e senti di fi cu l da de q u an do meu p ai
fo r mu lo u a no va di vis ã o de i d, ego e su p er ego. [...]
Rem emor an do a gor a, a credit o q ue nã o esta v a
int ei ra ment e cer ta q ua nt o a o assu nt o e q u e – mes mo
q ua ndo eu r eco rria a t er mos est r ut urais ao escr ever e
falar – no p ensa ment o eu ai n da con ti nuava vi sualizand o o
assu nt o nos vel hos t er mo s tóp icos (BR UH EL, 1 992 , p.
1 45 ).

Anna Freu d sublinha nes sa pas sa gem que, embora ela te nha
ado tado os termos estruturais como id, ego e superego, ela os adotou,
mas ainda faz end o referê ncia ao qu e lhe era mais fam iliar à primeir a
tópica. E ssa posição nos leva a cons ide rar que a e ntrada na s egu nda
tópica permit iu à A nna Freud certa apreensão particu lar do conceito de
pulsão de morte. Essa p art icularidade na apreensão d esse co nce ito nos
parece ter enc aminhad o su a prática c línica p ara uma perspectiva da
desco ns ideração d a pulsão no s intoma. Como resultado, Anna Freud
privilegio u o sintoma naqu ilo que ele s e ap resenta como d efesa frente os
impu lsos inconscientes do id.
Do mesmo mo do que a segu nda formula ção d o aparelho psíq uico
aprese ntou d ificuldades para Anna Fr eud, a postulação d a pulsão de
morte também foi adotada por ela com certa cautela em 1920 . É o que
nos relat a Bruhel (1992):

61
E la nun ca r eco r reu ao t er mo ‘i nstint o d e mo rt e’, mas a
teoria d os i nstint os q ue a ob ra ap r es ent ou fo i
d efi niti vam ent e i ncl uí da em s ua vis ão met apsi coló gica.
Clini ca ment e ela fal ou de agr essão, pr esu mi n do q ue o
instint o de mo r t e nã o é n ecess ari a ment e a font e d a
a gr essã o o u su a ca us a. S en do mist eri os a a nat ur ez a d a
r elação entr e as du as coisas, pr eferi u ela falar d e
a gr essã o i nd ep en dent ement e, sem s e referi r ao i nsti nt o d e
mo rt e (p. 1 45).

Entreta nto , continua Bru hel (1992), a obra inic ial d e Anna Freud
foi t eoricame nte reservada ao utilizar a noção de a gres são. Em seu s
trabalhos, A nna Freu d (1946/1986) u tiliz a es sa no ção associada à
conce itu ação do mecanismo de d efesa – Identificação com o Agressor.
Por exemplo, o eu reco rre frequentemente a esse me ca nismo d e defesa
quando se encontra em perigo. Nes sa s it uação , a cria nça introjet a u ma
caract eríst ica do ob jeto que está lhe causando ans ied ade e, d es sa
ma neira, a ss imila es sa exp er iênc ia pela qual ac abou de p assar .
Reco rre ndo à s ituação a nalí t ica para e xemplificar co mo o meca nismo de
ident ificação ao agres sor toma a cena, Anna Freu d (1946/1986 ) relata o
caso do menino , atendid o por Airchor n, que fazia caretas to da vez que
era repreend ido pelo professor. Airchorn, continua ela, após o bservaç ão
da situaç ão oco rrida em sa la de aula, at entou que o comportamento do
rapaz era uma car icatura da exp ress ão zangada do professor: “Atra vés de
su as care tas, as simila va-se ao objetivo ext erno qu e temia, ou identifica va
com o mesmo” (p. 94). Portanto , a saída encontrada pela cr iança,
se gundo Anna F reud, seria s e ident ificar com o agressor, assumind o seus
comportamentos ou, muitas vezes, im ita ndo -o. Dessa maneir a, a criança
se des loca de uma p osiç ão na qual se se nt ia ameaçada para outra posição
de p oder ameaçar.
A tentat iva recorrente de incursão dos impulsos inst int ivo s no eu
promo ve nest e a neces sidade de utilizar medidas defe ns ivas cuja funç ão
é garant ir a proteção contra a invas ão d e moções puls io na is ind es ejáveis
prove nientes do id. O propó sito do “ego é co locar os inst intos
permane nt ement e fora de ação, por meio de aprop riadas medid as
defe nsivas, des ignadas para garant ir as próprias fro nteiras” (FRE UD, A. ,
194 6/1986 , p. 7). Dessa ma neir a, a prátic a de Anna Freud utiliz a e

62
privilegia me canismos de defesa co ntra o indes ejado, ou seja, o sinto ma.
Desse mod o, é o sinto ma co mo defesa que toma a cena na c línica de
Anna Freud em detrimento do sintoma c omo solução. O s intoma, para
ela, é representat ivo d o que do inco ns cie nte o eu se defende. Pelo
sintoma, o su jeito se defende do irreconc iliá vel do inco nsc ient e.
Relembrando o percurso teórico de Anna Freud discut ido até então ,
observamos que o viés pedagógico , e desse modo adap tacio nista , to ma o
primeiro pla no em sua prática clí nica. D es sa maneira, uma p ergunta se
colo ca: co mo introduzir a qu estão da pulsão em uma p rática clí nic a na
qual elemento s de uma perspect iva pedagógica estão presente s ?
Cons iderando que a própria questão da pulsão é colo cad a em prime iro
plano na p ersp ectiva clí nica ps ica nalít ica em contraposição à perspectiva
ped agó gica, apresenta-s e um impasse. Esse impasse nos mostr a a
dificu ldade d a abo rd agem clí nic a, de o rdem p ulsional, numa perspect iva
ped agó gica. Is so porqu e a d efinição de pulsão co mo algo da o rd em do
ined ucável, do impo ssí vel de ed ucar, nã o se ins ere numa p ro posta que
não leva em co nsideração essa dimensão.
Portanto, o que verific amo s é que a dime nsão pulsio na l re ferent e
ao sinto ma, formulada p or Freud , não teve p ara A nna Freu d a
consideração necessária em sua p rática clí nic a. Da mesma forma,
pod emo s dizer q ue a ap reensão p articu la r da no va po stulação da pulsão
levo u Anna Freud a u ma desconsideração da dime nsão pulsional no
sintoma. Des sa ma ne ira, A nna Freu d, em sua prática com cria nça s, ao
contrár io de considerar a pu lsão na ordem do impossível de educar,
parece-nos co nt inuar a propo r o método edu cativo já u tiliz ado em seus
trabalhos.
Ainda em relação à forma particular de apreensão da pu lsão por
Anna Freu d , o que se apresent a em s eus texto s pod e ser ent endido como
uma tend ênc ia em utilizar os meca nismos d e defesa do eu para se
defe nder das moçõ es inconscie ntes. Des se modo, na prática c línica de
Anna Fr eu d, não é do sintoma como so lução que ela s e ap ro pria, ma s do
sintoma como defesa que ela faz referê ncia.

63
2.4.2 Cria nça n o tratamento

A cria nça, na prát ica clí nica de Anna Freu d, é vista sob a
perspectiva do desenvo lvimento. Ela se e nco ntra na posição de
dep end ente de um p ro cesso de maturação do organismo. Desse modo, no
que concer ne ao tratamento , Anna Freud (1926/1927 /1971 ) ass inala u ma
difer ença entre a cr iança e o adulto: “o ad ulto – pelo meno s em grau
consideráve l – é um ser maduro e indepe ndente, e nquanto qu e a criança é
ima tu ra e não autodependente ” (p . 21). A maturação do organismo é ,
se gundo ela, um po nto que dist ingu e sobrema neira a prática da criança
com o adulto e coloca em relevo a perspectiva d o desenvo lvimento, o
que nos leva a considerar que a ê nfas e nes sa perspect iva não p ermite a
difer enciação do su jeito s ingular p roposta pela c línica p sicana lí tica.
Como consequ ência d es sa diferenc iação, a p rática c lí nica co m
crianças, re lata-nos A nna Freud (1 926/1927/1971) , irá requerer algumas
precauções e modificações espec iais na t écnica em relaç ão à p sicaná lise
de adultos.
No que concer ne à técnica de a nálise co m adu lto s, a utilização da
as so ciação livre é fundame ntal nesse p rocesso, embora se ap resent e
insuficiente no tratamento clí nico com criança s. A s cr ianças, d iz -nos
Anna Fr eu d (1926/1927/1971) , não se mostram capazes de le var ad iante,
em associação livr e, uma história ou situações cont adas por elas. Dessa
ma neira, Anna Freu d sublinha que as cria nça s não se mostram
“inc linad as a exercit ar a as so ciação livr e e as sim s endo nos ob rigam a
buscar um substituto deste instru mento” (p. 52). O substituto deste é a
téc nica d a aná lise p or meio do b rinquedo, já utilizada por Hermine Vo n
Hu g Helmu t h em 1910 em su a prática, a qual, ness e período, estava
se ndo utilizad a por Melanie Kle in.
O brinq uedo , como instrume nto sub stituto da associa ção livre no
tratamento , permite à cr iança, se gundo Anna Freu d (192 6/1927/1971 ),
princip alme nte às mu ito p equenas, a e xpres são de seu s s ent imentos e d e
su as at itudes fre nte a s pes so as. Na falt a de recursos técnicos para o
procedime nto analí t ico, vár ios analista s infa nt is utiliz aram não só o
brinquedo, mas o dese nho, a escrita e a s fa ntas ias das crianç as como

64
su bstituto s da asso ciação na te nt at iva de preenc her essa lacu na na aná lise
com cria nças. Como instrume nto técnic o na prática com cria nç as em
Anna Freud, o brinqu edo é destac ado como relevant e para a co ndução do
tratamento. No ent anto , a no sso ver, e le não é essencial se co ns iderarmos
a perspect iva ps ica nalít ica q ue co lo ca e m re levo o discurso da cr iança.
Este, s im, é destac ado na clí nica psicana lít ica em d etr imento d os
recu rsos técnicos utilizados por Anna Fre ud em sua p rática.
J á no qu e concer ne à tra ns ferênc ia no t ratame nto infa nt il, A nna
Freud (1926/19 27/1971 ) cons idera que as cria nç as não dese nvo lvem u ma
neu ro se d e transferê ncia como no adulto. Ela dest aca a dificuld ade d as
crianças em es tabelecer a trans ferênc ia, diz end o que teve , em seus casos,
“gra nde d ificuldad e em provocar na cria nça uma forte vincula ção a mim
mesma, e fazer com que esta vincu lação se transformasse numa relação
de dependênc ia real da minha p es soa” (p. 56 ). Segundo a au tora, essa
dificu ldade se dá devido ao fato de a criança aind a não ter se
desvinculado do s primeiros o bjetos – o s pais. Para qu e haja u ma
vinculação de dep end ênc ia da crianç a ao processo , há exigênc ia de q ue o
ana lista s e aproxime da criança em situ açõ es cotidiana s. A nosso ver ,
es sa aproxim ação ultrapass a a próp ria e xperiê ncia d o que seja ana lít ico
e, desse modo , subtrai a tra ns fer ênc ia d a posição de fundamento
es se ncia l, para que se dê a experiê ncia do inco ns cie nt e no processo
ana lít ico.
Partind o dessas cons iderações em relação à posição da cria nça em
aná lise na prática de A nna Freud , observamos que a perspectiva da
criança em des envolvimento s e aprese nta como um co mplicado r para se
pensar a criança co mo um sujeito nes sa clí nica. Ess a conc epção, vo ltada
para os asp ecto s do desenvolvimento da cria nça, nos leva a co ns iderar
que a ad aptação toma a ce na, d escons idera ndo a criança como sujeito em
su a dimens ão inconsc iente.

2.4.3 Fa mília no tra ta men to

A diferença já demarc ada entr e o trata mento do adulto e o da


criança irá nos p ermit ir identificar qual o lugar da família no tratamento.

65
O tratame nto do adulto, segundo Anna Freud (1965/1980), d estaca - se
pela rele vância dos aspectos inco ns cie ntes e nvolvidos no conflito
psíquico . Por outro lado, no que se refere ao tratamento com cria nça s, a
influência do ambiente e dos p ais é det ermina nte no comportam ento e
pato logia d a cr iança. Como nos diz A nna Freud , “na aná lise infa nt il, não
é no ego do paciente, mas na razão e comp reensão dos pais , que o início ,
cont inuidade e conc lusão do tratame nto têm de confiar” (p. 48). P or esse
caminho, é a abordagem fa miliar que toma o primeiro p la no nes sa
téc nica elab orada por Anna Freud.
A abordagem familiar é um p onto de apoio p ara o tratamento com
criança na p ersp ectiva de Anna Freud . É imp ortante recorrer ao adulto,
pais ou quem cuide da criança, para se info rmar sob re sua histó ria, pois
Anna Freud (1926 /1927 /1971) acredita “qu e u ma cria nça não pode dar
muita contribu ição à história de su a do enç a” (p. 39).
A téc nica, utilizada pelos ana listas de cr ianças para lidar co m os
pais, pod e variar, como nos diz A nna Freud (1965 /1980), de u m extremo ,
“de os exc luírem totalmente do tratame nt o, de os manterem informados e
por vez es d e serem ana lisados s imu ltâ nea, mas separad ament e, a ou tro,
de p refer irem tratar os p ais em d etrimento da p rópria cria nça ” (p. 49 ).
Do mesmo modo, para Anna Freud (1965/1980), no âmb ito da
abord agem fam iliar, o ambiente exter no também possui grand e influência
no tratamento com cria nças. O mundo externo int era gindo com o mu ndo
int er no d a criança partic ipa como u m agent e p ro vocador da p atologia na
mesma. É necessário o analista de cria nças ter em conta q ue as at itudes
exter nas “alcançam s ignificado patoló gico po r meio da interação com a
disposição inat a d a criança, das at itudes libid inais e do ego, adquiridas e
int erior izadas ” (p. 51 ). As at itudes de p roteção exces s iva ou rejeição, de
indiferença, crít ica o u admiração , po r parte de pessoas do conví vio da
criança, ta is como p ais e professo res, são releva nt es para o ente ndim ento
e prossegu imento do tratamento na abordagem de Anna Freu d.
Sendo ass im, se gu ndo Anna Freud (1965/1980), o analist a infant il,
que interpreta exc lus ivamente em termos de mundo inter no , corre o
perigo de neglige nciar os asp ecto s qu e se referem às circu nst ânc ias
ambienta is, igua lmente importantes para o tratamento . São o s aspectos

66
do desenvolvim ento , tanto ext er nos quanto “inatos” da cria nça, qu e se
convertem em age nt es patogênicos.
No tratamento com cr ianças, d iz- nos A nna Freu d (1965/1980), a
exp ressão das fa ntas ias int er nas, muita s ve ze s, s e dá po r meio da
projeção a figuras d o mu ndo ext e rno e se reve ste de uma influência
relevant e no tratamento . Eles p rojetam host ilid ades refere ntes ao p eríodo
edíp ico, bem co mo ao desejo incons cie nte de morte ou agres são a
irmão s. Por su a vez, cont inua A nna Freud (1965 /1980 ), tais figuras, que
ser vem à projeção, se co nvertem em persegu idores, com os quais a
criança irá travar uma batalha e xt er na. Desse mo do, a criança e sp era do
ana lista e deposita ne le as esperança s de mu danças do meio amb ient e
conflita nt e. Po r outro lado, segundo Anna Freud (1965/1980) , a
dificu ldade, por p arte da crianç a, de reconhecer a natureza intrapsíq uica
de seus co nflitos leva a cr iança a recorrer , no analista, a u ma
ident ificação em sua pessoa como um aliado de seu s problemas.
Des se modo, continua Anna Freu d (1965 /1980 ), a criança,
difer ente d o adulto, espera do analist a a remoção d aqu ilo qu e ela não
conse gue reco nhecer p or ser da ordem do p síqu ico. Nesse s entid o, a
espera nça d a criança na remo ção d e seu conflito se ampara em mudança
de elemento s da vida ext erior “uma mudança de es cola, afastando a
criança do professor temid o; ou a separa ção d e um companhe iro ‘mau’ ”
(p. 196). No entanto , podemos reconhe cer q ue tod a a te ndência em
su primir os e leme ntos e as mudanças exteriores ignora o fato de que ela s
se originam dos próprios co nflitos inter nos da cria nça.
Com bastante frequência, completa A nna Freu d (1965/1980 ), os
pais s e interes sam neste procediment o de alterar o ambient e em
detrime nto das d ificu ldades intr apsíquicas . Is so contradiz completam ent e
a posição do analista, q ue reconhe ce e ss a interação, mas acr edita que o
conflito só poderá ser reso lvido por medidas ter apêutica s que afetem a
estrutura.
Cons ideramos qu e a importância co nsa grada à interação d os
fatores e xter no s e int er nos s ão pontos relevant es na prát ica c línica de
Anna Freud . Porém, os aspectos e xt er no s se sobressaem em detrimento
dos “impu lsos ” inter no s da cr iança. Ass im, por mais qu e os eleme ntos

67
int er no s sejam considerados na p rática d e Anna Freud, é essenc ialment e,
a nosso ver, nas qu estõ es e xter na s e do ambiente q u e o discurso nessa
prática clí nica s e apresent a.
Ass im, pod emos cons iderar que o discurso da cria nça e sua história
não alc ançam o primeiro plano no trata mento com Anna Freud, sendo
este guiado p elo discurso do Outro familiar. Ou se ja, as produções do
inco nsc iente no que se refere aos co nflito s da criança ficam em segu ndo
plano ness a prática clí nic a. Como d estaca Spíno la (2001), Freud, quando
fez a ruptura com a psicologia do traumatismo:

in di can do a cena do i ncons ci ent e, a cen a fa ntasmá tic a


como aq uela q ue d efi n e a reali dad e do s uj eit o, el e no s
levo u mais alé m das carê ncias d o a mbi ent e familiar n a
d et er mi n aç ão e na es col ha d a p osi çã o d o s uj eito (p.7 6).

Sobretudo, continu a Spíno la (2001), Freud no s fez reco nhecer e “ ir


mais a lém da dimensão realist a d a imp licaç ão sub jet iva dos p ais no
sintoma da cria nça ” (p . 76). Tod avia, o que verificamos na p rát ica
clí nica d e A nna Freud se ancora num ponto de vist a q ue considera o
ambiente e a p rese nça dos pais como rele vant es para a cond ução do
tratamento. Ess a co ns ideração da presença dos pais já define a
abord agem de Anna Freud e, do mesmo mod o, demarca de antemão seu
distanc iame nto no que se refere à prática clí nica ps icanalít ica.

2.4.4 O sin toma da criança

Na perspect iva clí nic a da cr iança em des envolvime nto, o si nto ma


se apresenta como resultado do s co nflito s intrap síquicos e de elementos
exter nos ao desenvo lvimento . Qu and o o eu , d iz-nos A nna Freud
(1965 /1980), se vê em d ificu ldades pela invas ão dos impulsos instint ivo s
do id, utiliza o sintoma co mo defesa co nt ra essas mo ções inconscientes.
Esses co nflitos são “subprodutos normais do desenvo lvimento estrutural
comuns a todos os indivíduos que suplant aram, em seu cresc imento, o
ní ve l primit ivo de indiferenc iação” (p. 191). O sintoma, ent ão , é

68
resultado de uma d efesa quando o eu se vê co nfro ntado p or u ma
exigênc ia puls ional part icular (FREUD. A. 1946/1986).
Des se mo do, p ara Anna Freud (1946/1986 ), o sintoma é tomado
num conte xto em que a ge nét ica tem a fu nção co adjuvante de determina r
os asp ecto s do desenvolvime nto d a cria nça, a fase na qu al se encontra a
idad e ad equ ada de d eterminado comportamento .
O s intoma, na prát ica de Anna Fr eud (1965/1 980), tem uma relação
direta com a s fases do desenvolvim ento pelas quais passa a cria nça. P or
es se motivo, no tra nscurso do tra tament o ana lít ico, Anna Freud colo ca
em suspe nsão a cond ição d e melhora d o sintoma da cria nça, uma vez que
fica um impasse: s e a melhora do sintoma se d eu pelo tratamento
realizado ou simp le sment e po rq ue o processo de maturação da cr iança,
que se apresenta va insuficie nte no iní cio do tratame nto , se completo u . É
em virtude da imaturidad e no d esenvolvime nto d a crianç a e d as
dificu ldades próprias a es se momento que a a nális e infant il é vista p or
Anna Freud (1965/1980) como “sinô nima , em maio r ou menor grau, da
história do s esforços para superar e neu tralizar estas d ificuldad es” (p.
32).
Por essa definição, todo o emp reend imento realizado para o
tratamento com cr ianças, na prática de A nna Freud, nos direcio na a um
viés ad aptativo da cria nça ao social, so bretudo por meio da utilização de
práticas q ue se p reocupam com futuras dificu ldades que iriam colocar em
deseq uilíbrio o eu infant il.
O sinto ma, como p rodução do inconscie nt e e desse modo como
resposta a ser d ada pela criança, não se ins ere no contexto de u ma
prática na qu al há prepond erânc ia do desenvo lvime nto, da adap tação, da
ênfase fam iliar e de téc nica s que se preocupam em fo rtalecer o eu da
criança. N es se contexto, é a remoção do s intoma, como comportamento
inad equ ado, que no s parece to mar a c ena na p rática de Anna Freu d, para
que se che gue a bo m tempo a adaptação ao social.
O que reconhec emos nes sa clí nica do s intoma como defesa se
ancora, a nosso ver, na desco nsideração da dimensão pulsio nal do
sintoma. O sintoma, como elem ento que precisa ser suprimido, está na
contramão do p ro cedime nto analít ico que reconhece o sintoma como

69
produ ção do inconscie nte e, portanto, como solu ção a s er dada pelo
su jeito para o qu e se encontra nele como irreco nciliável em seu desejo.

