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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Aprovada por:
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Presidente, Profa. Dra. Ana Lydia Bezerra Santiago – Orientadora
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Profa. Dra. Margarida Maria Elia Assad
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Profa. Dra. Ilka Franco Ferrari
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Profa. Raquel Martins de Assis
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Profa. Dra. Margaret Pires do Couto
Belo Horizonte
Fevereiro de 2012
Dedico este trabalho aos amores da minha
vida: Américo e Gabriel.
“O pro gra ma de tornar-se feli z, qu e o principio do p razer nos impõe,
não pode ser realiza do; contudo, não d evemos – na verdad e, não
pod emos – abandonar nossos esforços de aproxi má-lo da consecução, de
uma maneira ou de outra.
Caminhos muito diferentes pod em ser tomados nessa direçã o, e pod emos
con ceder prio rida des quer ao asp ecto positivo do objetivo, e ob ter
prazer, q uer ao negativo , e evitar o despra zer. Nenh um d esse s caminh o s
nos leva a tud o o qu e desejamo s.
À Dra. Ilka Ferrari, pelos comentários tão bem colocados e estimulantes durante
o exame de qualificação. Causou-me ânimo para prosseguir.
Agradeço à minha amiga Geralda Mapa, pela amizade de longa data, pelo
carinho ao saber escutar minhas angústias e pela contribuição sempre pertinente na
leitura deste trabalho.
Agradeço também a todas as pessoas que de certa forma viveram comigo esta
trajetória: Maria do Carmo, sempre Madrinha; Aline, sempre querendo saber em que pé
estava o trabalho; e à Josie, sempre cuidadosa com minhas coisas, facilitando tudo ao
máximo para que eu pudesse me dedicar ao trabalho de escrita.
À Dra. Regina Helena de Freitas Campos que por motivos de estudos fora do
país não pode compor esta banca de tese. Meus sinceros agradecimentos, pelo
acolhimento neste doutorado, pelo carinho por mim, pela preocupação recorrente se eu
estava com bolsa de auxílio ou não, pelo carinho pela minha cidade e minha
Universidade (UFSJ). Obrigada pela leitura sempre atenta dos meus textos, pelos e-
mails sempre respondidos com prontidão e por acreditar em mim.
A ideia principal deste estudo consiste em destacar as transformações pelas quais passou
a clínica psicanalítica com crianças a partir da orientação lacaniana, que enfatiza o
sintoma e sua relação com a dimensão pulsional, em detrimento da adaptação ao social.
Considera-se que a perspectiva adaptacionista da clínica com crianças é um desvio
promovido por algumas inflexões conceituais, sobretudo a postulação freudiana da
pulsão de morte em 1920. Assim, buscou-se demonstrar que o recurso à adaptação
priorizado pelas psicanalistas de crianças que se destacavam no movimento
psicanalítico – Anna Freud e Melanie Klein – nesta época, conduziu à desconsideração
da dimensão pulsional do sintoma. Na prática clínica com crianças, ocorre, assim,
segundo estas autoras, um afastamento da clínica do sintoma como produção do
inconsciente, visando à minimização daquilo que, na criança, caminha na contramão da
educação e do projeto social. A partir da leitura das produções teóricas das duas
psicanalistas de crianças pode-se destacar a perspectiva terapêutica que se encaminha
para a adaptação ao social. Anna Freud propõe uma clínica essencialmente voltada para
um viés pedagógico. Melanie Klein, por sua vez, ancora inicialmente, sua prática, nos
fundamentos psicanalíticos freudianos e, depois, formula sua própria teoria. No
primeiro momento de seus trabalhos, é possível isolar algumas considerações daquilo
que se propõe, neste estudo, como adaptação do sintoma. Não se desconhece que, mais
tarde, a dimensão pulsional foi privilegiada por Melanie Klein, porém suas primeiras
formulações não deixaram de influenciar aqueles que praticavam o tratamento clínico
psicanalítico com crianças até os dias de hoje. Além disso, no segundo momento da
contribuição de Melanie Klein, o arcabouço teórico, baseado na teoria de objeto com
ênfase em sua completude, parece velar a importância da teoria das pulsões. Por último,
este trabalho busca mostrar que a orientação lacaniana, promovida pelos alunos de
Jacques Lacan nos anos de 1960, reintroduz efetivamente a articulação do sintoma à
pulsão. O aforismo preconizado por Robert e Rosine Lefort, segundo os quais “a criança
é um analisante em plenos direitos”, é o que mobilizou uma mudança radical na clínica
com crianças em que a adaptação não tem mais lugar. A referência ao sintoma nessa
clínica se apresenta como solução para o sujeito, cuja manifestação se impõe como
condição da clínica psicanalítica: trata-se de interrogá-lo para se chegar ao particular de
cada sujeito. A partir de então, é o sintoma como solução que se transforma em
qualquer forma de adaptação.
The main idea of this study is to highlight the transformations that came
to psychoanalytic practice with children from the Lacan’s orientation, which
emphasizes the symptom and its relation to the instinctual dimension at the expense
of social adaptation. It is considered that the adaptationist perspective of the clinic with
children is a deviation promoted by some conceptual inflections, especially Freud’s
postulation of death instinct in 1920. Thus, we attempted to demonstrate that the use of
adaptation, prioritized by the children psychoanalysts, who stood in the psychoanalytic
movement, Anna Freud and Melanie Klein, at that time, led to disregard the instinctual
dimension of the symptom. In clinical practice with children, according to these authors,
there is a removal from the clinical symptoms as a production of the unconscious, in
order to minimize what, in the child, was going in the opposite direction of education
and the social project.
From the reading of the productions of the two theoretical psychoanalysts of children it
is possible to highlight the therapeutic approach that is headed for the social adaptation.
Anna Freud proposes a clinic essentially focused on an educational bias. Melanie Klein,
in turn, initially anchors its practice in Freud’s psychoanalytic foundations, and then
formulates her own theory. At first, in her work, it is possible to isolate some
considerations of what is proposed in this study as an adaptation of the symptom. It is
known that, later, the instinctual dimension was privileged by Melanie Klein. But her
early formulations did not fail to influence those who practice clinical psychoanalytic
treatment with children up to the present day. Moreover, in the second stage of Melanie
Klein’s contribution, the theoretical framework, based on the theory of object with
emphasis on completeness, seems to hide the importance of the theory of instincts.
Finally, this paper tries to show that Lacan’s orientation, organized by the Jacques
Lacan’s students in the 1960’s, reintroduces effectively the articulation of the symptom
to the instinct. The aphorism recommended by Robert and Rosine Lefort, according to
which “the child is an analyser in full rights,” is what mobilized a radical change in
clinical practice with children in which the adjustment has no more room. The reference
to the symptom in this clinic presents itself as a solution to the person, whose
manifestation is imposed as a condition of psychoanalytic practice: it is about to
interrogate him or her to get to the inside of each person. Since then, it is the symptom
as a solution that transforms itself in any form of adaptation.
L’idée principale de cette étude consiste à rehausser les tranformations subies par la
clinique psychanalytique avec les enfants à partir de l’orientation de Lacan, qui met en
valeur le symptôme et sa relation avec la dimension pulsionnelle, en détriment de
l’adaptation au social. On considère que la perspective adaptative de la clinique avec
les enfants est un détour promu par quelques inflexions conceptuelles, notamment la
postulation freudienne de la pulsion de mort en 1920. Ainsi, on a cherché démontrer que
la ressource à l’adaptation mise à priori par les psychanalystes d’enfants qui se
distingaient dans le mouvement psychanalytique – Anna Freud et Melanie Klein – à
cette époque, a mené le dénigrement de la dimension pulsionnnelle du symptôme. Dans
la pratique clinique avec les enfants, selon ces auteurs, il arrive ainsi un éloignement de
la clinique du symptôme comme production de l’inconscient, envisageant à la
minimisation de ce que, dans l’enfant, allait dans le sens contraire de l’éducation et du
projet social. D’après la lecture des productions théoriques des deux psychanalystes
d’enfants on peut mettre en relief la perspective thérapeutique qui va vers l’adaptation
au social. Anna Freud propose une clinique essentiellement tournée vers un biais
pédagogique. Melanie Klein à son tour, établi au début, sa pratique dans les fondements
psychanalytiques freudiens et, après, formule sa propre théorie. Au début de ses travaux,
il est possible d’écarter quelques considérations de ce qu’il est proposé dans cette étude
comme adaptation du symptôme. Il n’est pas méconnu que, plus tard, la dimension
pulsionnelle fut privilégié par Melanie Klein, cependant ses premières formulations non
pas manqué d’influencer ceux qui pratiquaient le traitement clinique psychanalytique
avec les enfants jusqu’à nos jours. En outre, dans le deuxième moment de la
contribution de Melanie Klein, le projet théorique, basé dans la théorie d’objet avec
emphase en son intégralité, semble veiller sur l’importance de la théorie des pulsions.
Finalement, ce travail cherche montrer que l’orientation de Lacan, promue par des
élèves de Jacques Lacan dans les années 60, introduit effectivement à nouveau
l’articulation du symptôme à la pulsion. L’aphorisme préconisé par Robert et Rosine
Lefort, qui d’après eux « l’enfant est un analysant en pleins droits », c’est ce qui a
mobilisé un changement radical dans la clinique avec les enfants où l’adaptation n’a
plus lieu. La référence au symptôme en cette clinique se présente comme une solution
pour le sujet, car la manifestation s’impose comme condition de la clinique
psychanalytique : il s’agit de l’interroger pour atteindre l’individuel de chaque sujet. À
partir de là, c’est le symptôme tant que solution qui se transforme en n’importe quelle
forme d’adaptation.
CAPÍTULO I
A Concepção de Sinto ma a partir da Pulsão de Morte ....................22
CAPÍTULO I I
Anna Freud: O Eu em Detri mento da Referencia à Pulsão ..............43
CAPÍTULO I V
A Orientação Lacania na............................................................100
CDD- 370.15
Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG
INTRODUÇÃO
1
Nas citações literais da obra de Freud, utilizarei tal como a tradução da Edição Standard Brasileira –
ESB, as palavras: repressão e instinto. Nos comentários das citações, utilizarei como substituição as
palavras: recalque e pulsão.
12
Mais adiante, no texto O Mal-esta r na Civiliza ção , Freud
(1929 /1930/1 980) destaca a dimensão p articu lar d a pu lsão de morte como
faze ndo parte do esse ncia l d o homem. Para e le, es sa p ulsão é própria à
condição do homem no processo de c ivilização e a loca liza como
inere nte à estrutu ra do sujeito .
No que co ncerne à referência à pulsão , po stulada por Freud , est a
foi tem a de uma pesquisa rea liz ad a por Campo s (1991), int itulada o
Contexto sócio -cultu ral e tendências da pedagogia psicanalítica na
Europa Central e no Bra sil . A auto ra reconhece na obra d e Freud duas
verte ntes, que, a seu ver , se contradizem no q ue diz respeito a ded uzir da
psicanálise princíp ios p ara u ma educação d e cria nça s. Uma primeir a
verte nte, qu e ense ja a livr e expressão dos impulsos inconsc ientes é
compensada, p or sua vez, por uma tendê ncia à neces s idade de adaptar as
crianças ao princíp io da realidad e. É a edu cação de crianças que toma a
ce na ne ssa prime ira vert ente. Po r outro lad o, a segund a vertente possu i
como característ ica es se ncia l a ênfa se no papel das p ulsõ es p rimár ias e a
relevânc ia do s destinos puls ionais na estruturação do psiquismo. A
presença da pulsão de morte re vela a imposs ibilidade de ente nd imento
dos distúrbios da ordem do psiquismo pela via da preve nção.
Cons idera ndo a se gunda vert ente apo ntada por Campos (1991),
nest a, é po ssí vel reco nhecer a presenç a da repetição do sintoma e a
impo ss ibilidad e de resolu ção de qualquer comportame nto po r essa via. É
a presença d a dim ens ão pu lsio nal e seus efeitos no psíquico que marcam
um p essimismo em relação às possibilida des de p revenção, destacada em
su a prime ira vertente. A le itura realizada p ela autora nos le va a d estaca r
que o ante s e o depo is d a reve lação da presença da sat isfação no sinto ma
demarcam a imposs ibilidade d a adap tação do su je ito como um fato de
estrutura, tal como reve lado por Freud (1920 /1980). Isso nos leva a
considerar, como diz Camp os (1991), q ue a prese nça d o elem ento
puls iona l na vida da cr iança nos imposs ibilita fazer qualquer
determina ção do resultad o de sua edu cação .
Nes se mesmo ano d e entrada d a formulaçã o da pulsão de morte por
Freud , a psicanálise com cr ianças começa a se e stabelecer no movim ento
psicanalít ico com as p ioneira s nessa p rática : A nna Freud e Me lanie
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Kle in. De ss e modo, perguntamos : como se deu para Anna Freud e
Mela nie K lein a re ferênc ia ao sinto ma a partir da p ulsão de morte? Como
cada u ma d essas autoras se co locou fre nte à dime ns ão pulsional do
sintoma em sua prática clí nica co m cria nças?
O interes se pe lo tema desta p esquisa nasc eu a partir d e m inha
exp eriênc ia na prát ic a c lí nica com cr ianças. Na minha fo rmação, optei
por uma formação clínica espec ific ament e pela clí nica com cria nças.
Nessa época, anos d e 1980, os estudos teó ricos sobre a cr iança se
ancoravam no s textos de Anna Freu d e Mela nie K lein e a p rática c lí nica
se orient a va p ela p roposta kle iniana.
Inicie i minha prática em c lí nica part icula r e em inst ituição infa nt i l
(crec he). A partir desse mo me nto, comecei a supervis ão dos casos
ate ndidos em clí nica particu lar com superviso r em formação pelo ensino
de Lacan. Ao mesmo tempo , mantinha supervisão na inst itu ição de
crianças pela ab ordagem kleiniana.
Med iante o trabalho em inst ituição infant il assoc iado à abordagem
kleiniana, e concomita nte ao trab alho em clí nic a particular com
su pervisão em o rie ntação lacania na, algu mas questões me inq uiet avam .
O qu e eu ente ndia na minha prática, po r meio da minha formação
kleiniana, sob re o qu e era clí nica sob uma perspectiva ps icanalít ica
aprese ntava-se no trabalho em inst ituição infant il com uma vertent e
terap êutica, a fim de e liminar o s intoma para adaptar es sa cr iança ao
so cial. Essa perspect iva era evid ent e nessa inst ituição, cujo ob jet ivo do
psicólo go e de sua prática era normalizar os co mpo rtamentos
inaceit áveis. Ao me smo tempo, iniciei a exper iência de docent e , que
ampliou meus conhec imentos e , do mesmo modo, meus q uestioname ntos.
Vivi, então, um imp as se, po is part icip ava de u ma inst itu ição q ue tinha
como ob jet ivo fa zer a cria nça se compo rtar e s e aju st ar para se adaptar
ao socia l. P or outro lado, descobria, na sup ervis ão clí nica de orie ntação
lacania na, que a crianç a “é um su jeito em plenos direitos” (LEFO RT,
198 4).
Depois de um longo tempo de trabalho e obt end o orientaçõ es
distint as – uma kle iniana e o utra lacania na – , algu mas questõ es me
inquietavam: o que é clí nica e o q ue é adaptação na prát ica com
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crianças ? Po r que ess as duas perspect iva s parecem s e misturar no âmbito
da psicaná lise com crianças? Essas q uestõ es, vividas na prática com
crianças, me exigiram es clarecimento s, e minha intenç ão nes te tr abalho é
pesqu isá-las.
Dia nte dessa cena, propus-me a e stud ar a prátic a c línica com
crianças, es se ncia lmente no que co ncer ne à abord agem teórica ta nto de
Anna Freu d quanto de Mela nie K lein, para examinar se há a lgum
momento ou situação em que pod emos perceber a exist ência de u ma
abertura nes sas práticas q ue se encam inham p ara o objetivo terapêutico
de adaptar a cria nça ao social.
Do mesmo modo , verificar se, em fu nç ão da forma como essa s
psicanalista s iniciaram no terre no da psicanálise com crianças, se não
haver ia indicat ivos ou até certa preponderânc ia de adaptação da criança
ao social em seu s textos. Será que poderemos verificar e lementos que se
repetem e que nos permitem dizer que a perspectiva da adaptação se
imprime em detrimento da referênc ia ao inco nsc iente e ao sinto ma? Da
mesma forma, será q ue poderemos afirmar que a perspectiva d o sinto ma,
como p roduto do inconscie nte, parece ter se perd ido nesse
encam inhamento dado por Anna Freud e Mela nie K lein?
Inter essa- nos tamb ém, nesta pesq uisa, verificar as transformaçõ es
que o correram na psica nális e co m crianças com a introdução, no âmbito
dessa c lí nica, d as contribu ições de Jacques Lacan, q ue elucidadas e
ordenad as por Jacques A lain M iller no campo freudiano s e to rnaram
conhec idas por orie ntação lacaniana. A o rie nt ação lac ania na, como
hera nça da Esco la de Laca n, fu ndada em 1964, se dir igiu a um
movimento de denúnc ia ao s d es vios pelos qu ais pas sa va a t eo ria de
Freud, para que “reconduza a práxis original q ue ele inst itu iu so b o no me
de psica nálise ao dever que lhe compete neste mu ndo” (LACA N,
196 4/2003 , p. 235).
A o rie ntação laca niana, so bretudo , elucid ou certa inflexão na
clí nica ps ica nalít ic a, qu e se deu a partir d a formu lação freud iana da
pulsão de morte, o qu e nos parece ter promovido um afastamento da
clí nica do sintoma co mo produção do inco ns cient e. Cons iderando a
15
clí nica com cr ianças, esta pesquis a visa a invest igar se e ssa infle xão
provo cou ressonâ ncias nes sa clí nica e q uais seus efeitos.
Nes se se nt ido, a leitura da clí nica com cria nças realizada p or
Santia go (2005) no âmbito de sua pesquisa sobre a inib ição intele ctua l
apo nta uma inflexão nes se campo. A autora destaca, inic ia lme nt e a partir
de sua leitura dos textos fr eudianos, que a fobia foi, em relação ao
tratamento psica nalít ico com crianças, a “categoria c lí nica fu ndamenta l
da apreensão psica nalít ica da neu rose na infâ ncia ” (p. 67). Como se sabe,
o tratamento da fobia do p equeno Hans – um menino de cinco ano s de
idad e –, relatado por F reud (1909), inau gura o campo da p sicaná lise com
crianças, fazend o desse s intoma “o grande paradigma das p atologias
me ntais da infâ ncia” (SANT IAGO, 2005 , p. 67).
Entreta nto, a partir do ano de 1920, quando a clí nica ps icana lít ica
com crianç as começou a se firmar no movimento psicana lít ico, Sant iago
(2005 ) reconhece uma inflexão nes sa clí nica. A auto ra mostrou que “as
formulações teóricas sobre o infans inscre vem -se para além d es se
paradigma d a fob ia” (p. 67 ). Os trabalho s de Freud referent es à fobia
ser vem de base p ara o s inter es sados na prática co m cria nças, mas a
questão que se sobress aía ness e ano de 1920 era saber “qu al a prát ica
mais aprop riada para se e vit ar que a cria nça se torne um adulto
neu ró tico” (ibid em). São as questõ es refer ente s à preve nção que tomam a
ce na nes sa data.
Nes se contexto, as precurso ras da p rática clí nica co m cr ianças –
Hermine Vo n Hug- He llmuth, A nna F reud e Mela nie K lein – introduzem
variadas ind agações sob re a efic ácia do tratamento co m cria nças . E a
questão que se tornou centr al para a prática com crianças é: qual
orientação clínica ma is apropriada para gara nt ir o desenvolvim ento da
criança em dificu ldades: “cura p sic ana lít ica prop riame nte dita ou método
edu cativo fundame ntado na p sic aná lise ?” (SA NTIAGO, 2005, p. 68).
Sant iago (2005) le va nt a a hip ótese de q ue ess a inflexão da clí nica
com cria nça s do sinto ma fóbico ao mét odo educativo mais ap ropriado
para a preve nção da neurose pode ter o corrido em fu nção da introdução
da ob servação diret a do que as cria nças dizem e fazem, que, na épo ca,
teve como ob jet ivo compro var a sexualid ade infa nt il.
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A partir d esse trab alho, formulamos a hip ótese de que houve no
movimento psicanalít ico, naquela data, por p arte de alguns s eguidores da
dou trina freudiana, uma apree nsão partic ular da referê ncia ao núcleo da
pulsão d e morte present e no s intoma. A forma co mo se deu a apropriação
da conceituação da pulsão nos parece ter promovido na clí nica com
crianças uma infle xão que prop iciou um recurso à ad aptação do sinto ma
ao so cial, como descons ideração pu ls ional, em detrimento do sintoma
como produção do inconsc ie nte.
Cons idera ndo as produções teó ricas das d uas em inente s
2
psicanalista s de cr ianç as, Anna Freud e Melanie K lein, q ue se
destacavam, no movimento psicana lít ico, no qu e diz respe ito ao
conhec ime nto e à prática ps icanalít ica com crianças no ano d e 1920, cada
uma, a seu modo, fez sua ins erção no movim ento, propondo novas
práticas para a clí nica com cria nças. Essas p rátic as permit iram o início
da formação de d uas esco la s de pensame nto, cujo objet ivo se a nco rava
em práticas c línicas próprias para se haver com o sintoma da criança,
mas qu e, sobretudo, nos parece se afastar em dos fu ndamentos c línicos da
teoria fr eudiana, princ ipalmente em refer ênc ia à dime nsão puls ional d o
sintoma.
Cons idera ndo nossa hipótese, parece -no s que, a p artir do modo
particular, utilizado tanto por Anna Freud quanto Melanie Kle in, na
apreensão d o conceito de pulsão de morte, hou ve certo encaminhamento
da prática, que po ssib ilitou, aos se guido res fu turos, no esp ecífico da
clí nica co m cr ianças, a ideia de cu ra na medida da ad aptação d a criança
ao social.
Ao lo ngo de no ss a pesquis a, naquilo que s e apresenta como u ma
prática de ad aptação do comportament o da criança ao socia l, ser á
ressa ltado justame nte o que é desco nsid erado no sintoma d o sujeito , a
saber: a dime nsão pu lsio nal. Ver -se-á que o objetivo terap êutico de
determinadas p ráticas com cria nça s é adaptá-las ao social, so b o
reco nhe cime nto do bom comportamento na famí lia, na e scola o u na
2
Como psicanalista de crianças, Hermine Von Hug-Hellmuth é a autora dos primeiros escritos sobre a
clínica com crianças, mas quem são realmente reconhecidas como primeiras psicanalistas de crianças são
Anna Freud e Melanie Klein.
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so cied ade, desco nhecendo, por essa perspect iva, a d imensão p ulsio nal do
sintoma.
A e ntrada da o rie ntação lacaniana no mo vime nto psica nalí t ico
denunc ia es se des vio pelo qual passou a clí nica com cr ianças na medid a
em qu e resgata a re ferênc ia ao sintoma. Essa trans fo rmação da clínica
inicia-s e a part ir d o aforismo preconizado por Rob ert e Rosine Lefort de
que “a cr ia nça é um ana lisa nte em p lenos d ireitos” (LEF ORT, 1984 ). Tal
como o adulto que chega à aná lise queixand o -se de seu s intoma, o
sintoma d a criança também deve s er levado em co nta como u ma respo sta
do sujeito .
Nes se se nt ido, referindo -se à posição do analis ante, Lacan no s
fala, no texto Conferência em Gen ebra sobre o sintoma , do ano de 1985,
que a pessoa qu e chega a fo rmular uma verd adeira demand a de análise é
es sa pes soa qu em trab alha. Desse modo, o analisante é aquele que
desincumbe o ana lista de ser o resp onsáve l, na ocasião, p ela anális e. E
acrescenta mais adiante: “Vocês não devem co nsid erá - la, de modo
algu m, como alguém que d evem mold ar” (p. 7 ). Ser um “ana lisa nt e em
plenos direito s” marca u ma no va forma de abo rd ar a criança na c línica,
pois, tal como o adulto, a cria nça é um suje ito do inco ns cie nt e e
particip a, co mo tal, dessa co nd ição de su jeito na clí nica.
O afo rismo , preconizad o p elos p sicana listas com crianç as, Robert
e Ros ine Lefort, revita lizou a clínica infant il e s e ap rese nt a como
condição d a prática c lí nica com crianças na orie ntação lac ania na.