2.4.5 O inco nsciente

Em referê ncia ao qu e se analisa na p rática c lí nica com cr ianç as em


Anna Fr eu d (1946/1986), tem-se como resp osta: “o objeto de anális e é o
próprio eu ” (p. 25). A ênfas e a essa instânc ia do eu sublinha seu caráte r
defe nsivo ao q ual está recorrenteme nt e emp enhado de se defender d os
impu lsos inco ns cie nt es, e vocand o o sint oma. J á d e antemão , a ele ição
dessa instânc ia como referênc ia princip al do tratame nto já d eno mina es se
procedime nto como inteiram ente contrár io aos métodos de invest igação
psicanalít ica, q ue tem por objetivo a inve st igação do materia l
inco nsc iente.
Segu ndo Anna Freu d (1946/1986), a a nálise do s conflitos
psíquico s da cria nça faz sua entrada no t ratamento com cr ianças em um
se gundo momento, quando as práticas ed ucativas e corretivas não
promo veram a esperada mudança no comportamento. Mais uma vez, são
os fato res e xt er nos que são colocados em ênfas e para o tratamento com
crianças em detrime nto dos asp ecto s do inco nsc ient e.
A finalidade d a análise com crianças, d iz-nos A nna Freud
(1965 /1980), “cont inua sendo a ampliaç ão da co nsc iênc ia, sem o que é
impo ssí vel increme nt ar o controle d o ego” (p . 34). Ou seja, su a téc nica
tem como ob jetivo priorizar os asp ecto s consc ient es do eu . Essa é u ma
questão qu e no s dire ciona, seguindo Anna Freud, para o caminho da
adaptação , u ma vez q ue considera os asp ecto s superficia is do
comportamento da criança, desco ns idera ndo a dime ns ão pulsional do
inco nsc iente. P or ess a perspect iva, a preocupação relevante com a
su pressão do sintoma tende a ser o objetivo terap êutico em detrime nto do
sintoma co mo mensagem de uma produ ção do inco ns cie nt e.
Por meio das no ss as leituras, p odemos traçar um percurso
realizado por Anna Freud. Reconhecemos qu e, desde o iní cio da
construção de sua técnic a analít ica, ela parece não ter se desviado do que
pod emo s considerar como sua “veia” de formação pedagógica. Desde o

70
iní cio d e su a formação , Anna Freu d já se direc io nava ma is para questões
volt adas para a adaptação d a cria nça ao socia l do que às questões
concernente s à produção do inconscient e. Mesmo partic ipand o dos
conhec ime ntos psicana lít icos dos quais é consid erada herdeira, A nna
Freud não o s ado tou int egralmente e m sua prática com cria nças,
distanc iando -se do que ela me sm a reco nheceu como um procedimento
puramente ps icanalít ico.
Destacamos q ue a prática clí nic a com c ria nça s a partir de Anna
Freud nos deixa impressa uma leitura, com certa res er va, da fo rmulação
da segu nda tóp ica e da dimensão puls iona l ne la ins er ida. No que
concerne a essa prática, a dificu ld ade de apreens ão dessa nova
formulação tem como efeito a desc ons ideração da dimensão puls iona l.
Essa descons ideração coloca em e vidê ncia a imposs ibilidade de recorrer
a qu estões da ordem do inco nsc iente numa prátic a preocupada com
questões p edagógicas.
Enfim, o novo conce ito d e pulsão po stula do po r Freud na segu nda
tópica tornou possível ver ific ar, no p ercurso clínico d e Anna Freud,
certo e ncaminham ento já re alizado por ela desde o s prime iros tempos da
psicanálise: o encam inhamento de u ma p rática cu ja p roposta se dir ec iona
para um recurso d e ad aptação da criança ao social, o qu e, a nosso ver, se
traduz p elo fato de d esconsiderar no sint oma a dimens ão pu lsional. É o
sintoma co mo defesa o e nc aminham ento dado por Anna Freud em sua
prática. Desse modo, reconhecemos em A nna Freud a precursora de u ma
téc nica que se enc amin ha e se ancora em processo s conscientes em
detrime nto de uma investigação do inco nsciente e de su as produções.
A desconsideração do elemento puls ional p rese nte no sinto ma
promo veu uma inflexão que provo cou um afastame nto da clí nica do
sintoma como solução , ense jando u m recurso à adaptação da crianç a ao
so cial.

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CAPÍTULO III – MELANIE KLEIN E O TRATAMENTO DO SINTOMA

Neste capítulo , segu ire mos o percurso teó rico d e Melanie K lein,
que, juntam ente com Anna Freud , é considerada pioneira no trat am ento
psicanalít ico com crianças. Mela nie Kle in, ta l como Anna Freud,
particip ou do mesmo contexto de entrada da psica nális e com cr ia nça s no
ano de 1920, inau gurando, por sua vez, um modo particu lar de prática
para o tratamento psic ana lít ico com cria nças.
Mela nie K lein fez su a entrada no movimento psicanalít ico sob u ma
perspectiva mais a nalít ica no tratamento com crianças, sob retudo p orque
utiliza os conc eitos fundame ntais da psic aná lise freudiana como
fundame nto de sua p rática. Es sa proposição é utilizad a para conc eituar a
téc nica de Me lanie K lein e para definir su a prática, princ ipalm ent e
quando se tem por objetivo demarcar sua divergênc ia em re lação aos
pressu postos p edagógicos e adaptativos utilizados por Anna Freud.
Essa diver gência se dest aca essencialmente no cont exto da técnica
e da p rática a nalít ica. As invest igações teórica s de Me lanie K lei n
promo veram novas desco bertas sob re o desenvo lvimento emociona l
infant il referent e à exp loração das fases mais primit ivas da vida ment a l ,
que se caracterizavam pe la relação de objeto , pela noção d e mundo
int er no da criança, pela fanta sia inconscie nte e po r mecanismos ment ais
de d efes a, ta is como d ivisão e p ro jeção (KLEIN, 1986 ).
Cons iderada co mo princip al coment adora da o bra de Melanie
Kle in, Hanna Sega l (1975) aprese nta, no livro int itulado In trodução à

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Ob ra d e Melanie Klein , uma divisão da obra dessa auto ra em dois
momentos dist intos. Co ns idera ndo ess a divis ão co mo ponto teórico
impo rtante, iremos adotá -la, tal como proposta por Segal, e destac aremos
es se s mome ntos : um prime iro momento, que se inicio u no ano de 1921 e
culm inou em 1932. Nesse período , Klein se ap oiou e desenvolveu sua
téc nica baseada na teoria freudia na cláss ica, cons iderando seu conceito
fundame nt al – o inco ns cient e. Em um segundo momento, datado a partir
de 1934, Melanie Kle in se distanc iou e se difere ncio u da teoria freudia na
para formu lar o que ela mesma nomeou co mo sua prática no tratamento
com crianças, postulando novos co nceitos e ree laborando -os do po nto de
vista do seu entendime nto sobre o tratamento co m cria nças (S EGAL,
197 5).
Mela nie K lein, por su a vez, fez sua entrada na prát ica com
crianças no mome nto da gr and e virada epistemoló gica da teoria de Freud
em re lação à nova postulação da pulsão (JONES, 1979 ). Do mesmo
mod o, ela também se inser iu no co nt exto d a emergência d e novas
práticas p ara s e ha ver com o sintoma, princip alme nte p art icipa ndo de um
momento no qual essas novas práticas alme javam em s eu objetivo
terap êutico a e limina ção d o sinto ma co mo solução para do minar o ma l -
estar do sujeito. Desse modo , alguma s questões podem ser colocad as :
como Melanie K lein se co lo ca nes se m omento circu ns cr ito d a p rática
com crianças em re lação ao sintoma? Como ela se coloca em sua p rática
com relação à referê ncia à d imensão puls ional do s intoma ? S e guiremos,
ado tand o a divisão proposta por Segal para o primeiro momento de sua
obra.

3.1 1921 -1932: influência da teoria freudiana clá ssica

Mela nie K lein nas ceu em Viena no ano de 1882, vindo a fa lec er em
Londres, no ano de 1960, aos 78 ano s de idade. Estu dou no Ginás io de
Vie na, ú nica escola ness a data, final d o século XIX, que preparava
me ninas para ingressar na univer sid ade. Tinha intere ss e em estudar
medicina, mas seus pla nos, d evido ao casamento , foram alt erad os,
optando p elo curso d e arte e história ( GROSSHURT H, 1 992).

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O iníc io dos estu dos p sicana líticos d e M elanie Kle in, tal como os
de Anna Freud, foram marcados pela Guerra. Phyl lis Gro ss hurt h (1992),
biógra fa de M elanie Kle in, relata, no livr o O Mundo e a Ob ra d e Melanie
Klein, o iníc io de sua fo rmação.
No ano d e 1914, Mela nie K lein trans fer iu -se para Budapeste, o nde
iniciou sua formação p sicana lít ica. No ano de 1921, foi para Berlim, a
convite de K ar l Ab raham, importante mestre que a influenc iou no
trabalho a nalít ico com crianças e em sua formação nos co nhec ime nto s
psicanalít icos. Permaneceu em Ber lim até 192 5, migrando, a p artir dessa
data, definit ivamente para Londres, a co nvit e de Ernest J ones, d epois da
morte d e seu mestre Abraham. Em Lo nd res, permaneceu até sua morte e
foi ne ss a cidade que iniciou todo seu percu rso no qu e d iz respe ito à
psicanálise com crianç as. No inter ior d a Socied ade Brit â nica de
Psicaná lise, torno u -se a fu ndadora da chamada Escola Ingles a de
Psicaná lise, que se oporia, a partir de ent ão, à Escola d e Vie na, e sta sob
a direção de Anna Freud (GROSSHURT H, 1992).
O p rimeiro momento da prática c línica e t eórica de Melanie K lein,
tal co mo destacado por Hanna Segal (1975 ), foi datado do ano de 1921 a
193 2. Esses 12 anos são dedicad os à prática e elaboração da técnica com
crianças no momento em q ue aind a se dedica va ao s fu ndamentos
psicanalít icos de Freud. Essa fas e t eve iníc io com o texto O
desen volvimento da criança , no ano de 1921, e culm inou co m o livro A
psicaná lise d e crianças, de 1932. Todos o s textos de Melanie Kle in que
perfazem esse p rimeiro mo mento se inserem em um contexto mais amplo
da o bra dela, que prossegue até o ano de 1945. Todos ess es textos foram
compilad os em um único livro intitu lado Contribuições à Psicaná lise
(SEGAL, 197 5). Neste, a prática do tratame nto com crianças é
desenvolvid a e aprimorada po r meio do ate ndimento às cr ianças.
Nosso percurso nos textos de Melanie K lein nes se s prime iro s anos
do iníc io de sua clí nica ir á nos conduzir e revelar qual enc aminham ento
dado por ela em sua prática de tratamento com cria nça s em relação à
dime ns ão puls iona l. Do mesmo modo , reconhecer qu al a perspectiva do
sintoma utilizada por Mela nie K lein nessa data em qu e ela utiliza a
refer ência ao ensino de Freud.

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Para isso, o texto de 19 21 – O desen volvimento de u ma crian ça –,
será por nó s destacad o mais ad iant e. A p artir desse ens aio, pod eremos
iso lar eleme ntos qu e nos d irec ionam p ar a o e nca minhame nto dado po r
Mela nie K lein em sua p rática.

3.1.1 Preven ção co ntra o sintoma no tratamento?

A preocupação de Melanie Kle in com as cria nç as, no co nte xto do


pós-Guerra, não foi difere nte da d e A nna Freud . Entretanto, Melanie
Kle in se ate ve e ssenc ialmente ao atend imento clí nico com crianças. No
primeiro mo mento d estacado de sua teoria, quando co meçou a analisar
crianças, é so bre o dese nvolvimento p rimit ivo desta s que Melanie Klei n
dirige sua p rática. Fo i por meio do brincar, ferrame nt a importante que se
se guiu à descoberta do d esenvo lvime nto primit ivo da criança, que
Mela nie K lein teve a po ssib ilidad e de seguir o cam inho do inconsc iente ,
desve land o o mu ndo d as fa ntas ias inco ns cientes e da relação de objeto da
criança (SEGAL, 19 75).
Todavia, to rna-se relevant e dest acar que Mela nie Klei n
(1921 /1981), também, inicia seus traba lhos tomados por uma situação
so cial emer gente – a Guerra –, que mo tiva uma q uestão impo rtante na
prática com cr ianças. Ta l q uestão, no q ue co ncerne à prátic a, preocupa -
se em como evit ar que determinadas impressões da infânc ia causem
traumas e lesões que poderiam ocorrer em uma fase muito p reco ce da
vida da cria nça. Po r isso, e la coloca a qu estão: “de que mane ira est a
informação co ntr ibui p ara a profilaxia? O que podemos nós, méd icos,
fazer, quando lidamos co m cria nças qu and o estão nes sa idad e?” (p. 49).
Essas indagaçõ es dest acad as po r Mela nie Kle in no iníc io de seu
texto de 1921 nos parecem atrave ssar todo o percurso realizado pela
auto ra no qu e se refere à sua prática ne ss a data. São o s elementos de
profilaxia do comportamento que se dest acam como recursos utilizad os
para a prevenção d e futuros sintoma s das crianças.
A rele vância nos aspectos da p rofila xia podem ser ob servado s na
preocupação demonstrad a p or Mela nie Klein com os fato res que

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pod eriam ser p re judic iais à cr iança e causado res de neuroses nos
primeiros anos da infâ ncia. Entre ele s, est ão o fato d e

q ue a criança desd e o nasci ment o nã o d eve compartil har a


ca ma do s pais; ex i gir emos menos r eq ui sitos éti co s
comp ulsó ri os do q u e os n oss os p ais exi gi ram de nós ;
int er feri n do men os no s eu comp o rtamen t o. Procur arem o s
obt er um d es envo l vi men to mais lent o, q ue p er mita q u e
s eus insti nt os se t or nem p ar ci al ment e co ns ci ent es, ass i m
fa cilit a nd o, tamb é m, a s ua p ossí vel s ubli ma ção (KLE IN,
1 92 1/19 81, p. 49 ).

Nes sa pas sa gem do texto de Melanie Kle in, pod emos d estaca r
aind a que os recursos teóricos utilizados por parte dessa auto ra já foram,
por sua vez, menc io nados por Freu d na introdução do texto de 1913, A
The Psy cho -Ana lytic Method de Pfister, no que se refere ao fa to de
ameniz ar a rep ressão à educação. Ness e texto, Freud (1913/1980)
acrescenta qu e o uso terapêutico da psicanáli se p oderia ter u ma
influência p ro filática na cr iança.
Portanto, uma educação sem rep ressão seria a saída para se evit ar a
neu ro se, permitindo, por parte da criança, a exp ress ão de seu
comportamento sem interferênc ia de fato res exterio res. Co mo nos diz
Mela nie K lein (1921/1965/1981 ):

O co nh eci ment o a dq uiri do p ela p si canális e exi ge q ue a s


crian ças s ejam semp re p r ot egi d as co nt ra q ualq ue r
r epr essão p o r demais s ev era e assi m r es gu ar da das da
d oenç a ou d e um d es en vo l vi ment o err ado d o ca rát er (p .
1 5).

Esse recu rso teórico era u tilizado também por Anna Freud em sua
apropriação entre o analít ico e o p edagógico. Des se mo do, podemos
considerar, de acordo com Mela nie K lein, que o sinto ma q ue porventura
a cria nça possa vir a d esenvo lver pode ser preve nido po r medidas
profilát ica s na tenra infânc ia.
O esclar ecimento destacado por M elanie Klein (1921/196 5/1981 )
de uma prática de tratamento vo ltada para o s aspectos de u ma “edu cação
sem rep ress ão e baseada sobre a franqueza irrestr ita” (p. 16 ) é o que nos
permite cons id erar, desse modo, um viés preventivo no tratamento

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propo sto po r Melanie Kle in ne ss e primeiro momento de sua p rática
clí nica. E sse viés pode ser re velado no primeiro ca so atendido po r
Mela nie K lein no a no de 1921 . Essa cria nça é Fritz, um menino de cinco
ano s, qu e se tornou o modelo de atend imento com crianç as re alizado por
ela.
Ao iniciar e ss e te xto de 1921, O desenvolvimen to da criança ,
Mela nie Kle in res salta a impo rtância do esclar ecimento sexu al às
crianças. Destaca que es sa co nduta era u ma prática comu m adotada,
nes sa data, nas escolas, com a inte nçã o de proteger as cria nça s dos
perigo s da ignorânc ia nes se assunto durant e a p uberdade. A p sicaná lise
particip ava, po r meio do esclare cimento se xua l, da ed ucação das
crianças, p reocupando -se com o desenvo lvimento desta s. Co nt inu a
Mela nie K lein (1921/1965/1981):

O conh eci ment o obti do p ela psi ca nálise, p o ré m, in di ca a


n ec essi da de, senã o de ‘ es cl ar ec er ’, p el o m en os de edu ca r
as cri anças, d es de a mais t en ra i da de, de ma nei ra t al q u e
s e tor nará desn ec essári o q ualq u er o utr o es cl ar eci ment o
esp eci al, já qu e visa a o mais co mp l et o e mais nat ura l
es cla r eci ment o comp atív el co m o gra u de
d es envol vi m ent o da cri a nç a ( p. 1 5).

A prop osta de esclarec ime nto às cria nça s por meio do


conhec ime nto p sicana lít ico tem como ob jet ivo educá-las d esde os
primórdio s da infância, so bretudo le vand o em co nsid eração o momento
do desenvo lvimento no q ual a cr iança es tá ins er ida. É a perspect iva da
criança em desenvo lvime nto que pod emo s reconhecer nesse prime iro
momento em Melanie K lein (1921/1965 /1981 ).
Med iante e ss e procedimento de esc lar ec imento, d iz-nos K lein
(1921 /1965/1 981 ), evitam-se o s “perigos reais e visí veis ” se nt idos pela
criança, o que destaca o objetivo de que “a aná lise visa a preve nir
perigo s que são igualmente reais, aind a que não visí ve is” (p. 16 ). O que
pod emo s verificar, ne ss e primeiro momento, é qu e a educação se ins ere
nes se procedime nto de es clarecimento dos perigos reais na tent at iva de
buscar uma solu ção para este s, descons iderando, por sua vez, os
elementos d a ordem do inconsc iente e, portanto, da pulsão.

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Enfat iz ando os eleme ntos da prevenç ão, est es, por sua vez, nos
levam a co nsid erar a hipótese de u m enc aminhamento p ara uma p rática
clí nica adaptativa pres ente no tratament o proposto por Melanie K lein.
No int e nto de es clare cer es se p rimeiro momento da prática de Me lani e
Kle in, é a le itu ra do caso F ritz qu e irá no s guiar na elu cidação de ta l
hipótese.
Mela nie Kle in (1921/1965/1981 ) inicia s eu relato do caso Fritz,
exp ondo sob re sua proximid ade com a criança, uma ve z que era m
vizinhos. Prosse gue, co ns iderando que ess a proximid ade lhe concede a
opo rtunidad e de estar muita s veze s na co mpanhia d a cria nça. Além disso ,
cont inua: “como sua mãe se gue todas as minhas r eco mendações, posso
exercer uma influê ncia de lo ngo alcance na ed u cação da cria nça” (p. 17 ).
Aq ui, nes se primeiro mo mento de sua prátic a, Mela nie K lein no s parece
indicar que o fato de ter u m conhec ime nt o próximo ta nto co m a cr iança
quanto com a mãe é elemento impo rtante para o início do tratamento .
São o s efe itos da inf luênc ia e xter na, nes se caso, materna, q ue ela parece
valo rizar. Essa po sição contrad iz, de a nt emão, os fundame ntos da c línica
ana lít ica, que cons idera releva nt e a neu tralidade do analista no que
concerne ao tratame nto.
Durante a apres enta ção do caso , Melanie K lein (1921/1965/1981)
se refere a Fritz, destaca ndo as seguint es caract eríst ica s do seu
desenvolvim ento : “o menino , hoje com cinco ano s de idad e, é u ma
criança saudável e normal, mas seu des envolvim ento me ntal tem sido
vagaroso” (p. 17). Por outro la do, co ntinua ela, possui memória no tá ve l,
vivo e inteligente, porém “se ac hava nit idamente atrasad o em rela ção às
outras cria nça s d e sua id ade” ( ibidem). Essa prime ira observa ção de
Mela nie Kle in so bre a criança se destac a por seu intere sse nos aspectos
do desenvo lvime nto desta e, por ou tro lado, ao intere ss e em compará-la a
outras crianças da me sma idade. Essa p osição no s leva a co nsid erar que
são os aspectos do desenvo lvimento normal d a cr ia nça que tomam a ce na
no tratame nto co m Fritz.
Mela nie K lein (1921 /1965/1981) relat a a inda a insistênc ia de F rit z
em fazer per gunt as de toda ordem, tais como : “co mo na sc em as cr ianças ;
ond e estava eu ant es de nascer; coelho da páscoa existe; Deus existe” (p.

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18). Todas es sa s ind aga ções eram re sp ondidas, segund o Kle in, “c om
absoluta ver ac idad e e, qu and o neces sár io , numa base c ientí fica
apropriada ao seu e ntend ime nto” (idem). Entreta nto, as respostas que não
conse guiam s at isfazer comp letam ente su a curio sidade re inicia vam em
forma de inda gação algu m tempo depois. Para Mela ni e Kle in, a
reco rrência de per gunta s sobre a orige m e causa, ta nto das pes so as
quanto dos objeto s, tornou -se incompreensí vel para ela em um prime iro
momento:

A p ri ncípi o n ão co mp r eendi o sig ni fi cado compl et o da


fr eq uent e r ec orr ên ci a dessas p er gu nt as, devi d o a o fat o d e
q ue, no a um ent o geral d o p r az er d a cri an ça em faze r
p er g unt as, aq u el e sig ni fi cado nã o chamo u mi n ha at enção.
Da ma nei ra como s eu i mp uls o p ar a a i nv esti gaçã o e o s eu
int el ect o p ar ecia ev ol ui r, p ens ei q ue no vos pedi dos d e
es cla r eci ment os era m i ne vitá veis e q u e eu t eria q ue m e
at er a o p ri ncipi o d o escl ar eci m en t o g ra du al ( p. 51-5 2).

A rep etição insistent e, po r parte d a criança, de perguntas que já


tinham sid o esclarecida s a e la anter iorment e, nos permite considerar que
as questões não comp reendidas pela cr iança são de outra ordem. A
ins istência de Melanie K le in em permanecer na ordem educativa po r
meio dos esc larec imentos de ordem sexual à cria nça se d estaca, a nos so
ver, co mo uma descons ideração , das produçõ es d o inco nsc iente present e
na vida d a cria nça, no atend imento desse caso nes sa data.
Ainda no qu e diz respeito às insist ente s perguntas da cr iança, no
que se refere à existê ncia de Deus, M elanie K lein (192 1/1965/1981 )
conclui: esse assu nto termina, ao lo ngo de s eis semanas, ao co nclu ir um
período definido do desenvo lvimento inte lectual de Fritz. Me lanie K lei n
caract eriza es se p eríodo em três momento s: o período anter ior às
pergu ntas, o período referent e ao início das pergunta s e o término delas
com a elabo ração da ideia de Deus. Esse mo mento rep resent a, segundo
Kle in, que a criança inco rporou esse co nhec imento d e uma forma ampla
no pensame nto. Posição que nos perm ite cons iderar, mais uma vez, que
os aspectos do dese nvolvimento da criança e stão em primeiro p lano
nes se tratamento.

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Segu ndo Mela nie K lein (1921/1965/1981), todas a s indagaçõ es,
realizadas po r Fritz no cotidia no, no q ue se refere à existênc ia de coisas
e pessoas, b em como “as certezas e fatos assimilados ser vem - lhe
obviame nte co mo padrão de comparação para novos fe nômeno s e nova s
ideia s qu e requeiram e laboração ” (p. 28). Para Melanie K lei n
(1921 /1965/1 980), a elaboração à qual c hega Frit z p ossui relação com o
conhec ime nto que ele foi adquirind o ao longo do s qu estio namentos e que
permitiu a e le a ap reensão d e nova s aquisições para a comp re ensão d os
fatos indagado s. Essa elab oração proposta por Mela nie K lein, nes sa data,
difer e da elaboração que a clí nica psicana lít ica reco rre para dizer das
produ ções do inco nsc iente.
Do mesmo modo, tal como os aspectos do desenvo lvimento norma l
da cria nça, a cu rios idade de Fritz em r elação aos e lem entos enigmáticos
da vida tem um momento para cessar. Esse mome nto estar ia a ssoc iado
com o término do dese nvo lvime nto especí fico da fase que Fritz est á
vive ncia ndo. Essa po sição s e aprese nta como contrária ao ente ndimento
que a clí nica p sic ana lítica possui sobre a insist ênc ia a repetir. A
ins istência à repet iç ão apresent a elementos d a dime nsão pulsio nal que
não cessarão de ins is tir a me nos que haja uma interpretação dos efe ito s
do inco ns cie nt e po r p arte do ana list a e uma elaboração desse s efe itos p or
parte do paciente.
Na p reocu pação em fornecer re spo stas às questõ es do co tid iano ,
ancorad as nas fa se s do desenvolvime nt o pelo qual passa a cr iança ,
pod emo s verificar e leme ntos q ue nos permitem reco nhe cer um
encam inhamento volt ado para um viés preve nt ivo, que se dist ancia, nes se
primeiro momento, do que é cons iderado pela perspect iva ana lític a.
Mais adiante, no texto O desenvolvimento de uma criança ,
Mela nie K lein (1921/1965/1981) continua a nos dizer que

est es r eq uisit os ed ucaci onais p od em s er p ostos em p rátic a


(t enh o ti do r ep eti das op ort uni da des d e m e conv en ce r
disso) e p r op or ci o na m r esultado s nitida ment e fa vo rá veis,
obt end o-se co m el es, s ob muit os as p ect os, u m
d es envol vi m ent o muit o mais des emb araça do da crianç a
(p . 50 ).

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Pod emo s reconhecer, na leitura desse fragmento de Melanie K lein,
o interes se pelos re cursos educativos utilizad os como ins tru mento s
capazes de propo rcionar u m melhor desenvo lvimento da criança no
processo terapêu tico. No ca so do menino F ritz, esse re curso é c laram ent e
ident ificado p or meio do esclarecim ento dos fa tos d ados e re velados para
ele no tratamento . Do mesmo modo, essa cond uta utilizada no tratamento
nos le va a co ns iderar a clí nica de Melanie K lein, nesse prime iro
momento, como uma prática qu e se encaminha para objet ivo s preventivos
e adaptativos no que se refere ao sintoma da criança.
Do mesmo modo, a eficác ia terapêutica por ela revelad a sina liza ,
mais u ma vez, o viés adap tativo. Assim, co nclui Mela nie K lein
(1932 /1969): “u ma das cons equ ênc ias d e uma aná lise completa é o tota l
esclarecime nto se xua l, ass im como a p lena adaptação à realidad e. Sem
isso não se pode dizer que a análise foi concluída com êxito” (p . 36 ).
Essa posição no s le va a co ns iderar que a ide ia de cura, proposta por
Kle in, tem re laç ão com a possib ilid ade de adap tação da criança ao socia l.
Um pou co mais adiant e, nesse m esmo texto do ano de 1921,
Mela nie Klein cont inua a r econhecer a importância de se co locar em
prática o s requis itos ed ucaciona is para um melhor desenvolvim ento da
criança. “Muitos b ons resu ltados se consegu ir iam s e fosse p ossíve l
trans formá-los em princíp ios gerais para educação” (p. 50). Tod avia ,
cont inua K lein, é impo rtante se ater a uma cond ição restr itiva, e se gu e
com a ind agação: “po dem estas med idas profilát ica s imped ir o
aparecimento de neuroses ou de desenvo lvimento s prejudiciais d e
caráter ?” (id em) Como resposta, Melanie Kle in (1921/1965/1981) relata:

Mi nhas obs erv açõ es me con ven ceram de que, mes mo


assi m, al cança mos mu itas vezes ap enas uma p art e do q u e
al mejá va mo s, [.. .]. Pois sab emo s, p ela a nálise d o s
n eu róti co s, qu e ap en as u ma part e d os dano s r es ulta nt e s
d o r ecal ca ment o p od em ser atrib uí dos a o a mb ient e err a d o
o u a o utr as ci r cu nstânci as ext er nas p r ej u dici ais. O utr a
p art e muit o imp ort ant e é devi d a à atit ude da crianç a,
p r es ent e d es de os mais t en r os an os de vi da ( i bid em).

Des se modo, Melanie Klein (1921/1981) conclui que a rígida


proteção à infânc ia ser ia ine ficaz co ntra o fator co nstitucio na l. O c aso de

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Fritz co nfirma essa ass erção: “ A cu idado sa educação recebida por
pessoas influe nciadas pela ps icanálise não impediu que su rgissem
inibições e sintoma s neuróticos caracterí s ticos ” (p. 147 ). Sendo ass im, a
resposta à inda gação nos esclarece qu e a medida profilát ica no
tratamento não imped iu o ap arecimento da neu rose.
Podemo s ob servar, mais ad iante no relato do tratamento de Fritz, o
que vai se deline and o, a nosso ver, na prática de Melanie K lein,
junt ament e co m a preocupação da p reve nção no tratame nto, é ma ior
consideração do s eleme ntos da o rd em do incons cie nt e.
Ao fina l d a exp osição do caso F rit z rea lizad a na Soc iedade
Hú ngara de P sicaná lise no a no de 1919, Dr . Anton Freund , um do s
amigos mais próximos e fiel discípulo de Freud, fez uma cons ideraç ão
so bre o caso apresentado por M elanie K lein. Essa co nsid era ção co lo ca
em q uestão qual procedimento u tiliz ado por Melanie Kle in em sua
prática com crianças nessa d ata e se esta poderia ser considerada
ana lít ica o u não. Mela nie K lein (1921/1965/1981) relata esse momento :

O Dr. Ant on Fr eun d ha via i nsi nu ado q ue as mi nha s


obs er v açõ es e classi fi caçõ es er am cer ta ment e a nalíti cas,
p oré m nã o a mi nh a i nt erpr eta çã o, p ois eu t omara ap ena s
em consi der aç ão as p erg unt as consci ent es, d ei x and o d e
lado as incon sci en t es (p. 5 5).

O Dr. A nton Freu nd, ness a discus são, fa z questionamentos acerca


do caso Fritz e da descons ideração po r parte d e Kle in, nesse caso, dos
elementos inco ns cient es. Melanie K lein (1921 /1965/1981) replicou essa
posição, dize ndo qu e ac hava “suficient e t ratar de pergu nta s conscientes ,
pois não havia razão convincen te em cont rário ” (p. 55). Entretanto, ainda
nes sa discus são do caso , Melanie Kle in dec lina de sua po siç ão quanto à
su fic iênc ia das p ergunt as de ordem co nsciente, co ns idera ndo que o Dr.
Anto n Freu nd poderia estar certo . E cont inua: “Agora, po rém, eu já
percebia que seu ponto de vista era co rreto e que tratar só d as p ergu ntas
consc ient es não era su fic iente ” ( ibidem).
A partir dessas cons iderações, o que se destac a é um
questio namento sobre a prática de tratame nto de Melanie K lein. Se essa
é uma prática que se diz analít ica, como co nsid erar, nes sa prática, um

82
procedime nto que não examina a s produções do inconsc ient e ? De
antemão, es se p roced imento d a prátic a de Mela nie K lein ne ss e prime iro
texto nos dá ind ica t ivos de certo des vio no que co ncerne aos
fundame ntos psicana lít icos.
Ainda ne ss e e nsaio de 1 921, Mela nie K lein (1921/1981 ) consider a
que prefer ia não u sar a expres são “trata mento completo” para esse caso
de Fritz, pois, se gu nd o ela, “estas ob servações, com suas int erpretações
apena s casuais, não poderiam s er descr it as como tratamento; preferir ia
descre vê- las como send o um caso de ‘educação com lineame nto s
ana lít icos’” (p. 73). Essa conc lusão a que chega Me lanie K lein corrobora
nos sa invest igação de que nes se prime iro relato de su a clínica com
criança su a p rática é permead a por um viés ancorado no s aspectos do
desenvolvim ento e da preve nção, afast a ndo -se da prática analít ica.
Cons idera ndo também a d emanda social de soluçõ es para os
problemas das cr ianças no período pó s-Guerra, essa demanda parece ter
contrib uído para certo encaminhamento no início d e sua prática, para um
viés q ue se preocup a com a prevenção das neuroses da cr ianç a e com
me nos ênfas e nos a sp ecto s do inconscie nt e. Do mesmo modo, parece -nos
que ela s e s ent iu convocada a responder à proposição inerente à co ndição
da prática co m cr ianças nes sa data : “ como evit ar qu e a cr iança s e torne
um adulto neurótico” (SANTIAGO, 2005 ).
Mela nie K lein, a nosso ver, parece ter respondido a ess a demand a
so cial e, co mo resultad o , sua p rática com cr ianças permit iu uma leitura
possí vel, nes se primeiro relato de tratame nto, da p resença de eleme ntos
de preve nção e profilaxia como resposta à emer gê ncia socia l na qual
estava ins er ida.
Mela nie Kle in, nes se p rimeiro momento , ao visar à profilaxia do
sintoma e à adaptação da cria nça ao social como fina lid ade terapêutica ,
nos leva a co nsid erar em sua prática um vié s adap tativo. Po demos
considerar que nes se prime iro momento de sua prática c lí nica ,
espec ificamente no caso d o menino Fritz, o trabalho d e Melanie Klei n
deu margem p ara s e pe nsar em uma prát ica volt ada p ara os asp ecto s d a
adaptação ao socia l.

83
Embora esse p rim eiro texto de sua prática clí nica nos re vele u ma
preocupação com a perspectiva da profilaxia e do desenvolvimento da
criança como medid a prevent iva contra o s intoma, destacando nuanç a de
uma possí vel perspect iva ad aptacionista, tod avia, essas medidas não no s
auto rizam a nomear a técnica e prática de Melanie K lein para um viés de
adaptação ao socia l.
Logo apó s o ano de 1921, os demais t extos de Melanie K lei n
cont inuaram a se ancorar na letra de Freud e, por outro lad o, a se
difer enciar de seu texto. Há vár ias cons iderações ap ós o texto de 1921
até os textos d e 1932 , culmina ndo com a publicaç ão do livro A
psicaná lise com crianças, que se d irige a um distanc iame nto, por parte
das novas postulações de M elanie Kle in, da teoria freudia na. P ostulaçõ es
que permitiram o delineamento e, por sua vez, o recuo d a teo ria edipia na
e do sup erego freudiano para os p rimórdios do dese nvo lvimento da
criança (K LEIN, 1932/1948/1981 ).
A seguir, iremos co nsid erar as novas elab o rações d e Melanie K lei n
que ficam situadas num temp o mais a rcaic o do dese nvo lvimento da
criança, o que nos permite perceber nest e momento ma ior cons ideração
da p ulsão de morte em suas e laborações teóricas.

3.2 1934-1957: nova s elaborações teóricas

O segundo momento da prática de Mela nie Kle in po de ser


caract erizado a partir d e 1934. Nessa dat a, percebe-se u ma mudança nos
trabalhos de Melanie K lein referente à formulação de novos co nce itos,
como o de posição d epressiva e dos meca nismos de defesa man íaca
descritos princip alme nte em seus traba lhos d e 1934, Uma Con tribuição à
Psi cogênese do s Esta dos Maníacos Depressi vo s, e no artigo de 1940 , “O
Luto e a sua Re lação com os Estados Maní aco -depress ivos” (S EGA L,
197 5). São esses co nceitos que são id ent ificados em um período preco ce
do dese nvo lvimento da criança, do nasc imento até o qu into mês de vida,
que servirão de guia para a comp reens ão da vid a emocio nal do s bebês. A
partir d es sa d ata, Mela nie K lein deixou de seguir uma orie nt ação

84
eminenteme nt e freudia na p ara ir em d ireção às suas p róprias e labo rações
(SEGAL, 1975 ).
Tal mudança na e laboração teórica foi ratificad a por Melanie
Kle in no prefác io à t erce ira ed ição do livro Psicanálise da Cria nça ,
redigid o no ano de 1947. N este, Mela nie Kle in (1932/1948/1981 )
exp licit a as ideias qu e foram modificadas após a pu blica ção d esse livro,
datado de 1932, e que se tor naram o esco po princ ipal de sua teoria sobre
o tratamento com crianças.
A e laboração refere nte à relaç ão de objeto é um po nto relevant e
na teoria kleinia na. Essa r elação é o modelo que ser ve à Me lanie K lei n
de orientação para toda a vida posterior da criança (1934 /1981). Desse
mod o, co mo nos d iz Kle in, a forma co mo a cr iança vive es sa relaç ão com
a mãe e como irá superá-la será determina nte para o desenvo lvimento
posterior da cria nç a. Ne sta re lação de objeto primit iva e ntre mã e e filho,
a autora enfat izou a ans iedade e a fant as ia inerent es a esse momento
arca ico como de extrema impo rtância na r elação da cria nça co m o mu ndo
exter no.
Partind o d essa posição , nes se segu ndo momento, observa- se q ue é
a ênfase nos a sp ecto s inconsc iente s que se re vela tomando o prime iro
plano na prática d e Melanie Kle in. Des se mo do, podemos int errogar :
como Melanie Klein se coloca frente à postula ção da pulsão de morte?

3.3 A ansiedade 5 co mo defesa do eu contra a pulsão

A a nsiedad e é conceb ida na t eo ria de M elanie Klein (1923/1981)


como u ma primeira ma nifestação neurótica da criança, “prep arando o
caminho, por ass im dizer, para os s intomas” (p. 114). Essa noção fo i a
pedra d e toque d e sua teoria e fo i po r meio d ela e dos mecanismos de
defesa co ntra ela qu e Mela nie Kle in pô de ver ific ar na prát ica c lí nica o
ví nculo d ireto entre a a ns iedade e a teoria d os insti ntos de vida e de
morte (KLEIN, 1952/1986).

5
Na obra de Melanie Klein, o termo anxiety é traduzido em algumas passagens por ansiedade e, em
outras, por angústia. Essa é uma questão de tradução. Nós adotaremos para se referir a esse termo:
angústia.

85
A referência à puls ão de morte freudia na é to mad a por Melanie
Kle in (1952/1 986) pela noção d e pulsão agres siva. Essa p ulsão é a cau sa
primária d a ans ied ade, que se ap resent a não só como respo sta d a pulsão
de morte int erna e inerente ao suje ito , como de fo ntes exter nas de
fru stração que estão prese ntes na vida do bebê d esde o iní cio da vid a
pós-nat a l. Ela co nt inua:

Há mu it os an os q ue s ust en to a opi niã o d e q u e a ati vi da d e


int er na do i nsti nt o d e mort e d á o rig em ao med o d e
a niq uila ment o e de q ue é essa a ca usa pri mári a da
a nsi edad e p ers ecutó ria (p. 2 16 ).

Na bio grafia consagrada à obra de Melanie Kle in, P hilli s


Gross hurth (1992) d escreve q ue a nova formu lação da pulsão proposta
por Freud foi aceit a po r Melanie K lein. E ntre ta nto, co mo no s diz
Gross hurth, es sa no va po stulação não teve, por parte de Klein, a
compreensão d o termo exatam ente tal c omo elaborada por Freud. As
atitudes destrutivas o bservad as nas cr ia nças eram, segundo e la, um
correlato da pulsão de morte.

E la s emp re a ch ou q ue estava s egui n do um a ori en taçã o


d ada p or Fr eu d, mas, a o contr ári o de Fr eu d, [...] ela nã o
tin ha uma compr ee nsão verd ad eir a d o i nsti nt o no s enti d o
em q ue Fr eu d fala va. O q ue Kl ei n via era q u e as crian ça s
d e q ue ela t rat a va estav am emp enh ad as em ati vi da d e
d estr uti va, e cha ma va a isso a aç ão d o i nsti nt o de mort e
(GROSSH URTH, 199 2, p . 118 ).

No livro Inveja e Gratidão , de 1957, Melanie Klein (1957/1984 )


colo ca a sua posição a es se respeito da diferença e ntre seu pens ame nto e
o de Freud em relação à pu lsão. E mais ainda, es clare ce qu e, para ela, é
o eu que se defende d essa pulsão.

A a meaç a d e a niq uilament o p el o i nsti nt o de mo rt e dent r o


é, em mi n ha concep çã o – q u e, n est e p o nt o, di fer e da d e
F reud –, a ansi eda de p ri mo rd ial, e é o ego q ue, a s er vi ç o
d o i nstint o de vi da – p ossi v el men t e, ch amad o mes mo à
ativi d ad e p el o i nsti nt o de vi da – d es via até cert o p o nt o
essa amea ça p ara fora. Esta d ef esa fu nda mental co nt ra o
instint o de mort e foi atrib uí d a p or Fr eu d ao o r ganis mo ,

86
enq ua nt o q ue eu con si der o tal p r ocesso co mo a ati vi da d e
p rincipal do ego ( p. 47 ).

Para Klein (1957/1984), o eu 6 existe des de o iní cio da vida pós-


nata l, embora de forma rudiment ar, mas que, sobretudo, desempenha u ma
sér ie d e fu nçõ es imp ortante s de defesa c ontra o inst into de d estru ição .
Portanto , o ego se ap res enta co mo ato r p rincipal nes se cenár io em defe sa
de sua int e gração, colo cando -se a ser viço da pulsão de vid a e busca ndo
se defe nder d a pulsão de morte.
No intento d e elucidarmos a presenç a da pulsão inere nte à vida do
su jeito e sua re lação com a a nsiedad e confo rme elaborada por Melani e
Kle in, iremos nos ater à re lação de objet o, entre a cr iança e a mãe, tão
cara a Me lanie Kle in.
Nes sa primeira rela ção dual com a mãe, a criança vivenc ia a
exp eriênc ia de ans iedade, p ro venie nte dos e stímu los de fo ntes int er na s e
exter nas s ent idas pela cria nça. Is so porque, como nos d iz Klein
(1952 /1986), supomos “que há se mpre uma int eração , embora em vár ias
propo rções, dos imp ulso s lib idinais e agre ss ivos, correspondendo à fusão
dos instintos d e vida e de morte” (p. 217). A pulsão destrutiva su sc it a na
criança uma angúst ia que se ma nifesta nela de duas mane iras, co nforme
Mela nie Kle in (1932/1969/1981): primeir a, torna a criança tem erosa de
seus próprios impulsos d estru tivos int er nos, o que leva a criança a temer
su a aniquilaç ão; e u ma se gu nda ma neir a s eria u ma a ção contrária a es ses
impu lsos destrut ivos int er nos ao coloc á-los sobre o objeto ext er no,
considerand o este como uma fonte de perigo . Essa exp er iênc ia p ela qual
passa o eu tem a função de possibilit ar uma proteção contra a p ulsão de
morte, estando a serviço da pulsão de vida.
No enta nto, na iminê ncia de se livrar dess e impulso destrutivo, são
os mecanismos de d efes a orga nizados nos p ro cessos de projeção e
introjeção q ue se fazem prese ntes nessa relação. Mela nie K lei n
(1952 /1973) associa a essa relação a prese nça da fantasia. Nessa relação
de objeto, ela demonstrou qu e os bebês entregam-s e a co nstruir fantas ia s
6
Aqui, no texto no qual citamos o que seria o eu, nós vamos chamar de ego porque é essa nominação que
nós encontramos no texto da autora ao referir-se a essa instância. Quando for uma consideração feita por
nós, usaremos a nominação eu.