Portanto , analisante em p lenos direitos, convoca -nos a pensar no sujeito
de d esejo, nesse su jeito que se localiza diante do objeto co mo falta a se r
(LEFORT, 1991).
Prete ndemos, a partir da no ssa hipó tese, verificar como se deu, na
clí nica co m cria nça s, a apropriação p articular d a postulação da pu lsão de
morte p elas ps ica nalistas de cria nça s A nna Freud e Melan ie Kle in. D es se
mod o, nosso percurso teórico tem como objet ivo re visit ar o s traba lhos de
Anna Freud e Melanie Kle in especificamente no s te xtos e livro s no s
quais a perspect iva do tratame nto p sica na lít ico co m cr iança s é
enfat izad a. Em Anna Freud e Melanie K lein, são os livro s que, a nos so
ver, destacam suas trajetória s c línicas e p ráticas de tratam ento com
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crianças que serão estudados. No sso percurso, diante dess es te xtos, parte
da segu inte questão , que será colocada em cada leitura: como cada u ma
dessas ps ica nalistas d e cr ianças se colocou frente à dime nsão puls iona l
do sintoma no tratame nto com cria nças.
Da me sma forma, buscaremos, na medid a do entendime nto da
entrada da orienta ção laca niana no movime nto psica nalít ico , que se
encam inhou a um movimento d e de núnc ias aos des vios pelo s qu ais
passava a teoria de Freud, como se deu uma mudança de perspect iva
quanto ao sintoma na c lí nica com crianç as. Essa c lí nica, por meio dos
psicanalista s Robert e Rosine Lefort, resgata a re lação do sujeito em sua
relação com o inco nsciente e o sintoma e m sua dimens ão pu lsional. São
os textos qu e espec ificam ente trat am des sa mudança d e perspectiva em
relação ao sintoma que serão trabalhados.
Para esc larecermo s nos sa tra jetória, no primeiro capítulo, faremos
o percurso relat ivo à elabo ração da segu nda tópica do ap arelho psíq uico,
aprese ntando o desvio que ficou impresso a partir dessa nova
formulação . Importante dest acar q ue não entraremos na d escr ição de
como Freud constru iu e postulou a pulsão d e morte, mas, sim, de como
es sa nova e labo ração int erfer iu na prática psicana lít ica e produziu
resso nânc ias na clí nica, e aq ui espec ific ame nte na clí nica com cria nças.
A forma p articular d e aprop riação dessa nova fo rmulaç ão no s parece ter
encam inhado a c lí nica com cr ianças em direção a u m r ecurso à adaptação
do sinto ma ao so cial como descons ideração da dimensão puls iona l do
sintoma. Do mesmo modo, nes se capítulo, é a co ncepção do sintoma em
Freud qu e será destacada : o s intoma como defesa e como repetição. Na
repetição , é a insistênc ia da dime nsão pu lsional que será sublinhada.
No segu ndo capítulo, trataremos da prática c lí nica co m criança s
iniciada por Anna Freud . Para nortear esse cap ítulo, colocamos a
se guinte questão: como se deu para Anna Freud a referê ncia ao s intoma a
partir da formu lação da pulsão de mo rte? Sua entrad a no campo analít ico
com cria nça s nos for nec e indícios de uma vertente adaptacionista em
relação ao sintoma da cria nça ? A p artir d es sa s questõ es, iso lamos algu ns
recu rsos utiliz ados por Anna Freud em sua prática p ara ver ificar qual
encam inhamento d ado po r ela. A p rát ica de ob servação de crianças, o s
19
texto s freudia nos em relação ao socia l e as e xperiê ncia s educativas , tai s
como as creche s-lare s e a Es cola He it zing, são algu ns d os recursos
utilizados por Anna Freu d, qu e nos le vam a co nsid erar o
encam inhamento de sua prática para a descons ideração d a dimensão
puls iona l do sintoma, p ermit indo um recurso adaptativo na clí nica. No
int ento de destacar em qual perspect iva do sinto ma A nna Fr eud se inser e
em sua prática, recorreremos ao tratamento psicanalít ico com cria nça s
propo sto po r ela a part ir de qu atro pontos p or nós definido s: a cr iança no
tratamento , a famí lia no tratam ento , o sintoma da cr iança e o
inco nsc iente.
No terce iro cap ítu lo, trataremos da prática c lí nica de Melanie
Kle in. D es se modo, a p ergunta q ue nos orienta nele é: como Melani e
Kle in se coloca em sua c línica frent e à fo rmulação da pulsão de morte?
Para respo nder a essa pergunt a, inic iarem os com Melanie K lein no que se
refer e, em um prime iro mo mento d e sua teo ria, à influência da teoria
freudia na c lás sica em seus te xtos e nos en cam inhar emos, posteriorme nte,
para as novas e labo rações teóricas de Mela nie K lein, que se distanc iam
das fo rmulações freudianas. Do mesmo modo que em Anna Freud , será
por meio d o tratame nto psicanalít ico com cr ianças e dos q uatro tópicos
por nós cons iderad os: a criança em a nálise, a famí lia no tratamento, o
sintoma d a criança e o inco nsciente , que iremos resp onder à questão: em
qual perspectiva em rela ção ao sintoma Mela nie Klein se insere ?
No quarto capítulo, trataremos da entrada da o rient ação lacania na
na clí nica com crianças e como essa e ntrada repercutiu nes sa c línica ,
produ zindo u ma nova forma de conceber o tratamento com crianças. É a
noção de suje ito do inco nsc iente q ue será dest acad a em sua nova
elaboração articulada à co nceituação de s intoma e pulsão. É , tamb ém, o
binário sent ido e gozo em relação ao sinto ma que irá nos encaminhar
para a sua d imensão de rea l do s int oma na c línica de orie ntação
lacania na.
No qu into capítulo , partiremos do aforismo psicanalít ico “a
criança é um suje ito em plenos d ire itos”, preconizado por Robert e
Rosine Lefort. Ele é rep rese ntativo da unidad e da p sicaná lise e da
condição da cria nça na clí nic a. O a xioma referente a essa c línica, como
20
uma clí nica orientada p ara o real, marca o fim do desvio denunc iado por
Jacqu es Lacan no s anos de 1950 no que concer ne às p ráticas vo ltad as
para um vié s adaptativo. A prát ica de trat amento com cr ianças na c línica
de orie ntação laca niana ser á também d estacada nos quatro pontos j á
utilizados na invest igação de A nna Freu d e Melanie K lein. S ão e les : a
criança no tratamento, o lugar da família, o s intoma da criança e o
inco nsc iente. A p artir de então, será a presença da dime ns ão puls iona l
inser ida no sintoma o campo de inves t igaç ão d essa clí nica.
Esta pesquisa partiu de um impasse vivid o em minha p rátic a
clí nica em re laç ão às ab ordage ns utilizadas nos tr atamentos com
crianças. A questão que provocou inq uiet ação era s aber como Anna
Freud e Mela nie K lein s e co locaram na dime ns ão da tens ão e ntre o que é
adaptação do sujeito ao socia l e a e scuta do su jeito particular.
Partind o d essa s co nsid erações, a re levâ ncia desta p esquisa para a
clí nica com cria nças é por ente nder que este trab alho faz u m a lert a ao
clí nico com cria nças em su a prática. Do mesmo mod o que esse imp as se
foi uma qu estão para mim, ele tamb ém poderá permit ir uma ab ertura de
reflexão p ara outros profiss ionais, que vivem a exper iênc ia d a p rática
clí nica, a se int errogarem so bre sua posiç ão como analistas na c lí nica
com crianças.
21
CAPÍTULO I – A CONCEPÇ ÃO DE SI NTOMA A PAR TI R DA
PULS ÃO DE MORTE
1.1 A clínica com cria nças: pulsão não é ada pta ção
22
começou a se estab elecer no movimento psicanalít ico represe ntada po r
Anna Freud e M elanie Kle in. Todavia, as primeiras p ublica ções sobre a
clí nica com cr ianças inic iaram -se no s anos anter iores a 1920. Hermine
Vo n Hug-Helmuth, ps icanalista viene nse, foi pione ira nes sa c lí nica e se
destacou po r d esenvo lver e p ublicar ar tigos sob re a imp ortânc ia de
ativid ades de jogo e d esenho com crianç as. Desse modo, foi a p rimeira a
desenvolver a prática c lí nica com crianças. No ano de 1912, Freud,
conhecendo Hug-Helmuth e su as atividades sobre jogo e dese nho ,
ded icou -lhe, na re vista Imago, uma ses são referent e à ps ica nálise com
crianças. A part ir de então, Hu g- He lmuth publicou artigos e s e ded icou
às at ividades lúd icas e do desenho , revela ndo a importânc ia do brincar
na c lí nica com crianças (ROUDINES CO; PLON, 1998).
Entreta nto, foi no a no de 1909 que a psic aná lise com cr ianç as teve
como ato fundado r, na teoria fr eud iana, a publicaç ão do caso de Herbert
Graf, denominado Pequeno Hans – Aná lise de u ma fob ia em um menino
de cinco anos (FRE UD, 1909/1980). O ca so do p equ eno Herbert Graf se
tornou célebre na teor ia freud iana ao inau gurar o tratamento de u ma
criança e m psica nálise. Mas a int enção maio r d e Freud com esse caso não
era elab orar, a partir deste, uma técnic a d e at end imento infant il. Seu
int eresse ma ior era co nfirmar na infâ ncia a causa das neuroses e
fundame nt ar sua te se acerca da sexua lidad e infant il – e xpo sta em 1905
nos T rês ensaios sobre a teoria da sexualidade (FREUD, 190 5/1980 ).
Mas o que se d estaca nesse caso de Ha ns, de aco rdo com Santiago
(2005 ), é a re ferênc ia ao s intoma fóbic o como o grande modelo das
divers as ma nifest ações pato lógicas d a infância.
No enta nto, no ano de 1920, mo mento que pode ser considerado o
nascimento e dese nvo lvimento da psicaná lise com crianças, Sa nt iago
(2005 ) reconhece uma inflexão nessa clínica. Segu ndo essa autora, as
formulações sobre a criança vão além do paradigma da fobia formu lado
por Freud . Há u ma prese nça constante da p ro blemát ica da inib iç ão nes se
momento. Essa infle xão , que, segu ndo Sant ia go (2005), “se opera na
temát ica da fobia para a inib ição , tem como pano de fundo o
questio namento sobre a eficácia e os limit es no tratamento co m crianças”
(p. 67). O que se destacava naquela data era a questão refer ente à
23
preve nç ão: “co mo evitar que a cria nç a se to rne um adulto neu ró tico”
(id em). Essa posição s e ancora na descoberta de Freud (1896 /1980 ) sobre
a neurose do adulto e de suas reminiscê ncia s em rela ção à sexu alidade.
A partir d es se traba lho p ublicado por Sa nt iago (2005), podemos
considerar a hipótese da prese nça de uma inflexão na c lí nica com
crianças que se deu devido a uma aprop riação particu lar d a referência à
pulsão de morte present e no sintoma . As psica nalistas d e crianças, aqu i
espec ificamente, falamos de Anna Freud e Melanie K lein, quando
iniciaram s eu trabalho na clí nic a, incent ivadas pela teor ia freudia na ,
parece-nos t er desco ns iderado a referê nc ia ao s intoma como dimensão
puls iona l, le vando a uma infle xão na clí nica com crianç as. T a l infle xão
pod e ter possib ilitado um encaminham ent o que privile gia a adap tação da
criança ao socia l.
No int ento de esc larecer o que chamamos de adap tação ao social, é
necessár io nos dirigirmos inic ialme nt e ao entendimento do “senso
comum”. Quando fala mos de adaptação ao social, imed iat amente somos
remet idos aos padrões de edu cação vigentes na sociedade , que permitem
ao su jeito, que se ins ere nes se p adrão , viver em conformidade com o
so cial. Alain de Mijo lla (2005), no Dicionário Interna ciona l de
Psi canálise, designa adaptação como “um co nju nto de p ro cessos que
permitem a um orga nismo vivo ajustar -se da melho r forma possível às
condiçõ es de vida qu e lhe são imp ostas pelo meio ambie nte ” (p. 24 ).
Essas co ndições de vida b uscam gara nt ir a próp ria so brevivênc ia do
organismo e têm a fina lidad e de perpetuar a espéc ie.
Do ponto de vis ta da psicolo gia, W. Arnold, Eyse nck e Me il i
(1982 ) consideram a adap tação “uma condição onde se ac ham plenam ent e
sat isfeita s a s ne cess idades d o ind ivíduo, por um lado, e as exigê ncia s do
ambiente por outro ” (p. 18). Na prática, co ntinuam ess es autores, não se
conse gue mais do qu e uma adaptação relativa entre a s neces s idades do
indivíd uo e d o meio . Por ou tro lado , do po nto d e vista da pedagogia ,
adaptação “é um estado de fato. No termo d e uma aprendizagem ma is ou
me nos lo nga, o ap rendiz encontrava-se apto para tarefas que ele teria que
exercer em toda a sua vida” (FELLER, 1980).
24
Essa p rát ica adap tativa p oderia ser co ns id erad a, a no sso ver, como
uma crença na predominância de elemento s exter nos para a educação do
su jeito. Dessa ma neir a, uma criança, cujo comportamento não se des via
da norma est abelecida, ta nto na escola q uanto na famí lia e na sociedade,
ser ia uma cria nça adaptada ao social. Por outro lado, podemos
int errogar: e a cr iança que não se insere na norma soc ial? Qu ais os
efeitos desse comportamento , cons iderad o aqui um sintoma, no so cial e
no campo esco lar ?
No ent a nto, nest a pesqu isa, q uando nos referirmos à adaptação da
criança ao social, estaremos falando do que resulta d e uma p ossíve l
desco ns ideração da referênc ia ao núcleo d a pulsão d e morte prese nte no
sintoma. Formulamos a hip ótese de que a ap ro priação particular do
conce ito da no va po stulação pulsio na l, p or p arte de algu ns segu idores da
teoria freu diana, nos ano s de 1920 , pode ter permit ido uma abertu ra para
uma prática cuja terapêutica iria privilegi ar o sintoma naquilo qu e ele se
adapta ao socia l. Sendo ass im, a referênc ia à dime ns ão pulsio na l
presente no s intoma no s parece t er sid o desco ns id erad a pelas ana lis tas de
crianças, A nna Freud e Melanie K lein, na quela época.
Essa nos p arece ser uma int erpretação utilizada po r parte de
algu ns teó ricos pó s-freudianos, que parecem acred itar que, por meio da
eliminação do sintoma, se d ominar ia também a pulsão de morte.
Segu iremo s os ca minhos d a formulação do sintoma em Freud até a
concepção do sintoma em sua dimensão puls iona l.
25
e p ré-conscie nte. O sent ido do percurso ana lít ico e da cu ra analít ica
propo sto por Freud, naqu ela épo ca, se a nco ra na proposição tão
reco rrente em A Interp retação dos Sonhos: “tornar cons cient e o
inco nsc iente” (FREUD, 1 900/19 80). Essa propo sição era a expressão do
mod o d e fu ncio namento do psiquismo , que tinha como fim, p ela
int erpretação, fa zer o inconsciente se apresentar, per mit indo , desse
mod o, o esvaec imento do sintoma.
Essa proposição , to rnar conscie nt e o inco ns cie nt e, er a
representat iva da terapêutica ut ilizada preced entemente nos estud os
so bre a histeria : “o mo mento em que o médico desvenda a ocas ião da
primeira ocorrênc ia do sinto ma e a r azão de seu aparecimento é
exatam ente o momento em que o sintoma se esvai” (FRE UD, 1893 /1980,
p. 47). O sintoma, ness e momento específico dos estudos de Freud, se
aprese ntava no tratame nto ana lít ico como mensa gem c ifrada a ser
int erpretada p elo analist a e decifrada pelo analis ante.
Um pouco mais ad ia nt e, no texto Novos co mentários sob re as
neu ro psicoses de defesa , Freud (1896 /1980 ) acrescent a que o sinto ma
neu ró tico “é cara cteriz ado p elo retorno das lemb rança s rep rim idas – isto
é, pelo fracasso da defesa” (p. 195). Entre tanto , continua Freud:
26
do sintoma : “é um fato que a teo ria que rege todos os s intomas
psico neurótico s culmina numa única proposição , qu e asse vera qu e eles
também devem s er encarados como realiz açõ es de dese jos inconsc iente s”
(p. 606 ). Portanto, no ano d e 1900, tanto o sonho quanto o sintoma foram
reco nhe cidos p or Freud como produ ções do inco nsc iente e, co mo tais,
passí veis d e interpretação e de sent id o. Logo, isso fazia da p sic aná lise
uma arte interpretat iva.
Todavia, naq uela data, as manifest ações inconscie ntes, tanto do
sintoma q uanto do sonho , se d ifere nc ia vam entre si. Embo ra se jam
reco nhe cidos como produções do inco nsc iente , Freud ob servava que
havia uma fixid ez do sintoma em contrap osiç ão ao efêmero do so nho , o
que dificultava o trab alho ana lítico.
Freud (1900 1980) começou a reconhec er , a partir de e ntão, q ue a
int erpretação , dirigindo -se diretamente ao sintoma , se apresent a va como
uma impossib ilid ade d a ordem estrutu ral. Ao mesmo temp o, reconheceu
também que a proposição tornar conscie nt e o inconscie nte não poderia se
reduzir a uma simples dec ifração dos eleme ntos censurados e exclu íd os
da consciência. No enta nto, Freud destacou qu e a ins istência e a
const â ncia do sintoma reve lavam a p rese nça de outra dimensão para a lém
do saber inconsc iente q ue precis ava ser investigada. Ess a dim ens ão
representava algo d a ordem da pulsão .
Foi no ano de 19 05, no texto Trê s Ensaios da Teoria da
Sexualidade, que Freud (1905/1980) recorreu pela prime ira vez à pa lavr a
pulsão. E particu larment e ne sse te xto , o qu e está em cena é a pulsão
se xua l. Esse mo mento de entrada da class ificação das pulsões é
me ncionado , por Freud (1915/1980), um tempo depois no p refácio d e A
Pulsã o e seu s Destinos, como uma no ção que fo i formalizada tardiam ent e
em seus escr ito s. Is so porque, d iz-nos Freud , ainda nes se t exto, os
instintos já se faz iam presentes antes do ano d e 1905 . Todavia,
apareciam sob ou tro nome: “Emp rega vam -se amplam ente em seu lugar
exp ressões como ‘exc itaçõ es’, ‘ide ias afet ivas’, ‘ impu lsos a nela nt es’,
‘estímulos end ógenos’” (p . 132). O que falt ava ne sse momento era
formalizar es sa dime nsão.
27
Foi no ano de 1 910, no texto int itulado A concepção psicanalítica
da perturbação psico gênica da visão, que Freud (1910/1980) p rincipiou
a fo rmaliza ção d e sua inve st igação sobre a dime nsão puls io na l. Nesse
texto , Freud inicia dize ndo de seu interess e em to mar o exemp lo da
perturbação psicogê nica da visão, “a fim d e mostrar as mod ificações q ue
se o peram em nossa conc ep ção da gênese dos distúrbios dessa espécie ,
so b a influência dos métodos de investigação p sicana lít ic a” (p. 197 ).
Prossegue o texto , relat a ndo qu e reco nhe ce a pesquis a de algu ns au tores
so bre tal distúrbio, como a d a Esco la Fran ce sa com Charcot, J anet e
Binet e o modelo de sugest ão hipnótica utilizad o nos casos de hist eria.
Media nte es se s posicioname ntos já conhec idos, diz Freu d (1910/1980)
que há um int eresse em ob ter u m ente ndimento de p erturbação visua l à
luz da psic análise. Para isso, Freud ressalta a importância das forças
consc ient es e inco nsc ient es qu e int era gem ou qu e, mu itas vezes, se
inibem e ntre esses dois s istemas no psiquismo. Reco nhece t ambém a
relevânc ia do p apel do recalqu e interagindo no grupo de ideias qu e se
opõem à cons ciê ncia. É a imp ortânc ia do recalque e, mais aind a, da sua
falha em isolar no inconscie nte um grupo de ideias inac eitáveis que
“const ituem a precond ição da formação dos s intomas” (p. 199).
Des sa ma neir a, Freud (1910/1980) admite qu e o fato de “certas
ideia s relac ionadas com a vis ão ser suprimid a da consc iênc ia, [...] que
es sa s ideias entraram em o posição a ou tras ideia s, ma is poderosas” (p.
199 ). Entreta nto, ele lança a qu estão: “mas qual pode ser a o rigem d es sa
opo sição, que provoca a repressão entre o ego e os vár ios grupos de
ideia s?” (idem). E continua:
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teoria puls iona l. Ele introduziu naq uela data o p ar primeiram ent e
considerado pulsão sexu al e pu lsão de autoco nser vação , que serviu de
refer ência para a inve st igação da dimensão pulsio nal e sua p osterior
elaboração.
Em 1915, no primeiro dos textos que compõem sua metap sico logia ,
A Pulsão e seus Destino s, Freud (1915/1980 ) destaca a lgumas
caract eríst icas da pulsão , que p ermitem consid erar su a presença no
organismo como uma fo rma muito p articular de atuação . Primeiram ente ,
a pulsão é considerada como prove nient e do p róprio organismo, o que
permite sua atuação direta sobre o psiquismo. Por o utro lado, a pulsão
tem como finalidade a e xe cução de um ato para sup rimir a tensão
provocad a por ela no o rganismo. E como caracterí st ica qu e a especifica
como dimens ão p ulsio nal é q ue “uma pulsão jamais atua como uma força
que imp rime u m impacto momentâneo, mas s empre como um impacto
const a nte” (p. 1 38). Portanto, sua presença co nsist e e in siste. N ão há
como descons iderá-la.
No entanto , a clí nic a psic ana lít ica, fu ndamentada no s moldes da
int erpretação com o objetivo d e to rnar conscie nte o inconsc ient e,
começava a se aprese ntar insuficie nte na prática naquela época. Isso
porqu e a interp retação do materia l inco nsciente po r parte do ana lista ,
ampliand o o campo do saber do sujeito , não gara nt ia a produ ção de
resultado s efet ivos. Des se modo, o sintoma como defes a, represe nt at ivo
desse prime iro momento tópico, ced e lugar ao sintoma como satisfaç ão.
A partir d e ent ão, era a ins istê ncia d a dimensão pulsio nal, produzindo
efeitos na clí nic a, o po nto a ser cons idera do po r Freud.
Foi no ano de 1920, no texto Além do Prin cípio do Pra zer, que
Freud (1920/1980 ) promoveu um mar co em seu e ns ino com a introdução
da segu nda tópica do aparelho psíquico e da postulação da pulsão de
morte. Texto de ruptu ra e avanço no p ensam ento de Freud, esse texto
introduz a noção de pu lsão como u ma sat is fação mais além, u ma
sat isfaç ão de outra orde m, que alme ja insist enteme nte u m ponto a
29
atingir. Ne le, Freud reconhec e que o objet ivo terapêutico est abelecido
nos primeiros tempo s da psica ná lis e, tal co mo referido na int erpretação
dos so nhos, não era possíve l ser alca nçado na prática. E co nt inua:
30
dolorosas levou Freud a caracter iz ar esse fenôme no como u ma e xigê ncia
de sat is fação, que é da ordem da pulsão. E, ass im, co mpleta ele :
“e nco ntraremos co ragem para supor que e xiste realme nt e na mente u ma
compulsão à repetição que sobrepu ja o princípio do prazer” (FREUD ,
192 0/1980 , p. 36). Essa no va elab oração psíq uica modifica a dimens ão
do sintoma agora revelad o so b a vertent e da p ulsão.
O s intoma, q u e na prime ira tó pica era originalme nt e uma o rd em
defe nsiva contra as representaçõ es inco nciliáveis do inconsc iente,
adquire, a p artir d a segu nda tópica, a qualidad e de uma satisfação.
As s im, define Freud (1925/1926/1980), em In ib ição , S intoma e Angústia :
“um sinto ma é um s inal e u m su bstituto de uma sat isfação inst intual que
permane ceu em estado jacent e; é uma consequ ênc ia do p ro cesso de
repressão” (p. 112 ). Nesse no vo mo ment o, o sinto ma, que até ent ão era
visto como mensagem a s er decifrada, se dist a ncia d esse o bjetivo
merame nt e descr itivo a favor da d imensão puls iona l.