87
desde o início d e sua e xist ê ncia e ela acre dita qu e “a fa nt as ia const itua a
ativid ade me ntal m ais primit iva e que exis t em fant asias na m ente do
beb ê quase a partir do nascime nto” (p. 36). Para o bebê, segundo
Mela nie Kle in, o objeto d e todas essas fa ntas ias é no iníc io o seio da
mãe. Este s e aprese nta para o beb ê como font e de prazer, ao sa ciá -lo, e
como fonte de desprazer, pela fa lta de gr atificação. Ou seja, na fant asia
da criança, o s eio é introjetado co mo primeiro objeto de id ent ifica ção em
seus aspectos b ons, amand o -a e alimentando -a. No enta nto, é a mãe como
objeto bo m que é intro jetada no mu ndo da criança. Por ou tro lado , a
projeção se dá qu ando a cria nça, ao se sentir privada p elo seio , que nes se
momento e la cons idera mal, projeta tod o o seu ódio sobre ele e, como
consequ ência, contra a mãe ( KLEIN, 1963/1975 ).
Des sa maneira, todas as relaçõ es p osteriores de bem e m al, bo m ou
ruim serão baseadas nessa prime ira relação de ob jeto entre mãe e filho .
Esta antít es e e ntre s eio bo m e seio mau se d á pelo fato de o eu ainda não
estar totalment e integr ado. Sua integra ção é resultad o das prime iras
ident ificaçõ es em re lação ao objeto (KLEIN, 1952/1973).
Essas primeir as e xperiê ncia s de projeção e introjeç ão da criança
relac ionadas a e stímulos inter nos e e xt erno s ser vem de base p ara a
formação do eu e das fu turas fant as ias s obre os objeto s co m os qu ais o
eu irá s e relacio nar. São essas fa ntas ias e os mecanismos de defesa a ela
as so ciad os que permitem a fu tu ra int e gr ação d o eu, cons iderando que
es sa integr ação seja uma expressão do inst into de vida. Por outro lado,
por melho res que sejam es se s se nt ime nt os ne ss a re lação, os impulsos
agress ivos também permanecem int egrados nela ( KLEIN, 1 963/1975).
A formação do eu, segu ndo Klein (1963/1975) , “se desenvo lve, em
grande parte em torno desse objeto bo m, e a ident ificação com as boas
caract eríst icas da mãe torna- se a b as e para ulteriores ident ifica ções
benfaze jas” (p. 9). O qu e significa, segu ndo Kle in, q ue o ob jeto bom
int er na lizad o é uma d as p ré -cond ições para um eu inte grado e está vel e
para as boas relações d e objeto.
Nes sa relação , continua Kle in (1 952/1986), “supomos q ue há
sempre u ma interação correspondendo à fusão do s inst intos de vida e de
morte” (p . 217). Dess e modo, é o equilí brio entre as tensões int er nas e

88
exter nas que estão em jogo du rante todo o processo de formação do ego.
Todavia, res salt a K lein (1952/1986), “a tendê ncia do ego para int e grar -se
pod e, portanto, assim pe nso eu, ser considerada u ma expres são do
instinto d e vida” (p. 221). Dessa forma, é na interação e ntre as pu lsões
de vid a e de morte que a int e graç ão do eu se dá, sobretudo no
predo mínio do inst into de vida nessa relaç ão.
A pu lsão agr es siva, correlat a da p ulsão de morte freudia na ,
permite ao su je ito se dese nvo lver e esta belecer no vas relações qu e não
se jam soment e ancoradas na destruiçã o. Dess e modo, a ans iedade,
primeira e xperiê ncia vivida pela cr iança na re la ção de o bjeto, se colo ca
como defesa do eu contra a pulsão.
No enta nto, o que nos rest a e nt ender é como na c lí nica com
crianças Melanie Kle in se posicio nou em sua prátic a fre nte a dim ensão
puls iona l, inerente ao su jeito, essencialmente no q ue d iz respe ito ao
sintoma da cria nça.
Nes se sentid o, nossa q uestão a invest igar será : q ual a perspect iva
utilizada p or Mela nie Klein no tratame nto p sic ana lítico em relação à
dime ns ão pulsional do sintoma d a criança ?

3.4 O tratamento psicanalítico com cria nças

No tratamento psica nalít ico se gund o Mela nie K lein (1963 /1975), o
objet ivo terap êutico é a integra ção do eu. Na mesm a medida, a rela ção de
objeto é u m ponto de anco ragem p ara a realização desse trata me nto. É
por meio dela e do reconhe cimento d a pu lsão agre ss iv a inerente ao
su jeito, bem como das fanta sia s e meca nismo s projet ivos e introjet ivo s
nes sa r elação, qu e o sujeito irá buscar uma solução que se a fa ste do
aniq uilam ento, próprio à pu lsão de morte.
A segu ir, u tilizaremos quatro tóp icos que irão nos re fer enc iar para
ana lisar como Mela nie K lein s itua no tratamento a dimens ão pulsio nal.

89
3.4.1 A cria nça no tratamento

A cria nça conceb ida por Mela nie K lein, co mo vimos, é uma
criança a ncorada na p ersp ectiva do d esenvolvime nto. A precariedade
inere nte ao eu no s primórdio s da vida d as cria nça s almeja ao longo de
seu dese nvo lvimento, sua inte gração, por meio das ide nt ific ações d e
projeção e intro jeção. A perspectiva do dese nvolvimento se impõe na
prática c lí nica de Melanie K lein e representa o qu e para ela dest a ca a
difer ença no tratam ento e ntre o adulto e a cria nça. Pos ição essa que p ode
ser c lar ament e ident ificad a no texto de 1921 do caso Fritz, qu e fo i po r
nós considerado como pertence ndo a uma perspect iva p revent iva do
tratamento e, desse modo, no s indica ndo essa prática na contramão da
posição psicanalít ica da cria nç a co mo sujeito .
É no ano de 1926, no texto Princípio s Psico lógico s da Aná lise
Infantil, que Melanie Kle in es tu da as diferenças entre a vida ment a l d as
crianças e a d os ad ultos, para, a partir de ent ão, demarcar o qu e, para
ela, é co ns iderad o como p osições diferenc iais na t écnica de tratam ento
entre eles.
Mela nie K lein (1926/1981) pond era que, caso utiliz em para o
tratamento de crianças a téc nica a propriad a aos adultos, “não
conse guiremos decerto p enetrar nas ma is profundas camadas da vid a
me ntal da cria nça” (p. 186 ). E, na verdad e, continua, são essas camad as
que são relevant es para o procedime nto e êxito de uma aná lise.
Sobretudo, prossegu e Mela nie K lein ( 1 926 /198 1):

S e t oma rmos em co nsi dera çã o a s difer en ças p sicol ó gi ca s


ent r e crianças e adult os e n os l emb ra r mo s de q ue, na s
crian ças, en co ntr amos fat o r es i ncon sci en tes atuan d o
aind a la do a la do com fat or es consci ent es, as t en dên ci a s
mais pri miti vas ao la do dos des en vol vi ment os mai s
compli cad os ( p. 1 86).

Na análise com crianças, de acordo com Melanie K lei n


(1926 /1981), as exp eriênc ias e fixaçõ es d estas são d iretament e
representadas, enq uanto , na a nálise d e adultos, essas exper iênc ias
su bjetiva s serão reco nstruídas no trabalho de aná lise. Es sa po sição, ao

90
destacar a perspect iva do desenvo lvime nt o difer enciando o tratamento da
criança e o do adulto , se distancia da propo sta da clí nica p sic ana lít ica do
su jeito, uma vez que os aspectos d a co nsciência são p or ela co ns iderados
relevant es.
Outra diferença o b servada por Melanie Kle in (1926/1981), no
tratamento de crianças e adulto s, se refer e à rea ção d a criança à
aceit ação da interpretação no tratamento . S egu ndo Klein, para a cr iança,
a aceit aç ão da int erpretação é muito mais fácil do qu e para o adulto. A
razão dessa fac ilid ade na cria nça é porque, “em certos e xtratos da ment e
infant il, e xiste comunicação muito mais fá cil entre co nsciente e
inco nsc iente” (p. 184). Essa fac ilidade de comunic ação s eria a
exp licação do efe ito rápido d a int erp retaç ão nas cr ianças .
Des se modo, a cons ideração d a diferença entre a at ividade ment a l
da criança e a do adulto indica a nec es sidade, se gundo Melanie Klei n
(1926 /1981), de u ma técnic a própria adaptada às cria nça s. O b rincar é a
téc nica ele ita po r ela no tratame nto com criança s, p ermit ind o a
compreensão do fu ncio nam ento psíquico desta. Essa técnica demarca o
especí fico da clínica kle iniana, que acredita q ue, por meio do brincar e
de qu alquer ou tra atividade na prática clínica, a cr iança s imboliza suas
fant asias. K le in (1926 /1981) enfat iza ainda que é por meio dessa téc nica
que “podemos atingir a s exp er iênc ias e fixa ções mais profund ament e
reca lcadas, o q ue nos fo rnec e uma c apacidade básica para influe nciar o
desenvolvim ento d as cr ianças” (p. 190). Mais uma ve z, a necess idad e de
estabe lecer uma difer ença entre o tratamento da criança e o do adulto
evid enc ia um dista nciame nto da proposta d a clí nica p sica na lít ica.
Esta diferença d a téc nica da cr ia nça em relação ao ad ulto, propo sta
por Mela nie Kle in no ano d e 1926 , foi reco ns id erad a e me lhor d efinid a
no ano de 1 932. Segundo Klein (1932 /1969/1981), as a ssocia ções
realizadas p elo adulto no tratamento sã o amplamente r ea liz adas pela
criança no processo lúdico . O b rincar “é o meio d e expres são mais
impo rtante da cria nça. Ao utilizar esta t éc nica lú dica, logo se descobre
que a cr ia nça faz tant as as soc iações aos eleme ntos isolados de seu
brinquedo quanto o adulto” (p. 31). P elo brincar, a criança age e, p or

91
es se me io, sem precisar fa lar, produ z associações p róprias aos seu s
conflitos psíquicos.
Todavia, o fato releva nt e na apropriação dessa t éc nica, conclu i
Mela nie Kle in (1 926/1981), é que “trata-se ape nas de uma difer enç a na
téc nica, ma s não no s pr incípio s do tratame nto” (p. 190). Des se modo,
para e la, “os método s do jogo preservam todos o s princíp ios da
psicanálise, co nd uzind o aos mesmos re sultados d a técnica clá ss ica ” (p.
191 ). Aind a s egu ndo a autora, todos os fund ame ntos do método
psicanalít ico p roposto por Freud , tais como : a tr ans fer ênc ia, a
res istência, o recalq ue e seu s efe itos, a a mnés ia infant il e a compulsão à
repetição , são conservado s na téc nica do jogo.
A inter ve nção int erpretativa u tilizada po r Mela nie Klein no
tratamento com cr ianças sempre foi motivo de críticas e discussões sobre
a téc nica. O e xce sso interp retat ivo, por parte de Kle in, se mpre fo i
motivo de inda gação e interrogação sobre es sa téc nica por cons iderar
uma relaç ão direta do simbo lismo do brincar com os elem ento s do
inco nsc iente. Todo o brinc ar da cria nça , na maioria das vezes, va i de
encontro a um valor int erpretativo (19 32/1969/1981 ).
Ainda com relaç ão ao b rincar, Me lanie Kle in (1932/1969/1981)
destaca que o jogo é u m meio de express ão das fanta sia s da criança e,
que, na r ep etição dessas fa ntas ias, o que se ver ifica é a presença da ce na
primária no prime iro plano da a nálise. A cena primár ia nos parece
operar, no tratamento com cr ianças, como motivador para a incess ant e
repetição das interpretações com cunho edípico. Mas, p or outro lado,
Mela nie K lein (1932/1969/1981) ressalt a que

o si mb olis mo con stit ui ap enas uma part e dess a


lin gu agem. S e q uis er mos co mp reend er cor r etam en t e o
b rinq u ed o da cri a nç a em r el açã o a t odo o s eu
comp o rtam en t o d ur a nt e a ho ra de a nálise, n ão devem o s
con t ent ar- no s em desv en dar o si gni fi cad o d e sí mb olo s
isolado s, por mais r evel a dores q ue s ej a m ( p . 31 ).

Des sa mane ira, a int erpretação d eve rá ter como objet ivo
contextua lizar o brincar d a criança em u m todo específico da brincadeira.
E como nos diz Kle in (1932/1969/1981):

92
a i nt erpr etação dura nt e al gum t emp o n ão é assi mila d a
p ela cri ança con sci en t ement e. Essa ta r ef a, confo rm e
tenh o co nst ata do, é realiza da mais tar de e está e m
con ex ão co m o des env ol viment o de seu e go e com o
a ument o d e s ua adap t aç ão à r eali dad e (p. 3 6).

Segu ndo Mela nie K lein, a int erp retação visa a a lcançar o
esclarecime nto da cena p rimária e do conflito edípico . Para essa autora,
o que intere ss a no processo a nalít ico , dizem- nos os t extos da AMP
(1996 ), não é a estrutu ra inicial da cria nça , mas a possí ve l re lação que
es sa cr iança t em co m o inter io r e o exter ior. Refer indo -se à interpretação
propo sta por Kle in, a AMP (1996) destaca: “ela não int erpreta pela
pulsão, mas pelo s estados oral, anal e fálico visando uma reparação –
reco nciliação com os objeto s imaginar izad os” (p. 136 ). Essa relação
ima ginár ia, visa ndo à completu de com o objeto, seria u m dos critérios de
êxito em u ma aná lis e infa nt il, se gu ndo Klein.
Ao exam inarmos a prát ica com crianças tal como empregada por
Mela nie K lein, podemos cons iderar qu e o se gund o mo mento por nós
destacado se e nca minha para uma co nsid eração maior da dimensão
puls iona l. O ca mpo revelado das fanta sia s e o objetivo recorrente de
int egração do eu mediante a opo sição das pu lsões d e vida e de morte são
elementos teóricos que nos le vam a r econhecer u ma p rát ica q ue se dir ige
para uma consideração maior do inconscie nt e e de suas produçõ es.
No entanto, a p ossíve l le itu ra em relação à interp retação por ela
utilizada nos permite co ns iderar qu e Melanie K lein, ao int errogar no
tratamento o qu e fa lta ao objeto, o faz na tent ativa d e e ncontrar um
objeto que complemente essa falt a. Desse mo do, suas interpretaçõ es
visam a um recobrime nto do imaginár io e “não lhe permitem saber que a
dialét ica do sujeito e do objeto não é a co mpleme nt ação” (p. 136). Mais
do que is so, a le itura da teoria de Klein re ferente à comp letude da
relação de objeto não permite a e la fazer o questio namento desse objeto
como falta, próprio da perspectiva da prátic a psica nalít ica.
A s eguir, ainda no q ue se refere ao trat ame nto com cr ia nça s em
Mela nie Kle in, nosso int eresse será destacar qual o lugar d a famí lia no
tratamento.

93
3.4.2 Fa mília no tra ta mento

No que concer ne ao lugar da famí lia no tratamento, Melanie Klein


(1927 /1981) d estaca de antemão que o próprio fato de a família lhe
confiar a cria nça com o ob jet ivo de a nalisá- la é um e lemento favoráve l
para qu e ela possa e ncaminhar o processo analít ico para o que é mai s
coerent e. Ou seja, seguir “o caminho que me permite ana lisar s em
qualquer restrição as re lações d a criança co m as p essoas qu e fo rmam o
seu ambiente ” (p. 225). Em ou tro s termos, ela busca uma ind ependência
da int erferência dos pais e não acredita que a aná lise possa malograr
simplesme nte porque os pais não estão cooperando no tratamento, o que
não quer dizer que isso nunca possa aco ntecer. Co mo no s diz K lein, “se
os pais nos enviam a s cr i anç as para ser em a nalisada s, não ve jo raz ão
para que seja impossível levar a bom fim a a nális e, s imp les me nte p orque
a at itude d eles se mostre desfavo rável” (p. 229 ). Desse modo, é na
construção a nalít ica e na s respostas de ss a co nstru ção realizada pela
criança q ue todo o tratamento deve se a nco rar.
Mela nie Klein (1927 /1981) ressalta que, para o tratamento, po r
mais que a contr ibuição dos pais se ja important e e valio sa,
princip alme nte quando relatam mu danças que ocorreram no
comportamento da crianç a, “devemo s nece ss ar iamente s er capaz es de
ma nejar o tratame nto sem est a aju da” (p. 229).
A indep end ênc ia em r elaç ão aos pais no tratame nto se refere ,
se gundo Melanie K lein (1927 /1981 ), à su a própria exp er iênc ia que lhe
ens inou que, “se a nalis armos uma cria nça sem qu alquer espécie de ideia
preconcebida, fo rmaremos d a criança um quad ro d iferente ” (p. 226), um
quadro que ap resenta a cr iança sem a interferê ncia da fa la dos pais na
história da crianç a.
Essa posição d e indep end ênc ia d os pais no tratame nto permite a
Mela nie K le in (1927/1 981) definir o lugar do analist a. Ass im, ela
ressa lta : “o ana list a deve ter uma at itude inco ns cie nt e que exigimos do
ana lista d e adulto s. Esta at itu de deve ca pacitá- lo a querer realment e só
ana lisar e não desejar mo ld ar e d irigir a ment e dos seu s pacientes” (p.
230 ).

94
É necessário, segu ndo Mela nie Kle in (1927/1981), que o ana list a
sa iba mane jar a s ituação a nalít ica sem a ajud a de fam iliares o u p essoas
próxim as da cria nça. Ca so o processo analít ico apresente dificu ldades de
ordem transfere ncia l, é no próprio tratamento que ele deverá ser
resolvido. As questões da vida psíquica, na qual o p apel da fantasia e da
relação ob jetal da cr iança e sua mãe, bem como de todos os mecanismo s
designados no processo psíquico para le var adia nte a rela ção da cria nça
com o mundo, são pontos releva nt es a se co ns iderar no processo
ana lít ico. São essas questões d a ordem do psíquico que permite m a
Mela nie K lein, como nos diz Sa nt iago (2 005), “rebaixar o papel dos p ais,
do meio e da educação, tanto na vida infa nt il de m a neira geral como na
aná lise de crianças. O que importa é, a ntes, o mundo puls iona l e a
capac idad e inata para su portar as fru straç ões” (p. 98).
Portanto, podemo s cons iderar qu e a famí lia não se ap rese nt a d e um
mod o central no tratamento da cria nça, tampouco como coadjuvant e.
Mela nie Kle in cons idera q ue o tratament o se faz po r meio da criança e
do que esta apresenta como dificuldade no p ro cesso ana lítico. Ao
su btrair a nec es sidade da pr esenç a d a famí lia no tratamento, Melanie
Kle in se encam inha para o q ue, p arece-no s, privilegiar, no tratamento : as
produ ções do inconsc ient e. De sse modo, ob serva-se que a dimensão
puls iona l começa a s er tomada em conside ração no tratame nto.
A s egu ir, nosso percu rso vis a a reve lar q ual perspectiva do
sintoma no tratamento com crianças Mela nie K lein irá privilegiar.

3.4.3 O sin toma da criança

O s intoma da cr iança na prática c línica de tratame nto de Me lani e


Kle in (1965/1981) se ap rese nta como efe ito da ans iedade provenie nte do
medo de aniquilamento pela pulsão de m orte. A ansied ade nas cria nças
precederia a formação dos s intomas e na mesma m edida seria a primeir a
ma nifestação neurótica d a cria nça preparando o caminho para os
sintomas. Mela nie K lein co mpleta dize nd o qu e “parece -me correto dizer
que os sintomas, em conju nto são fo rmado s, pu ra e simplesme nte, com o
propó sito de escapar ao desenvolvim ento da ans iedade” (p. 114).

95
Do mesmo modo, um eleme nto fu ndamental na teoria de Melani e
Kle in (AMP, 1996) centra-s e na imp ortânc ia da relação de objeto como
objeto fa ntas iado : “ isso significa que toda a pulsão tem como correlato
uma fant asia de um ob jeto para sat isfazê- la” (p . 1 27). E, d esse modo, se
dirige ao objet ivo ana lít ico , que será o d e condu zir o suje ito a u ma
realização plena com o objeto, à comp letude im aginár ia do objeto . Em
consequência, a teoria de Melanie K lein “ace ntua a teoria do objeto em
detrime nto da teoria d as pu lsões e, mais que ao desenvolvim ento
puls iona l, e la reser va uma imp ortânc ia fu ndamental à reso lução da
ambivalê ncia em relaç ão à mãe” (AMP, 1996, p. 127).
Embora a d imensão p ulsional esteja inse rida em todo o percurso
teórico de Melanie Kle in, a p ersp ect iva do sintoma como solução não nos
parece tomar o primeiro pla no na p ersp ectiva de Mela nie K lein. No que
concerne à sua interpretação, tal co mo exposto, u ma interp retação pelo
eu é contrária à análise. No processo ana lítico , tem-se q ue interpretar
pela pulsão . Diz-nos Brousse (1 997), “a int erp retação sozinha não pode
tratar os s intomas” (p . 13 2). O que nos fica mais patent e é que há u ma
reco rrência no tratame nto com criança s em Klein ao situ ar to da a
int erpretação do sintoma no âmb ito do significa nt e do complexo de
Édipo, não atingindo , desse mo do, a pulsão.
Esse cont e xto teórico kle iniano permite aos intérp retes de su a
teoria fa zer uma le itura dentro de u ma p ersp ectiva de uma u nidade
possí vel por meio de exper iências pos itivas po ssí veis a p art ir da
simbolização da mãe, do pai, do pênis e da va gina, e lementos de
simbolização que co ntribuem sobremaneira para a formação da fant asia
da cria nça por meio de um “força me nto” de elemento s s imbólicos p ara a
criança (AMP, 1996). O sinto ma nes sa c lí nica não toma a p ersp ectiva de
so lução e nos parece se ancorar co mo coadjuvante no processo analít ico
rumo à perspectiva de uma po ssível u nidad e entre mãe e filho .
A seguir, trataremo s do lugar reser vad o ao inco ns cie nt e na p rátic a
kleiniana.

96
3.4.4 O inconsciente

Ao inconscie nt e é reser vado um luga r de destaque, segundo


Mela nie K le in (1927/1981), pois é por meio d ele qu e “temos que
trabalhar, em prime iro lugar e pr inc ipalmente , com o inconsc iente ” (p .
199 ). E ressalt a : no inconsc iente, a s cria nças não são tão difere nt es dos
adu ltos. A d ifere nça a se destacar é o fato d e que, nas cr ia nç as, “o ego
aind a não atingiu seu completo desenvo lvimento e, p ortanto, ela s est ão
mais sob a influência do seu inco nsc iente” (p . 199). A perspectiva do
desenvolvim ento da cria nça e a imp ortânc ia da integra ção do eu como
objet ivo terapêutico se apo iam no eu como instâ ncia nece ss ár ia para se
che gar a e leme ntos ocu lto s inconscient es. Is so porque, “tomando o
ata lho mais curto possí ve l atravé s do ego, dirigimo -nos em prime iro
lugar ao inco nsc iente da cria nça p ara de lá irmos entrando gradu alment e
em contato também co m o ego” (KLEIN, 1932/1969, p. 36).
O analist a, relata K lein (1932/1969), “não se dirige
espec ificamente ao e go (como fazem o s educadores), mas bu sca ab rir um
caminho p ara as organizações inco nsc ientes do psiquismo, tão decisivas
para a formação do ego ” (p. 111). À medid a que se segue em análise, os
conhec ime ntos adquirid os pela cr iança, em re lação ao esclarecim ento
se xua l e su a posição fre nt e a rela ção parent al, vão p ermitind o a ela u ma
condição maio r de se adaptar e viver em sociedad e. Quanto ao trab alho
ana lít ico, cont inua Kle in:

Noss o tr ab al h o an alíti co é cont rári o a t odas as t en dê nci a s


d o eg o da cria nça, e é p or iss o qu e nã o p o demo s, a m e u
v er, cont ar co m a aj u da do ego no p rin cíp i o do tr ata ment o ;
a nt es, dev emos p r o cu ra r estab el ecer r el a çõ es com o s
sistemas i n con sci ent es p ara i r dep ois, g rad ualment e,
con q uista ndo a colab ora çã o d o ego (p . 96 ).

É por meio da técnic a lúdic a que Melanie Kle in ( 1932 /1969)


compreende o fu ncionamento psíquico da criança e é p or es sa mesma
téc nica que consegue at ingir o inco ns cient e de uma forma mais diret a:

Já vi mos q ue n a an ális e i nfantil o â ngu l o de ab or d ag e m


d ev e s er di ferent e do e mp rega do na a nálise de a dult os.

97
To ma nd o-s e o atal ho mais curt o p ossí v el at ra vés do ego ,
dirigi mo- nos em pri mei r o l u gar a o i n co ns ci e nt e da crianç a
p ar a de lá ir mos ent ra ndo g radu al men t e em con tat o
ta mb ém co m o ego (p .36).

Des sa mane ira, o inco ns cie nt e, se ndo a fundament ação d es sa


prática, bem co mo a trans fer ênc ia e a int erpretação , “tais são o s meios de
estabe lecer e ma nt er uma situação a na lít ica co rreta, tanto para a cr iança
quanto para o adulto” (KLEIN, 1932/1969, p. 37).
Por outro lado, a despeito de colocar em e vidê ncia toda u ma
perspectiva ana lít ica em seu trabalho , Mela nie Kle in (193 2/1969)
considera como resultado do tratame nt o o fortale cimento do ego da
criança: “o estab elec imento d a relação da criança com a realidad e e o
fortalec imento de seu ego só se verifica m gradualme nt e, e const itui o
resultado , não a condição prévia, do trabalho ana lít ico” (p . 52).
Des sa maneira, o inconscie nte, s endo o fund amento desse
tratamento, bem como a transferê ncia e a int erpretação, estamos fa la ndo
de u ma técnica a nalít ica que também traz a prerro gat iva de que o ana list a
se abstenha de qualquer medida ou influ ênc ia ped agó gica sobre a
criança.
No percurso teórico realizad o por Mela nie K lein, não po demos no s
furtar em reconhecer em seu trabalho a dimens ão do inconsc iente e seus
efeitos. No ent anto , o relato do caso do me nino Fritz, no ano de 1921 ,
nos dá margem para cons iderar sua prátic a vo ltada para um viés de
adaptação ao social. A leitu ra d esse caso nos conc ed e interpretá -lo , po r
meio dos recurso s utilizados p ara o prosse guime nto do caso, como u ma
prática cu jo objetivo terap êutico se ancorava na adaptação deste ao
so cial. Desse modo, parece-nos ha ver um primeiro mo mento na técnica
de Melanie K lein que nos possibilit a c ons iderar sua prática sob u ma
perspectiva adap tacio nist a, d esconsiderando o elemento p ulsio nal no
sintoma.
Ainda no que concer ne ao inconsciente em Melanie Kle in, Laurent
(1995 ) nos diz qu e “ela dese nvolveu cada vez ma is su a conc epção de
fant asia como co nteúdo primár io do inconsciente, a ponto de podermos
dizer q ue, para ela, o inco nsc iente se estrutu rava como uma fant as ia” (p .

98
57). As fantas ias fu ndamentais “operam neste além fant asíst ico , que
pod eria ser a definição do inco nscie nte kle iniano ” (AMP, 1996, p . 128 ).
As s im, o s primeiro s conflitos, produto da oposição e ntre a s pulsões de
vida e de morte, têm co mo objet ivo ana lítico conduzir o suje ito a u ma
realização ple na com o objeto . Desse mo do, “a lingu agem do
inco nsc iente é ded uzida dessa relação de objeto conc ebid a como relação
de completude imaginár ia” (p. 122 ). Como consequ ência, mesmo a
int erpretação vis ando à pu lsão, na te oria kle iniana, tem - se como
lingua gem do inconsciente a reparação da relação d e o bjeto visa ndo sua
completu de. Essa solução terapêutic a, co mo resolução do t ratamento , se
distanc ia da prática psicana lít ica q ue se anco ra na p ersp ectiva da fa lt a do
objeto, e não em sua comp letude.

99
CAPITULO 4 – A ORIENTAÇÃ O LAC ANIANA

As co ntr ibuições de Jacques Laca n para a c lí nica ps icanalít ica


foram elucid adas por Jacqu es Ala in M iller no campo freudiano e se
tornaram conhecid as por orient ação lac ania na. A orientação lacania na,
como herança da Escola de Lacan, fu nd ad a em 1964 , se d irigiu a um
movimento de denúnc ia ao s d es vios pelos qu ais pas sa va a t eo ria de
Freud , para que “reconduza a práxis original q ue ele inst itu iu so b o no me
de psica nálise ao dever que lhe compete neste mu ndo” (L ACA N,
196 4/2003 , p. 235).
No que concerne à c lí nica com cr ianças, a int rodu ção no âmbito
dessa c lí nica das co ntr ibu ições d e J acques Laca n nos parece ter d ado
lugar a uma mu dança de p ersp ectiva em relação ao sintoma. O sinto ma,
nes sa c lí nica, tem como proposta resgat ar a relação do sujeito com o
inco nsc iente e o s intoma na dime nsão da pulsão . Ass im, o s intoma em
su a perspectiva d e adaptação ao so cial, como d esconsidera ção puls iona l,
toma o segu nd o p lano nes sa o rie nt ação. Desse modo , a orie ntação
lacania na irá propo r uma prática que se d istancia das p ropostas
adaptativas qu e configuraram a c lí nica c om cria nças no s seus p r im eiros
ano s.
É, ent ão , sob o signo d e um retorno a F reud qu e Jacqu es Lacan,
nos a nos d e 1950 , empreende uma leitura dos textos freu diano s com o
objet ivo de resgatar a letr a de Freud em su a originalidade. O interesse
nes se empree ndim ento d e reconq uista dos fundame ntos freudianos se

100
as so ciava, com certa p reocupação, com a atuação p rática que esta va
se ndo realizada nessa épo ca p elos se gu idores d e Freu d. No fim da d écada
de 1950, era a influência da ps ico lo gia do eu que se apres entava como
prática terapêutic a, visando a um reforço do eu (COTTET, 2005). O
int ento de La can nes sa data era empreend er um movimento d e de núnc ia a
es sa prát ica, que enfat izava os e lementos da cons ciê ncia e se distanc iava
dos princípios ps ica nalít ico s fu ndamentais da psica nális e. Na verd ade,
diz- no s Lac an (1956/19 88), “ninguém se enganou aí. Trata-se co m efeito
do espírito po sit ivo da c iê nc ia enquanto explicat iva que est á em causa na
psicanálise” (p. 269).
Nes sa ép oca, destaca Co ttet (2005), além da influência da
psicolo gia do eu atuante na prát ica clí nica, outra questão que pode ser
destacada por Lacan como um des vio da prática efetiva da psicanálise é a
perspectiva da rela ção de objeto inspirada nos pós -freu diano s ligad os a
Karl Abra ham e Me lanie K lein. No que se refere às ps icoterapias e à
relação de objeto proposta por Klein, e ss as orienta ções, co nt inua Cotte t
(2005 ), têm um ponto em comum: “ fundamentam -s e não na int erpretação
do inco nsc iente, e s im em uma interpretação do ima ginár io da relação
dual” (p. 12). Enfim, o qu e se to rnava p re me nte nessa data era orient ar
os tratame ntos para uma interpr etação do inconsc iente “contra toda
tentat iva de reeducação” ( idem).
Almeja ndo recuperar a mensagem da psica ná lise freudia na, Laca n
dá iní cio , no ano d e 1953, co m o texto Fu nção e campo da fala e da
linguagem em psica nálise, ao qu e ele próp rio reco nhe ceria como seu
ens ino por meio d e dois princípio s: reto rno a Freud e a primazia do
simbólico . A partir do ano 1953, Lacan retorna aos texto s freudianos,
para res gatar a re lação do sujeito com o inco nsc iente. Nes se texto, a
tarefa d e Lacan (1 943/1998) será demonstrar que “o s conceitos que
fundame nt am a ps ica nálise só adquirem sent ido ao se o rie ntar em no
campo da lingu age m e se ordenarem no campo da fala ” (p. 247 ). É a
conso lid ação, por parte de Lac an, do poder da lingua gem em tudo o que
diz respeito ao hu mano. Por essa cond içã o, é a d efinição de inconsc ient e
que também se faz por meio da linguagem: “o inconscie nte estruturado
como uma lingua gem ”. Ne ss a ocas ião, Lacan (1953/1998) revela o

101
su jeito que está em jogo na prática clí nica : u m su jeito que se apresent a
por sua assunç ão da linguagem à pala vra e, as sim, por essa noção,
pretende romper com as p ropostas adaptativas a nt er iorment e utilizad as.
A propo sta de um retorno a Freud, como diz Lacan (1955/1998)
mais ad ia nt e, no te xto A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud
em psicanálise: “é o reto rno ao sent ido de Freud” (p. 406), era retomar
os textos freudianos para qu e sua letr a não se p erdess e. To davia, po r
es se empreendime nto, viu -se co agido pela Inter nat io nal Ps ychoana l yt ica l
As sociatio n (IPA), d a q ual fez crít ic as por não ser mais freu diana, a
fundar u m lugar o nde suas propo stas poderiam ser legitimad as (LACAN,
196 4/2003 ).
Dez a nos depois, em 1 964, Lacan, ent ão, se d ista nc ia des se modelo
de retorno a Freud para dar iníc io ao q ue ele reconhece como seu ensino ;
não sem reverenc iar por meio do nome Escola Freudiana de Par is (EFP) a
procedência de seu ensino, tendo como ponto de partida ir alé m dos
conce ito s freud ianos (LACAN, 1964/20 03).
Ass im, em ju nho de 1 964, ele publicou o “Ato d e Fundação” da
su a Escola, d izendo de sua so lidão nesse emp reend imento da causa
psicanalít ica e propô s, a partir daí, a Fundação da Esco la Fr ancesa de
Psicaná lise (EFP). Esta fez sua entra da como u m movim ento de
reco nquista do campo freud iano , cujo objetivo é re staurar a p sicaná lise
freudia na. Ne sse texto d e 1964, movido p ela preo cup ação com o futuro
da psica nálise, ele e sc larec e os modo s de funcio name nto de sua Escola,
da fo rmação psicana lít ica e de s eu ens i no, explic itand o os princípios
necessár ios da p ráxis ps icanalít ica e d e seu est atuto na c iênc ia, “um
estatuto que, por mais s ingular que afina l se ja p reciso reconhe cê -lo,
nunca s eria o de uma exp er iênc ia ine fáve l” (LACA N, 1964/2003, p.
238 ).
Como hera nça da Esco la de La can, na sceu, ent ão , a orie ntação
lacania na sob a d ireção de J acques Alain Miller, cuja proposta se dirigi a
a res gatar a re lação do sujeito com o inc onsciente e o s intoma. A noção
de suje ito passa p or nova elaboração ao resgatar sua re lação com o
inco nsc iente. No próximo tópico , trataremos dessa nova e laboração, a
fim d e destacarmos o sujeito do qual falamos na clí nica d e orie nt ação

102
lacania na, para, ass im, difer enc iá-lo d as propostas ant er iores à entrada
dessa orient ação.

4.1 Sujeito do incon sciente – sujeito do desejo

A noção d e sujeito 7 em J acques Laca n pretende retificar o desvio


pelo qual p as sou a psicanálise nos anos d e 1950. A orient ação lacania na,
ao introduzir o sujeito, o faz na perspectiva do inconsc iente ,
difer enciando -o das inércias imaginár ias q ue se to rnaram um o bstáculo
para o ente ndimento d a mens agem d o inco nsc iente (LA CAN, 195 7/1998 ).
Na int e nção de denu nc iar o percurso objet ivant e pelo qual passava a
clí nica psicana lítica nessa data, Laca n (1966/1998) p ro moveu, por sua
vez, uma co nvocação à ordem da sub jet ivação.
Na p ersp ectiva laca niana, resgatar a importânc ia do inconsc ient e
resulta no fato de se reco nhecer q ue o sujeito p roposto nes sa perspect iva
se ma nifesta no momento da divisão psíquica fund ame nt al. Po r essa
divisão, o suje ito se def ine subjet ivament e como sujeito do inco nsc iente ,
como efeito d a lingu a gem. Co mpleta Laca n (1998 /1964 ): “p or esse
efeito, ele não é causa dele mesmo, mas traz em s i o germe da cau sa que
o cinde” (p. 849).
Ao advir pela lingua gem, o suje ito logo se perde ne la, na verdade
de seu ser, na verd ade de seu desejo, por estar aí senão represent ado.
Essa alienação do sujeito na e pe la linguagem co nfere a est e, diz -nos
Lac an (1998 /1964 ), sua condição de suje ito erra nte na cadeia
signific ante. O sujeito é, pois, um efeito do signific ante represent ado na
lingua gem lac ania na pelo $ ( LACAN, 1964/1998). Ao advir à linguagem,
o sujeito s e const itui como divid id o, alie nando uma parte de si mesmo no
inco nsc iente (LACAN, 1953 /1998 ). Desse mod o, o advento d o su je ito na
clí nica d e orientação laca niana é resultado da relaç ão intrí nseca do
desejo , da linguagem e do inconscie nte. O aparecimento do sujeito, como
su jeito do inconsc iente é efe ito de sua divisão subjetiva.

7
A noção de sujeito em Lacan passa por várias formulações. No último ensino de Lacan, que tem início
no Seminário 20 – Mais Ainda, o termo falasser surge em contraposição à noção de sujeito. Nesse
momento particular do ensino de Lacan, há uma nova leitura do inconsciente para além do simbólico e da
linguagem, ou seja, no que nele há de real, ou seja, de gozo (Lacan, J. 1985).

103
Relevante desta car que esse prime iro momento d a assunção
su bjetiva d o sujeito é reve lado no texto de 1936: O Estádio do Esp elho
como Forma dor da função do Eu . Este foi proferido, pela prime ira vez,
no Co ngres so da IP A, em Marie nbad , no ano d e 1 936. Embora Lac an
tenha s ido interrompido por Erne st J one s nes sa circunstâ nc ia e de não ter
deixado seu te xto nos ana is do Congres so, ele retor na essa comunicação
em 1949, no XVI Co ngres so Inter nacional d e Zuriqu e. Neste texto de
194 9, Estád io do Espelh o como formador da função do Eu , são as
dime nsões da ordem da linguagem, d o inc onsciente e d o Ou tro que
marcam a gr and e co ntr ibuição e, po rtanto, certo ava nço d e Lac an no que
concerne à teoria freudia na (1949/1998).
Esse e stád io const itui a fa se inic ial de um processo psíquico rumo
à subjet ivid ade. Nele, Laca n (1 949/1998) designa um mo mento psíq uico
situado entre os seis e 1 8 meses d e vida da cria nça, no s quais esta se
const itu i co mo unid ade em torno da imagem do seu co rp o. Esse est ádio
demarca u ma experiência de ident ificação fu ndamental d a criança, que
irá fa zer a co nqu ista d a imagem d o seu próprio corpo, pro movendo u ma
estruturação do eu. Essa exper iência permit e a aboliç ão de um p eríodo
precedente, no qual a criança não e xperimenta va seu corpo como u ma
unidade, mas, s im, dentro de u ma d ispersã o imaginária (idem).
Esse momento esp ecífico de estruturação do eu é definido, segundo
Lac an (1949 /1998), primeirame nt e por uma evidê ncia c lara de
as su jeit amento da crianç a ao registro imaginár io, em q ue esta vive uma
exp eriênc ia de confu são de si mes ma co m o outro. Ness e momento, a
criança se confund e co m a mãe e lê nos movimento s e sbo çados por ela a
sat isfaç ão d e su as nec es sidades. Aqui, a cria nça e o ou tro (a mãe) vivem
uma co nfusão d e image ns entr e si, uma vivência d e ind ist inção. Po r
exemp lo: uma “cr iança que bate diz que bateram ne la, a q ue vê cair
cho ra” (p. 116). Período ú nico , no q ual p ode ser ident ificada, ao se
registrarem as reações emocionais da cria nça, a presença de um
trans it ivismo caract erizado , nes se mo ment o, como no rmal.
Posteriorme nte, ao se reco nhecer na re lação co m o ou tro , a criança
recu pera su a u nidade corporal e se estr utura como eu por meio dessa
ident ificação primordial. É importante s alientar que es sa estruturação

104
psíquica do eu se dá sob a égide d a dimensão do imaginár io – que
pressu põe uma alienação do eu ao outro e, portanto , se s itua como eu
(moi) imaginário (LACAN, 1949/1998 ).
Em um se gundo mo mento dess e processo de su bjetivação, o aces so
ao simbó lico permitirá à cr iança pôr fim à relação esp ecu lar e alienant e
com a mãe. Fato rele vante de observação é qu e essa c o nstrução
ima ginár ia se apresent a su bmetid a irre mediavelme nt e à dime nsão do
Ou tro – a ordem simb ólica. Isso nos le va a reconhecer que o adve nto da
su bjetivid ade se coloca irredutive lmente su bmetido à dimens ão d o Outro
na dimensão d a lingua gem. Des se modo, a vertente do simbólico ,
registro do campo da lingua gem, ma rca a p assa gem do registro
ima ginár io, caract eríst ico da fase do espelho, para o registro simbólico
especí fico do Outro d a lingu agem (LACA N, 1949/1998).
Enfim, ess e su jeito do qu al falamos na clí ni ca de orie ntação
lacania na se dista ncia d as práticas ancoradas nos mold es do registro de
uma relaç ão imaginár ia. Sobretudo, afasta -se de uma definição de sujeito
refer enciad o na perspect iva do desenvolvim ento tão recorrente nas
práticas a nteriores a essa d ata.
Neste momento, u ma inda gaç ão: como se dá na orient ação
lacania na a re lação desse su je ito fre nte o s intoma e a pu lsão?

4.2 O sintoma e a p ulsão

Para o ente ndimento d o sintoma na c lí nica de orientação lac ania na,


Jacqu es Alain M iller (2011 ) parte do b inário sentid o e gozo em relação
ao sintoma. No texto int itulad o Seminário sobre os ca minhos da
formação dos sintomas, esse au tor retoma duas Conferências de Freud,
que, segundo ele, apo ntam es se binário em rela ção ao sintoma.
A prime ira é a Co nferênc ia XVII – O se ntido dos sinto mas, que,
tal como seu título mesmo indica, trata -se do sent ido do sintoma. A
conferênc ia XX III – Os ca minhos da formação dos sinto mas trata do
gozo. Essas duas Conferê ncias repres entam o caminho percorrido po r
Freud , “que vai do sentid o ao go zo do sintoma” (MILLE R, 2011, p. 11 ).
A proposta de M iller ao fazer um retorno a ela s é po r ente nder que

105
abord ar o sintoma a partir do sentid o ao gozo “é a b ase de noss as
elucubrações” (p. 12). Desse modo, é a ess a art icula ção e ntre se nt ido e
gozo que iremo s no s ater para o ente ndim ento do sintoma.
No que se refer e ao se nt ido, Miller (2011) destaca q ue o po nto de
partida de Lacan fo i o texto Função e campo da fala e da linguag em em
psicaná lise, do ano de 1 953. Nesse te xto, ress alta Miller (2011 ), Laca n
“destaca e constrói o sent ido na prática da p sic aná lise, o sentid o no
inco nsc iente e o sentid o no sintoma” (p. 12). É o sent ido do inco nsc ient e
que nos é apres entado nesse te xto pela célebre fra se : “o inconsc ie nte é
estruturado como uma lingu agem”. Destaca, p ortanto, nes sa primeir a
elaboração, o sent ido do do mínio do incons cie nt e p or meio da
lingua gem, cu jo s efeitos se produzem no sujeito.
Nesta verte nte, da sup remacia d o simbólico , pode -se d izer do
se nt ido do sintoma, fa la- nos M iller (1988), como resu ltado de um defeito
de simbolização porqu e não foi verba lizad o, porqu e não se pas so u à
pala vra “e q ue se des faz na med ida em q ue passa à pala vra” (p. 19). A
operação de cu ra é dada, co ntinua Miller, “porque permite dar
signific ação retroativa ao que pe rmaneceu opaco para o sujeito em sua
exp eriênc ia” ( idem). Muitos q ue seguiram o ens ino de Lacan se
detiveram aí, sublinha M iller, nes sa ver tente do s imb ólico do mesmo
mod o que ou tras pessoas deixaram Lacan em outros momentos por u ma
divergênc ia da teoria.
Des sa mane ira, na vertente do simb ólico, o sent ido na prática d a
psicanálise pode ser e nt end ido, relata Miller (1988), p ela ide ia d e
trauma, tal como Freud imagina va quando propôs a teoria da sedução,
para lo go ser abandonada. Desse mo do, o que se tent av a ap reend er era a
ideia “de uma exp er iênc ia inassim iláve l para o suje ito , qu e engend ra o
sintoma, e que a cura po r simb olização devia permitir desfazer” (p . 20).
Nes se contexto do simbólico, o sintoma é interpretad o como u ma
operação que tem como princípio a dime ns ão significante. Nes ses
termo s, conforme Miller (2011) se a interpretação tem como objetivo
desve lar o signific ado último do sintoma, es te pode ser d efinido aqu i
como a parte manifest a do significa nt e em busca de um significad o que
se ocu lta sob a b arra do recalque.