31
O di fí cil r aci ocí ni o q ue s e des enr ol a no li vr o q u e
con si d era mo s faz q ue a linha de p ensa me nt o sej a, d e
to dos os ân gulos, ár du a de s egui r-s e, e muitos a nalistas ,
in cl ui ndo -se eu mesmo, t ê m t ent ad o apr es entá-l o e m
lin gu agem ma is si mpl es, s en do q ue os p onto s d e vista d e
F reud em r el açã o a ess e ass unt o mu itas v ez es tê m si d o
mal ap reendi d os (p. 60 7).
32
A no va formulação tópica é ce nár io para uma nova d is sensão no
movimento psicanalít ico. Foi no Congresso d e Berlim, rea liz ado em
192 2, que Freud proferiu o trabalho, não pu blicado, Algumas
observa ções sobre o inconscien te, cujas ideias fo ram retir adas de O Ego
e o Id, publicado lo go a seguir. Nesse Congresso , relata J one s (1979):
33
int erpretações acer ca da nova po stulaçã o pu lsional ta nto por parte de
Anna Freud e Melanie Kle in qu anto por parte de outros analist as da
épo ca: u ma, objet iva ndo a eliminação do s intoma e prom ove ndo, po r sua
vez, a norma lização do co mpo rtamento do su jeito ao so cial; a outra
int erpretação foi dar a esse ponto de res ist ê ncia, ou seja, ao sinto ma,
uma so lução possível, por meio de seus efeitos, co mo prod ução do
inco nsc iente.
Como representa ntes dessa pr imeira int erp retação, po demos
ident ificar, no ano de 1939, a Ego Psyc hology como uma corrente do
freudismo norte-americ ano represe ntada p or Ernest Kr is, Heinz
Hartmann e Ru dolph Loewe nst ein. Ess a co rrente divergia em relação às
regras d e formação e atuação ana lít ica a partir dessa no va elaboração
tópica (MILLER, 1988). A Ego Psychology tinha como objetivo a nalít ico
privilegiar o eu em detrimento do is so, d o inconsciente e d o su jeito. Essa
teoria permite, por p arte d e seus s egu idores, uma p rática, cu jo
fundame nto parte da no ção de profilaxia so cial q ue se preo cup a, em seus
objet ivos, com a ob ediência às norma s da realid ade so cial ta nto no
âmbito político como no eco nômico ( FELDSTEIN, 1977 ).
Refer indo -se ainda à ê nfas e reco rrent e na supremacia do eu,
Gu egu en (1997 ) reitera que “os psicólo gos do eu mudaram o espírito da
pesqu isa de Freud ao isolar p orções de s ua obra e interp retar o eu como
representação au tônoma da personalidad e” (p. 102). A teoria do ego forte
e autônomo seria o instrume nto d essa prática qu e se dista ncia va dos
fundame ntos da doutrina freud iana.
Des se modo, ao p rivile giar o eu em detrime nto do isso, do
inco nsc iente e d o sujeito, o s teóricos pós -freudianos faziam dessa
instânc ia um instrumento d e adaptação do indivíduo ao social.
Portanto, pensar em uma terapêutica que tem como objetivo o
fortalec imento do eu, a elimina ção do sintoma, alme ja ndo a
conform idad e d esse sujeito com o so cial, nos leva a interrogar : como
es se s autores se posicio nar am fre nt e a dime ns ão pulsio nal ?
Cons idera ndo , então, a psica nális e co m crianças, é releva nt e c ita r
uma pesquisa rea lizad a no ano de 1991 por Campos , intitu lada Con texto
só cio-cu ltu ral e tend ências da pedagogia p sicanalítica na Europa
34
centra l e no Brasil, na qu al a autora reconhece na o bra de Freud du as
verte ntes dist intas no qu e se refer e a dedu zir da psica nálise os
fundame ntos para a edu cação de cria nç as.
A p rimeir a vertent e delimitada p or Campos (1991), como libertár ia
e tolerant e à livre expres são d os imp ulso s inconsc iente s, “é
contrabala nçada, no enta nto, por uma tend ênc ia a reforçar a necessidade
de adap tar as crianças ao chamado princí pio da realidade” (p. 29). Dessa
ma neira, os princípio s da p edagogia psicanalít ica e st ão enu nciad os,
se gundo a au to ra, “pois é preciso reconhecer a prese nça das p u lsõ es
se xua is infa nt is e aceit á-las co m certa tolerâ ncia, é prec iso tamb ém
gara nt ir a substituição progress iva do princípio do prazer pelo princípio
da realidade” (p. 31). Nessa prime ira verte nte, o destaque é empreend ido
ao ambient e e à educação das crianç as.
Essas pas sa gens iso ladas do te xto de Campo s (1991) nos faz em
acredit ar que a adaptação corrobo raria a dimensão da satis fação da
pulsão. De ss e mo do, encaminham-nos para a co mpreensão de um
primeiro momento, cuja ênfase est á s obre a ide ia de um cam inho
adequado p ara a sat isfação , o que no s le va a co nsid erar que há um
reforço d a co ncepção de adaptação .
No que co ncerne à se gunda vertente, Camp os (1991) consider a
que, nesse momento , houve uma mudança impo rtante no s conce itos
desenvolvid os por Freud:
35
a a gres sivid ade e destruição” (p. 3 4). Desse modo, a ênfase na prevenç ão
destacada na p rimeira vert ente fica “d imi nuída diant e de dificuldades tão
estruturais” (p. 36).
A le itura realizada por Campo s no a no de 1991 nos p ermit e
su blinhar que, nas prime ira s re ferênc ias freud ia na s, o aspecto da
repetição do sintoma nos parece re fo rçar o campo da adap tação. Todavia,
ao cons iderarmos a s leituras poster iores a 1920 , é a dim e nsão da
sat isfaç ão do sinto ma q ue se faz p rese nte, demarcando a impossibilidade
da adaptação como um fato de estrutura.
Des se modo, podemos reconhecer, nesse segundo momento
propo sto po r Campos (1991), característ ico d a segu nda tópica fr eudiana,
a impo ss ibilidad e da perspectiva adap tativa. Es sa p ersp ect iva, com
ênfase no amb ient e e na educação de cria nça s, utilizad a no prime iro
momento d os estudos de Freud, se apres enta como u ma impossibilidade
no período destac ado da presença da pulsão d e morte. Isso po rque a
presença d o elemento puls iona l na vid a da criança não nos p ermit e
alcançar d eterm inado resultado, muita s vezes alme jado, na educação da
criança, po is cada cria nça irá e laborar de um modo singular sua relação
com o ou tro (CAMPOS, 1991).
Pelo s aspectos discut ido s até ent ão e retomando a primeir a
int erpretação, que objetivava à sup ressão do sintoma como resu ltado
terap êutico, ob serva- se que ess a posição de supressão nos leva a
su blinhar a e xist ênc ia de um a descons ideração da dimensão p ulsio nal do
sintoma.
Por ou tro lado, a segu nda interpretação , que aponta o sinto ma
como produ ção d o inco nsc iente e , des se modo , como uma solução
possí vel na clí nica, será por nós interro gada no p ró ximo tópico .
36
Freud (1929/1 930/1980) , no texto O Mal-estar na Civiliza ção ,
destaca a d imensão particu lar da pulsão de mo rte como faze ndo p arte do
es se ncia l do ho mem. Nele, Freu d faz u ma invest igação sobre as raízes da
infelicid ade hu mana p or meio d a dualid ade puls iona l já formulada em
Além do Princípio do Prazer : a pulsão d e vida e a pu lsão de morte. Para
ele, a própria condiç ão do homem e su a neurose estão d iretament e
implicadas no processo civilizatór io no qual esse sujeito est á inserido . É
o conflito entre as e xigê nc ia s puls io nais e as re str içõ es da c ivilização
que provocam o mal-estar (1929/1930/1980).
Freud (19 29/1930/1980) reconhec e, ainda nes se te xto , que as
pulsões de vida e de mo rte s ão const itut ivas do ser hu mano e mo vem a
humanid ade ao longo do desenvolvim ento d e toda a civilização :
Nã o era fácil, cont u do, demonst rar as ativ ida des dess e
sup ost o i nstint o de mort e. As manifestaçõ es de Er os era m
visív eis e basta nt e rui dosas. Po der-s e-i a p r esumir q ue o
instint o de mo rte op erav a sil en ci osa ment e dent r o d o
o r ga nis mo , n o senti d o de s ua d est r uição , mas iss o,
n at ural m en t e nã o co nstit uí a uma p r o va. Um a i dei a ma i s
fecu nd a era a d e q u e u ma p art e do i nsti nt o é d es via da n o
s entido do mun d o ext er n o e vem à l uz com o um i nstint o
d e a gr essi vi dad e e destruti vi da de (p. 1 41).
37
homem tem de descobrir por si mesmo de qu e modo específico ele p ode
ser sa lvo” (p. 103). Essa é uma partic ularidade inerente ao asp ecto
puls iona l do hu mano. E su a sa lvação irá depender do tipo de esco lhas
que ele irá fazer, do quanto de satis fação ele e spera o bter do mundo
exter no, até o nde ele co nsegue tornar - se indep end ente d es se mu nd o e de
quanta força sente à sua disp osição para alt erar o mund o, a fim de
adaptá-lo aos seus dese jos (FRE UD, 192 9/1930/1980 ). Portanto, o
su jeito quando se la nça na b usca de obtenção de sat isfação co m o mundo
exter no, o qu e Freud nos afirma nesse t exto é que, nessa busca, “sua
const itu ição psíquica desempenhará papel dec isivo, ind epe ndent ement e
de circunstâncias exter nas ” (p. 103).
É, po rtanto, a particular idade da d imensão pu lsional como
inere nte à estrutura p síqu ica do sujeito o q ue Freud esp ecifica nesse
texto de 19 29/1930. Ou seja, não há como descons iderar a presença d es sa
dime ns ão na vid a do suje ito. Sua desco nsid eração e ncaminha para a
perspectiva do sintoma co mo supressão, o qu e nos leva a considerar que
a interpretação dos teóricos que utiliza m essa perspect iva parece se
dirigir à cre nça de que ao su primi- lo est ariam dominad o a pu lsão.
É rele va nte des tac ar qu e o sintoma, na perspectiva ps icanalít ica ,
tem como objet ivo a b usca d a sat isfa ção de o rd em pulsio nal, concer nindo
ao mais particular d o su je ito. A e xigê ncia pulsio nal promove no sintoma
uma repetição insistente, efeito da tent ativa reco rrente de almejar a
sat isfaç ão.
Des se mo do, relat a- no s Serge Cottet (2005), considera ndo a
dime ns ão pu lsional presente no s intoma, “Lacan, q uanto mais ava nça em
su a teorização do sintoma, mais ace ntua sua d imensão de go zo” (p. 17 ).
E comp leta: “o sintoma aparece mais como solu ção do que como
compromisso de um conflito” ( idem). Solução que cad a su jeito encontr a
para lidar com o real, pois, conforme Miller (2 011), não es cap a a Laca n
que “a cha ve d a formação dos sinto mas é puls io nal” (p . 26).
Sendo ass im, o sinto ma como solução e su as manife staçõe s se
impõ em a nó s, na c línica ps ica nalít ica, int erro gá- lo, para che garmo s ao
mais particular de cad a su jeito. O sinto ma, nessa p ersp ectiva de solução,
como no s diz Sant ia go (2005 ), to rna-se uma parte bem -sucedida de
38
amarração do real. Tem como objet ivo te rapêu tico civilizar a puls ão de
morte, permitindo ao su jeito produzir uma invenção particular que va i
fazer laço com o socia l. Ess a é a função do sintoma p ara a p sica ná lise –
uma solução que permite a inve nção d e la ço para se relac io nar com o
so cial (SANTIA GO, 2005 ).
Por outro lado, o fato de se reco rrer à adaptação do sinto ma ao
so cial, o qu e na maioria das vezes leva à supressão des se sintoma, p ode
nos le var ao ma l-e nt endido na clí nica. Ob servamos, co m os intérpretes
da teoria freudia na a partir de 1920 , que estes, ao enfat izarem no sintoma
so ment e a manifest ação de comportament os que precis am ser e lim inados
para se est ar em conformidade com o social, parecem se dista nciar do
sintoma como respo sta do suje ito , ou seja, co mo solução. A
desco ns ideração da dimensão puls ional do sinto ma por p arte dos
int eressado s na clí nica psica nalít ica com crianças nos leva a d edu zir que,
ao escutarem o s intoma, o fazem, não como solução a ser dada p elo
su jeito, mas com o intu ito de eliminá- lo. Há, p ortanto , um equívo co no
que concerne à nece ss idade de adaptação da cria nç a na clí nica.
Cons ideramos q ue a d imensão pulsio nal inerente ao huma no tem
um p apel decisivo no comportament o do su jeito. Não se pod e
desco ns iderar sua prese nça nos comportamentos e s intomas d o su jeito. A
partir de então , noss a invest igação so bre a inflexão pela qu al p assa a
clí nica co m crianças co m a introd ução da dimensão puls iona l no sinto ma
se esc larece, quando, no te xto O Mal-estar n a Civilização, Freud
(1929 /1930/1 980) destaca a p ulsão como decis iva na esco lha sub jet iva
do sujeito . Descons iderar a d imensão puls iona l no s intoma é desconhecer
seus efeitos qu e se tr ad uzem em resposta s ingu lar do suje ito. Dessa
ma neira, qu erer elim inar o s intoma, eliminar o que está fo ra da no rma, é
não considerar o sintoma como so lução para o su jeito. Solução particular
que contrar ia term inanteme nte qu alquer proposta adaptativa, pois o
sintoma como so lução não é uma adap tação.
39
1.6 O sintoma como solução não é adaptação
A perspect iva da dime nsão pulsio na l no sintoma e sua ins ist ê nci a
de sat isfa ção co mo component es de ordem estrutural nos esc larec em a
dificu ldade da ação dos edu cadores na prática es colar.
O campo educacional, represent at ivo de um lugar propício às
ma nifestaçõ es s intomát icas da cria nça, se a nco ra, na ma ioria das vezes,
40
em u ma d emanda de tratamento , visa ndo à adaptação da crianç a ao meio
esco lar. Cordié (1996), no seu livro Os Atrasados não existem, ao falar
so bre fraca sso e scolar na crianç a, nos revela a exigênc ia do campo
edu caciona l e su a contr ibuição para essa s ituação de fra cas so. Para a
auto ra, a escola co nsidera como situaç ão de fr acasso quando a criança
não “acompanha” a proposta esco lar, pois, na e scola,
41
Cons idera ndo a prátic a clí nic a com cr ianças, t emos Anna Freud e
Mela nie K lein como p ioneiras de ss a c línica p sicana lític a. Se ndo ass im, é
relevant e pergu ntar : em que posição, em relação ao sinto ma na c línica,
se inserem es sa s duas psicanalistas de cria nça s? Como conduziram sua
prática clí nica fre nte a d ime nsão puls iona l no sintoma ? Iremo s, no
próximo cap ítulo, aco mpanhar como se deu a entrada de A nna Freud no
campo da psica nálise com cria nças.
42
CAPITULO II – ANNA FR EUD: O EU 3 EM DETR IMENTO DA
REFERÊNCIA À PULS ÃO
Neste c ap ítu lo, iremos invest igar como se deu, p ara Anna Freud,
su a entrad a no campo da psica nálise com crian ça s concernente à
refer ência ao s intoma e à dim ensão p ulsio nal a partir da s egunda tó pica
freudia na. Do mesmo modo, verific ar se sua e ntrada no campo analít ico
com cria nça s nos for nec e indícios de uma vertente adaptacionista em
relação ao sintoma da criança.
Para ta l inve st igação, faremo s, em um p rimeiro mo mento, um
percurso p elos recursos técnicos utilizad os por Anna Freud em sua
prática com cr ianças que nos le vará a considerar qual o encaminhamento
dado po r ela em sua p rática clí nica com crianças no que se refere à
dime ns ão pulsional do sintoma.
3
Aqui, no texto no qual citamos Anna Freud, o que seria o eu, nós vamos chamar de ego porque é essa
nominação que nós encontramos no texto da autora ao referir-se a essa instância. Quando for uma
consideração feita por nós, usaremos a nominação eu.
43
(BRUHE L, 1992). O privilé gio da observação do co mpo rtamento da
criança nos parece ser uma influência prove nient e de su a prática como
ped ago ga.
Entreta nto, é rele va nt e s ituarmo s a Prim eira Grande Gu erra co mo o
ce nár io de entrada de Anna Freud no e nsino. Como d iss e su a biógr afa
Elizab eth Young-Bruehl (1992 ), ela lec ionou nos ano s de 1915 a 1918 no
Liceu d e Cabana Salka Go ldman, em Viena, o nde pôde demonstrar seu
int eresse pela p rática e pelo “dom de ensinar”. A prátic a no ens ino e a
relação com o s a lunos em sa la de au la se pautavam em atenção cuid adosa
e disc iplina imp osta po r Anna Freu d sem qu alquer tipo de co erção (p.
61).
Nes se mo mento e sp ecífico do ato de e nsinar, A nna Freu d, então
ped ago ga, inic iou o int eresse p ela o bser vação de crianças, co nvocação já
feit a pelo pai d ela a quem se int eressas se no tratamento com crianças, no
ano de 1909, por meio do caso do Pequeno Hans (FRE UD, 1909 /1980 ).
É importante ressa ltar qu e, com Freud (1893/1980), o início d a
prática ps icanalít ica, p or meio da des co berta de que “os histé ricos
so frem de reminiscências ”, permit iu aos analista s deduzirem do materia l
relembrado pelos pacie ntes adultos a re const ituição dos aco ntec imentos
da infâ ncia. Algu m tempo depois, a psicanális e com crianças avançou no
que concer ne a essa p rática. O s inte ressados nes sa c lí nica com cria nças,
e ne ste cap ítu lo trataremos de Anna Freu d, nos permitiu reconhecer u ma
mud anç a nessa perspect iva de dedução dos acontecimento s da vida da
criança pela lembrança d o adulto. Como no s diz Zaíra Belan (198 8), a
observação d iret a da cr iança, em d etr imento das lembranças do adulto,
permite ao ana list a u ma visão outra da infância da cria nça . E continua:
44
(1992 ) destaca o intere ss e de Anna Freud pela o bservaç ão em sala de
aula, em d epoimento posterior d e um aluno , ao dizer sob re ela: “ Lemb ro
que você usava um uniforme azu l e anotava mu ita s coisas em u m livr inho
e eu sempre me pergu nta ndo se aquilo d izia respeito à observação de
crianças” (p. 61-62).
Por meio da observação em s ala de aula, Anna Freud a notava o s
relatos espontâ neos das criança s co ncernente s às suas fantasia s, em que
operavam conteúdo s relacio nados à Guerra. Existia, na vida des sas
crianças, u ma escassez m ater ia l fru to do pó s-Guerra, que, todavia, er a
negada, pelas cria nça s, principa lment e no momento d as refeições, po r
ideia s relat ivas, p or exemplo, ao pai: “Em vez d e exagerar o tama nho, a
riqueza ou o pod er do pai, uma meninaz inha a nunc iou: meu p ai sempre
come carne aos domingos” (BRUHEL, 1992 , p. 62).
O o fíc io de pedagoga e a inclinação d e Anna Freud à observação
de cria nç as e de suas falas, durante sua prática em sala de aula, fo ram, a
nos so ver, precedentes importantes que podem ter influ enc iado sua
formação e atuaç ão na p rática clí nica com cria nças. Sob retudo, parece-
nos terem p ermit ido imprimir em sua prática com criança s u ma
perspectiva que se encam inhou no sent ido de uma ênfa se ao s aspectos
consc ient es do s comportamentos e das fa las das cr ianças.
Quando Anna Freud deixo u a prática ped agógica de sala d e au la ,
ela iniciou sua p articipação no círcu lo psicanalít ico de Vie na ju ntament e
com o s discípulo s de seu pai. Ingre ssou no movime nto psicanalít ico no
ano de 1922, com u m artigo apresentado à Wiener Psych oana lytische
Vereinigung (WPV) – “Fanta sias e de va neios diu rnos de uma cr iança
espancada” (BRUHE L, 199 2).
Segu indo os passos do pai, embrenhou -se definitivame nt e no
campo analít ico infa nt il no s anos de 1926 e 1927 com o livro O
Tra tamento Psicanalítico de Cria nças, cons iderado su a o bra p rincipal.
Esse livro foi o resultado de uma série de preleções que Anna Freud
proferiu no Inst ituto de Psicanálise de Viena para um d ivers ific ado
púb lico tanto de analis ta s co mo de profes sores e interessad os na
aplicação da psicaná lise à ed ucação. Ele teve t amb ém a fu nção de
divu lgar c laramente como era a aná lise de cria nças praticada em Vie na
45
naq uilo que veio a ser conhec ido como Escola de Viena (FREUD, A.
192 6/1927 /1971 ).
Todavia, uma vez tendo se deslocado d a prática ped agó gica p ara a
ana lít ica, Anna Freud continuo u a privilegiar a ob servação direta do
comportamento, agora, no tratame nto co m cr ianças. No ano de 1927, na
parte II de seu livro O Tratamento Psicanalítico d e Crian ças, ela
enfat iza que a psicaná lise co m cria nças começa a desp erta r interesse,
princip alme nte p or evide nciar a co nfirmação das concepções sobre a vida
me ntal da cr iança, formulada pela anális e dos adulto s, e ressalt a o papel
da observação que irá “fornecer no vos horizo nt es para completar as
novas ideias através da ob servação diret a” (p. 87). Acresce -se a es ses
aspectos d a observação no tratam ento com cria nça s o fato d e privilegiar
o conhec imento p edagógico, que, segu ndo a au tora, terá no fu turo u ma
aplicação no terreno d a psica nális e.
A prática do método de ob servaç ão co nt inuou a ser destacada no
ano de 196 5 no seu livro Infância Normal e Pato lógica . Anna Freud
(1965 /1980), nesse livro, cont inu ou a ressa ltar a importância da
observação, qualifica ndo -a de o bservação da superfíc ie d os
comportamentos das cr ianç as como ferrame nta importante na intervenção
terap êutica
46
desenvolvim ento d a cria nça. A observação de situações exter nas do
comportamento d a cr ianç a, por sua vez, permite ao profis sional se ver,
“na verd ade, face a fac e com a tarefa d e avaliar a normalidad e do
processo do dese nvo lvimento propriamente d ito ” (p. 134). Dessa
ma neira, são o s elementos da su perfí cie do comportamento e do
desenvolvim ento , aliado s ao s aspectos inconsc ient es, que são ele vado s à
condição nece ss ár ia para a co mpreens ão do comportament o da criança
nes sa clí nica.
Cons ideramos que Anna Freud parece privilegiar mai s
int ensament e os aspectos ext ernos re lacio nado s à observação de cria nç as .
A perspect iva d a cr ianç a em d esenvo lvime nto é um fato r que privilegia
es se inter es se ext er no. Ao mesmo tempo, a associação entre o su perficia l
e a profund idade do comportamento, aliad a também aos fundame ntos
ped agó gicos, parece-nos se e ncaminhar para uma prática preocupada com
as respostas d o comportamento em detrimento das questões estru turais
concernente s ao inco ns cie nt e. A ê nfas e nas respostas d o comportamento
do sujeito nos e ncaminha em direção a uma prática que vai de encontro à
perspectiva d a adaptação do comportamento da criança ao socia l.
Tal como enfat izado por nós anteriormente, a prátic a de
observação p ermit iu um avanço na clí nic a co m cr ianças p or reconhece r
de uma forma d ireta os asp ecto s infantis do dese nvolvimento d a criança
em detrimento das reminiscências do s adulto s. To davia, a ênfase, tão
reco rrente à observação do comportamento, lev ou Anna Freud
(1965 /1980) a fazer uma advertência a os ana list as qu e utiliz am es sa
ferrame nta d a observação co mo meio d e encurtar o cam inho p ara o
inco nsc iente. Isso porque, ao traduzir diret ament e os co mpo rtamento s
ma nifestos do p acie nt e, sobretudo sem a colabor ação dele, co mo recurso
para se che gar ma is ráp ido ao inco nsc ient e, é, cont inua A nna Freud : “um
procedime nto que é contrário às melhores tradiçõ es da anális e” (p . 21).