106
Essa e laboração sobre o sent ido , continua M iller (2011),
desemboca em um esquema chamado esquema L, “primeira le tra do no me
de Lacan, mas cuja base é u m X, no qu al se opõem o simbó lico e o
ima ginár io” (p . 12). Essa s eria u ma nova e lab o ração da relação do
su jeito co m o objeto no processo ana lític o. Esse e squ ema faz a inscrição
do sujeito no Ou tro, tal como estabelec ida no processo analít ico, no qual
o sujeito recebe do Outro su a p ró pria m ens agem. Todavia, es sa
me nsa gem não é claram ente adquirida pelo sujeito , pois há u ma
int erdição realizada pela r elação entre a – a’, relação imaginár ia p or
excelê ncia e qu e se interp õe entre o s ujeito e o Outro, levand o ao
desco nhe cime nto dessa últ ima.
O esquema L é introduzido na e xperiê ncia a nalít ica e tem como
objet ivo demonstrar como é essa relação do su jeito com o inconsc iente ,
“te ndo em vista a ma ne ira como esta últ ima vem sendo fo rmulad a ho je
em dia por u m número cada vez m aior de analis tas” (LACA N,
195 6/1957 /1995 , p . 10). Laca n, ne ss a passagem, s ublinha a prese nça dos
teóricos focado s na experiência d o eu e qu e, no processo analít ico ,
privilegiam a relação de objeto como primária, amparados na relaç ão
ima ginár ia e dual entre o su jeito e o objeto .
A introdu ção do esquema L proposto p or Lacan irá d estacar ess a
relação e ntre sujeito e objeto, po rém de fo rma mais e xt ensa e co nclus iva
em relação à posição do su jeito : trata-se, agora, segundo Miller (2011 ),
“de articu lar se nt ido e gozo” (p. 14 ).
Cons idera ndo o qu e foi expo sto na perspect iva do p rimeiro ensino
de Lacan, no qu e concerne aos caminhos da formação do sintoma, est e
aparece, n aquela épo ca, co mo esse ncia lmente simb ólico, indicand o seu
se nt ido recalcado. Porém, esse p rimeiro momento p erde espaço para um
se gundo, qu e se encaminha p ara revelar a imp oss ibilidade d a função
simbólica em d ar conta do real como presença a partir do ob jeto a como
resto. Não há dúvid a, cont inu a Miller (2011), de que, “para Laca n, o
sintoma s e s itua no grafo em S(A), co mo efe ito do significado do Outro”
(p. 14). Tod avia, q uand o se c hega a um se gundo momento desse grafo,
destaca M iller (2011), já não b asta separar ou dividir o ima ginário do
simbólico .

107
Uma p rimeira oposição entr e s ent ido e gozo fo i prat icada p or
Lac an na int enç ão de se sep arar s imbólico e im aginár io. As sim,
conforme Miller (2 011), não p odemos nos furtar em reco nhecer q ue, do
outro lado do eixo simbólico , ou seja, d a relação entr e o sujeito e o
Ou tro , tem-se a re lação a-a’, o eixo ima ginár io, que provém do estádio
do espelho e que, p ara Lacan, diz -nos Miller, “é também o eixo
puls iona l” (p. 13). Havia certo d esprezo p elo ima ginário , destaca M iller
(2011 ) e, por isso mesmo, pela pu lsão. Esse d esprezo pelo im aginário é o
que conduz Miller a co nsid erar que, na primeir a o rie ntação d e Lacan, “ há
uma desva lorizaç ão d a pulsão, embora nã o advertida qu ando falamo s do
ima ginár io, mas p rese nte” (p . 13). No ent anto, qu ando se che ga à
se gunda operação q ue leva ao caminho das formaçõ es do sintoma, é a
articula ção do sent ido e do gozo que se faz ne ce ss ár ia pe la pres ença do
real.
Essa art iculação, co nforme relata M iller (2002) no texto O Real é
sem Lei, se dará por meio d a fórmu la da fantasia 8 como co nstrução
fundame nt al para o sujeito. A fantas ia é “herdeira do que Laca n chama va
no iníc io do seu ensino de relação imaginária” (p . 15). Ela é herdeira da
relação de mediação do simbólico com o imaginár io. Des sa ma neir a,
cont inua Miller (2011) , “o fa ntasma ( $<>a) é o resultado de u m longo
cir cu ito lib id inal, no qu al ap arece a puls ão como cad eia s ignifica nte e o
desejo como significad o d essa cade ia (p. 14). Portanto, a fanta sia traz
em seu bojo o elemento puls io na l.
Na iminênc ia d e s e articular sentid o e gozo , Miller (19 98), no
seminário O Osso de u ma An álise , cons idera o sintoma como o resu ltado
da int erseção entre o significant e e o gozo: “É qu e o significa nt e t em
uma inc idênc ia de gozo sobre o co rp o. É isso que Laca n chama de
sintoma. Is so vem no mesmo lu gar do que ele c ham a da fanta sia” (p. 99).
Ainda no seminár io O Osso de uma Análise, Miller (1998)
cont inua: a fa ntas ia aparece como mediação entre s ignifica nt e e gozo,
su pond o uma dist inção radica l e ntre e ssas duas ordens. Po r ou tro lado, o

8
Na obra de Jacques Lacan, o termo fantasy, em alguns textos, é traduzido por fantasia e, em outros, por
fantasma. É um problema de tradução. Nas citações literais da obra, usarei o termo mencionado. A
tradução que adotaremos para esse termo é fantasia.

108
sintoma inscre ve uma relaç ão muito mais direta entre o s ignifica nt e e o
gozo. É por isso, continu a Miller (1998), qu e confirmo hoje “que lá
onde, em Freud, exis te a pulsão , em Lac an há o sintoma. Mas enqu anto
Freud não apresent a a pu lsão senão como um mito, podemos se guir, em
Lac an, o sintoma como um real” (p. 100).
Portanto, o sintoma, em su a re lação com o real, se aprese nta em
su a dimensão puls ional, revelando -nos algo da dimensão do real no
su jeito, do inas sim iláve l, ou seja, do go zo. No sintoma, e ncontra - se
inser ido algo da o rd em da pu lsão. De ss e modo, como podemos, no
processo analít ico, atingir o sintoma nessa d imensão de real?
Quem resp onde diretamente a essa qu estão é Marie- Hélène Brousse
(1997 ): “p ara se at ingir o sintoma é preciso u tiliz ar a fanta sia, pois e st a
oferece a chave do sinto ma. Não se pod e ent e nder o sintoma de alguém
se refer ind o somente aos seus s ignifica nt es ” (p. 132 ). Isso porqu e se
deve le var em conta o modo d e gozo de uma pessoa. Des sa ma neira ,
cont inua Bro usse, “interpretar com base na fantasia não é uma defesa
contra a pulsão: é a própria pu lsão” ( idem). Des se modo , o sintoma em
su a dimensão pulsio nal s e s itua como resposta para o suje ito, resposta do
que lhe é ma is s ingu lar.
No que concerne ao sinto ma das cr ianças, no texto Nota sob re a
criança , Laca n (1969/2003) cons idera o sinto ma da cria nça como
resposta “ao que e xist e de s intomát ico na estrutura fam iliar” (p. 369). A
ma nifestação sintomátic a na cr ianç a pod e se representar de duas formas ,
cont inua Lac an (1969/2003): uma fo rma é quando o sintoma represent a
na cr iança “a verdade do casa l familiar”. Outra condição de manife stação
é “qu ando o sintoma que vem a preva lec er d eco rre da sub jet ividade da
mãe, ou seja, a cr ianç a realiza a prese nça do que J acques Lacan d es igna
como objeto a na fa nt as ia” (p. 370). Assim, a cr ia nç a resp onde ao que
falt a à mãe po r meio d a satu ração d essa falt a mater na, ser vindo -se de
objeto à mãe. Por isso , o sinto ma para a criança é u ma resposta daquilo
que fo i nela d epositad o no qu e co ncer ne à relação pare ntal ou à mater na .
O s intoma, como resposta dessa re laç ão, recorre no processo analít ico à
necessid ade de ser mo dificad o. Para is so, nesse p rocesso , a criança
deverá se des ve ncilhar do sintoma do s p ais, para, a partir d e então ,

109
construir o seu p róprio sintoma, a fim de poder ser tratado e, assim, se
tornar uma solução para o sujeito .
Portanto , o sintoma, em sua d imensão puls iona l na clí nica d e
orientação laca niana, se apresenta como condição da prática ana lít ica e ,
ao interrogá-lo , nos ap ro ximamos do mais p articular de cad a sujeito .
Desse modo, ele tem função de resposta d o suje ito ao qu e lhe é
impo ssí vel de dizer. Todavia, e le const itui uma possibilidade de
enlaçamento do real – impossí vel de dizer – com o sintoma (LA URENT,
200 7). É por essa razão, por ter a fu nção de laço , que o sinto ma não pode
ser e liminado. No enta nto, ele precis a ser ouvido no seu valor de
me nsa gem e d o que se aprese nta como o mais s ingu lar do sujeito.
O s intoma, na p ersp ect iva d a o rie nt ação lacania na, torna-s e u ma
parte bem-sucedida de amarração do real. Ele va i c ivilizar a pulsão de
morte, permit ind o, por parte do sujeito , p roduzir u ma invenção particular
que vai faz er laço co m o socia l (S ANT IA GO, 2005). Portanto , o sinto ma,
nes sa dimens ão de resposta, é uma so lução para o sujeito.
Para a p rát ica c línica de o rie ntaç ão lacania na, e ssa é a função do
sintoma – uma solu ção que p ermite a inve nção de la ço p ara se relacionar
com o social. Es sa solução represent a, para o sujeito , algo de muito
particular, e a invenção que ele produz promo ve uma amarraç ão qu e traz
algo de su a história. Laca n (1969/200 3) deu ao sintoma um lugar de
resposta: portanto , d e so lução para o sujeito . Essa no va fo rma de
elaborar o sintoma co ntrar ia as co nd içõe s utilizadas pelas teorias do eu
que buscam como ob jetivo elim inar o s intoma para m elhor lidar com o
su jeito.
Na clí nica de o rie ntação lacaniana , o uso que se faz do sintoma se
dirige para uma perspe ctiva do sintoma como solução para o sujeito. Não
é a supressão do sintoma o ob jet ivo dessa prátic a, tamp ouco a
int erpretação significante do sintoma, ma s o qu e a cond uz como objet ivo
terap êutico é a interpretaç ão d a fanta sia, como co rrespo ndent e mais
singular do su jeito. Essa é uma prática q ue se d istancia
signific at ivame nte da prática clí nica com cria nça s nos primeiros tempos.
A o rie ntação lac ania na irá r es gatar na clí nica a relação do sujeit o
com o inco nsciente e, desse modo , ela irá esc larec er que esse su je ito que

110
está em jo go na c lí nica nem s empre vai r esponder à propo sta adap tativa
em conformidade co m o socia l. Se le var mo s em cons ideração a pulsão
inser ida no s intoma e a te ndê ncia a rep etir inerente ao elem ento
puls iona l, não s e pode, por exemp lo , ens inar a cr ia nça a ser compo rtada
na e scola ou no meio familiar e esperar qu e ela re spo nda a es sa
so licit ação com um bom comportamento.
Por outro lado, o que reconhecemos nos prime iro s tempos da
prática clí nic a com crianç as em A nna Fre ud e Melanie Klein é o fato de
que a vertent e do sintoma como solução a ser d ada pelo sujeito no s
parece ter sido deixada em segu ndo plano em d etrimento do sintoma
como elemento a ser suprimido , le vando à adaptação. Ass im, o sinto ma
como ad aptação da cria nça ao socia l se d irige, a no sso ver, como
desco ns ideração da d imensão pu lsional do sintoma. De ssa maneira, o
caminho d a desco nsid eração puls iona l d o sintoma nos leva a cons iderar
que há um sile nciamento do su jeito em seu desejo em favo r de u ma
perspectiva de adaptação ao socia l, objet ivo recorrente de prátic as
terap êuticas o bjetiva ntes.
Com a entrad a da orie nt ação laca niana, podemo s cons iderar que há
um ant es e um dep ois d a refer ência la caniana que modifica a perspect iva
que será dada ao sintoma aprese ntado pela cr ianç a. A nter ior a essa
refer ência, o sintoma era to mad o pela nece ss idade de sua supressão ,
acredit ando que assim se resolver iam os problemas da cr ia nç a. Depois da
orientação lacaniana, o sintoma em sua relação com a puls ão, toma a
dime ns ão de resposta para o sujeito e, portanto, po ssui valo r de
me nsa gem co mo p rodução do inconsc iente .
A orientação laca niana, ao re introduzir o su jeito do inco nsc ient e
na e laboração ana lít ica, repercutiu na c línica com criança s e no s parece
ter produzido certo efeito de transformação no qu e concer ne à forma de
conceber o tratame nto psicanalít ico com crianças. Essa foi a orie ntaç ão
se guida por Robert e Rosine Lefort em su a prática com cria nças, q ue será
tratada no p ró ximo cap ítu lo.

111
CAPITULO 5 – A PRÁTICA CLÍ NI CA COM CRI ANÇAS NA
ORIENTAÇÃO LACAN IAN A

A entrada da o rient aç ão lacania na na prática clí nic a psicanalít ica


possib ilito u d emarcar o desvio pelo qu al passa va es sa clí nica ta nto em
su a prática q uanto em seus fund ame ntos teóricos. Do mesmo modo , tal
orientação promoveu, no âmbito da clí nica psic analí t ica co m cria nças,
uma trans formação no que concer ne ao estatuto de sujeito nes sa clí nic a e
à referê ncia ao s intoma.
Orie ntado s pelo ensino de Lacan, o trabalho realizado por Robert e
Rosine Lefort, dois alu nos dele, repres ent ou , a partir do s anos de 1 960, o
es forço permanente por renovar a psica nálise com cria nças.
Contr ibuíram, de entrada, para o ent endime nto d a clí nica do autismo,
relata Stiglitz (2 008) , cu ja proposição se ancorava em u ma c lí nica
ce ntrada no tratame nto do sujeito o nde não há Ou tro , apresent a ndo um
desenvolvim ento teó rico clí nico inovador para essa c lí nica. Do mesmo
mod o, eles são os responsá veis em traz er para a prática clí nica com
crianças uma psica nálise orient ada para o real.

112
5.1 A criança analisando e m pleno s direitos

O a forismo “a cr iança analisa ndo à part entière”, 9 preconizado por


Robert e Rosine Le fort, rep resent a a unidade da psicanálise e a cond ição
da clí nica com cr ianç as, que diz : “só há c lí nica do suje ito e não da
criança” (AMP, 1996, p. 324 ). Com ess e a forismo, e les se o cup am da
exp eriênc ia a nalít ica que não difere ncia a prática do adulto e d a criança,
porqu e, como nos relat am Robert e Rosine Lefort (1988), “não há duas
psicanálises, u ma que d iga r espe ito à cria nça e ou tra que diga re spe ito ao
adu lto” (p. 8 5). Desse modo, não há esp ec ific idad e na ps icanálise com
crianças. Ta l co mo na psicanálise d e adulto, a criança participa dessa
prática como um analis ando po r int eiro – como um sujeito em plenos
direitos.
Essa fo i a r azão q ue, segundo Rober t e Rosine Lefort (1988),
propo rcionou o impulso para a fu ndação do Centre d ’Étud e et de
Recherche su r l’E nfant dans Le D is cours Ana l yt ique (CEREDA), no ano
de 1983, no âmbito da Fundação do Campo Freudia no. O trabalho e o
int eresse de Ro bert Lefort e Rosi ne Lefort com a Escola d a Causa
Freud ia na permit iram a eles a cria ção des se ce ntro d e estudos sobre a
criança no discurso analít ico, ju ntam ente com Eric Laurent, Jacques
Ala in Miller e J udith M iller (MILLE R, 1991 ).
A partir do CEREDA, a criança pass a a ter um lugar no discurso
psicanalít ico e, des se mod o , se dista ncia do lugar de ob jeto do Outro, do
lugar da assistênc ia e de todos o s outros lugare s dos quais a cria nça fo i
portadora ao longo da história. No CEREDA, a cr ia nç a pas sa a t er um
lugar mant ido e ratificado pelo afo ris mo p reconizado por Robert e
Rosine Le fo rt (1991) no que se refere à prática a nalít ica d e cria nças ,
“porque a cria nça est á na p sicaná lise como um analisa ndo , no p leno
se nt ido” (p. 14).
O aforismo, sujeito em pleno s d ire itos, que se apre senta como
condição da prática p sicana lítica co m crianças na orie nt ação lacania na ,
define uma no va ma neira de abo rd ar a criança na clí nica . Da m esma

9
A cri anç a é u m an al i san d o em pl en o s d i rei t os .

113
forma como o adulto, a cria nça é um sujeito do inco nscie nte e participa
como tal d essa co ndiç ão de su jeito na clí nica. Po rtanto, ana lisa nt e em
plenos dire ito s, convo ca- no s a pensar no sujeito de desejo, nesse su jeito
que se loca liz a dia nte do objeto como falt a a ser. Em o utro s termos, é ao
objeto como falt a qu e visa a e ss a prát ica, já no s indicando de ant emão o
distanc iame nto dessa prát ica em rela çã o àquelas que privile giam o
primado da relação objetal.
A clí nica de Robert e Rosine Lefort se am para no ensino d e Lacan,
mas, em sua e nunc iaç ão, jamais se limit aram a r ep eti- lo. Em todo o caso ,
diz- no s St iglitz (2 008 ), “seu mo do de repetir era aq uele qu e permite o
encontro co m o novo, com a surpresa” (p. 13 ), po sição corroborada por
Laure nt (2008), que sublinha que Robert e Rosine Lefort mant iveram at é
o fina l u m p asso a fre nt e em sua trans missão, graças à su a orie nt a ção
para o real. Como no s relat a Laurent (2008), Robert e Rosine Lefort
so uberam sempre

d es crever esse mo ment o em q u e o si mb óli co v acila e s e


trata de t omar uma decisão a cer ca do r eal em j og o na
p sica nális e. É o mo ment o em q ue uma decisã o en car na d a
p er mit e a ma rrar ju nt os, de ma nei ra no va , o r eal, o
si mbó lico e o i magi nári o, q ue ap ar ec em sol tos a o l on g o
d a exp eriê ncia mes ma (p. 4 7).

Uma clí nica orientada para o real marca o fim d e u m des vio na
prática c lí nica ps ica nalít ica inic iada nos anos de 195 0, ta l como
denunc iada por Laca n (1953/1998) no texto Fu nção e ca mpo da
linguagem na psicanálise. Nes se texto , Lac an evid enc iava de ma neir a
“incont est á vel que a concepção da psicaná lise pe ndeu ali para a
adaptação do indivíduo ao meio socia l” (p. 246 ).
Do mesmo modo, a clí nica de orientação para o real, propo sta p or
Robert e Rosine Le fo rt, elucida nest e trabalho o desvio por nós reve lado
na c lí nica com cria nça s a partir d e 1920 no que concer ne ao s intoma em
su a dime ns ão puls iona l. Co nsideramos que a maior ou menor
desco ns ideração da dime nsão pu lsio nal d o sintoma na teoria e na p rática
de Anna Freud e Mela nie K lein naquela data permit iram um des vio nes sa
clí nica em re lação ao s intoma. Na c lí nica de Anna Freud, no que se

114
refer e ao sintoma, su a maior descons ideração da dimensão pulsio na l
deste se enc am inhava p ara suprimi- lo como objet ivo terapêu tico. Po r
outro lado, Mela nie K lein e a m enor descons idera ção da pulsão no
sintoma foram por nós reve lada p elo fato de Klein u t iliz ar da pu lsão em
seu percurso teó rico e clí nico. Mas, por sua vez, ela apresenta va, como
objet ivo de su a clínica, a profilaxia do sintoma como certa eficá cia
terap êutica, ou seja, o que do sintoma pode ser prevenid o.
A p artir d a orienta ção laca niana e do s trabalhos dos Lefort, p assa -
se para uma p rát ica com cria nça s no discu rso a na lít ico, orient ada no
campo da lingua gem e em função da fala (MILLER, 1991). Segundo
Rosine Lefort (1991), é necessár io no d iscurso analít ico se suspender de
todas as insuficiê ncia s imaginária s p ara e nt end er, no d iscurso d a criança ,
o real em causa. “Ma is do que a história d a criança, é com e sse rea l que
vamos nos defrontar” (p. 12).
Trata-se, na clí nic a psicanalít ica co m crianças d e orient ação
lacania na, de enfat izar a relaç ão da criança com o discurso analít ico,
pois, ness e discurso, é do objeto a como falt a, bu raco e moto r na relação
com o desejo do Outro, qu e promove a prática analít ica, sub traindo,
dessa prática, qualquer recurso adaptativo . É esta relação entre a cr iança
su jeito d e p lenos d ire itos e o dis curso a nalít ico qu e se re velo u como
proposta de Robert e Rosine Le fort para a concret ização do CEREDA.
Qu anto à co ncret ização desse centro de estudos sobre a crianç a no
discurso analít ico, destaca Laurent (2 008):

Mant er a psi ca nálise com cria nças na r ed uçã o a u m a


té cni ca de j o gos e desenh os i mpli cari a u ma gr an d e
con tradiçã o co m aq uil o q ue a cria nça s e mostr a capa z,
mesmo ain da muit o j o vem – m es mo ant es d e falar -, n o
s entido d e nos es cla r ecer sobr e um p onto t ã o ess en ci a l
q ua nt o a co nstit ui ção d o s uj eit o no discurs o a na lítico ( p.
4 3).