Des se modo, Anna Freud (1926/1927/1971) reconhece a
observação d e crianças como ferrame nta de exploração distinta daq uela
que acontece na p rática clí nica psicana lí tica. Entret anto, ela p rivilegia
es sa prática de observação , ressalt ando -a como necessária para o
tratamento a na lít ico com criança s. E ass im co mpleta:
47
mais u ma p alavr a s ob r e a fu nç ão ‘p ed ag ó gi ca’ do an alist a
d e cri anças. Uma vez q ue descob ri mos q u e a s fo rç as co m
as q uais t emo s de nos h av er n a cur a de uma neur os e
in fantil não s ão ap enas i nt ern as, mas tamb é m ext er nas e m
p art e, t emos o dir eit o d e exi gir q ue o a nalist a de cri ança s
d ev e avalia r corr eta me nt e a sit u aç ão ext ern a em q ue s e
ins er e a criança; exata ment e co mo del e exi gimo s q u e
d ev a medi r e compr een d er a s ua situ aç ão int er na (p . 99).
48
2.2 Instrum entos teóricos para uma defesa da adaptaçã o do sintoma
ao socia l
49
ele co nsid era a nec es sidade de “combinar a influ ênc ia ana lít ic a com a
edu cativa; e mesmo no caso da ma ioria, vez p or ou tra surgem ocasiõ es
nas quais o médico é obrigad o a assu mir a posição d e mestr e e m entor”
(p. 208). Observa- se qu e essa posição de F reud foi co nsid erada por Anna
Freud em seu p rimeiro trabalho, no ano de 1926, relac ionado à técnica
psicanalít ica. Para ela, ante s q ue houves se qualquer ens inam ento
sist emát ico a p ais e pro fessores, “o a nalist a de cria nça s precisa va
reivind icar para s i mesmo a liberdade de guiar a criança [...] e em
consequência a justar, na su a própria pessoa, d uas fu nçõ es
diametralm ente opo stas: te m d e analisar e edu car” (FREUD, A. ,
192 6/1927 /1971 , p. 14).
Todavia, Freud (1918 /1919 /1980), por sua ve z, reconhece, nes se
texto , que se d eve ter cuidado na co mbinação entre o analít ico e o
ped agó gico, pois o ob jet ivo dessa associa ção é que “o paciente deve se r
edu cado p ara lib erar e sat isfa zer a sua própria natu reza, e não
as seme lhar-se conosco” (p . 208).
Freud (1925/1980) continua a d estacar o alcance e a importânci a
da aplica ção da p sic aná lise à ed ucação no seu te xto Pr efácio à Ju ven tude
Deso rientada de Aicho rn. Reve la, nesse te xto, q ue todo esse interesse
perfila pelos caminhos percorridos pela a nális e ao reconhecer no adulto
uma criança qu e o habita. A p artir desse e nunc iado , a criança torna -s e o
ponto de int eresse da clí nica p sica na lítica, como conseq uência d a
edu cação , cujo o bjetivo , diz- nos Freud (1925/1980) , “é orientar e assist ir
as cr ianças em s eu cam inho para d iante e protegê-las de s e e xtraviarem”
(p. 341).
Essa po sição é ratificada mais u ma vez po r Anna Freud no a no de
196 5, quando nos d iz que a educação entra em c ena , esperando sempre
algu ma co isa da criança. Mas a ide ia comum entre todos os objetivo s
relac ionados à ed ucação “é sempre fazer da criança um adu lto que não se
difer encie muito do mundo que a rodeia” (FRE UD, A. , 1965/1980, p.
27). A educação, comp leta Anna Freud, “luta com o modo de ser da
criança, co m os maus costu mes infant is” (p . 28 ). Posição essa que nos
parece segu ir ao enco ntro de mod elos est abelec idos p ela sociedade p elos
quais o tratame nto de Anna Freud visa a alca nç ar.
50
Cons ideramos, a p artir des sa s le ituras realizadas d os te xtos de
Freud refere nt es à educação, que estes s e tornaram r eferenc iais para o
trabalho d e Anna Freud. Sobretu do, a apropriação pontual de questões
ligad as à educação nos le va a co ns ider ar qu e serviu de guia p ara o
desenvolvim ento da prática com crianças criada por ela. Como fonte a
beb er, Anna Freud absorveu do s co nhecime ntos pro clamad os pela teoria
psicanalít ica justam ente nos te xtos em que Freud combina o ped agó gico
com o analít ico. Nes ses prim eiros text os de Freud, o que pode ter
chamado a at enção de A nna Freud foi just ament e es sa combinação .
Embo ra essa não se ja uma ê nfase dada p or Freud em sua doutrina ,
todavia, es sa combinatória p arece ter sido o qu e Anna Freu d extraiu do
texto dele.
Inser ida em um cont exto de emergênc ia so cial, a int erp retação da
obra freudiana p or Anna F reud nos convoca a reflet ir so bre o
encam inhamento dado por ela à sua técnica e prática analít ica.
51
uma solução que p ermit iu, mediante s eu func io namento, ser o lo cal de
acolhime nto e, so bretudo , de estudo sobre os aspectos do
desenvolvim ento da cr iança. Des sa m ane ira, as creches -lare s que
nasceram d essa emer gência socia l do pó s-Guerra foram se firma ndo
como campo de atendime nto e tratamento com crianças que sofreram as
atrocidades p ro vinda s d a Guerra (HELLE R, 1994).
No que se refere a essa emergênc ia so cial, não pod emo s dizer que
todos os ana lista s foram influ enc iado s por ess a s ituação socia l da mesma
ma neira, mas, nes se mo mento, o no me q ue s e desta cou como um exemplo
dessa perspect iva foi o de A nna F reud. Como nos diz Bruehl (1992), “a
ana lista para quem a vis ão so cial de Freud tornou -se um credo mais
profund o e duradouro foi su a filha” (p. 65 ). No final d o texto Linhas de
Pro gressos na Terapia Psicana lítica, Freud (1918 /1919 /1980) destaca a
necessid ade d e a ps ica nálise se expa ndir por meio d o acesso às clí nicas
ou inst itu tos, alcançando as camada s mais amp las d a sociedade e
promo vendo o atendim ento a u m maior número de pessoas pela
psicanálise. Reco nhecemos, nesse texto , qu e há uma convocação de
Freud para amp liar o ate ndimento psic analít ico aos su jeito s
desamparados pela Guerra; convo cação ace ita por Anna Freu d, que
particip ou desse mome nto social.
Guiadas p elo sent imento d e cuid ado e ate nção pelas cr ianças ,
Do ro thy Burlingham e A nna Freud (1954/1961) procuraram, du rante
todos os primeiros ano s de estu do, por meio das clí nic as de atend imento
e das creches- escolas, “dar à s cria nça s o qu e ela s perd eram: a se gurança
de um lar está ve l com todas as poss ibilidad es d e desenvo lvimento
individ ual” (p . 18). Como nos relatam as auto ras:
52
O objet ivo de Bu rlingham e A nna Freud (1954/1961) era
propo rcionar à s cria nça s uma melhoria d e vida pela p sicaná lise p or meio
da criação de inst ituiçõ es acolhedoras de crianças órfãs e aba ndo nadas
pela Gu erra. A preocup ação co m as cr ianças sem lar motivou o interes se
de Anna Freud na abertura de ins t ituições que p udessem acolher es sa s
crianças em desenvo lvimento .
Os primeiros a na listas que viveram e ss e momento da Primeir a
Gu erra esta vam imbuídos, como nos diz Heller (1994), “de um pathos
humaní st ico” (p . 3 5). Ha via ne les u ma co nvicção de u m “poder saudáve l
do autoconhecime nto” : tema e preocupação da ética ocid enta l desde
Sócrates, mas enco ntrado somente no método da psica nális e , que
permitiria a e sp erança de um es clare cime nto humano (ERIKSON ,
193 0/1983 apud HE LLE R, 1 994). No que diz respeito ao posicio nam ento
profiss io na l e ét ico desse s a nalist as, completa Heller (1994), “ess e era o
etho s de Anna Freu d e de seu círcu lo de amigos” nes se momento d o pós -
Gu erra (p. 36).
Observa- se, a part ir d ess as p assa gens d estacadas, que havia, p or
parte d e Anna Freud, uma preocupação com o social, que se dirige rumo
à questão de uma reco nciliação d a crianç a ao social. Essa reco nciliaç ão
nos fornece ind icat ivo s de se ancorar em uma perspectiva de adaptar es sa
criança ao socia l, p rincipalmente no trabalho d es envolvido e executado
nas cre che s- lare s.
Ainda no qu e concer ne a es se mo mento socia l e com o
desenvolvim ento ind ividual das cr ianças, no ano de 1954, Anna Freud ,
junto com Dorothy Burlingham, escre veram o livro Menino s sem Lar.
Trata-se d e u m relatório de observaçõe s de crianças, colhidas em três
estabe lec imentos do tipo orfa nato . Nes se livro, elas cit am todas as fases
pela s quais a crianç a d eve pass ar para alcançar um des envolvim ento
norma l tanto nos lar es quanto na s fam í lias. O co ntrole muscular, a
lingua gem, o aprendizado do asseio e a alime ntaç ão são a lgu ns aspectos
do desenvo lvimento infant il que são tratados po r elas nes sa s ins t ituiçõ es
(BURLINGHAN; FRE UD, A., 1954 /1961 ).
A preocupação com as cr ianças põ e em rele vo o s aspectos d a
fisio logia e do d esenvolvime nto. É a maturação do organismo , exp ressão
53
do dese nvo lvime nto fisiológico da criança , o fator d eterminante para que
esta est eja ap ta para desenvo lver determinado comportamento . Tanto
Do ro thy Bu rlinghan quanto Anna Freud (1954 /1961) parecem acred itar
que a presença d e possí veis intercu rsos na vida, inere nt es ao meio
exter no e de certas dificu ldades p recoces próprias das cr ianças, no curso
do dese nvolvimento infant il, será o mesmo tanto em crianças que vivem
em crec hes- lares como em crianças qu e vivem em famí lia s.
Portanto, é a perspectiva da criança em desenvo lvimento qu e se
destaca ne ss e trab alho ta nto das creches- lares qu anto d a esco la He itzing.
Por outro lado, ver ificamos, na s pass age ns d esses t exto s citados, vár io s
indicat ivos ou , como não dizer, cert a preponderância da ad aptação do
comportamento da criança ao social.
54
abord agem ps icanalít ica” (HELLER, 1994, p . 31). Entreta nto, a p rática
esco lar cotid iana promoveu a necess idade de se qu estio nar es sa dispensa
de co erção quando se p ercebeu qu e es sa p roposição resu ltava em
problemas de ordem prática, es crevend o, então, a Eva Rosenfe ld :
55
do desenvo lvimento d a cr iança, a preo cupação com o social e as
exp eriênc ias educativas de prevenção co ntra o s intoma, nos d irigem ao
reco nhe cime nto de um viés p ara o tratamento, cu ja terap êutica se
encam inha para u ma p ersp ectiva educativa.
No entanto, no que concer ne à s egunda tópica freu diana, A nna
Freud depara-se com o problema da pu lsão. Esse conceito se insere em
uma p ersp ectiva d a clí nica ps ica nalít ic a que não nos deixa dúvidas da
dime ns ão estrutural e seus efe itos no sujeito . Para Anna Freud, parece -
nos que, a partir daí, houve um verdadeiro impass e em sua c línica: como
introduzir a questão da pulsão em uma perspect iva ed ucativa?
Cabe-nos, nes te mo mento, ver ificar como se deu, para Anna Freud
em sua clí nica, a e ntrada da segu nda tópica freudiana co m a nova
postulação da pu lsão. E, dessa maneir a, destacar no tratamento
psicanalít ico com cria nças qual p ersp ectiva A nna Freud irá utilizar no
que se r efere ao sinto ma: o s intoma como adaptação, descons idera ndo a
pulsão, ou o sintoma co mo solução?
56
carát er ai nda mais fr eq uent e, s ent e-s e q ue com a análi s e
p ura e si mpl es con segu em-se r esultados medí o cr es (p .
2 0).
57
T rata-s e d a s eq uê ncia q ue vai d es de a p r ofun d a
d ep en dê ncia do recé m-n as ci do d os cui dad os mat er n os at é
a aut ocon fi a nça emoci on al e mat erial do j o vem ad ult o –
u ma seq uê nci a p ar a a q u al as s ucessi vas fas es d e
d es envol vi m ent o libi dinal ( oral, anal, fálico) for ma m
ap enas a b as e i n ata e mat ur aci on al (p. 6 1-62 ) .
58
reco nhe cer em c ada criança uma particu laridade. Todas já se e nco ntram
determinadas pelo seu dese nvolvimento e submetidas a determ inados
padrõ es de normalidade e ano rmalidade, posiç ão que se distanc ia do
fundame nto da prática p sicana lít ica. Desse modo, a direção dad a por
Anna F reud por meio do int eres se pedagógico do tratamento vai “se
orientar em d ireção a u m reforço do eu ao preço de u m fechame nto da
verdade p articular d o desejo do sujeito”, tal como d estacado no livro O s
Poderes da Palavra (AMP 4, 1996).
A não apreensão de uma p rática qu e fo ss e puramente ana lít ica no
ano d e 1926 permitiu a Anna Freud reconhecer e cons iderar, no ano de
192 7, primeiro ano de sua preleção na Sociedade de Viena, qu e sua
téc nica e sta va lo nge de s e dizer ps icanalí tica: “minha co nduta, tal como
a co nfigurei para os senhores, contrad iz em inúmero s aspectos as regras
téc nicas da psic aná lise tais como nos foram ensinadas no p as sado”
(FREUD, A., 1926/192 7/1971, p. 35 ).
Mesmo Anna Freud reconhecend o seu método como distinto d a
prática analít ica, e la a inda co nt inu a a p rivilegiar o método da observação
e os aspetos do desenvo lvimento d a criança, associa ndo o analít ico com
o pedagógico . Para a autora, a asso ciaç ão do analít ico ao ped agó gico nos
dá indic at ivos d e u ma prátic a p reciosa ao se trabalhar com a criança ,
pois esta é um ser em desenvolvim ento (FREUD, A., 1926/1927 /1971 ).
Des se modo, podemos cons iderar que a perspect iva da cria nça em
desenvolvim ento , bem como o método de observa ção de cr ianças e a
prática educativa est ão impresso s no percurso teó rico de Anna Freud
como uma linha refere ncia l que enlaça toda a teoria no qu e co ncerne ao
tratamento com cria nça s. Es ses recu rsos no s d ão elem ento s p ara u ma
prática vo lt ada para a adaptação da criança ao meio so cial, realizada
tanto nas institu ições de crianças quanto no tratamento delas.
Cons ideramos r e leva nte destac ar que a perspect iva da observação
de crianças, t ão cara a Anna Freu d, nos leva a cons iderar q ue sua
exp eriênc ia inicial so bre a ob servação do comportamento das cria nças
faz inferê ncia s à teoria para a co mpreens ão do que d esse comportamento
4
Livro: Os Poderes da Palavra, resultado de uma compilação de artigos da Associação Mundial de
Psicanálise (AMP) do ano de 1996, sem especificação de autores nos artigos.
59
está ou não em co nformidade co m o social. Ao reportar à teoria para o
ente ndim ento dos compo rtamentos inad equ ados d a crianç a q ue se
aprese ntam em sua prática, parece- nos que Anna Freud não permite fazer
exist ir a experiê ncia do inconscie nte na s es são. Do mesmo mo do, a
“qu estão do sujeito enq uanto interro gação sobre seu ser é d esqualificada
em b ene fíc io da ob servaç ão” ( AMP, 1996, p . 158). Assim, cons idera ndo
que a pulsão é da ordem do inco nsciente, como então se colo ca para
Anna Fr eud, a questão d a dime nsão puls ional em uma prát ica qu e não
privilegia a e xperiê ncia do inco ns cie nt e?
Com base no qu e foi exp osto até então, co nsid eramos que a
perspectiva clí nica do tratamento de Anna Freu d, nos le va a reco nhecer
es sa clí nica dir igida para a ad aptação d a criança ao so cial. Des se modo,
es sa constat ação no s encam inha para uma prática clí nica que parece se
amparar na cre nça de que a supressão do sintoma, qu e não est á em
conform idad e com o social, permit ir ia a resolução do conflito e, as sim,
pod eria dominar a pulsão de morte. Tudo is so no s co nduz a cons iderar,
portanto, que o sinto ma como adap tação é privilegiado na prát ica de
Anna Freud.
A segu ir, iremos utilizar quatro tópicos qu e nos auxiliarão a
ana lisar se a desco nsid eração puls ional do sintoma já verificado irá se
su ste ntar na prática clí nica co m crianças e m Anna Freud.
60
sintoma. Fre nte e ssa ênfase recorrente do privilégio do eu em sua
prática, int errogamo -nos ma is uma vez : c omo se deu para Anna Freud a
apreensão da no va formulação pu lsional?
Nes se sentid o, a biógrafa de Anna Freu d, Elizab et h Yo ung-Bruehl
(1992 ), destaca, em seu livro, uma passagem de uma carta de A nna Freud
à Lawrence Ku bie em ja neiro de 1955, na qu al Anna Fr eud explica va a
Lawrence Kubie, sua contemporânea, como “vacila va” ao introdu zir para
seus alu nos a int egração da teo ria estrutural com a hipótese do s dois
instintos contr ários formulados pelo pai dela:
Anna Freu d sublinha nes sa pas sa gem que, embora ela te nha
ado tado os termos estruturais como id, ego e superego, ela os adotou,
mas ainda faz end o referê ncia ao qu e lhe era mais fam iliar à primeir a
tópica. E ssa posição nos leva a cons ide rar que a e ntrada na s egu nda
tópica permit iu à A nna Freud certa apreensão particu lar do conceito de
pulsão de morte. Essa p art icularidade na apreensão d esse co nce ito nos
parece ter enc aminhad o su a prática c línica p ara uma perspectiva da
desco ns ideração d a pulsão no s intoma. Como resultado, Anna Freud
privilegio u o sintoma naqu ilo que ele s e ap resenta como d efesa frente os
impu lsos inconscientes do id.
Do mesmo mo do que a segu nda formula ção d o aparelho psíq uico
aprese ntou d ificuldades para Anna Fr eud, a postulação d a pulsão de
morte também foi adotada por ela com certa cautela em 1920 . É o que
nos relat a Bruhel (1992):
61
E la nun ca r eco r reu ao t er mo ‘i nstint o d e mo rt e’, mas a
teoria d os i nstint os q ue a ob ra ap r es ent ou fo i
d efi niti vam ent e i ncl uí da em s ua vis ão met apsi coló gica.
Clini ca ment e ela fal ou de agr essão, pr esu mi n do q ue o
instint o de mo r t e nã o é n ecess ari a ment e a font e d a
a gr essã o o u su a ca us a. S en do mist eri os a a nat ur ez a d a
r elação entr e as du as coisas, pr eferi u ela falar d e
a gr essã o i nd ep en dent ement e, sem s e referi r ao i nsti nt o d e
mo rt e (p. 1 45).
Entreta nto , continua Bru hel (1992), a obra inic ial d e Anna Freud
foi t eoricame nte reservada ao utilizar a noção de a gres são. Em seu s
trabalhos, A nna Freu d (1946/1986) u tiliz a es sa no ção associada à
conce itu ação do mecanismo de d efesa – Identificação com o Agressor.
Por exemplo, o eu reco rre frequentemente a esse me ca nismo d e defesa
quando se encontra em perigo. Nes sa s it uação , a cria nça introjet a u ma
caract eríst ica do ob jeto que está lhe causando ans ied ade e, d es sa
ma neira, a ss imila es sa exp er iênc ia pela qual ac abou de p assar .
Reco rre ndo à s ituação a nalí t ica para e xemplificar co mo o meca nismo de
ident ificação ao agres sor toma a cena, Anna Freu d (1946/1986 ) relata o
caso do menino , atendid o por Airchor n, que fazia caretas to da vez que
era repreend ido pelo professor. Airchorn, continua ela, após o bservaç ão
da situaç ão oco rrida em sa la de aula, at entou que o comportamento do
rapaz era uma car icatura da exp ress ão zangada do professor: “Atra vés de
su as care tas, as simila va-se ao objetivo ext erno qu e temia, ou identifica va
com o mesmo” (p. 94). Portanto , a saída encontrada pela cr iança,
se gundo Anna F reud, seria s e ident ificar com o agressor, assumind o seus
comportamentos ou, muitas vezes, im ita ndo -o. Dessa maneir a, a criança
se des loca de uma p osiç ão na qual se se nt ia ameaçada para outra posição
de p oder ameaçar.
A tentat iva recorrente de incursão dos impulsos inst int ivo s no eu
promo ve nest e a neces sidade de utilizar medidas defe ns ivas cuja funç ão
é garant ir a proteção contra a invas ão d e moções puls io na is ind es ejáveis
prove nientes do id. O propó sito do “ego é co locar os inst intos
permane nt ement e fora de ação, por meio de aprop riadas medid as
defe nsivas, des ignadas para garant ir as próprias fro nteiras” (FRE UD, A. ,
194 6/1986 , p. 7). Dessa ma neir a, a prátic a de Anna Freud utiliz a e
62
privilegia me canismos de defesa co ntra o indes ejado, ou seja, o sinto ma.
Desse mod o, é o sinto ma co mo defesa que toma a cena na c línica de
Anna Freud em detrimento do sintoma c omo solução. O s intoma, para
ela, é representat ivo d o que do inco ns cie nte o eu se defende. Pelo
sintoma, o su jeito se defende do irreconc iliá vel do inco nsc ient e.
Relembrando o percurso teórico de Anna Freud discut ido até então ,
observamos que o viés pedagógico , e desse modo adap tacio nista , to ma o
primeiro pla no em sua prática clí nica. D es sa maneira, uma p ergunta se
colo ca: co mo introduzir a qu estão da pulsão em uma p rática clí nic a na
qual elemento s de uma perspect iva pedagógica estão presente s ?
Cons iderando que a própria questão da pulsão é colo cad a em prime iro
plano na p ersp ectiva clí nica ps ica nalít ica em contraposição à perspectiva
ped agó gica, apresenta-s e um impasse. Esse impasse nos mostr a a
dificu ldade d a abo rd agem clí nic a, de o rdem p ulsional, numa perspect iva
ped agó gica. Is so porqu e a d efinição de pulsão co mo algo da o rd em do
ined ucável, do impo ssí vel de ed ucar, nã o se ins ere numa p ro posta que
não leva em co nsideração essa dimensão.
Portanto, o que verific amo s é que a dime nsão pulsio na l re ferent e
ao sinto ma, formulada p or Freud , não teve p ara A nna Freu d a
consideração necessária em sua p rática clí nic a. Da mesma forma,
pod emo s dizer q ue a ap reensão p articu la r da no va po stulação da pulsão
levo u Anna Freud a u ma desconsideração da dime nsão pulsional no
sintoma. Des sa ma ne ira, A nna Freu d, em sua prática com cria nça s, ao
contrár io de considerar a pu lsão na ordem do impossível de educar,
parece-nos co nt inuar a propo r o método edu cativo já u tiliz ado em seus
trabalhos.
Ainda em relação à forma particular de apreensão da pu lsão por
Anna Freu d , o que se apresent a em s eus texto s pod e ser ent endido como
uma tend ênc ia em utilizar os meca nismos d e defesa do eu para se
defe nder das moçõ es inconscie ntes. Des se modo, na prática c línica de
Anna Fr eu d, não é do sintoma como so lução que ela s e ap ro pria, ma s do
sintoma como defesa que ela faz referê ncia.
63
2.4.2 Cria nça n o tratamento
A cria nça, na prát ica clí nica de Anna Freu d, é vista sob a
perspectiva do desenvo lvimento. Ela se e nco ntra na posição de
dep end ente de um p ro cesso de maturação do organismo. Desse modo, no
que concer ne ao tratamento , Anna Freud (1926/1927 /1971 ) ass inala u ma
difer ença entre a cr iança e o adulto: “o ad ulto – pelo meno s em grau
consideráve l – é um ser maduro e indepe ndente, e nquanto qu e a criança é
ima tu ra e não autodependente ” (p . 21). A maturação do organismo é ,
se gundo ela, um po nto que dist ingu e sobrema neira a prática da criança
com o adulto e coloca em relevo a perspectiva d o desenvo lvimento, o
que nos leva a considerar que a ê nfas e nes sa perspect iva não p ermite a
difer enciação do su jeito s ingular p roposta pela c línica p sicana lí tica.
Como consequ ência d es sa diferenc iação, a p rática c lí nica co m
crianças, re lata-nos A nna Freud (1 926/1927/1971) , irá requerer algumas
precauções e modificações espec iais na t écnica em relaç ão à p sicaná lise
de adultos.
No que concer ne à técnica de a nálise co m adu lto s, a utilização da
as so ciação livre é fundame ntal nesse p rocesso, embora se ap resent e
insuficiente no tratamento clí nico com criança s. A s cr ianças, d iz -nos
Anna Fr eu d (1926/1927/1971) , não se mostram capazes de le var ad iante,
em associação livr e, uma história ou situações cont adas por elas. Dessa
ma neira, Anna Freu d sublinha que as cria nça s não se mostram
“inc linad as a exercit ar a as so ciação livr e e as sim s endo nos ob rigam a
buscar um substituto deste instru mento” (p. 52). O substituto deste é a
téc nica d a aná lise p or meio do b rinquedo, já utilizada por Hermine Vo n
Hu g Helmu t h em 1910 em su a prática, a qual, ness e período, estava
se ndo utilizad a por Melanie Kle in.
O brinq uedo , como instrume nto sub stituto da associa ção livre no
tratamento , permite à cr iança, se gundo Anna Freu d (192 6/1927/1971 ),
princip alme nte às mu ito p equenas, a e xpres são de seu s s ent imentos e d e
su as at itudes fre nte a s pes so as. Na falt a de recursos técnicos para o
procedime nto analí t ico, vár ios analista s infa nt is utiliz aram não só o
brinquedo, mas o dese nho, a escrita e a s fa ntas ias das crianç as como
64
su bstituto s da asso ciação na te nt at iva de preenc her essa lacu na na aná lise
com cria nças. Como instrume nto técnic o na prática com cria nç as em
Anna Freud, o brinqu edo é destac ado como relevant e para a co ndução do
tratamento. No ent anto , a no sso ver, e le não é essencial se co ns iderarmos
a perspect iva ps ica nalít ica q ue co lo ca e m re levo o discurso da cr iança.
Este, s im, é destac ado na clí nica psicana lít ica em d etr imento d os
recu rsos técnicos utilizados por Anna Fre ud em sua p rática.
J á no qu e concer ne à tra ns ferênc ia no t ratame nto infa nt il, A nna
Freud (1926/19 27/1971 ) cons idera que as cria nç as não dese nvo lvem u ma
neu ro se d e transferê ncia como no adulto. Ela dest aca a dificuld ade d as
crianças em es tabelecer a trans ferênc ia, diz end o que teve , em seus casos,
“gra nde d ificuldad e em provocar na cria nça uma forte vincula ção a mim
mesma, e fazer com que esta vincu lação se transformasse numa relação
de dependênc ia real da minha p es soa” (p. 56 ). Segundo a au tora, essa
dificu ldade se dá devido ao fato de a criança aind a não ter se
desvinculado do s primeiros o bjetos – o s pais. Para qu e haja u ma
vinculação de dep end ênc ia da crianç a ao processo , há exigênc ia de q ue o
ana lista s e aproxime da criança em situ açõ es cotidiana s. A nosso ver ,
es sa aproxim ação ultrapass a a próp ria e xperiê ncia d o que seja ana lít ico
e, desse modo , subtrai a tra ns fer ênc ia d a posição de fundamento
es se ncia l, para que se dê a experiê ncia do inco ns cie nt e no processo
ana lít ico.
Partind o dessas cons iderações em relação à posição da cria nça em
aná lise na prática de A nna Freud , observamos que a perspectiva da
criança em des envolvimento s e aprese nta como um co mplicado r para se
pensar a criança co mo um sujeito nes sa clí nica. Ess a conc epção, vo ltada
para os asp ecto s do desenvolvimento da cria nça, nos leva a co ns iderar
que a ad aptação toma a ce na, d escons idera ndo a criança como sujeito em
su a dimens ão inconsc iente.
65
O tratame nto do adulto, segundo Anna Freud (1965/1980), d estaca - se
pela rele vância dos aspectos inco ns cie ntes e nvolvidos no conflito
psíquico . Por outro lado, no que se refere ao tratamento com cria nça s, a
influência do ambiente e dos p ais é det ermina nte no comportam ento e
pato logia d a cr iança. Como nos diz A nna Freud , “na aná lise infa nt il, não
é no ego do paciente, mas na razão e comp reensão dos pais , que o início ,
cont inuidade e conc lusão do tratame nto têm de confiar” (p. 48). P or esse
caminho, é a abordagem fa miliar que toma o primeiro p la no nes sa
téc nica elab orada por Anna Freud.
A abordagem familiar é um p onto de apoio p ara o tratamento com
criança na p ersp ectiva de Anna Freud . É imp ortante recorrer ao adulto,
pais ou quem cuide da criança, para se info rmar sob re sua histó ria, pois
Anna Freud (1926 /1927 /1971) acredita “qu e u ma cria nça não pode dar
muita contribu ição à história de su a do enç a” (p. 39).
A téc nica, utilizada pelos ana listas de cr ianças para lidar co m os
pais, pod e variar, como nos diz A nna Freud (1965 /1980), de u m extremo ,
“de os exc luírem totalmente do tratame nt o, de os manterem informados e
por vez es d e serem ana lisados s imu ltâ nea, mas separad ament e, a ou tro,
de p refer irem tratar os p ais em d etrimento da p rópria cria nça ” (p. 49 ).
Do mesmo modo, para Anna Freud (1965/1980), no âmb ito da
abord agem fam iliar, o ambiente exter no também possui grand e influência
no tratamento com cria nças. O mundo externo int era gindo com o mu ndo
int er no d a criança partic ipa como u m agent e p ro vocador da p atologia na
mesma. É necessário o analista de cria nças ter em conta q ue as at itudes
exter nas “alcançam s ignificado patoló gico po r meio da interação com a
disposição inat a d a criança, das at itudes libid inais e do ego, adquiridas e
int erior izadas ” (p. 51 ). As at itudes de p roteção exces s iva ou rejeição, de
indiferença, crít ica o u admiração , po r parte de pessoas do conví vio da
criança, ta is como p ais e professo res, são releva nt es para o ente ndim ento
e prossegu imento do tratamento na abordagem de Anna Freu d.
Sendo ass im, se gu ndo Anna Freud (1965/1980), o analist a infant il,
que interpreta exc lus ivamente em termos de mundo inter no , corre o
perigo de neglige nciar os asp ecto s qu e se referem às circu nst ânc ias
ambienta is, igua lmente importantes para o tratamento . São o s aspectos
66
do desenvolvim ento , tanto ext er nos quanto “inatos” da cria nça, qu e se
convertem em age nt es patogênicos.
No tratamento com cr ianças, d iz- nos A nna Freu d (1965/1980), a
exp ressão das fa ntas ias int er nas, muita s ve ze s, s e dá po r meio da
projeção a figuras d o mu ndo ext e rno e se reve ste de uma influência
relevant e no tratamento . Eles p rojetam host ilid ades refere ntes ao p eríodo
edíp ico, bem co mo ao desejo incons cie nte de morte ou agres são a
irmão s. Por su a vez, cont inua A nna Freud (1965 /1980 ), tais figuras, que
ser vem à projeção, se co nvertem em persegu idores, com os quais a
criança irá travar uma batalha e xt er na. Desse mo do, a criança e sp era do
ana lista e deposita ne le as esperança s de mu danças do meio amb ient e
conflita nt e. Po r outro lado, segundo Anna Freud (1965/1980) , a
dificu ldade, por p arte da crianç a, de reconhecer a natureza intrapsíq uica
de seus co nflitos leva a cr iança a recorrer , no analista, a u ma
ident ificação em sua pessoa como um aliado de seu s problemas.
Des se modo, continua Anna Freu d (1965 /1980 ), a criança,
difer ente d o adulto, espera do analist a a remoção d aqu ilo qu e ela não
conse gue reco nhecer p or ser da ordem do p síqu ico. Nesse s entid o, a
espera nça d a criança na remo ção d e seu conflito se ampara em mudança
de elemento s da vida ext erior “uma mudança de es cola, afastando a
criança do professor temid o; ou a separa ção d e um companhe iro ‘mau’ ”
(p. 196). No entanto , podemos reconhe cer q ue tod a a te ndência em
su primir os e leme ntos e as mudanças exteriores ignora o fato de que ela s
se originam dos próprios co nflitos inter nos da cria nça.
Com bastante frequência, completa A nna Freu d (1965/1980 ), os
pais s e interes sam neste procediment o de alterar o ambient e em
detrime nto das d ificu ldades intr apsíquicas . Is so contradiz completam ent e
a posição do analista, q ue reconhe ce e ss a interação, mas acr edita que o
conflito só poderá ser reso lvido por medidas ter apêutica s que afetem a
estrutura.
Cons ideramos qu e a importância co nsa grada à interação d os
fatores e xter no s e int er nos s ão pontos relevant es na prát ica c línica de
Anna Freud . Porém, os aspectos e xt er no s se sobressaem em detrimento
dos “impu lsos ” inter no s da cr iança. Ass im, por mais qu e os eleme ntos
67
int er no s sejam considerados na p rática d e Anna Freud, é essenc ialment e,
a nosso ver, nas qu estõ es e xter na s e do ambiente q u e o discurso nessa
prática clí nica s e apresent a.
Ass im, pod emos cons iderar que o discurso da cria nça e sua história
não alc ançam o primeiro plano no trata mento com Anna Freud, sendo
este guiado p elo discurso do Outro familiar. Ou se ja, as produções do
inco nsc iente no que se refere aos co nflito s da criança ficam em segu ndo
plano ness a prática clí nic a. Como d estaca Spíno la (2001), Freud, quando
fez a ruptura com a psicologia do traumatismo:
68
resultado de uma d efesa quando o eu se vê co nfro ntado p or u ma
exigênc ia puls ional part icular (FREUD. A. 1946/1986).
Des se mo do, p ara Anna Freud (1946/1986 ), o sintoma é tomado
num conte xto em que a ge nét ica tem a fu nção co adjuvante de determina r
os asp ecto s do desenvolvime nto d a cria nça, a fase na qu al se encontra a
idad e ad equ ada de d eterminado comportamento .
O s intoma, na prát ica de Anna Fr eud (1965/1 980), tem uma relação
direta com a s fases do desenvolvim ento pelas quais passa a cria nça. P or
es se motivo, no tra nscurso do tra tament o ana lít ico, Anna Freud colo ca
em suspe nsão a cond ição d e melhora d o sintoma da cria nça, uma vez que
fica um impasse: s e a melhora do sintoma se d eu pelo tratamento
realizado ou simp le sment e po rq ue o processo de maturação da cr iança,
que se apresenta va insuficie nte no iní cio do tratame nto , se completo u . É
em virtude da imaturidad e no d esenvolvime nto d a crianç a e d as
dificu ldades próprias a es se momento que a a nális e infant il é vista p or
Anna Freud (1965/1980) como “sinô nima , em maio r ou menor grau, da
história do s esforços para superar e neu tralizar estas d ificuldad es” (p.
32).
Por essa definição, todo o emp reend imento realizado para o
tratamento com cr ianças, na prática de A nna Freud, nos direcio na a um
viés ad aptativo da cria nça ao social, so bretudo por meio da utilização de
práticas q ue se p reocupam com futuras dificu ldades que iriam colocar em
deseq uilíbrio o eu infant il.
O sinto ma, como p rodução do inconscie nt e e desse modo como
resposta a ser d ada pela criança, não se ins ere no contexto de u ma
prática na qu al há prepond erânc ia do desenvo lvime nto, da adap tação, da
ênfase fam iliar e de téc nica s que se preocupam em fo rtalecer o eu da
criança. N es se contexto, é a remoção do s intoma, como comportamento
inad equ ado, que no s parece to mar a c ena na p rática de Anna Freu d, para
que se che gue a bo m tempo a adaptação ao social.
O que reconhec emos nes sa clí nica do s intoma como defesa se
ancora, a nosso ver, na desco nsideração da dimensão pulsio nal do
sintoma. O sintoma, como elem ento que precisa ser suprimido, está na
contramão do p ro cedime nto analít ico que reconhece o sintoma como
69
produ ção do inconscie nte e, portanto, como solu ção a s er dada pelo
su jeito para o qu e se encontra nele como irreco nciliável em seu desejo.
70
iní cio d e su a formação , Anna Freu d já se direc io nava ma is para questões
volt adas para a adaptação d a cria nça ao socia l do que às questões
concernente s à produção do inconscient e. Mesmo partic ipand o dos
conhec ime ntos psicana lít icos dos quais é consid erada herdeira, A nna
Freud não o s ado tou int egralmente e m sua prática com cria nças,
distanc iando -se do que ela me sm a reco nheceu como um procedimento
puramente ps icanalít ico.
Destacamos q ue a prática clí nic a com c ria nça s a partir de Anna
Freud nos deixa impressa uma leitura, com certa res er va, da fo rmulação
da segu nda tóp ica e da dimensão puls iona l ne la ins er ida. No que
concerne a essa prática, a dificu ld ade de apreens ão dessa nova
formulação tem como efeito a desc ons ideração da dimensão puls iona l.
Essa descons ideração coloca em e vidê ncia a imposs ibilidade de recorrer
a qu estões da ordem do inco nsc iente numa prátic a preocupada com
questões p edagógicas.
Enfim, o novo conce ito d e pulsão po stula do po r Freud na segu nda
tópica tornou possível ver ific ar, no p ercurso clínico d e Anna Freud,
certo e ncaminham ento já re alizado por ela desde o s prime iros tempos da
psicanálise: o encam inhamento de u ma p rática cu ja p roposta se dir ec iona
para um recurso d e ad aptação da criança ao social, o qu e, a nosso ver, se
traduz p elo fato de d esconsiderar no sint oma a dimens ão pu lsional. É o
sintoma co mo defesa o e nc aminham ento dado por Anna Freud em sua
prática. Desse modo, reconhecemos em A nna Freud a precursora de u ma
téc nica que se enc amin ha e se ancora em processo s conscientes em
detrime nto de uma investigação do inco nsciente e de su as produções.
A desconsideração do elemento puls ional p rese nte no sinto ma
promo veu uma inflexão que provo cou um afastame nto da clí nica do
sintoma como solução , ense jando u m recurso à adaptação da crianç a ao
so cial.
71
CAPÍTULO III – MELANIE KLEIN E O TRATAMENTO DO SINTOMA
Neste capítulo , segu ire mos o percurso teó rico d e Melanie K lein,
que, juntam ente com Anna Freud , é considerada pioneira no trat am ento
psicanalít ico com crianças. Mela nie Kle in, ta l como Anna Freud,
particip ou do mesmo contexto de entrada da psica nális e com cr ia nça s no
ano de 1920, inau gurando, por sua vez, um modo particu lar de prática
para o tratamento psic ana lít ico com cria nças.
Mela nie K lein fez su a entrada no movimento psicanalít ico sob u ma
perspectiva mais a nalít ica no tratamento com crianças, sob retudo p orque
utiliza os conc eitos fundame ntais da psic aná lise freudiana como
fundame nto de sua p rática. Es sa proposição é utilizad a para conc eituar a
téc nica de Me lanie K lein e para definir su a prática, princ ipalm ent e
quando se tem por objetivo demarcar sua divergênc ia em re lação aos
pressu postos p edagógicos e adaptativos utilizados por Anna Freud.
Essa diver gência se dest aca essencialmente no cont exto da técnica
e da p rática a nalít ica. As invest igações teórica s de Me lanie K lei n
promo veram novas desco bertas sob re o desenvo lvimento emociona l
infant il referent e à exp loração das fases mais primit ivas da vida ment a l ,
que se caracterizavam pe la relação de objeto , pela noção d e mundo
int er no da criança, pela fanta sia inconscie nte e po r mecanismos ment ais
de d efes a, ta is como d ivisão e p ro jeção (KLEIN, 1986 ).
Cons iderada co mo princip al coment adora da o bra de Melanie
Kle in, Hanna Sega l (1975) aprese nta, no livro int itulado In trodução à
72
Ob ra d e Melanie Klein , uma divisão da obra dessa auto ra em dois
momentos dist intos. Co ns idera ndo ess a divis ão co mo ponto teórico
impo rtante, iremos adotá -la, tal como proposta por Segal, e destac aremos
es se s mome ntos : um prime iro momento, que se inicio u no ano de 1921 e
culm inou em 1932. Nesse período , Klein se ap oiou e desenvolveu sua
téc nica baseada na teoria freudia na cláss ica, cons iderando seu conceito
fundame nt al – o inco ns cient e. Em um segundo momento, datado a partir
de 1934, Melanie Kle in se distanc iou e se difere ncio u da teoria freudia na
para formu lar o que ela mesma nomeou co mo sua prática no tratamento
com crianças, postulando novos co nceitos e ree laborando -os do po nto de
vista do seu entendime nto sobre o tratamento co m cria nças (S EGAL,
197 5).
Mela nie K lein, por su a vez, fez sua entrada na prát ica com
crianças no mome nto da gr and e virada epistemoló gica da teoria de Freud
em re lação à nova postulação da pulsão (JONES, 1979 ). Do mesmo
mod o, ela também se inser iu no co nt exto d a emergência d e novas
práticas p ara s e ha ver com o sintoma, princip alme nte p art icipa ndo de um
momento no qual essas novas práticas alme javam em s eu objetivo
terap êutico a e limina ção d o sinto ma co mo solução para do minar o ma l -
estar do sujeito. Desse modo , alguma s questões podem ser colocad as :
como Melanie K lein se co lo ca nes se m omento circu ns cr ito d a p rática
com crianças em re lação ao sintoma? Como ela se coloca em sua p rática
com relação à referê ncia à d imensão puls ional do s intoma ? S e guiremos,
ado tand o a divisão proposta por Segal para o primeiro momento de sua
obra.
Mela nie K lein nas ceu em Viena no ano de 1882, vindo a fa lec er em
Londres, no ano de 1960, aos 78 ano s de idade. Estu dou no Ginás io de
Vie na, ú nica escola ness a data, final d o século XIX, que preparava
me ninas para ingressar na univer sid ade. Tinha intere ss e em estudar
medicina, mas seus pla nos, d evido ao casamento , foram alt erad os,
optando p elo curso d e arte e história ( GROSSHURT H, 1 992).
73
O iníc io dos estu dos p sicana líticos d e M elanie Kle in, tal como os
de Anna Freud, foram marcados pela Guerra. Phyl lis Gro ss hurt h (1992),
biógra fa de M elanie Kle in, relata, no livr o O Mundo e a Ob ra d e Melanie
Klein, o iníc io de sua fo rmação.
No ano d e 1914, Mela nie K lein trans fer iu -se para Budapeste, o nde
iniciou sua formação p sicana lít ica. No ano de 1921, foi para Berlim, a
convite de K ar l Ab raham, importante mestre que a influenc iou no
trabalho a nalít ico com crianças e em sua formação nos co nhec ime nto s
psicanalít icos. Permaneceu em Ber lim até 192 5, migrando, a p artir dessa
data, definit ivamente para Londres, a co nvit e de Ernest J ones, d epois da
morte d e seu mestre Abraham. Em Lo nd res, permaneceu até sua morte e
foi ne ss a cidade que iniciou todo seu percu rso no qu e d iz respe ito à
psicanálise com crianç as. No inter ior d a Socied ade Brit â nica de
Psicaná lise, torno u -se a fu ndadora da chamada Escola Ingles a de
Psicaná lise, que se oporia, a partir de ent ão, à Escola d e Vie na, e sta sob
a direção de Anna Freud (GROSSHURT H, 1992).
O p rimeiro momento da prática c línica e t eórica de Melanie K lein,
tal co mo destacado por Hanna Segal (1975 ), foi datado do ano de 1921 a
193 2. Esses 12 anos são dedicad os à prática e elaboração da técnica com
crianças no momento em q ue aind a se dedica va ao s fu ndamentos
psicanalít icos de Freud. Essa fas e t eve iníc io com o texto O
desen volvimento da criança , no ano de 1921, e culm inou co m o livro A
psicaná lise d e crianças, de 1932. Todos o s textos de Melanie Kle in que
perfazem esse p rimeiro mo mento se inserem em um contexto mais amplo
da o bra dela, que prossegue até o ano de 1945. Todos ess es textos foram
compilad os em um único livro intitu lado Contribuições à Psicaná lise
(SEGAL, 197 5). Neste, a prática do tratame nto com crianças é
desenvolvid a e aprimorada po r meio do ate ndimento às cr ianças.
Nosso percurso nos textos de Melanie K lein nes se s prime iro s anos
do iníc io de sua clí nica ir á nos conduzir e revelar qual enc aminham ento
dado por ela em sua prática de tratamento com cria nça s em relação à
dime ns ão puls iona l. Do mesmo modo , reconhecer qu al a perspectiva do
sintoma utilizada por Mela nie K lein nessa data em qu e ela utiliza a
refer ência ao ensino de Freud.
74
Para isso, o texto de 19 21 – O desen volvimento de u ma crian ça –,
será por nó s destacad o mais ad iant e. A p artir desse ens aio, pod eremos
iso lar eleme ntos qu e nos d irec ionam p ar a o e nca minhame nto dado po r
Mela nie K lein em sua p rática.
75
pod eriam ser p re judic iais à cr iança e causado res de neuroses nos
primeiros anos da infâ ncia. Entre ele s, est ão o fato d e
Nes sa pas sa gem do texto de Melanie Kle in, pod emos d estaca r
aind a que os recursos teóricos utilizados por parte dessa auto ra já foram,
por sua vez, menc io nados por Freu d na introdução do texto de 1913, A
The Psy cho -Ana lytic Method de Pfister, no que se refere ao fa to de
ameniz ar a rep ressão à educação. Ness e texto, Freud (1913/1980)
acrescenta qu e o uso terapêutico da psicanáli se p oderia ter u ma
influência p ro filática na cr iança.
Portanto, uma educação sem rep ressão seria a saída para se evit ar a
neu ro se, permitindo, por parte da criança, a exp ress ão de seu
comportamento sem interferênc ia de fato res exterio res. Co mo nos diz
Mela nie K lein (1921/1965/1981 ):
Esse recu rso teórico era u tilizado também por Anna Freud em sua
apropriação entre o analít ico e o p edagógico. Des se mo do, podemos
considerar, de acordo com Mela nie K lein, que o sinto ma q ue porventura
a cria nça possa vir a d esenvo lver pode ser preve nido po r medidas
profilát ica s na tenra infânc ia.
O esclar ecimento destacado por M elanie Klein (1921/196 5/1981 )
de uma prática de tratamento vo ltada para o s aspectos de u ma “edu cação
sem rep ress ão e baseada sobre a franqueza irrestr ita” (p. 16 ) é o que nos
permite cons id erar, desse modo, um viés preventivo no tratamento
76
propo sto po r Melanie Kle in ne ss e primeiro momento de sua p rática
clí nica. E sse viés pode ser re velado no primeiro ca so atendido po r
Mela nie K lein no a no de 1921 . Essa cria nça é Fritz, um menino de cinco
ano s, qu e se tornou o modelo de atend imento com crianç as re alizado por
ela.
Ao iniciar e ss e te xto de 1921, O desenvolvimen to da criança ,
Mela nie Kle in res salta a impo rtância do esclar ecimento sexu al às
crianças. Destaca que es sa co nduta era u ma prática comu m adotada,
nes sa data, nas escolas, com a inte nçã o de proteger as cria nça s dos
perigo s da ignorânc ia nes se assunto durant e a p uberdade. A p sicaná lise
particip ava, po r meio do esclare cimento se xua l, da ed ucação das
crianças, p reocupando -se com o desenvo lvimento desta s. Co nt inu a
Mela nie K lein (1921/1965/1981):
77
Enfat iz ando os eleme ntos da prevenç ão, est es, por sua vez, nos
levam a co nsid erar a hipótese de u m enc aminhamento p ara uma p rática
clí nica adaptativa pres ente no tratament o proposto por Melanie K lein.
No int e nto de es clare cer es se p rimeiro momento da prática de Me lani e
Kle in, é a le itu ra do caso F ritz qu e irá no s guiar na elu cidação de ta l
hipótese.
Mela nie Kle in (1921/1965/1981 ) inicia s eu relato do caso Fritz,
exp ondo sob re sua proximid ade com a criança, uma ve z que era m
vizinhos. Prosse gue, co ns iderando que ess a proximid ade lhe concede a
opo rtunidad e de estar muita s veze s na co mpanhia d a cria nça. Além disso ,
cont inua: “como sua mãe se gue todas as minhas r eco mendações, posso
exercer uma influê ncia de lo ngo alcance na ed u cação da cria nça” (p. 17 ).
Aq ui, nes se primeiro mo mento de sua prátic a, Mela nie K lein no s parece
indicar que o fato de ter u m conhec ime nt o próximo ta nto co m a cr iança
quanto com a mãe é elemento impo rtante para o início do tratamento .