A criação do CEREDA proporcionou a int rodução da criança como


su jeito no discu rso ana lítico no âmbito da clí nic a com crianças e, do
mesmo modo, permitiu u m distanc iame nt o de prática s qu e se amparavam
no corpo e em suas image ns, tal como de staca Lacan (1953 /1998 ) em
Função e campo da fa la e da linguagem : “ função do ima ginário ,

115
digamos, ou mais d iretamente, das fa ntas ias na téc nica da exper iência e
na const ituição do objeto nas diferent es etap as d o desenvolvimento
psíquico ” (p. 243 ). Esse é o mo tivo, como relata Laurent (2 008), que
permitiu o afastame nto de Rob ert e Ro sine Le fort das “aderênc ias
kleinianas da psicanálise com cria nça s – que realça o continent e
ima ginár io da projeção” (p. 43). Do mesmo modo, eles se r ecusaram a se
orientar pela rela ção d e objeto como co mpletude, encaminhand o -se,
so bretudo, pela “falt a de ob jeto” (id em).
O lugar d e destaque de Rob ert e Rosine Lefort no movimento
psicanalít ico com crianças se inscre ve t amb ém no q ue concer ne a se
difer enciar e s e d istanciar em relaç ão a uma prátic a do jo go e do desenho
colo cad a a s er viço de uma proposta ps ico edu cativa, co mo foram os
trabalhos d e Mela nie K lein e Anna Freud . M ais d o que isso, a referência
dos Lefo rt fic ará entre os intere ssad os na clí nic a com cria nça s, relat a
Tend larz (2008), como quem tirou a criança de sua redução a um simp les
objeto do discu rso do outro e de sua cons ideraç ão purament e
crono lógica. Da me sma ma neira, rest it uiu à crianç a seu est atuto de
su jeito analisant e em p lenos direitos.
A entr ad a da orientação lac ania na na p rática psicana lít ica com
crianças poss ib ilito u a es sa clí nic a uma no va forma de conceber a
criança, agora, como sujeito em ple nos direito s. De mo do semelhant e,
demarcou a dist inç ão do qu e é uma prática c línica com crianças no
discurso analít ico de ou tras práticas ancorad as em u m saber e xter no e
idea l do sujeito.
A orient aç ão lacania na res gatou a relação do sujeito com o
inco nsc iente e o sinto ma naquilo qu e ele tem de ina ss imilá vel da
dime ns ão puls iona l. A p ossibilidade de leitura dess a rela ção d o sujeito
na c línica de o rie ntaç ão lacania na se faz não na perspect iva, por
exemp lo, no âmbito es colar, de ser um bo m aluno , ad aptado à norma,
mas na perspect iva de ser um “analis ante em p lenos direitos”.
Portanto, a entrada da orientação laca ni ana rep res e nta uma nova
forma d e se colo car frente as d ificuldades aprese ntada s p elas cr ianças na
esco la. Pod emo s fazer duas cons idera ções: u ma, é d izer que os
problemas q ue as crianças apres entam e stão atrapalhand o a adaptação

116
dela s na escola; e outra, é d izer qu e são sintomas q ue merecem se r
tratado s. Apontar a crianç a como u m analisante em plenos direitos ir á
destacar es sa segu nda vertent e do sintoma escolar, ou seja, qu erer dize r
outra coisa que não necessar iamente a dificu ldade de adaptação da
criança. Es se a forismo revitalizou a clí nica infantil e se ap rese nta como
condição da prática clí nic a co m cria nça s na orientação lac ania na.
A seguir, iremos tratar da prática c línica co m cria nç as na
perspectiva d a orientação laca niana. Ut ilizaremos q uatro tóp icos que nos
encam inharão para a compreensão de c omo Ro bert e Ros ine Lefort,
representant es d es sa perspect iva, se co locaram frente a dim ensão
puls iona l presente no s intoma nessa clí nica.

5.2 A prá tica clínica da criança na orientação lacaniana

Quando falamos do tratamento com cria nça s na perspect iva d a


clí nica de orientação lacania na, destaca Rosine Lefort (1991), refer imo -
nos ao Nome do Pai, à estrutura e também à topologia, pedra angular da
transmissão da psicaná lise.

5.2.1 A criança no trata mento

O aforismo “su jeito em p le nos direitos” já nos aprese nta d e


antemão a condição da criança na clí nica de orient ação lacaniana. A
criança é um sujeito po r inte iro , reiterand o que não há espec ific idad e na
psicanálise com crianças, is so p orque, de modo semelha nte, a estrutura ,
o significante e a re laç ão com o Outro não concernem d e maneir a
difer ente à cr iança e ao adulto, testemunhand o a unidade da p sic aná lise
(LEFORT, 1991).
A cria nça, ao se apresentar nessa clí nica como suje ito em p leno s
direitos, já no s dirige a cons idera r seu possí ve l distanc iam ento, ne sta,
em relação às questões sobre o desenvo lvimento da criança e do eu , b em
como de est ado s maturacio na is do d esenvolvime nto e da idade
crono lógica entre as cr ianças.

117
A cr iança co mo sujeito fa z referência ao mod o como se ap rese ntou
na estrutura familiar o desejo no pai, na mãe, incitando -nos a e xplo rar
não somente a história da cr ianç a, mas o modo d e presença d o gozo e do
objeto a oferecidos ao suje ito (LEFORT, 1991 ). Acresce - se a ess es
termo s, qu anto à co nst ituição d o su je it o, o Outro, co mo linguagem,
representant e da ordem simbólica. O suje ito, desse mo do, se insere nes sa
relação co m o desejo do Outro (o d esejo do pai, da mãe ou d e ambos).
Esse dese jo d o Outro (b aseado na falt a), condição p rópria do desejo, é
ele q ue provo ca o que causa o dese jo da criança, o objeto a. O objeto a
pod e ser e ntend ido como o resto p roduzido quando a u nidad e hipo tética
mãe e filho s e romp e. “O objeto a é o últ imo ind ício daquela u nidad e”
(FINK, 1998, p. 82).
Ao clivar- se desse resto, diz-nos F ink (1 998), “o sujeito, dividido,
embora exc luído do Outro, pode sustent ar a ilu são de totalidade. Ele,
as sim, o faz ao apegar -se ao ob jeto a, ignorando sua divisão” (p . 83 ).
Toda essa operação d e divisão é fo rmalizada co m o matema $ <> a, a
fórmula da fant as ia, e deve ser lido como o su je ito dividido em relação
ao a. É por meio d a fant as ia qu e o sujeito apresenta ao a nalista su a
forma d e se rela cionar com o objeto a.
É por essa razão q ue Brousse (1997 ) nos relatou, em uma passagem
do capítulo 4, que só at ingimos o sinto ma do sujeito media nte sua
fant asia e, d essa ma neir a, poderemos atingir a pu lsão. Ass im, não se
pod e ente nder o sintoma da p essoa se re ferindo somente ao s ignifica nte.
Ao se int erpretar pela fantasia, insere- se no modo de gozo de cad a um. É
por isso que o sinto ma é u ma resposta do que se apresenta como o mais
particular do sujeito .
Des sa ma neira, a cr iança, no discurso analít ico, se gundo Rosine
Lefort (1986), nos esc lar ece “ sob re um ponto tão esse nc ia l como a
const itu ição d o su jeito no disc urso ana lít ico” (p. 66 ). O que se analisa na
clí nica psicana lítica com cria nça s de orientação lacania na é o sujeito.
Esse sujeito que se apresenta em su a co nstitu ição como falta a ser.
É importante demarcarmos qu e essa rela ção d e objeto no s diz da
relação qu e o sujeito enfre nt a co m o mu ndo, apontando qu e cada sujeito
tem com o objeto uma relação particu lar . Esse ob jeto tem a função de

118
masc arar uma angúst ia fundamenta l que se encerra como fundo na
relação do su jeito com o mundo.
Frente a angúst ia fundament a l da castração, Freud (1925/1926) já
apo ntava q ue não há objeto para suprir essa falta e q ue o sujeito , ao
alm ejar esse inte nto, se ver ia numa busca infinita d o objeto sem
encontrá-lo. A castração é o nome da fa lta fundamenta l. Isso posto, o
que fica c laro é qu e, para Freud , a rela ção de objeto traz a marca da falt a
fundame nt al.
No Seminário IV – A Relação de Ob jeto (1956 /1957 ), o q ue Laca n
anu ncia nes se sem inár io sob re a rela ção d e objeto é , essencialmente, a
falt a de objeto . Nesse ponto, Lac an toca no tem a da a ngú st ia, pois esta é
colo cad a em e vidência nessa relação a o dizer que a a ngú st ia é s em
objeto, tal co mo Freud (1925 /1926 ) também definiu em Inib ição,
Sintoma e Angústia . Para dar conta desta fa lta, q ue se coloca como
estrutura comum com a castração, Laca n invento u o ob jeto peq ueno a.
No Seminário X (1 962 -1963) – sobre a A ngú st ia, Lacan introduzirá a
tese de que a angúst ia não é sem ob jeto. Ao ap arecer frent e o nada, a
angústia t em co mo p arceiro ne ssa relação o objeto a, este, sim, tem
“a finidades com o nad a” (MILLER, 1995, p.94).
Aqui, já podemos perceber, na teoria de Freud e Laca n em
refer ência à rela ção de objeto, a distin ção e o distanc iamento dessas
práticas com o utras p ráticas que consideram ess e o bjeto como u ma
realização final do organismo , q u e tem co mo objet ivo a maturidade do
su jeito.
Do mesmo modo, podemos perceb er u m distanc iame nto no que se
refer e à técnica d o jogo e do d esenho, largamente utilizada nos p rimeiro s
tempos da prática co m crianças. No que concer ne à t éc nica do brinqu edo
utilizado no tratamento com crianç as e decid idame nte utilizada p or
Mela nie K lein em sua prática d e trata mento, Rosine Le fo rt (19 86) é
direta em seu posicio namento sobre o b rinquedo na sessão: “Eu nu nca
pense i que eu d everia co locar b rinquedos numa sessão. Eu c olocava
objetos que representa vam simbolicament e, que eram represe ntant es, do
objeto para fazer u ma estrutura” (p. 45 -46). E continua a dizer:

119
p ois, par a as cria nç as, exist e m muit as man ei ras de fala r :
s eja p orq u e ai nda nã o tê m li n gua gem o u p orq ue s ã o
mu it o p eq uenas ou ai nd a p orq u e s ua doenç a n ão p ermitia :
s e vo cê s nã o col oca r em obj et os do s q uais el as p ossa m
fazer al go, exp ri mir al g uma co isa, nenhu ma anális e s er á
p ossí vel (p . 46 ).

Des se modo, o p ro cesso analít ico ancorado no discu rso fa z do


objeto brinq uedo, u m ob jeto de discurso, sendo um represent a nte e ,
portanto, necessár io para a fo rmação na estru tura p síqu ica da criança.
Esses objetos rep rese ntant es d a estrutura da criança provêm do o bjeto a.
Eles surge m daquilo que causam o desejo (LEF ORT, 1986 , p. 46). É por
isso que, no olhar do analist a, em sua p rática, não deverá haver soment e
uma criança que joga, “se não , não levar ia a nada. O a nalis ta não olha a
criança, ele se ocupa do suje ito” (p . 47). Send o ass im, a cr ia nça, na
prática ps icanalí t ica de orie ntaç ão lacania na, é a cria nça su jeito do
discurso analít ico.
Portanto, é p ela puls ão e sua relação co m o objeto que a p rática
psicanalít ica de orie ntação lacaniana pensa a noção de sujeito ,
perspectiva co mpleta me nte avessa às t eorias qu e p ropõem o sujeito no
âmbito de u m ideal adaptativo . Como nos diz Laca n (1 956/1995), “não é
na via da consciê ncia que o sujeito se re conhec e, e xiste outra co isa e um
mais além. Se ndo este ma is além fu ndamenta lmente des conhec ido pelo
su jeito” (p. 16), é algo, pod emos d izer, da ordem da pulsão.
Da me sma ma neira, é e ss e mais a lém, is so q ue excede, qu e não se
harmoniza na vida do sujeito, é o que demarca tod a a singu lar idade deste
e a p articu larid ade da prática ana lítica. É desse mais a lém que Lac an
vem fa lar, e com isso faz avançar no que concer ne ao sujeito na p rática
psicanalít ica. O sujeito é u m só, ele é s ingu lar, e le vem falar d o seu
desejo , q ue é único e dele, ess e é o su jeito da prática ps ica nalít ica. E o
que essa p rática vem mostrar é qu e cada um tem uma singularidade q ue,
para ser ouvida, precisa de uma prátic a que permite fa zer falar o sujeito
do desejo.

120
5.2.2 Fa mília no tra ta mento

Uma questão recorrentemente colocada so bre a prática co m


crianças é o fato : quem demanda uma análise para a cr ianç a? Como
resposta frequent e tem- se : os pais. São e les que se queixam d a cria nça. E
nes sa posição de se queixar da cria nça, o tratamento re vela que a criança
não ocupa o lu gar que a a nam nese realiza da no início d o tratamento, com
os p ais, le vou a supor. Em u ma entrevist a de a nam nese, s egundo Rosine
Lefort (1991), como se pode ava liar o que se p assa com a cr iança em su a
pato logia, “escuta ndo o d iscurso d os pais abalados, fer idos em s eu
narc isismo pelo qu e aconteceu a ela?” (p. 11).
Des sa maneira, segu ndo os Lefort (1991 ), é preciso reflet ir sobre o
lugar da anamne se no tratamento. A d emanda e o dizer d os pais sobre a
criança não revelam a d imensão real do tratamento. No tratame nto com a
criança, o que est á em cena é o inconsc ient e como estrutura de
lingua gem e os elementos qu e co mpõem ess a estrutura, como o desejo, o
Ou tro e o objeto. As sim, o qu e é colocado em evidênc ia no tratam ento
não são as figuras pare ntais. O ens ino de La ca n desprezou estas figuras
representat ivas: o pai em cas a, o pai omisso, assustador. Não é a isso que
se re fer e nos trata mentos, mas ao nome do p ai e à estrutura (LEFORT,
199 1).
Como exemplo da sub tração d a anamnese no tratamento com
crianças, os casos de Rob ert e Rosine Lefort (1997) são exemplares, u ma
vez que se trata de criança s aband onadas que vivem em inst itu ição .
O ca so Maris a, uma menina d e 2 6 meses de id ade, ate ndida p or
Rosine Lefort, nos re vela bem est a posição da ausênc ia d os pais na
anamnese. Mar isa não foi trazid a por seus pais. E la já vivia numa
institu ição . 10 Não há, p ortanto, no caso d e Maris a, “e ntre a ana lista e ela,
int erposição do dizer e d a dema nda dos pais, o que a a nalista de ve
primeirament e co nsiderar para at ingir o sujeito e nquanto ana lisa ndo de
pleno direito” (p. 8). Sendo ass im, na ausência em e stabelecer u ma
história a nam nés ica, não há, na r elação do analista co m o analisante ,

10
A instituição se chama “Parent-de-Rosan”, alojamento da Assistência Pública que fazia parte do serviço
hospitalar de Jenny Aubry.

121
uma interpo sição da demanda dos pais. Ass im, a cr iança p ode
estabe lecer, “de saída, u ma relação com uma p resença à q ual todas
mostram uma avidez inte nsa, uma ‘sede intens a d o Ou tro’” ( id em).
Mas, por outro lado, o que determina a biogr afia infant il, diz -no s
Robert Lefort (1991), citando Lacan,

s eu mot or está ap en as na ma nei ra p ela q ual se ap r es en t o u


o d es ej o no p ai, n a mã e e q ue, em con se qu ên ci a, no s
in cit a a expl ora r nã o ap en as a históri a, mas o mod o d e
p r es en ça sob o q u al cada um dess es tr ês t er mos – sab er ,
g oz o e a – for a m efeti va ment e o fer eci dos a o suj eit o (p .
1 3).

São os eleme ntos da estrutura psíquica do sujeito e como cada


elemento dess a estrutura tem relação entre si que serão determinante s
para a posição do su jeito no Outro, como lugar dos significa ntes e luga r
de u ma p alavra, a qu em o suje ito pod e endereçar sua demanda (LEFORT,
199 7).
Nes sa d imensão, os Lefort (AMP, 1996) nos propõ em avançar a
partir da referê ncia ao lugar e à pres ença do ana lista como o único meio
de eluc idar o que se apresenta como da ordem d a estrutu ra. E, assim ,
operar p ela interp retaç ão e interrogar : “o que a criança fez do saber, do
gozo e do ob jeto a que lhe fo ram oferecidos po r seus pais?” (p . 325)
Nesse co nte xto, se a cr iança e stá no lugar do objeto a para a mãe, só ela
vai sab er falar desse lugar, e “ela só pode dizer e te stemunhar na
exp eriênc ia de seu tratamento” ( idem).
Ass im, a cria nça, no processo analít ic o, deverá se afa star do
discurso dos pais, para e nco ntr ar seu próprio discurso. A cria nça fa la do
lugar, se gu indo “a estru tura que se e videncia na trans fer ênc ia” (AMP ,
199 6, p. 325).
Des sa m ane ira, Ros ine Le fo rt (1991 ), ao falar sobre o tratamento
psicanalít ico da criança, res salt a qu e, para se comp reender o discurso da
criança, d evemos, antes de ma is nada, nos dista nciar da abordagem
familiar, a nam nés ica e so cial, po is, no tratame nto com crianças na
clí nica orientada para o real, é com o discu rso da cria nça q ue devemos
trabalhar.

122
5.2.3 O sin toma da crianç a

Se cons iderarmos a entrada em aná lise, podemos destacar que ess a


entrada co nsiste em uma q ueixa que revela um sintoma. Todavia, vimo s
os efeitos de tal s intoma em ou tras prátic as de tratamento com crianças :
pod e-se re ve lar em u ma d elas, na p rática de Anna Freud, qu e a supressão
do sintoma era o objet ivo terap êutico alm ejando à ad aptação ; e, por
outro lado, na prátic a de Mela nie Kle in, o fato de essa autora visar à
profilaxia do sintoma nos leva a considerar que o objetivo terap êutico se
encam inha va para uma perspectiva de adap tação ao so cial.
O s intoma, tal como nos referimos na c lí nica de orient ação
lacania na, diz-nos M iller (1998), não almeja a cu ra, “não tentamos cu rá -
lo, o que não q uer dizer qu e ele não seja p atológico. Ele é patoló gico ,
mas é u ma pato logia de estrutura” (p. 127). Isso quer dizer, co nt inu a
Miller (19 98), que temos que viver com o sintoma. Devemo s, como se
diz em fra ncês, “ faire a vec, quer dizer que d evemos haver - nos com e le”
(p. 105). Sendo assim , o sintoma, como u ma resposta d a estrutura do
su jeito, é representa tivo do que dess a estrutu ra ele produz como
me nsa gem para o sujeito.
Um texto referencial na c línica com cr ianças e, do mesmo modo,
ce ntral para o entendimento da qu estão do sintoma da cria nça, é o texto
de 1969 de J acques Laca n, No ta sobre a crian ça. Neste, Lac an
(1969 /2003) p ropõe que o sintoma da criança vem responder ao que
exist e d e s intomát ico na e strutura familiar. A s sim, o s intoma é u ma
resposta dad a pela cr iança a es sa estrutura d e duas ma neiras: ela
respond e à verd ad e do casal p arenta l ou à sub jetividade d a mãe.
O sintoma, portanto, co mo resposta do su je ito, se apresent a
também a ele como solução. Solução p ara o que lhe é mais s ingu lar. O s
casos at e ndido s po r Rob ert e Rosine Lefort represent am a imp ortânc ia de
se obser var a estru tura do suje ito para a compreensão do sinto ma. Ro s ine
Lefort, no caso da psicos e do menino Rob ert, se ateve aos elemento s da
estrutura, tais co mo o significante e a relação com o Outro. Dessa
ma neira, fre nte es se caso, não buscou em nenhum mo mento u ma
medica ção que acalmasse Robert ou que lhe fize ss e ca lar, nem um

123
programa de reed ucação para que ele se adequasse. A entr ad a dele no
tratamento almejava a ló gica da estrutura e o particu lar da história d e
desamparo de u m sujeito em sua exp er iênc ia de aba ndo no do Ou tro
(COCCOZ, 2008). Dess e mo do, continua Coccoz (2008), Robert e Rosine
Lefort são uma lu z na escu ridão, essencialment e daquele s qu e ainda
utilizam “p ro tocolo s” na te nt at iva de sub meter as ma nifestaçõ es
irracio nais “d a pulsão de mo rte d e crianças rebeldes, à su gestão ,
negligenc iando seu absoluto d esamp aro e ne gando su a co ndição de
su jeito” (p. 17).
Quando levamos em co nsideração o sinto ma na c lí nica de
orientação laca niana, deparamo -nos com uma produção singu lar do
inco nsc iente. Ele se apres enta co mo condição para o tratamento e a
função do p sic ana lista é interrogá-lo para alcançar o que é mais s ingu la r
no su jeito. Po sição ave ssa às p rát icas encontradas ante s da entrada da
orientação lacania na, que objet ivava suprimir o s intoma a s er viç o da
restitu ição de uma normalidade social.