São o s efe itos da inf luênc ia e xter na, nes se caso, materna, q ue ela parece
valo rizar. Essa po sição contrad iz, de a nt emão, os fundame ntos da c línica
ana lít ica, que cons idera releva nt e a neu tralidade do analista no que
concerne ao tratame nto.
Durante a apres enta ção do caso , Melanie K lein (1921/1965/1981)
se refere a Fritz, destaca ndo as seguint es caract eríst ica s do seu
desenvolvim ento : “o menino , hoje com cinco ano s de idad e, é u ma
criança saudável e normal, mas seu des envolvim ento me ntal tem sido
vagaroso” (p. 17). Por outro la do, co ntinua ela, possui memória no tá ve l,
vivo e inteligente, porém “se ac hava nit idamente atrasad o em rela ção às
outras cria nça s d e sua id ade” ( ibidem). Essa prime ira observa ção de
Mela nie Kle in so bre a criança se destac a por seu intere sse nos aspectos
do desenvo lvime nto desta e, por ou tro lado, ao intere ss e em compará-la a
outras crianças da me sma idade. Essa p osição no s leva a co nsid erar que
são os aspectos do desenvo lvimento normal d a cr ia nça que tomam a ce na
no tratame nto co m Fritz.
Mela nie K lein (1921 /1965/1981) relat a a inda a insistênc ia de F rit z
em fazer per gunt as de toda ordem, tais como : “co mo na sc em as cr ianças ;
ond e estava eu ant es de nascer; coelho da páscoa existe; Deus existe” (p.
78
18). Todas es sa s ind aga ções eram re sp ondidas, segund o Kle in, “c om
absoluta ver ac idad e e, qu and o neces sár io , numa base c ientí fica
apropriada ao seu e ntend ime nto” (idem). Entreta nto, as respostas que não
conse guiam s at isfazer comp letam ente su a curio sidade re inicia vam em
forma de inda gação algu m tempo depois. Para Mela ni e Kle in, a
reco rrência de per gunta s sobre a orige m e causa, ta nto das pes so as
quanto dos objeto s, tornou -se incompreensí vel para ela em um prime iro
momento:
79
Segu ndo Mela nie K lein (1921/1965/1981), todas a s indagaçõ es,
realizadas po r Fritz no cotidia no, no q ue se refere à existênc ia de coisas
e pessoas, b em como “as certezas e fatos assimilados ser vem - lhe
obviame nte co mo padrão de comparação para novos fe nômeno s e nova s
ideia s qu e requeiram e laboração ” (p. 28). Para Melanie K lei n
(1921 /1965/1 980), a elaboração à qual c hega Frit z p ossui relação com o
conhec ime nto que ele foi adquirind o ao longo do s qu estio namentos e que
permitiu a e le a ap reensão d e nova s aquisições para a comp re ensão d os
fatos indagado s. Essa elab oração proposta por Mela nie K lein, nes sa data,
difer e da elaboração que a clí nica psicana lít ica reco rre para dizer das
produ ções do inco nsc iente.
Do mesmo modo, tal como os aspectos do desenvo lvimento norma l
da cria nça, a cu rios idade de Fritz em r elação aos e lem entos enigmáticos
da vida tem um momento para cessar. Esse mome nto estar ia a ssoc iado
com o término do dese nvo lvime nto especí fico da fase que Fritz est á
vive ncia ndo. Essa po sição s e aprese nta como contrária ao ente ndimento
que a clí nica p sic ana lítica possui sobre a insist ênc ia a repetir. A
ins istência à repet iç ão apresent a elementos d a dime nsão pulsio nal que
não cessarão de ins is tir a me nos que haja uma interpretação dos efe ito s
do inco ns cie nt e po r p arte do ana list a e uma elaboração desse s efe itos p or
parte do paciente.
Na p reocu pação em fornecer re spo stas às questõ es do co tid iano ,
ancorad as nas fa se s do desenvolvime nt o pelo qual passa a cr iança ,
pod emo s verificar e leme ntos q ue nos permitem reco nhe cer um
encam inhamento volt ado para um viés preve nt ivo, que se dist ancia, nes se
primeiro momento, do que é cons iderado pela perspect iva ana lític a.
Mais adiante, no texto O desenvolvimento de uma criança ,
Mela nie K lein (1921/1965/1981) continua a nos dizer que
80
Pod emo s reconhecer, na leitura desse fragmento de Melanie K lein,
o interes se pelos re cursos educativos utilizad os como ins tru mento s
capazes de propo rcionar u m melhor desenvo lvimento da criança no
processo terapêu tico. No ca so do menino F ritz, esse re curso é c laram ent e
ident ificado p or meio do esclarecim ento dos fa tos d ados e re velados para
ele no tratamento . Do mesmo modo, essa cond uta utilizada no tratamento
nos le va a co ns iderar a clí nica de Melanie K lein, nesse prime iro
momento, como uma prática qu e se encaminha para objet ivo s preventivos
e adaptativos no que se refere ao sintoma da criança.
Do mesmo modo, a eficác ia terapêutica por ela revelad a sina liza ,
mais u ma vez, o viés adap tativo. Assim, co nclui Mela nie K lein
(1932 /1969): “u ma das cons equ ênc ias d e uma aná lise completa é o tota l
esclarecime nto se xua l, ass im como a p lena adaptação à realidad e. Sem
isso não se pode dizer que a análise foi concluída com êxito” (p . 36 ).
Essa posição no s le va a co ns iderar que a ide ia de cura, proposta por
Kle in, tem re laç ão com a possib ilid ade de adap tação da criança ao socia l.
Um pou co mais adiant e, nesse m esmo texto do ano de 1921,
Mela nie Klein cont inua a r econhecer a importância de se co locar em
prática o s requis itos ed ucaciona is para um melhor desenvolvim ento da
criança. “Muitos b ons resu ltados se consegu ir iam s e fosse p ossíve l
trans formá-los em princíp ios gerais para educação” (p. 50). Tod avia ,
cont inua K lein, é impo rtante se ater a uma cond ição restr itiva, e se gu e
com a ind agação: “po dem estas med idas profilát ica s imped ir o
aparecimento de neuroses ou de desenvo lvimento s prejudiciais d e
caráter ?” (id em) Como resposta, Melanie Kle in (1921/1965/1981) relata:
81
Fritz co nfirma essa ass erção: “ A cu idado sa educação recebida por
pessoas influe nciadas pela ps icanálise não impediu que su rgissem
inibições e sintoma s neuróticos caracterí s ticos ” (p. 147 ). Sendo ass im, a
resposta à inda gação nos esclarece qu e a medida profilát ica no
tratamento não imped iu o ap arecimento da neu rose.
Podemo s ob servar, mais ad iante no relato do tratamento de Fritz, o
que vai se deline and o, a nosso ver, na prática de Melanie K lein,
junt ament e co m a preocupação da p reve nção no tratame nto, é ma ior
consideração do s eleme ntos da o rd em do incons cie nt e.
Ao fina l d a exp osição do caso F rit z rea lizad a na Soc iedade
Hú ngara de P sicaná lise no a no de 1919, Dr . Anton Freund , um do s
amigos mais próximos e fiel discípulo de Freud, fez uma cons ideraç ão
so bre o caso apresentado por M elanie K lein. Essa co nsid era ção co lo ca
em q uestão qual procedimento u tiliz ado por Melanie Kle in em sua
prática com crianças nessa d ata e se esta poderia ser considerada
ana lít ica o u não. Mela nie K lein (1921/1965/1981) relata esse momento :
82
procedime nto que não examina a s produções do inconsc ient e ? De
antemão, es se p roced imento d a prátic a de Mela nie K lein ne ss e prime iro
texto nos dá ind ica t ivos de certo des vio no que co ncerne aos
fundame ntos psicana lít icos.
Ainda ne ss e e nsaio de 1 921, Mela nie K lein (1921/1981 ) consider a
que prefer ia não u sar a expres são “trata mento completo” para esse caso
de Fritz, pois, se gu nd o ela, “estas ob servações, com suas int erpretações
apena s casuais, não poderiam s er descr it as como tratamento; preferir ia
descre vê- las como send o um caso de ‘educação com lineame nto s
ana lít icos’” (p. 73). Essa conc lusão a que chega Me lanie K lein corrobora
nos sa invest igação de que nes se prime iro relato de su a clínica com
criança su a p rática é permead a por um viés ancorado no s aspectos do
desenvolvim ento e da preve nção, afast a ndo -se da prática analít ica.
Cons idera ndo também a d emanda social de soluçõ es para os
problemas das cr ianças no período pó s-Guerra, essa demanda parece ter
contrib uído para certo encaminhamento no início d e sua prática, para um
viés q ue se preocup a com a prevenção das neuroses da cr ianç a e com
me nos ênfas e nos a sp ecto s do inconscie nt e. Do mesmo modo, parece -nos
que ela s e s ent iu convocada a responder à proposição inerente à co ndição
da prática co m cr ianças nes sa data : “ como evit ar qu e a cr iança s e torne
um adulto neurótico” (SANTIAGO, 2005 ).
Mela nie K lein, a nosso ver, parece ter respondido a ess a demand a
so cial e, co mo resultad o , sua p rática com cr ianças permit iu uma leitura
possí vel, nes se primeiro relato de tratame nto, da p resença de eleme ntos
de preve nção e profilaxia como resposta à emer gê ncia socia l na qual
estava ins er ida.
Mela nie Kle in, nes se p rimeiro momento , ao visar à profilaxia do
sintoma e à adaptação da cria nça ao social como fina lid ade terapêutica ,
nos leva a co nsid erar em sua prática um vié s adap tativo. Po demos
considerar que nes se prime iro momento de sua prática c lí nica ,
espec ificamente no caso d o menino Fritz, o trabalho d e Melanie Klei n
deu margem p ara s e pe nsar em uma prát ica volt ada p ara os asp ecto s d a
adaptação ao socia l.
83
Embora esse p rim eiro texto de sua prática clí nica nos re vele u ma
preocupação com a perspectiva da profilaxia e do desenvolvimento da
criança como medid a prevent iva contra o s intoma, destacando nuanç a de
uma possí vel perspect iva ad aptacionista, tod avia, essas medidas não no s
auto rizam a nomear a técnica e prática de Melanie K lein para um viés de
adaptação ao socia l.
Logo apó s o ano de 1921, os demais t extos de Melanie K lei n
cont inuaram a se ancorar na letra de Freud e, por outro lad o, a se
difer enciar de seu texto. Há vár ias cons iderações ap ós o texto de 1921
até os textos d e 1932 , culmina ndo com a publicaç ão do livro A
psicaná lise com crianças, que se d irige a um distanc iame nto, por parte
das novas postulações de M elanie Kle in, da teoria freudia na. P ostulaçõ es
que permitiram o delineamento e, por sua vez, o recuo d a teo ria edipia na
e do sup erego freudiano para os p rimórdios do dese nvo lvimento da
criança (K LEIN, 1932/1948/1981 ).
A seguir, iremos co nsid erar as novas elab o rações d e Melanie K lei n
que ficam situadas num temp o mais a rcaic o do dese nvo lvimento da
criança, o que nos permite perceber nest e momento ma ior cons ideração
da p ulsão de morte em suas e laborações teóricas.
84
eminenteme nt e freudia na p ara ir em d ireção às suas p róprias e labo rações
(SEGAL, 1975 ).
Tal mudança na e laboração teórica foi ratificad a por Melanie
Kle in no prefác io à t erce ira ed ição do livro Psicanálise da Cria nça ,
redigid o no ano de 1947. N este, Mela nie Kle in (1932/1948/1981 )
exp licit a as ideias qu e foram modificadas após a pu blica ção d esse livro,
datado de 1932, e que se tor naram o esco po princ ipal de sua teoria sobre
o tratamento com crianças.
A e laboração refere nte à relaç ão de objeto é um po nto relevant e
na teoria kleinia na. Essa r elação é o modelo que ser ve à Me lanie K lei n
de orientação para toda a vida posterior da criança (1934 /1981). Desse
mod o, co mo nos d iz Kle in, a forma co mo a cr iança vive es sa relaç ão com
a mãe e como irá superá-la será determina nte para o desenvo lvimento
posterior da cria nç a. Ne sta re lação de objeto primit iva e ntre mã e e filho,
a autora enfat izou a ans iedade e a fant as ia inerent es a esse momento
arca ico como de extrema impo rtância na r elação da cria nça co m o mu ndo
exter no.
Partind o d essa posição , nes se segu ndo momento, observa- se q ue é
a ênfase nos a sp ecto s inconsc iente s que se re vela tomando o prime iro
plano na prática d e Melanie Kle in. Des se mo do, podemos int errogar :
como Melanie Klein se coloca frente à postula ção da pulsão de morte?
5
Na obra de Melanie Klein, o termo anxiety é traduzido em algumas passagens por ansiedade e, em
outras, por angústia. Essa é uma questão de tradução. Nós adotaremos para se referir a esse termo:
angústia.
85
A referência à puls ão de morte freudia na é to mad a por Melanie
Kle in (1952/1 986) pela noção d e pulsão agres siva. Essa p ulsão é a cau sa
primária d a ans ied ade, que se ap resent a não só como respo sta d a pulsão
de morte int erna e inerente ao suje ito , como de fo ntes exter nas de
fru stração que estão prese ntes na vida do bebê d esde o iní cio da vid a
pós-nat a l. Ela co nt inua:
86
enq ua nt o q ue eu con si der o tal p r ocesso co mo a ati vi da d e
p rincipal do ego ( p. 47 ).
87
desde o início d e sua e xist ê ncia e ela acre dita qu e “a fa nt as ia const itua a
ativid ade me ntal m ais primit iva e que exis t em fant asias na m ente do
beb ê quase a partir do nascime nto” (p. 36). Para o bebê, segundo
Mela nie Kle in, o objeto d e todas essas fa ntas ias é no iníc io o seio da
mãe. Este s e aprese nta para o beb ê como font e de prazer, ao sa ciá -lo, e
como fonte de desprazer, pela fa lta de gr atificação. Ou seja, na fant asia
da criança, o s eio é introjetado co mo primeiro objeto de id ent ifica ção em
seus aspectos b ons, amand o -a e alimentando -a. No enta nto, é a mãe como
objeto bo m que é intro jetada no mu ndo da criança. Por ou tro lado , a
projeção se dá qu ando a cria nça, ao se sentir privada p elo seio , que nes se
momento e la cons idera mal, projeta tod o o seu ódio sobre ele e, como
consequ ência, contra a mãe ( KLEIN, 1963/1975 ).
Des sa maneira, todas as relaçõ es p osteriores de bem e m al, bo m ou
ruim serão baseadas nessa prime ira relação de ob jeto entre mãe e filho .
Esta antít es e e ntre s eio bo m e seio mau se d á pelo fato de o eu ainda não
estar totalment e integr ado. Sua integra ção é resultad o das prime iras
ident ificaçõ es em re lação ao objeto (KLEIN, 1952/1973).
Essas primeir as e xperiê ncia s de projeção e introjeç ão da criança
relac ionadas a e stímulos inter nos e e xt erno s ser vem de base p ara a
formação do eu e das fu turas fant as ias s obre os objeto s co m os qu ais o
eu irá s e relacio nar. São essas fa ntas ias e os mecanismos de defesa a ela
as so ciad os que permitem a fu tu ra int e gr ação d o eu, cons iderando que
es sa integr ação seja uma expressão do inst into de vida. Por outro lado,
por melho res que sejam es se s se nt ime nt os ne ss a re lação, os impulsos
agress ivos também permanecem int egrados nela ( KLEIN, 1 963/1975).
A formação do eu, segu ndo Klein (1963/1975) , “se desenvo lve, em
grande parte em torno desse objeto bo m, e a ident ificação com as boas
caract eríst icas da mãe torna- se a b as e para ulteriores ident ifica ções
benfaze jas” (p. 9). O qu e significa, segu ndo Kle in, q ue o ob jeto bom
int er na lizad o é uma d as p ré -cond ições para um eu inte grado e está vel e
para as boas relações d e objeto.
Nes sa relação , continua Kle in (1 952/1986), “supomos q ue há
sempre u ma interação correspondendo à fusão do s inst intos de vida e de
morte” (p . 217). Dess e modo, é o equilí brio entre as tensões int er nas e
88
exter nas que estão em jogo du rante todo o processo de formação do ego.
Todavia, res salt a K lein (1952/1986), “a tendê ncia do ego para int e grar -se
pod e, portanto, assim pe nso eu, ser considerada u ma expres são do
instinto d e vida” (p. 221). Dessa forma, é na interação e ntre as pu lsões
de vid a e de morte que a int e graç ão do eu se dá, sobretudo no
predo mínio do inst into de vida nessa relaç ão.
A pu lsão agr es siva, correlat a da p ulsão de morte freudia na ,
permite ao su je ito se dese nvo lver e esta belecer no vas relações qu e não
se jam soment e ancoradas na destruiçã o. Dess e modo, a ans iedade,
primeira e xperiê ncia vivida pela cr iança na re la ção de o bjeto, se colo ca
como defesa do eu contra a pulsão.
No enta nto, o que nos rest a e nt ender é como na c lí nica com
crianças Melanie Kle in se posicio nou em sua prátic a fre nte a dim ensão
puls iona l, inerente ao su jeito, essencialmente no q ue d iz respe ito ao
sintoma da cria nça.
Nes se sentid o, nossa q uestão a invest igar será : q ual a perspect iva
utilizada p or Mela nie Klein no tratame nto p sic ana lítico em relação à
dime ns ão pulsional do sintoma d a criança ?
No tratamento psica nalít ico se gund o Mela nie K lein (1963 /1975), o
objet ivo terap êutico é a integra ção do eu. Na mesm a medida, a rela ção de
objeto é u m ponto de anco ragem p ara a realização desse trata me nto. É
por meio dela e do reconhe cimento d a pu lsão agre ss iv a inerente ao
su jeito, bem como das fanta sia s e meca nismo s projet ivos e introjet ivo s
nes sa r elação, qu e o sujeito irá buscar uma solução que se a fa ste do
aniq uilam ento, próprio à pu lsão de morte.
A segu ir, u tilizaremos quatro tóp icos que irão nos re fer enc iar para
ana lisar como Mela nie K lein s itua no tratamento a dimens ão pulsio nal.
89
3.4.1 A cria nça no tratamento
A cria nça conceb ida por Mela nie K lein, co mo vimos, é uma
criança a ncorada na p ersp ectiva do d esenvolvime nto. A precariedade
inere nte ao eu no s primórdio s da vida d as cria nça s almeja ao longo de
seu dese nvo lvimento, sua inte gração, por meio das ide nt ific ações d e
projeção e intro jeção. A perspectiva do dese nvolvimento se impõe na
prática c lí nica de Melanie K lein e representa o qu e para ela dest a ca a
difer ença no tratam ento e ntre o adulto e a cria nça. Pos ição essa que p ode
ser c lar ament e ident ificad a no texto de 1921 do caso Fritz, qu e fo i po r
nós considerado como pertence ndo a uma perspect iva p revent iva do
tratamento e, desse modo, no s indica ndo essa prática na contramão da
posição psicanalít ica da cria nç a co mo sujeito .
É no ano de 1926, no texto Princípio s Psico lógico s da Aná lise
Infantil, que Melanie Kle in es tu da as diferenças entre a vida ment a l d as
crianças e a d os ad ultos, para, a partir de ent ão, demarcar o qu e, para
ela, é co ns iderad o como p osições diferenc iais na t écnica de tratam ento
entre eles.
Mela nie K lein (1926/1981) pond era que, caso utiliz em para o
tratamento de crianças a téc nica a propriad a aos adultos, “não
conse guiremos decerto p enetrar nas ma is profundas camadas da vid a
me ntal da cria nça” (p. 186 ). E, na verdad e, continua, são essas camad as
que são relevant es para o procedime nto e êxito de uma aná lise.
Sobretudo, prossegu e Mela nie K lein ( 1 926 /198 1):
90
destacar a perspect iva do desenvo lvime nt o difer enciando o tratamento da
criança e o do adulto , se distancia da propo sta da clí nica p sic ana lít ica do
su jeito, uma vez que os aspectos d a co nsciência são p or ela co ns iderados
relevant es.
Outra diferença o b servada por Melanie Kle in (1926/1981), no
tratamento de crianças e adulto s, se refer e à rea ção d a criança à
aceit ação da interpretação no tratamento . S egu ndo Klein, para a cr iança,
a aceit aç ão da int erpretação é muito mais fácil do qu e para o adulto. A
razão dessa fac ilid ade na cria nça é porque, “em certos e xtratos da ment e
infant il, e xiste comunicação muito mais fá cil entre co nsciente e
inco nsc iente” (p. 184). Essa fac ilidade de comunic ação s eria a
exp licação do efe ito rápido d a int erp retaç ão nas cr ianças .
Des se modo, a cons ideração d a diferença entre a at ividade ment a l
da criança e a do adulto indica a nec es sidade, se gundo Melanie Klei n
(1926 /1981), de u ma técnic a própria adaptada às cria nça s. O b rincar é a
téc nica ele ita po r ela no tratame nto com criança s, p ermit ind o a
compreensão do fu ncio nam ento psíquico desta. Essa técnica demarca o
especí fico da clínica kle iniana, que acredita q ue, por meio do brincar e
de qu alquer ou tra atividade na prática clínica, a cr iança s imboliza suas
fant asias. K le in (1926 /1981) enfat iza ainda que é por meio dessa téc nica
que “podemos atingir a s exp er iênc ias e fixa ções mais profund ament e
reca lcadas, o q ue nos fo rnec e uma c apacidade básica para influe nciar o
desenvolvim ento d as cr ianças” (p. 190). Mais uma ve z, a necess idad e de
estabe lecer uma difer ença entre o tratamento da criança e o do adulto
evid enc ia um dista nciame nto da proposta d a clí nica p sica na lít ica.
Esta diferença d a téc nica da cr ia nça em relação ao ad ulto, propo sta
por Mela nie Kle in no ano d e 1926 , foi reco ns id erad a e me lhor d efinid a
no ano de 1 932. Segundo Klein (1932 /1969/1981), as a ssocia ções
realizadas p elo adulto no tratamento sã o amplamente r ea liz adas pela
criança no processo lúdico . O b rincar “é o meio d e expres são mais
impo rtante da cria nça. Ao utilizar esta t éc nica lú dica, logo se descobre
que a cr ia nça faz tant as as soc iações aos eleme ntos isolados de seu
brinquedo quanto o adulto” (p. 31). P elo brincar, a criança age e, p or
91
es se me io, sem precisar fa lar, produ z associações p róprias aos seu s
conflitos psíquicos.
Todavia, o fato releva nt e na apropriação dessa t éc nica, conclu i
Mela nie Kle in (1 926/1981), é que “trata-se ape nas de uma difer enç a na
téc nica, ma s não no s pr incípio s do tratame nto” (p. 190). Des se modo,
para e la, “os método s do jogo preservam todos o s princíp ios da
psicanálise, co nd uzind o aos mesmos re sultados d a técnica clá ss ica ” (p.
191 ). Aind a s egu ndo a autora, todos os fund ame ntos do método
psicanalít ico p roposto por Freud , tais como : a tr ans fer ênc ia, a
res istência, o recalq ue e seu s efe itos, a a mnés ia infant il e a compulsão à
repetição , são conservado s na téc nica do jogo.
A inter ve nção int erpretativa u tilizada po r Mela nie Klein no
tratamento com cr ianças sempre foi motivo de críticas e discussões sobre
a téc nica. O e xce sso interp retat ivo, por parte de Kle in, se mpre fo i
motivo de inda gação e interrogação sobre es sa téc nica por cons iderar
uma relaç ão direta do simbo lismo do brincar com os elem ento s do
inco nsc iente. Todo o brinc ar da cria nça , na maioria das vezes, va i de
encontro a um valor int erpretativo (19 32/1969/1981 ).
Ainda com relaç ão ao b rincar, Me lanie Kle in (1932/1969/1981)
destaca que o jogo é u m meio de express ão das fanta sia s da criança e,
que, na r ep etição dessas fa ntas ias, o que se ver ifica é a presença da ce na
primária no prime iro plano da a nálise. A cena primár ia nos parece
operar, no tratamento com cr ianças, como motivador para a incess ant e
repetição das interpretações com cunho edípico. Mas, p or outro lado,
Mela nie K lein (1932/1969/1981) ressalt a que
Des sa mane ira, a int erpretação d eve rá ter como objet ivo
contextua lizar o brincar d a criança em u m todo específico da brincadeira.
E como nos diz Kle in (1932/1969/1981):
92
a i nt erpr etação dura nt e al gum t emp o n ão é assi mila d a
p ela cri ança con sci en t ement e. Essa ta r ef a, confo rm e
tenh o co nst ata do, é realiza da mais tar de e está e m
con ex ão co m o des env ol viment o de seu e go e com o
a ument o d e s ua adap t aç ão à r eali dad e (p. 3 6).
Segu ndo Mela nie K lein, a int erp retação visa a a lcançar o
esclarecime nto da cena p rimária e do conflito edípico . Para essa autora,
o que intere ss a no processo a nalít ico , dizem- nos os t extos da AMP
(1996 ), não é a estrutu ra inicial da cria nça , mas a possí ve l re lação que
es sa cr iança t em co m o inter io r e o exter ior. Refer indo -se à interpretação
propo sta por Kle in, a AMP (1996) destaca: “ela não int erpreta pela
pulsão, mas pelo s estados oral, anal e fálico visando uma reparação –
reco nciliação com os objeto s imaginar izad os” (p. 136 ). Essa relação
ima ginár ia, visa ndo à completu de com o objeto, seria u m dos critérios de
êxito em u ma aná lis e infa nt il, se gu ndo Klein.
Ao exam inarmos a prát ica com crianças tal como empregada por
Mela nie K lein, podemos cons iderar qu e o se gund o mo mento por nós
destacado se e nca minha para uma co nsid eração maior da dimensão
puls iona l. O ca mpo revelado das fanta sia s e o objetivo recorrente de
int egração do eu mediante a opo sição das pu lsões d e vida e de morte são
elementos teóricos que nos le vam a r econhecer u ma p rát ica q ue se dir ige
para uma consideração maior do inconscie nt e e de suas produçõ es.
No entanto, a p ossíve l le itu ra em relação à interp retação por ela
utilizada nos permite co ns iderar qu e Melanie K lein, ao int errogar no
tratamento o qu e fa lta ao objeto, o faz na tent ativa d e e ncontrar um
objeto que complemente essa falt a. Desse mo do, suas interpretaçõ es
visam a um recobrime nto do imaginár io e “não lhe permitem saber que a
dialét ica do sujeito e do objeto não é a co mpleme nt ação” (p. 136). Mais
do que is so, a le itura da teoria de Klein re ferente à comp letude da
relação de objeto não permite a e la fazer o questio namento desse objeto
como falta, próprio da perspectiva da prátic a psica nalít ica.
A s eguir, ainda no q ue se refere ao trat ame nto com cr ia nça s em
Mela nie Kle in, nosso int eresse será destacar qual o lugar d a famí lia no
tratamento.
93
3.4.2 Fa mília no tra ta mento
94
É necessário, segu ndo Mela nie Kle in (1927/1981), que o ana list a
sa iba mane jar a s ituação a nalít ica sem a ajud a de fam iliares o u p essoas
próxim as da cria nça. Ca so o processo analít ico apresente dificu ldades de
ordem transfere ncia l, é no próprio tratamento que ele deverá ser
resolvido. As questões da vida psíquica, na qual o p apel da fantasia e da
relação ob jetal da cr iança e sua mãe, bem como de todos os mecanismo s
designados no processo psíquico para le var adia nte a rela ção da cria nça
com o mundo, são pontos releva nt es a se co ns iderar no processo
ana lít ico. São essas questões d a ordem do psíquico que permite m a
Mela nie K lein, como nos diz Sa nt iago (2 005), “rebaixar o papel dos p ais,
do meio e da educação, tanto na vida infa nt il de m a neira geral como na
aná lise de crianças. O que importa é, a ntes, o mundo puls iona l e a
capac idad e inata para su portar as fru straç ões” (p. 98).
Portanto, podemo s cons iderar qu e a famí lia não se ap rese nt a d e um
mod o central no tratamento da cria nça, tampouco como coadjuvant e.
Mela nie Kle in cons idera q ue o tratament o se faz po r meio da criança e
do que esta apresenta como dificuldade no p ro cesso ana lítico. Ao
su btrair a nec es sidade da pr esenç a d a famí lia no tratamento, Melanie
Kle in se encam inha para o q ue, p arece-no s, privilegiar, no tratamento : as
produ ções do inconsc ient e. De sse modo, ob serva-se que a dimensão
puls iona l começa a s er tomada em conside ração no tratame nto.
A s egu ir, nosso percu rso vis a a reve lar q ual perspectiva do
sintoma no tratamento com crianças Mela nie K lein irá privilegiar.
95
Do mesmo modo, um eleme nto fu ndamental na teoria de Melani e
Kle in (AMP, 1996) centra-s e na imp ortânc ia da relação de objeto como
objeto fa ntas iado : “ isso significa que toda a pulsão tem como correlato
uma fant asia de um ob jeto para sat isfazê- la” (p . 1 27). E, d esse modo, se
dirige ao objet ivo ana lít ico , que será o d e condu zir o suje ito a u ma
realização plena com o objeto, à comp letude im aginár ia do objeto . Em
consequência, a teoria de Melanie K lein “ace ntua a teoria do objeto em
detrime nto da teoria d as pu lsões e, mais que ao desenvolvim ento
puls iona l, e la reser va uma imp ortânc ia fu ndamental à reso lução da
ambivalê ncia em relaç ão à mãe” (AMP, 1996, p. 127).
Embora a d imensão p ulsional esteja inse rida em todo o percurso
teórico de Melanie Kle in, a p ersp ect iva do sintoma como solução não nos
parece tomar o primeiro pla no na p ersp ectiva de Mela nie K lein. No que
concerne à sua interpretação, tal co mo exposto, u ma interp retação pelo
eu é contrária à análise. No processo ana lítico , tem-se q ue interpretar
pela pulsão . Diz-nos Brousse (1 997), “a int erp retação sozinha não pode
tratar os s intomas” (p . 13 2). O que nos fica mais patent e é que há u ma
reco rrência no tratame nto com criança s em Klein ao situ ar to da a
int erpretação do sintoma no âmb ito do significa nt e do complexo de
Édipo, não atingindo , desse mo do, a pulsão.
Esse cont e xto teórico kle iniano permite aos intérp retes de su a
teoria fa zer uma le itura dentro de u ma p ersp ectiva de uma u nidade
possí vel por meio de exper iências pos itivas po ssí veis a p art ir da
simbolização da mãe, do pai, do pênis e da va gina, e lementos de
simbolização que co ntribuem sobremaneira para a formação da fant asia
da cria nça por meio de um “força me nto” de elemento s s imbólicos p ara a
criança (AMP, 1996). O sinto ma nes sa c lí nica não toma a p ersp ectiva de
so lução e nos parece se ancorar co mo coadjuvante no processo analít ico
rumo à perspectiva de uma po ssível u nidad e entre mãe e filho .
A seguir, trataremo s do lugar reser vad o ao inco ns cie nt e na p rátic a
kleiniana.
96
3.4.4 O inconsciente
97
To ma nd o-s e o atal ho mais curt o p ossí v el at ra vés do ego ,
dirigi mo- nos em pri mei r o l u gar a o i n co ns ci e nt e da crianç a
p ar a de lá ir mos ent ra ndo g radu al men t e em con tat o
ta mb ém co m o ego (p .36).
98
57). As fantas ias fu ndamentais “operam neste além fant asíst ico , que
pod eria ser a definição do inco nscie nte kle iniano ” (AMP, 1996, p . 128 ).
As s im, o s primeiro s conflitos, produto da oposição e ntre a s pulsões de
vida e de morte, têm co mo objet ivo ana lítico conduzir o suje ito a u ma
realização ple na com o objeto . Desse mo do, “a lingu agem do
inco nsc iente é ded uzida dessa relação de objeto conc ebid a como relação
de completude imaginár ia” (p. 122 ). Como consequ ência, mesmo a
int erpretação vis ando à pu lsão, na te oria kle iniana, tem - se como
lingua gem do inconsciente a reparação da relação d e o bjeto visa ndo sua
completu de. Essa solução terapêutic a, co mo resolução do t ratamento , se
distanc ia da prática psicana lít ica q ue se anco ra na p ersp ectiva da fa lt a do
objeto, e não em sua comp letude.
99
CAPITULO 4 – A ORIENTAÇÃ O LAC ANIANA
100
as so ciava, com certa p reocupação, com a atuação p rática que esta va
se ndo realizada nessa épo ca p elos se gu idores d e Freu d. No fim da d écada
de 1950, era a influência da ps ico lo gia do eu que se apres entava como
prática terapêutic a, visando a um reforço do eu (COTTET, 2005). O
int ento de La can nes sa data era empreend er um movimento d e de núnc ia a
es sa prát ica, que enfat izava os e lementos da cons ciê ncia e se distanc iava
dos princípios ps ica nalít ico s fu ndamentais da psica nális e. Na verd ade,
diz- no s Lac an (1956/19 88), “ninguém se enganou aí. Trata-se co m efeito
do espírito po sit ivo da c iê nc ia enquanto explicat iva que est á em causa na
psicanálise” (p. 269).
Nes sa ép oca, destaca Co ttet (2005), além da influência da
psicolo gia do eu atuante na prát ica clí nica, outra questão que pode ser
destacada por Lacan como um des vio da prática efetiva da psicanálise é a
perspectiva da rela ção de objeto inspirada nos pós -freu diano s ligad os a
Karl Abra ham e Me lanie K lein. No que se refere às ps icoterapias e à
relação de objeto proposta por Klein, e ss as orienta ções, co nt inua Cotte t
(2005 ), têm um ponto em comum: “ fundamentam -s e não na int erpretação
do inco nsc iente, e s im em uma interpretação do ima ginár io da relação
dual” (p. 12). Enfim, o qu e se to rnava p re me nte nessa data era orient ar
os tratame ntos para uma interpr etação do inconsc iente “contra toda
tentat iva de reeducação” ( idem).
Almeja ndo recuperar a mensagem da psica ná lise freudia na, Laca n
dá iní cio , no ano d e 1953, co m o texto Fu nção e campo da fala e da
linguagem em psica nálise, ao qu e ele próp rio reco nhe ceria como seu
ens ino por meio d e dois princípio s: reto rno a Freud e a primazia do
simbólico . A partir do ano 1953, Lacan retorna aos texto s freudianos,
para res gatar a re lação do sujeito com o inco nsc iente. Nes se texto, a
tarefa d e Lacan (1 943/1998) será demonstrar que “o s conceitos que
fundame nt am a ps ica nálise só adquirem sent ido ao se o rie ntar em no
campo da lingu age m e se ordenarem no campo da fala ” (p. 247 ). É a
conso lid ação, por parte de Lac an, do poder da lingua gem em tudo o que
diz respeito ao hu mano. Por essa cond içã o, é a d efinição de inconsc ient e
que também se faz por meio da linguagem: “o inconscie nte estruturado
como uma lingua gem ”. Ne ss a ocas ião, Lacan (1953/1998) revela o
101
su jeito que está em jogo na prática clí nica : u m su jeito que se apresent a
por sua assunç ão da linguagem à pala vra e, as sim, por essa noção,
pretende romper com as p ropostas adaptativas a nt er iorment e utilizad as.
A propo sta de um retorno a Freud, como diz Lacan (1955/1998)
mais ad ia nt e, no te xto A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud
em psicanálise: “é o reto rno ao sent ido de Freud” (p. 406), era retomar
os textos freudianos para qu e sua letr a não se p erdess e. To davia, po r
es se empreendime nto, viu -se co agido pela Inter nat io nal Ps ychoana l yt ica l
As sociatio n (IPA), d a q ual fez crít ic as por não ser mais freu diana, a
fundar u m lugar o nde suas propo stas poderiam ser legitimad as (LACAN,
196 4/2003 ).
Dez a nos depois, em 1 964, Lacan, ent ão, se d ista nc ia des se modelo
de retorno a Freud para dar iníc io ao q ue ele reconhece como seu ensino ;
não sem reverenc iar por meio do nome Escola Freudiana de Par is (EFP) a
procedência de seu ensino, tendo como ponto de partida ir alé m dos
conce ito s freud ianos (LACAN, 1964/20 03).
Ass im, em ju nho de 1 964, ele publicou o “Ato d e Fundação” da
su a Escola, d izendo de sua so lidão nesse emp reend imento da causa
psicanalít ica e propô s, a partir daí, a Fundação da Esco la Fr ancesa de
Psicaná lise (EFP). Esta fez sua entra da como u m movim ento de
reco nquista do campo freud iano , cujo objetivo é re staurar a p sicaná lise
freudia na. Ne sse texto d e 1964, movido p ela preo cup ação com o futuro
da psica nálise, ele e sc larec e os modo s de funcio name nto de sua Escola,
da fo rmação psicana lít ica e de s eu ens i no, explic itand o os princípios
necessár ios da p ráxis ps icanalít ica e d e seu est atuto na c iênc ia, “um
estatuto que, por mais s ingular que afina l se ja p reciso reconhe cê -lo,
nunca s eria o de uma exp er iênc ia ine fáve l” (LACA N, 1964/2003, p.
238 ).
Como hera nça da Esco la de La can, na sceu, ent ão , a orie ntação
lacania na sob a d ireção de J acques Alain Miller, cuja proposta se dirigi a
a res gatar a re lação do sujeito com o inc onsciente e o s intoma. A noção
de suje ito passa p or nova elaboração ao resgatar sua re lação com o
inco nsc iente. No próximo tópico , trataremos dessa nova e laboração, a
fim d e destacarmos o sujeito do qual falamos na clí nica d e orie nt ação
102
lacania na, para, ass im, difer enc iá-lo d as propostas ant er iores à entrada
dessa orient ação.
7
A noção de sujeito em Lacan passa por várias formulações. No último ensino de Lacan, que tem início
no Seminário 20 – Mais Ainda, o termo falasser surge em contraposição à noção de sujeito. Nesse
momento particular do ensino de Lacan, há uma nova leitura do inconsciente para além do simbólico e da
linguagem, ou seja, no que nele há de real, ou seja, de gozo (Lacan, J. 1985).
103
Relevante desta car que esse prime iro momento d a assunção
su bjetiva d o sujeito é reve lado no texto de 1936: O Estádio do Esp elho
como Forma dor da função do Eu . Este foi proferido, pela prime ira vez,
no Co ngres so da IP A, em Marie nbad , no ano d e 1 936. Embora Lac an
tenha s ido interrompido por Erne st J one s nes sa circunstâ nc ia e de não ter
deixado seu te xto nos ana is do Congres so, ele retor na essa comunicação
em 1949, no XVI Co ngres so Inter nacional d e Zuriqu e. Neste texto de
194 9, Estád io do Espelh o como formador da função do Eu , são as
dime nsões da ordem da linguagem, d o inc onsciente e d o Ou tro que
marcam a gr and e co ntr ibuição e, po rtanto, certo ava nço d e Lac an no que
concerne à teoria freudia na (1949/1998).
Esse e stád io const itui a fa se inic ial de um processo psíquico rumo
à subjet ivid ade. Nele, Laca n (1 949/1998) designa um mo mento psíq uico
situado entre os seis e 1 8 meses d e vida da cria nça, no s quais esta se
const itu i co mo unid ade em torno da imagem do seu co rp o. Esse est ádio
demarca u ma experiência de ident ificação fu ndamental d a criança, que
irá fa zer a co nqu ista d a imagem d o seu próprio corpo, pro movendo u ma
estruturação do eu. Essa exper iência permit e a aboliç ão de um p eríodo
precedente, no qual a criança não e xperimenta va seu corpo como u ma
unidade, mas, s im, dentro de u ma d ispersã o imaginária (idem).
Esse momento esp ecífico de estruturação do eu é definido, segundo
Lac an (1949 /1998), primeirame nt e por uma evidê ncia c lara de
as su jeit amento da crianç a ao registro imaginár io, em q ue esta vive uma
exp eriênc ia de confu são de si mes ma co m o outro. Ness e momento, a
criança se confund e co m a mãe e lê nos movimento s e sbo çados por ela a
sat isfaç ão d e su as nec es sidades. Aqui, a cria nça e o ou tro (a mãe) vivem
uma co nfusão d e image ns entr e si, uma vivência d e ind ist inção. Po r
exemp lo: uma “cr iança que bate diz que bateram ne la, a q ue vê cair
cho ra” (p. 116). Período ú nico , no q ual p ode ser ident ificada, ao se
registrarem as reações emocionais da cria nça, a presença de um
trans it ivismo caract erizado , nes se mo ment o, como no rmal.
Posteriorme nte, ao se reco nhecer na re lação co m o ou tro , a criança
recu pera su a u nidade corporal e se estr utura como eu por meio dessa
ident ificação primordial. É importante s alientar que es sa estruturação
104
psíquica do eu se dá sob a égide d a dimensão do imaginár io – que
pressu põe uma alienação do eu ao outro e, portanto , se s itua como eu
(moi) imaginário (LACAN, 1949/1998 ).
Em um se gundo mo mento dess e processo de su bjetivação, o aces so
ao simbó lico permitirá à cr iança pôr fim à relação esp ecu lar e alienant e
com a mãe. Fato rele vante de observação é qu e essa c o nstrução
ima ginár ia se apresent a su bmetid a irre mediavelme nt e à dime nsão do
Ou tro – a ordem simb ólica. Isso nos le va a reconhecer que o adve nto da
su bjetivid ade se coloca irredutive lmente su bmetido à dimens ão d o Outro
na dimensão d a lingua gem. Des se modo, a vertente do simbólico ,
registro do campo da lingua gem, ma rca a p assa gem do registro
ima ginár io, caract eríst ico da fase do espelho, para o registro simbólico
especí fico do Outro d a lingu agem (LACA N, 1949/1998).
Enfim, ess e su jeito do qu al falamos na clí ni ca de orie ntação
lacania na se dista ncia d as práticas ancoradas nos mold es do registro de
uma relaç ão imaginár ia. Sobretudo, afasta -se de uma definição de sujeito
refer enciad o na perspect iva do desenvolvim ento tão recorrente nas
práticas a nteriores a essa d ata.
Neste momento, u ma inda gaç ão: como se dá na orient ação
lacania na a re lação desse su je ito fre nte o s intoma e a pu lsão?
105
abord ar o sintoma a partir do sentid o ao gozo “é a b ase de noss as
elucubrações” (p. 12). Desse modo, é a ess a art icula ção e ntre se nt ido e
gozo que iremo s no s ater para o ente ndim ento do sintoma.
No que se refer e ao se nt ido, Miller (2011) destaca q ue o po nto de
partida de Lacan fo i o texto Função e campo da fala e da linguag em em
psicaná lise, do ano de 1 953. Nesse te xto, ress alta Miller (2011 ), Laca n
“destaca e constrói o sent ido na prática da p sic aná lise, o sentid o no
inco nsc iente e o sentid o no sintoma” (p. 12). É o sent ido do inco nsc ient e
que nos é apres entado nesse te xto pela célebre fra se : “o inconsc ie nte é
estruturado como uma lingu agem”. Destaca, p ortanto, nes sa primeir a
elaboração, o sent ido do do mínio do incons cie nt e p or meio da
lingua gem, cu jo s efeitos se produzem no sujeito.
Nesta verte nte, da sup remacia d o simbólico , pode -se d izer do
se nt ido do sintoma, fa la- nos M iller (1988), como resu ltado de um defeito
de simbolização porqu e não foi verba lizad o, porqu e não se pas so u à
pala vra “e q ue se des faz na med ida em q ue passa à pala vra” (p. 19). A
operação de cu ra é dada, co ntinua Miller, “porque permite dar
signific ação retroativa ao que pe rmaneceu opaco para o sujeito em sua
exp eriênc ia” ( idem). Muitos q ue seguiram o ens ino de Lacan se
detiveram aí, sublinha M iller, nes sa ver tente do s imb ólico do mesmo
mod o que ou tras pessoas deixaram Lacan em outros momentos por u ma
divergênc ia da teoria.
Des sa mane ira, na vertente do simb ólico, o sent ido na prática d a
psicanálise pode ser e nt end ido, relata Miller (1988), p ela ide ia d e
trauma, tal como Freud imagina va quando propôs a teoria da sedução,
para lo go ser abandonada. Desse mo do, o que se tent av a ap reend er era a
ideia “de uma exp er iênc ia inassim iláve l para o suje ito , qu e engend ra o
sintoma, e que a cura po r simb olização devia permitir desfazer” (p . 20).
Nes se contexto do simbólico, o sintoma é interpretad o como u ma
operação que tem como princípio a dime ns ão significante. Nes ses
termo s, conforme Miller (2011) se a interpretação tem como objetivo
desve lar o signific ado último do sintoma, es te pode ser d efinido aqu i
como a parte manifest a do significa nt e em busca de um significad o que
se ocu lta sob a b arra do recalque.
106
Essa e laboração sobre o sent ido , continua M iller (2011),
desemboca em um esquema chamado esquema L, “primeira le tra do no me
de Lacan, mas cuja base é u m X, no qu al se opõem o simbó lico e o
ima ginár io” (p . 12). Essa s eria u ma nova e lab o ração da relação do
su jeito co m o objeto no processo ana lític o. Esse e squ ema faz a inscrição
do sujeito no Ou tro, tal como estabelec ida no processo analít ico, no qual
o sujeito recebe do Outro su a p ró pria m ens agem. Todavia, es sa
me nsa gem não é claram ente adquirida pelo sujeito , pois há u ma
int erdição realizada pela r elação entre a – a’, relação imaginár ia p or
excelê ncia e qu e se interp õe entre o s ujeito e o Outro, levand o ao
desco nhe cime nto dessa últ ima.
O esquema L é introduzido na e xperiê ncia a nalít ica e tem como
objet ivo demonstrar como é essa relação do su jeito com o inconsc iente ,
“te ndo em vista a ma ne ira como esta últ ima vem sendo fo rmulad a ho je
em dia por u m número cada vez m aior de analis tas” (LACA N,
195 6/1957 /1995 , p . 10). Laca n, ne ss a passagem, s ublinha a prese nça dos
teóricos focado s na experiência d o eu e qu e, no processo analít ico ,
privilegiam a relação de objeto como primária, amparados na relaç ão
ima ginár ia e dual entre o su jeito e o objeto .
A introdu ção do esquema L proposto p or Lacan irá d estacar ess a
relação e ntre sujeito e objeto, po rém de fo rma mais e xt ensa e co nclus iva
em relação à posição do su jeito : trata-se, agora, segundo Miller (2011 ),
“de articu lar se nt ido e gozo” (p. 14 ).
Cons idera ndo o qu e foi expo sto na perspect iva do p rimeiro ensino
de Lacan, no qu e concerne aos caminhos da formação do sintoma, est e
aparece, n aquela épo ca, co mo esse ncia lmente simb ólico, indicand o seu
se nt ido recalcado. Porém, esse p rimeiro momento p erde espaço para um
se gundo, qu e se encaminha p ara revelar a imp oss ibilidade d a função
simbólica em d ar conta do real como presença a partir do ob jeto a como
resto. Não há dúvid a, cont inu a Miller (2011), de que, “para Laca n, o
sintoma s e s itua no grafo em S(A), co mo efe ito do significado do Outro”
(p. 14). Tod avia, q uand o se c hega a um se gundo momento desse grafo,
destaca M iller (2011), já não b asta separar ou dividir o ima ginário do
simbólico .
107
Uma p rimeira oposição entr e s ent ido e gozo fo i prat icada p or
Lac an na int enç ão de se sep arar s imbólico e im aginár io. As sim,
conforme Miller (2 011), não p odemos nos furtar em reco nhecer q ue, do
outro lado do eixo simbólico , ou seja, d a relação entr e o sujeito e o
Ou tro , tem-se a re lação a-a’, o eixo ima ginár io, que provém do estádio
do espelho e que, p ara Lacan, diz -nos Miller, “é também o eixo
puls iona l” (p. 13). Havia certo d esprezo p elo ima ginário , destaca M iller
(2011 ) e, por isso mesmo, pela pu lsão. Esse d esprezo pelo im aginário é o
que conduz Miller a co nsid erar que, na primeir a o rie ntação d e Lacan, “ há
uma desva lorizaç ão d a pulsão, embora nã o advertida qu ando falamo s do
ima ginár io, mas p rese nte” (p . 13). No ent anto, qu ando se che ga à
se gunda operação q ue leva ao caminho das formaçõ es do sintoma, é a
articula ção do sent ido e do gozo que se faz ne ce ss ár ia pe la pres ença do
real.