5.2.4 O inco nsciente

A p ersp ectiva aberta pelo ens ino de La ca n permit iu aos


psicanalista s Rob ert e Rosine Lefort uma no va forma de conceber e
articular o sujeito no discu rso ana lít ico. O lugar do sujeito no d i scurso
ana lít ico implica su a cond ição d e ob jeto nesse discurso . O discurso,
conforme ressalt am Rob ert e Rosine Le fo rt (1 986), se fu nda “ sob re o
lugar desse objeto a, causa do desejo do Outro , que tem relação com o
discurso, o su jeito só lhe pode ter aces so se no início e le está encarnado
em algu ma cois a fora do significa nt e: o pequeno a” (p. 22). Essa é
também a co ndição de se fa lar de clí nica orienta da para o real (LEFORT,
199 1). Laca n (1969 /1970), no seminár io O aves so da psicanálise , nos diz
que “a e xperiê ncia ana lít ica é e strutura de dis curso” (p. 14). E dizer que
a psica nálise é um discurso , destaca M arie- He lène Brou sse (2003),
cit ando Laca n no seminário O aves so da psicanálise , é po rque ela faz
parte das “relações est áveis instauradas pela lingu agem” ( p. 69). Por
outro lad o, continua Brousse (20 03), isso quer d izer que “a linguagem é

124
uma ordenação do gozo do s fala nt es, gozo ess e qu e se encontra na
estrutura da fala, de linguagem” (p. 69). Ou seja, co mo diz Bro usse, a
psicanálise ordena o gozo por meio do d iscurso.
Nes sa perspect iva d e trat amento pelo real, a presenç a do ana list a
se faz com a fu nção d e operar, por meio da trans ferência, com a
int erpretação, nos termo s de evo car na cr iança o q ue ela fez d o saber, do
gozo e do objeto a qu e lhe foram oferec idos por seus p ais (AMP, 1996).
A psica nális e trat a pela linguagem. Como nos diz Brousse (2003): “ ela
trata da lingua gem pelo real d o signo, mane jo do real” (p. 72).
O que nos parece mais paradoxal, prosse gue Brousse (2003 ), é que
a psic aná lise “t a lvez nã o seja um tratamento pelo inco ns cie nt e. É um
tratamento p elo rea l [...], é um tratame nt o do gozo p ela letra ” (p. 73). A
psicanálise, portanto, é um tratamento d a lingu age m, pelo ma nejo do rea l
do signo. E ma is adiante ela comp leta : “a psicanálise trata o r ea l, e aqu i
se deve ente nder o real d o sinto ma, ou seja, o que o sintoma enc erra de
resposta ao real pela mat er ialidade do signo” (p . 74).
Ass im, sub linha- no s Alicia Arena s (2 007), a p sic aná lise d e
orientação la ca niana cons idera no tratamento a p ersp ect i va “do real do
gozo iniludíve l na c lí nica e na qual o sujeito não pode d ialet izar, isto é,
com o qual o su jeito tem que aprender a viver” (p. 62). Perspectiva es sa ,
cont inua Are nas (2007), que não é c ompartilhada pelas p ropostas
psicoterápicas e me nos aind a p or orientações psicana líticas dist inta s da
orientação lac ania na.
A clí nica psicana lít ic a com cria nça s de orientação lac ania na em
su a máxima “clí nica orie ntada para o real” já nos aponta o alcance dessa
prática em re lação ao sintoma do sujeito nes sa clí nica.

125
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partimos de uma questão que, de mane ira ins ist ente, os


psicanalista s d e orientação lacania na intr odu zem nas discus sões de casos
clí nicos, tanto na prática da supervisão 11 quanto nos espaços
institu ciona is d os núcleos d e pesqu isa em p sicaná lise com cria nç as .
Trata-se de se pergu ntar, em cada caso, se a aplica ção da p sica ná lise com
crianças se mostra uma prática q ue, como aquela co m suje itos ad ultos,
privilegia a formação do sinto ma e sua art icu laç ão com a dimen s ão
puls iona l, o u se a mesma se lim ita a uma prática de adaptação d a criança
ao social.
Algu ns auto res qu e se dedicaram ao tema da p sicaná lise com
crianças s inalizam e ste des vio da referência ao sintoma em d etrimento da
adaptação . Sant iago (2005), por exemplo , em seu livro A inib ição
intelectual da psicaná lise , demonstra uma inflexão oco rrida na p rática
com crianç as co ncer ne nte à referê ncia centra l d e Freud sobre a fo bia da
criança, q ue perde espaço p ara uma persp ect iva ma is profilát ica do
tratamento d e cr ianças, notadamente na prática das a nalist as A nna Freud
e Melanie Klein, que se dedicaram a es sa clí nica nos anos 1 920. Naqu ela
épo ca, que pode ser situada como o mo mento do nasc imento e
desenvolvim ento da psicanálise com cria nças, as formulações so bre o

11
A psicanálise como prática, comporta um saber-fazer, e podemos dizer que ele se transmite pela
supervisão” (LÁZARO ELIAS, 2003).

126
so frime nto infantil descons ideram o p arad igma d a fo bia e privilegiam a
presença constante da problemática da inib ição , sina liza ndo u ma
desordem neurótica. E ssa inflexão, segu ndo Sant ia go (2005), “que se
opera na t emát ica da fob ia para a inibiç ão , tem co mo pano de fundo o
questio namento sobre a eficácia e os limit es no tratamento co m crianças”
(p. 67). Mais especificament e, o qu e se destaca va naquela data era “como
evitar qu e a criança s e torne um adulto neurótico” ( idem). Essa p osição
se ancora na d es cob erta de Freud (1896 /1980 ) sobre a neurose do adulto
e de su as reminiscê ncia s em rela ção à sexu alidade.
Aprofundando na pesquisa das razões des sa inflexão, encontramo s
também a referê ncia ao conceito freud iano de p ulsão de morte, que
parece ter sido de difí cil e diversa apreensão p ara os psicanalis tas da
épo ca, inc lus ive os a nalist as d e cr iança. Esta p esquisa permit iu a
formulação d a hipótese d e que ho uve, por parte das p ione iras da
psicanálise com crianças, A nna Freud e Melanie Kle in, uma leitura
singular da dime nsão puls iona l inser ida no sinto ma. Tal le itura promove,
em certa medida, o destaq ue ao recurso da adaptação d a cria nça ao
so cial, não sem a consequência de cert o silenc iam ento da mensagem
singular do sintoma do su jeito. Em suma, o recurso à terapêutica da
adaptação d a criança ao soc ial, co m finalidade de sup ressão do sinto ma,
acarretou a descons ideração d a dimens ão puls ional d o sintoma.
O p ercurso realizado, ne ste trabalho , b uscou inve st igar nos te xto s
de Anna Freud e Melanie Kle in como cada u ma dessas d uas pio neiras da
prática ps ica nalít ica com crianças art icu lou o conceito d e pu lsão de
morte e o cons iderou na manifest ação pulsio nal do sinto ma.
A a nálise das co ntrib uições teóricas e clí nicas d e Anna Freud nos
possib ilito u cons iderar que es sa autora d efine como objetivo para sua
prática c lí nica a adaptação d a criança ao social mediante a e lim inaç ão
dos sintomas. S eu ofício de pedagoga e sua inclinação à ob servação de
crianças, na sua p rática como pedagoga, certame nt e teve influência
impo rtante no estabe lec imento de uma prática clí nica adaptacio nista.
Algum tempo depois, a passagem des se ofíc io pedagógico para o
movimento psicanalít ico não subtraiu de sua prát ica o privilégio da
observação d ireta de cr iança s. Anna Freud fez d a observação sua

127
ferrame nta princ ipal para a e xploração do material inco ns cient e, de
forma a a ssociar o sent ido inco nsc iente à compreensão do
comportamento da criança. A ênfa se no s elementos da consciência , t ão
reco rrentem ente utilizada por Anna F reud em d etrime nto d e u ma
exp loração do inco ns cient e, permit iu a c oncepção de sua prática focada
no viés pedagó gico. Do mesmo modo, a emergência soc ial prove niente da
Gu erra reflet iu na prática de A nna Freud: a cr iação de crec hes - lar es par a
o acolhimento de cria nça s q ue sofreram as dificu ldad es da Guerra, as
exp eriênc ias edu cativas na Escola He it inzing, ancorada na p ersp ect iv a da
criança em desenvolvimento , bem como os textos de Freud que
examinavam esse mome nto social, nos parecer am ter colab orado,
so bremane ira, na inte nção de se buscar em so luções med iante a adaptação
da crianç a ao so cial.
Do mesmo modo, Mela nie K lein p articipou desse mo mento de
entrada da psica nálise co m crianças no ano d e 1920. Influe nciada pelos
fundame ntos psicana líticos freudianos, a ncorou sua prática nos primeiros
tempos em uma perspectiva mais c línica, p osição que a difere ncia va
definit ivame nte da prática pedagógica de Anna Freud .
A obra de Melanie K lein propo sta por su a biógrafa Hanna Sega l
(1975 ) se d ivide em dois momentos : um, ancorado nos fu nda mentos
freudia nos, qu e se inic iou no ano de 1 921 até 1932, e outro momento ,
que se iniciou em 1934 e cu lminou em 1957 com o livro Inveja e
Gratidã o, em que se destacam suas próp rias formulações teóricas.
Nes sa divisão p roposta por S ega l (1975), podemos d estacar ,
mediante noss as le ituras, qu e, no primeiro momento de sua obra, mais
espec ificamente na le itu ra do caso relatad o no ano de 1921 , o caso Fritz,
um menino de cinco a nos, nos levou a reco nhecer uma prát ic a de
tratamento que se des via para um viés de adaptação. É a ênfase na
profilaxia do co mportamento que se destacava, ness e ca so , na medida em
que utiliz ava eleme ntos de prevenção contra os sintomas das cria nças.
De forma s imilar , é a perspect iva da cria nça em desenvo lvime nto e a
utilização de recursos educativo s p ara o esc larec imento sexual a e sta,
as so ciad o aos elementos da consc iênc ia que to mam a ce na nesse caso de
Fritz. O s fu ndamentos clí nicos utilizados por Melanie K lein não

128
passaram d espercebidos apó s a exposição desse caso . No final da
conferênc ia so bre o caso Fritz, Dr. Anton Freund (1921 /1965 /1981 ) fez
um questionamento a Melanie K lein em rela ção à sua prática e
questio nou o tipo de tratamento u tiliz ado por ela. Sublinha, ne ss e ca so,
que as observa ções rea lizad as po r Mela nie Kle in eram c ertament e
ana lít icas, p orém não su a int erpretação, pois, se gu ndo ele, ela toma va
“apenas em co nsideração as p erguntas conscientes, deixando de lado as
inco nsc ientes” (p. 54). Do mesmo modo , pod emo s observar que a e ntrada
de Melanie K lein na p rática com cr ianças se d eu no momento so cial da
Gu erra, na qu al a demanda para a so lução emergent e dos conflitos a ela
inere ntes nos pareceu ter influ enc iado , sobremaneira, Me lanie K lei n
nes se momento inic ial. Nesse primeir o mo mento d a elaboração de
Mela ine Kle in, é p ossíve l reconhecer um viés adaptativo no se nt ido de
es sa autora visar à profilaxia do sintoma e à adaptação da criança ao
so cial s inalizar certa eficá cia terapêutica.
Inicia lment e, a hipó tese por nós formulada coloca va A nna Freud e
Mela nie Kle in no mesmo contexto de guiar o tratamento para um vié s
adaptativo do sinto ma na c lí nica, ou se ja, de scons iderar a pu lsão. A
partir d as leitu ras dos te xtos d es sa s duas auto ras, co ncluímos que essa
hipótese não se co nfirmou no qu e se refere à perspect iva c lí nica de
Mela nie K lein. Emb ora ela se apresent e em um primeiro momento de sua
prática a ncorada na ut iliz ação de recursos profilát ico s q ue visa vam à
preve nç ão da neurose, is so não nos autoriza a r eco nhecer em toda sua
prática um encaminhamento de adap tação ao social.
No que concerne à prática c lí nica de Melanie K lein, um segundo
momento de sua teo ria, ta l como proposto por Segal (1975), situa-se em
um temp o mais arca ico do desenvo lvimento da crianç a, não podendo
desco nhe cer neste a presença da dimensão pulsional inser ida no campo
da fa ntas ia e na r elação de objeto. A ansied ade persecutória, resultad o da
presença da pu lsão de morte inerente a o su jeito , coloca em cena os
mecanismos d e defesa pro jet ivos e introjetivos no intento d e se livrar em
e, portanto , de se defenderem des se im pulso destrutivo. Des sa forma,
es sa ans iedade q ue se ma nifest a na cr ianç a se colo ca como d efesa frent e
a pulsão de mo rte e a s er viço da pu lsão d e vida. É o eq uilíbrio nes sa

129
int eração que permite a inte graç ão do eu da criança. Da mesm a ma neira,
o sintoma é uma resposta do sujeito fre nte a a nsiedad e primár ia e a
presença da pulsão de morte, ou se ja, o que se apresent a como
irreco nciliáve l no inco ns cie nt e.
Embora Melanie K lein não desconheça a presenç a da pulsão em
todo seu percu rso teórico , a perspectiva do sintoma como solução não
toma o primeiro plano nesse tratamento. Is so po rque a le itura de sua
teoria a nco rada na perspectiva de uma r elação de objeto é fe ita apoiada
em uma unid ade possí vel dess a relação em detrimento da teoria das
pulsões. De ss e modo, o inconsciente e s eus efeitos, na prátic a de
Mela nie Kle in, podem ser deduzid os dessa relação de o bjeto co nceb ida
como relação de co mpletude (AMP, 1996). O tratamento clínico com
crianças em Mela nie K lein pretende alcançar uma realização ple na com o
objeto, po sição que se d istancia da prátic a a na lít ica q ue se a ncora no
questio namento dessa fa lta, e não em sua comp letude.
Enfim, na perspectiva de um des vio da clí nica com cria nças em
relação ao referencial d a pulsão , pode-se d izer, a partir d este estudo , que
se encontra em A nna Freud uma descons ideração maio r da pulsão em sua
elaboração e sua prática, enq uanto em Melanie K lein encontra-se u ma
me nor descons ideração.
Segu indo ess e po nto de vist a, é p ossíve l cons iderar qu e o sintoma
em A nna Freud era tratado visando -se ao ideal de ad aptação. Da mesma
ma neira, no caso d o menino Fritz apresentado no ano de 1921 por
Mela nie Kle in, p odemos cons iderar, nesse prime iro mo mento, u ma
ancoragem em u ma perspect iva adaptacionista. Des se modo, o sintoma,
decididament e em Anna F reud e no caso de M elanie Kle in, em um
primeiro momento de sua clí nica, se d ista ncia d e uma prática que
reco nhe ce no sinto ma uma resposta do suje ito ao que lhe é ofert ad o pelo
Ou tro social (p ai, mãe). A posição da clínica com o bjetivo s ad aptativos ,
fre nt e o comportamento da cr iança, nos p ermite reve lar qu e no s
dep aramos, ne ss a clí nica, com uma desco nsid eraç ão da pulsão no
sintoma. Podemos citar como exemp lo o campo edu cacio na l, no qual,
muitas veze s, sob a perspectiva de faz er o aluno ficar bem na es co la, de
se guir o padrão normal do d esenvolvime nto, perde -se a dimens ão

130
puls iona l d o sinto ma. Ass im, e le se afast a da d imensão de solução como
propo sta por Jacques Lac an (1969/2003) em seu texto Nota sobre a
criança . Esse te xto, referencial na clí nica com cria nça s, é centrado sobre
a questão do sintoma. O sinto ma da criança, se gundo Laca n, po de se
aprese ntar como resposta ao sintoma do casa l parental ou ao sintoma da
mãe. Ass im, nes sa dimensão de resposta, o sinto ma que representa a
verdade do casa l pare ntal, ou o sintoma que representa a sub jetividade da
mãe, precisa, em um primeiro mo mento , ser “d es fe ito” para q ue depois
uma nova co nstrução possa se tornar uma solu ção possí ve l p ara a
criança. Um a so lução que se ap resent a co mo respo sta. Todavia, u ma
resposta que pode ser bem me lhor p ara o suje ito e, sob retudo, que não
venha elim inar o qu e é próprio do suje ito em prol de u m bom
comportamento.
A orienta ção laca niana s e dirigiu a um mo vime nto d e d enú ncia
aos desvio s pe los quais pass ava a t eo ria de Freu d, buscando reconduzi-la
à su a práxis original (LA CAN, 1964/2003). Ela est abele ceu como
prática, propondo um resgate da letra de F reud em su a origina lid ade. Na
perspectiva da prática clí nica com cria nças , podemos co ns id erar que, a
partir d a entrad a d a orient ação lacaniana , há u m ant es e um depois na
prática do tratamento com crianç as em refer ê ncia ao sintoma. A nterior a
es sa orientação, o sintoma era tomado pela nec es sid ade de sua supressão ,
caso est ives se em desa cordo com o socialme nte a ce it áve l. Ap ós essa
orientação, o sintoma e sua relação com a p ulsão to mam a dimensão de
resposta para o sujeito ; portanto , possuem valor de mens agem como
produ ção do inconscie nt e.
Robert e Ros ine L efort, a lunos de J acques Lac an, p rivile giam ess a
relação entre pu lsão e s intoma. É o sint oma como solu ção qu e toma a
ce na, perturbando a tendência à adaptação. O aforismo preconiz ado por
es se s autores de que “a cria nça é um su jeito em plenos dire itos” prete nde
romper com as p ráticas adap tacio nist as ao colocar em rele vo o
inco nsc iente e suas produções.
No conte xto d a clí nica com cr ianç as , d epois d a orient ação
lacania na, não se torna ma is possí ve l tomar a adap tação como a única
perspectiva. A orie ntação lac ania na dá impulso a uma nova forma de

131
reco nhe cer e trabalhar a dema nda recorrente de soluçõ es para as
dificu ldades aprese ntadas pelas cr ia nça s, por exemplo, na e scola. Du as
verte ntes de re spo stas podem ser co nsid eradas fre nt e o comportamento
inad equ ado d a cria nça na e scola: uma vertente se d irige a reconhecer que
os problemas que as cria nça s apresent am estão atrapalha ndo a adaptação
dela s na escola, a outra verte nte se dir ige a considerar q ue são sintomas
e que merecem ser tratado s. Ass im, conceber a cr ianç a co mo um
ana lisa nt e em ple nos direitos, na perspect iva da orientação lacania na, ir á
destacar essa s egunda verte nt e d o s intoma escolar querer dizer outra
cois a que não nece ssar iam ente a dificuldade de ad aptação da criança .
Enfim, o que podemos reconhecer é que , no intento de adaptar a
criança ao ambie nt e es colar, a dimensão do sintoma como produção do
inco nsc iente se perde , porqu e ele perde o potencial de querer dize r
algu ma coisa além do comportamento em s i. É important e re ss altar q ue a
questão do sintoma é a qu estão do sujeito do inco nsc ient e. Dessa forma,
ele não pode ser tratado visand o ao id eal da esco la, ao alu no id eal p ara a
esco la; p osição aves sa ao qu e enco ntramo s a ntes da e ntrada da
orientação lac ania na na tendênc ia a resp onder ao Outro socia l.
Portanto, na clí nica de orie ntação lacaniana , quando mencio namo s
o sintoma como solução é p ara desta car q ue o sintoma é um a solu ção que
permite ao suje ito fazer um laço com o so cial. Ou seja, o sinto ma
permite uma ad aptação pela singu lar idad e de cada sujeito, p ois e le é u ma
so lução para cada sujeito e star bem no so cial. Des se modo, no trab alho
da clí nica p sicana lítica com cria nça s, o objet ivo do psicanalista não visa
à adaptação da cria nç a ao soc ial. No ent a nto , ele irá trabalhar para q ue a
criança, a partir d e seu sintoma , possa utilizar o socia l para alca nçar seu
objet ivo particular. Tomando como referênc ia do social a e scol a, a
criança ir á se adaptar a ela se for um bem p ara ela; po r ou tro lado, ela
não irá se adaptar à e scola s e est a e st iver correspondendo à exigênc ia do
Ou tro . Conceb er a cr iança co mo um a nalisante em ple nos dire ito s
permite recolocar a cr iança como sujeito na psicaná lise. Do mesmo
mod o, destacar a e ntrada des se su jeito na clí nica de orie nt ação lacaniana
é uma maneira de ap lic ar a ps ica nálise com crianças , aproximand o -se

132
mais estreitamente da c lí nica psicanalí t ica do que da demanda
edu caciona l.
Esta pesquisa, sobretudo, denuncia o impasse provo cado pelas
práticas ob jet iva ntes q ue levam à adap tação do sintoma do su jeito a um
idea l socia l e, como conseq uência, sua elisão. Sob retudo, propõ e u ma
convocação à es cuta do sujeito em sua relação com o inconscie nte. N o
enta nto, a temát ica desta pesquisa at inge diretame nte uma p reocupação
profiss io na l tanto no ofício ed ucacional quanto no clí nico. N a relação
entre p sica ná lise e educação, não se pod e inc id ir no equívoco da
aplicação dos conce itos ps ica nalít ico s na p rática educativa, mas pode-se
trans itar entre esses dois campos, possibilit ando à cria nça a co ndição de
su jeito dese jant e.
Fina lment e, este trabalho se apres enta esc larecedo r para meu
percurso prático e teórico na c lí nica com cria nças. Espero qu e ele possa
contrib uir para outras pessoas qu e praticam essa clí nica e se s intam
int errogadas p ela perspect iva da re ferência ao sinto ma na clí nica com
crianças. Do mesmo modo, a invest igaç ão referente ao lugar da cr iança,
su jeito, e do ana lista, na orientação laca niana, elu cidou para o analista a
impo rtância de s e manter certa dist ânc ia d o qu e seria a demand a d as
institu ições p ara o trat amento com cr ianças ; es se nc ia lme nte, para que
es se trata me nto não vis e aos objet ivos da inst ituição em detrimento do
su jeito em análise. A re le vâ ncia de ste tr abalho é no se nt ido de alertar
aqu eles que trabalham na clí nica com cr ianças para qu e essa prática não
se ja u ma resp osta de adaptação à inst it uição o u ao Ou tro so cial. Na
clí nica de orient ação laca niana, o sinto ma manifest ado p elo su je ito tem
sempre um querer dizer sobre ele.

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