Essa art iculação, co nforme relata M iller (2002) no texto O Real é
sem Lei, se dará por meio d a fórmu la da fantasia 8 como co nstrução
fundame nt al para o sujeito. A fantas ia é “herdeira do que Laca n chama va
no iníc io do seu ensino de relação imaginária” (p . 15). Ela é herdeira da
relação de mediação do simbólico com o imaginár io. Des sa ma neir a,
cont inua Miller (2011) , “o fa ntasma ( $<>a) é o resultado de u m longo
cir cu ito lib id inal, no qu al ap arece a puls ão como cad eia s ignifica nte e o
desejo como significad o d essa cade ia (p. 14). Portanto, a fanta sia traz
em seu bojo o elemento puls io na l.
Na iminênc ia d e s e articular sentid o e gozo , Miller (19 98), no
seminário O Osso de u ma An álise , cons idera o sintoma como o resu ltado
da int erseção entre o significant e e o gozo: “É qu e o significa nt e t em
uma inc idênc ia de gozo sobre o co rp o. É isso que Laca n chama de
sintoma. Is so vem no mesmo lu gar do que ele c ham a da fanta sia” (p. 99).
Ainda no seminár io O Osso de uma Análise, Miller (1998)
cont inua: a fa ntas ia aparece como mediação entre s ignifica nt e e gozo,
su pond o uma dist inção radica l e ntre e ssas duas ordens. Po r ou tro lado, o
8
Na obra de Jacques Lacan, o termo fantasy, em alguns textos, é traduzido por fantasia e, em outros, por
fantasma. É um problema de tradução. Nas citações literais da obra, usarei o termo mencionado. A
tradução que adotaremos para esse termo é fantasia.
108
sintoma inscre ve uma relaç ão muito mais direta entre o s ignifica nt e e o
gozo. É por isso, continu a Miller (1998), qu e confirmo hoje “que lá
onde, em Freud, exis te a pulsão , em Lac an há o sintoma. Mas enqu anto
Freud não apresent a a pu lsão senão como um mito, podemos se guir, em
Lac an, o sintoma como um real” (p. 100).
Portanto, o sintoma, em su a re lação com o real, se aprese nta em
su a dimensão puls ional, revelando -nos algo da dimensão do real no
su jeito, do inas sim iláve l, ou seja, do go zo. No sintoma, e ncontra - se
inser ido algo da o rd em da pu lsão. De ss e modo, como podemos, no
processo analít ico, atingir o sintoma nessa d imensão de real?
Quem resp onde diretamente a essa qu estão é Marie- Hélène Brousse
(1997 ): “p ara se at ingir o sintoma é preciso u tiliz ar a fanta sia, pois e st a
oferece a chave do sinto ma. Não se pod e ent e nder o sintoma de alguém
se refer ind o somente aos seus s ignifica nt es ” (p. 132 ). Isso porqu e se
deve le var em conta o modo d e gozo de uma pessoa. Des sa ma neira ,
cont inua Bro usse, “interpretar com base na fantasia não é uma defesa
contra a pulsão: é a própria pu lsão” ( idem). Des se modo , o sintoma em
su a dimensão pulsio nal s e s itua como resposta para o suje ito, resposta do
que lhe é ma is s ingu lar.
No que concerne ao sinto ma das cr ianças, no texto Nota sob re a
criança , Laca n (1969/2003) cons idera o sinto ma da cria nça como
resposta “ao que e xist e de s intomát ico na estrutura fam iliar” (p. 369). A
ma nifestação sintomátic a na cr ianç a pod e se representar de duas formas ,
cont inua Lac an (1969/2003): uma fo rma é quando o sintoma represent a
na cr iança “a verdade do casa l familiar”. Outra condição de manife stação
é “qu ando o sintoma que vem a preva lec er d eco rre da sub jet ividade da
mãe, ou seja, a cr ianç a realiza a prese nça do que J acques Lacan d es igna
como objeto a na fa nt as ia” (p. 370). Assim, a cr ia nç a resp onde ao que
falt a à mãe po r meio d a satu ração d essa falt a mater na, ser vindo -se de
objeto à mãe. Por isso , o sinto ma para a criança é u ma resposta daquilo
que fo i nela d epositad o no qu e co ncer ne à relação pare ntal ou à mater na .
O s intoma, como resposta dessa re laç ão, recorre no processo analít ico à
necessid ade de ser mo dificad o. Para is so, nesse p rocesso , a criança
deverá se des ve ncilhar do sintoma do s p ais, para, a partir d e então ,
109
construir o seu p róprio sintoma, a fim de poder ser tratado e, assim, se
tornar uma solução para o sujeito .
Portanto , o sintoma, em sua d imensão puls iona l na clí nica d e
orientação laca niana, se apresenta como condição da prática ana lít ica e ,
ao interrogá-lo , nos ap ro ximamos do mais p articular de cad a sujeito .
Desse modo, ele tem função de resposta d o suje ito ao qu e lhe é
impo ssí vel de dizer. Todavia, e le const itui uma possibilidade de
enlaçamento do real – impossí vel de dizer – com o sintoma (LA URENT,
200 7). É por essa razão, por ter a fu nção de laço , que o sinto ma não pode
ser e liminado. No enta nto, ele precis a ser ouvido no seu valor de
me nsa gem e d o que se aprese nta como o mais s ingu lar do sujeito.
O s intoma, na p ersp ect iva d a o rie nt ação lacania na, torna-s e u ma
parte bem-sucedida de amarração do real. Ele va i c ivilizar a pulsão de
morte, permit ind o, por parte do sujeito , p roduzir u ma invenção particular
que vai faz er laço co m o socia l (S ANT IA GO, 2005). Portanto , o sinto ma,
nes sa dimens ão de resposta, é uma so lução para o sujeito.
Para a p rát ica c línica de o rie ntaç ão lacania na, e ssa é a função do
sintoma – uma solu ção que p ermite a inve nção de la ço p ara se relacionar
com o social. Es sa solução represent a, para o sujeito , algo de muito
particular, e a invenção que ele produz promo ve uma amarraç ão qu e traz
algo de su a história. Laca n (1969/200 3) deu ao sintoma um lugar de
resposta: portanto , d e so lução para o sujeito . Essa no va fo rma de
elaborar o sintoma co ntrar ia as co nd içõe s utilizadas pelas teorias do eu
que buscam como ob jetivo elim inar o s intoma para m elhor lidar com o
su jeito.
Na clí nica de o rie ntação lacaniana , o uso que se faz do sintoma se
dirige para uma perspe ctiva do sintoma como solução para o sujeito. Não
é a supressão do sintoma o ob jet ivo dessa prátic a, tamp ouco a
int erpretação significante do sintoma, ma s o qu e a cond uz como objet ivo
terap êutico é a interpretaç ão d a fanta sia, como co rrespo ndent e mais
singular do su jeito. Essa é uma prática q ue se d istancia
signific at ivame nte da prática clí nica com cria nça s nos primeiros tempos.
A o rie ntação lac ania na irá r es gatar na clí nica a relação do sujeit o
com o inco nsciente e, desse modo , ela irá esc larec er que esse su je ito que
110
está em jo go na c lí nica nem s empre vai r esponder à propo sta adap tativa
em conformidade co m o socia l. Se le var mo s em cons ideração a pulsão
inser ida no s intoma e a te ndê ncia a rep etir inerente ao elem ento
puls iona l, não s e pode, por exemp lo , ens inar a cr ia nça a ser compo rtada
na e scola ou no meio familiar e esperar qu e ela re spo nda a es sa
so licit ação com um bom comportamento.
Por outro lado, o que reconhecemos nos prime iro s tempos da
prática clí nic a com crianç as em A nna Fre ud e Melanie Klein é o fato de
que a vertent e do sintoma como solução a ser d ada pelo sujeito no s
parece ter sido deixada em segu ndo plano em d etrimento do sintoma
como elemento a ser suprimido , le vando à adaptação. Ass im, o sinto ma
como ad aptação da cria nça ao socia l se d irige, a no sso ver, como
desco ns ideração da d imensão pu lsional do sintoma. De ssa maneira, o
caminho d a desco nsid eração puls iona l d o sintoma nos leva a cons iderar
que há um sile nciamento do su jeito em seu desejo em favo r de u ma
perspectiva de adaptação ao socia l, objet ivo recorrente de prátic as
terap êuticas o bjetiva ntes.
Com a entrad a da orie nt ação laca niana, podemo s cons iderar que há
um ant es e um dep ois d a refer ência la caniana que modifica a perspect iva
que será dada ao sintoma aprese ntado pela cr ianç a. A nter ior a essa
refer ência, o sintoma era to mad o pela nece ss idade de sua supressão ,
acredit ando que assim se resolver iam os problemas da cr ia nç a. Depois da
orientação lacaniana, o sintoma em sua relação com a puls ão, toma a
dime ns ão de resposta para o sujeito e, portanto, po ssui valo r de
me nsa gem co mo p rodução do inconsc iente .
A orientação laca niana, ao re introduzir o su jeito do inco nsc ient e
na e laboração ana lít ica, repercutiu na c línica com criança s e no s parece
ter produzido certo efeito de transformação no qu e concer ne à forma de
conceber o tratame nto psicanalít ico com crianças. Essa foi a orie ntaç ão
se guida por Robert e Rosine Lefort em su a prática com cria nças, q ue será
tratada no p ró ximo cap ítu lo.
111
CAPITULO 5 – A PRÁTICA CLÍ NI CA COM CRI ANÇAS NA
ORIENTAÇÃO LACAN IAN A
112
5.1 A criança analisando e m pleno s direitos
9
A cri anç a é u m an al i san d o em pl en o s d i rei t os .
113
forma como o adulto, a cria nça é um sujeito do inco nscie nte e participa
como tal d essa co ndiç ão de su jeito na clí nica. Po rtanto, ana lisa nt e em
plenos dire ito s, convo ca- no s a pensar no sujeito de desejo, nesse su jeito
que se loca liz a dia nte do objeto como falt a a ser. Em o utro s termos, é ao
objeto como falt a qu e visa a e ss a prát ica, já no s indicando de ant emão o
distanc iame nto dessa prát ica em rela çã o àquelas que privile giam o
primado da relação objetal.
A clí nica de Robert e Rosine Lefort se am para no ensino d e Lacan,
mas, em sua e nunc iaç ão, jamais se limit aram a r ep eti- lo. Em todo o caso ,
diz- no s St iglitz (2 008 ), “seu mo do de repetir era aq uele qu e permite o
encontro co m o novo, com a surpresa” (p. 13 ), po sição corroborada por
Laure nt (2008), que sublinha que Robert e Rosine Lefort mant iveram at é
o fina l u m p asso a fre nt e em sua trans missão, graças à su a orie nt a ção
para o real. Como no s relat a Laurent (2008), Robert e Rosine Lefort
so uberam sempre
Uma clí nica orientada para o real marca o fim d e u m des vio na
prática c lí nica ps ica nalít ica inic iada nos anos de 195 0, ta l como
denunc iada por Laca n (1953/1998) no texto Fu nção e ca mpo da
linguagem na psicanálise. Nes se texto , Lac an evid enc iava de ma neir a
“incont est á vel que a concepção da psicaná lise pe ndeu ali para a
adaptação do indivíduo ao meio socia l” (p. 246 ).
Do mesmo modo, a clí nica de orientação para o real, propo sta p or
Robert e Rosine Le fo rt, elucida nest e trabalho o desvio por nós reve lado
na c lí nica com cria nça s a partir d e 1920 no que concer ne ao s intoma em
su a dime ns ão puls iona l. Co nsideramos que a maior ou menor
desco ns ideração da dime nsão pu lsio nal d o sintoma na teoria e na p rática
de Anna Freud e Mela nie K lein naquela data permit iram um des vio nes sa
clí nica em re lação ao s intoma. Na c lí nica de Anna Freud, no que se
114
refer e ao sintoma, su a maior descons ideração da dimensão pulsio na l
deste se enc am inhava p ara suprimi- lo como objet ivo terapêu tico. Po r
outro lado, Mela nie K lein e a m enor descons idera ção da pulsão no
sintoma foram por nós reve lada p elo fato de Klein u t iliz ar da pu lsão em
seu percurso teó rico e clí nico. Mas, por sua vez, ela apresenta va, como
objet ivo de su a clínica, a profilaxia do sintoma como certa eficá cia
terap êutica, ou seja, o que do sintoma pode ser prevenid o.
A p artir d a orienta ção laca niana e do s trabalhos dos Lefort, p assa -
se para uma p rát ica com cria nça s no discu rso a na lít ico, orient ada no
campo da lingua gem e em função da fala (MILLER, 1991). Segundo
Rosine Lefort (1991), é necessár io no d iscurso analít ico se suspender de
todas as insuficiê ncia s imaginária s p ara e nt end er, no d iscurso d a criança ,
o real em causa. “Ma is do que a história d a criança, é com e sse rea l que
vamos nos defrontar” (p. 12).
Trata-se, na clí nic a psicanalít ica co m crianças d e orient ação
lacania na, de enfat izar a relaç ão da criança com o discurso analít ico,
pois, ness e discurso, é do objeto a como falt a, bu raco e moto r na relação
com o desejo do Outro, qu e promove a prática analít ica, sub traindo,
dessa prática, qualquer recurso adaptativo . É esta relação entre a cr iança
su jeito d e p lenos d ire itos e o dis curso a nalít ico qu e se re velo u como
proposta de Robert e Rosine Le fort para a concret ização do CEREDA.
Qu anto à co ncret ização desse centro de estudos sobre a crianç a no
discurso analít ico, destaca Laurent (2 008):
115
digamos, ou mais d iretamente, das fa ntas ias na téc nica da exper iência e
na const ituição do objeto nas diferent es etap as d o desenvolvimento
psíquico ” (p. 243 ). Esse é o mo tivo, como relata Laurent (2 008), que
permitiu o afastame nto de Rob ert e Ro sine Le fort das “aderênc ias
kleinianas da psicanálise com cria nça s – que realça o continent e
ima ginár io da projeção” (p. 43). Do mesmo modo, eles se r ecusaram a se
orientar pela rela ção d e objeto como co mpletude, encaminhand o -se,
so bretudo, pela “falt a de ob jeto” (id em).
O lugar d e destaque de Rob ert e Rosine Lefort no movimento
psicanalít ico com crianças se inscre ve t amb ém no q ue concer ne a se
difer enciar e s e d istanciar em relaç ão a uma prátic a do jo go e do desenho
colo cad a a s er viço de uma proposta ps ico edu cativa, co mo foram os
trabalhos d e Mela nie K lein e Anna Freud . M ais d o que isso, a referência
dos Lefo rt fic ará entre os intere ssad os na clí nic a com cria nça s, relat a
Tend larz (2008), como quem tirou a criança de sua redução a um simp les
objeto do discu rso do outro e de sua cons ideraç ão purament e
crono lógica. Da me sma ma neira, rest it uiu à crianç a seu est atuto de
su jeito analisant e em p lenos direitos.
A entr ad a da orientação lac ania na na p rática psicana lít ica com
crianças poss ib ilito u a es sa clí nic a uma no va forma de conceber a
criança, agora, como sujeito em ple nos direito s. De mo do semelhant e,
demarcou a dist inç ão do qu e é uma prática c línica com crianças no
discurso analít ico de ou tras práticas ancorad as em u m saber e xter no e
idea l do sujeito.
A orient aç ão lacania na res gatou a relação do sujeito com o
inco nsc iente e o sinto ma naquilo qu e ele tem de ina ss imilá vel da
dime ns ão puls iona l. A p ossibilidade de leitura dess a rela ção d o sujeito
na c línica de o rie ntaç ão lacania na se faz não na perspect iva, por
exemp lo, no âmbito es colar, de ser um bo m aluno , ad aptado à norma,
mas na perspect iva de ser um “analis ante em p lenos direitos”.
Portanto, a entrada da orientação laca ni ana rep res e nta uma nova
forma d e se colo car frente as d ificuldades aprese ntada s p elas cr ianças na
esco la. Pod emo s fazer duas cons idera ções: u ma, é d izer que os
problemas q ue as crianças apres entam e stão atrapalhand o a adaptação
116
dela s na escola; e outra, é d izer qu e são sintomas q ue merecem se r
tratado s. Apontar a crianç a como u m analisante em plenos direitos ir á
destacar es sa segu nda vertent e do sintoma escolar, ou seja, qu erer dize r
outra coisa que não necessar iamente a dificu ldade de adaptação da
criança. Es se a forismo revitalizou a clí nica infantil e se ap rese nta como
condição da prática clí nic a co m cria nça s na orientação lac ania na.
A seguir, iremos tratar da prática c línica co m cria nç as na
perspectiva d a orientação laca niana. Ut ilizaremos q uatro tóp icos que nos
encam inharão para a compreensão de c omo Ro bert e Ros ine Lefort,
representant es d es sa perspect iva, se co locaram frente a dim ensão
puls iona l presente no s intoma nessa clí nica.
117
A cr iança co mo sujeito fa z referência ao mod o como se ap rese ntou
na estrutura familiar o desejo no pai, na mãe, incitando -nos a e xplo rar
não somente a história da cr ianç a, mas o modo d e presença d o gozo e do
objeto a oferecidos ao suje ito (LEFORT, 1991 ). Acresce - se a ess es
termo s, qu anto à co nst ituição d o su je it o, o Outro, co mo linguagem,
representant e da ordem simbólica. O suje ito, desse mo do, se insere nes sa
relação co m o desejo do Outro (o d esejo do pai, da mãe ou d e ambos).
Esse dese jo d o Outro (b aseado na falt a), condição p rópria do desejo, é
ele q ue provo ca o que causa o dese jo da criança, o objeto a. O objeto a
pod e ser e ntend ido como o resto p roduzido quando a u nidad e hipo tética
mãe e filho s e romp e. “O objeto a é o últ imo ind ício daquela u nidad e”
(FINK, 1998, p. 82).
Ao clivar- se desse resto, diz-nos F ink (1 998), “o sujeito, dividido,
embora exc luído do Outro, pode sustent ar a ilu são de totalidade. Ele,
as sim, o faz ao apegar -se ao ob jeto a, ignorando sua divisão” (p . 83 ).
Toda essa operação d e divisão é fo rmalizada co m o matema $ <> a, a
fórmula da fant as ia, e deve ser lido como o su je ito dividido em relação
ao a. É por meio d a fant as ia qu e o sujeito apresenta ao a nalista su a
forma d e se rela cionar com o objeto a.
É por essa razão q ue Brousse (1997 ) nos relatou, em uma passagem
do capítulo 4, que só at ingimos o sinto ma do sujeito media nte sua
fant asia e, d essa ma neir a, poderemos atingir a pu lsão. Ass im, não se
pod e ente nder o sintoma da p essoa se re ferindo somente ao s ignifica nte.
Ao se int erpretar pela fantasia, insere- se no modo de gozo de cad a um. É
por isso que o sinto ma é u ma resposta do que se apresenta como o mais
particular do sujeito .
Des sa ma neira, a cr iança, no discurso analít ico, se gundo Rosine
Lefort (1986), nos esc lar ece “ sob re um ponto tão esse nc ia l como a
const itu ição d o su jeito no disc urso ana lít ico” (p. 66 ). O que se analisa na
clí nica psicana lítica com cria nça s de orientação lacania na é o sujeito.
Esse sujeito que se apresenta em su a co nstitu ição como falta a ser.
É importante demarcarmos qu e essa rela ção d e objeto no s diz da
relação qu e o sujeito enfre nt a co m o mu ndo, apontando qu e cada sujeito
tem com o objeto uma relação particu lar . Esse ob jeto tem a função de
118
masc arar uma angúst ia fundamenta l que se encerra como fundo na
relação do su jeito com o mundo.
Frente a angúst ia fundament a l da castração, Freud (1925/1926) já
apo ntava q ue não há objeto para suprir essa falta e q ue o sujeito , ao
alm ejar esse inte nto, se ver ia numa busca infinita d o objeto sem
encontrá-lo. A castração é o nome da fa lta fundamenta l. Isso posto, o
que fica c laro é qu e, para Freud , a rela ção de objeto traz a marca da falt a
fundame nt al.
No Seminário IV – A Relação de Ob jeto (1956 /1957 ), o q ue Laca n
anu ncia nes se sem inár io sob re a rela ção d e objeto é , essencialmente, a
falt a de objeto . Nesse ponto, Lac an toca no tem a da a ngú st ia, pois esta é
colo cad a em e vidência nessa relação a o dizer que a a ngú st ia é s em
objeto, tal co mo Freud (1925 /1926 ) também definiu em Inib ição,
Sintoma e Angústia . Para dar conta desta fa lta, q ue se coloca como
estrutura comum com a castração, Laca n invento u o ob jeto peq ueno a.
No Seminário X (1 962 -1963) – sobre a A ngú st ia, Lacan introduzirá a
tese de que a angúst ia não é sem ob jeto. Ao ap arecer frent e o nada, a
angústia t em co mo p arceiro ne ssa relação o objeto a, este, sim, tem
“a finidades com o nad a” (MILLER, 1995, p.94).
Aqui, já podemos perceber, na teoria de Freud e Laca n em
refer ência à rela ção de objeto, a distin ção e o distanc iamento dessas
práticas com o utras p ráticas que consideram ess e o bjeto como u ma
realização final do organismo , q u e tem co mo objet ivo a maturidade do
su jeito.
Do mesmo modo, podemos perceb er u m distanc iame nto no que se
refer e à técnica d o jogo e do d esenho, largamente utilizada nos p rimeiro s
tempos da prática co m crianças. No que concer ne à t éc nica do brinqu edo
utilizado no tratamento com crianç as e decid idame nte utilizada p or
Mela nie K lein em sua prática d e trata mento, Rosine Le fo rt (19 86) é
direta em seu posicio namento sobre o b rinquedo na sessão: “Eu nu nca
pense i que eu d everia co locar b rinquedos numa sessão. Eu c olocava
objetos que representa vam simbolicament e, que eram represe ntant es, do
objeto para fazer u ma estrutura” (p. 45 -46). E continua a dizer:
119
p ois, par a as cria nç as, exist e m muit as man ei ras de fala r :
s eja p orq u e ai nda nã o tê m li n gua gem o u p orq ue s ã o
mu it o p eq uenas ou ai nd a p orq u e s ua doenç a n ão p ermitia :
s e vo cê s nã o col oca r em obj et os do s q uais el as p ossa m
fazer al go, exp ri mir al g uma co isa, nenhu ma anális e s er á
p ossí vel (p . 46 ).
120
5.2.2 Fa mília no tra ta mento
10
A instituição se chama “Parent-de-Rosan”, alojamento da Assistência Pública que fazia parte do serviço
hospitalar de Jenny Aubry.
121
uma interpo sição da demanda dos pais. Ass im, a cr iança p ode
estabe lecer, “de saída, u ma relação com uma p resença à q ual todas
mostram uma avidez inte nsa, uma ‘sede intens a d o Ou tro’” ( id em).
Mas, por outro lado, o que determina a biogr afia infant il, diz -no s
Robert Lefort (1991), citando Lacan,
122
5.2.3 O sin toma da crianç a
123
programa de reed ucação para que ele se adequasse. A entr ad a dele no
tratamento almejava a ló gica da estrutura e o particu lar da história d e
desamparo de u m sujeito em sua exp er iênc ia de aba ndo no do Ou tro
(COCCOZ, 2008). Dess e mo do, continua Coccoz (2008), Robert e Rosine
Lefort são uma lu z na escu ridão, essencialment e daquele s qu e ainda
utilizam “p ro tocolo s” na te nt at iva de sub meter as ma nifestaçõ es
irracio nais “d a pulsão de mo rte d e crianças rebeldes, à su gestão ,
negligenc iando seu absoluto d esamp aro e ne gando su a co ndição de
su jeito” (p. 17).
Quando levamos em co nsideração o sinto ma na c lí nica de
orientação laca niana, deparamo -nos com uma produção singu lar do
inco nsc iente. Ele se apres enta co mo condição para o tratamento e a
função do p sic ana lista é interrogá-lo para alcançar o que é mais s ingu la r
no su jeito. Po sição ave ssa às p rát icas encontradas ante s da entrada da
orientação lacania na, que objet ivava suprimir o s intoma a s er viç o da
restitu ição de uma normalidade social.
124
uma ordenação do gozo do s fala nt es, gozo ess e qu e se encontra na
estrutura da fala, de linguagem” (p. 69). Ou seja, co mo diz Bro usse, a
psicanálise ordena o gozo por meio do d iscurso.
Nes sa perspect iva d e trat amento pelo real, a presenç a do ana list a
se faz com a fu nção d e operar, por meio da trans ferência, com a
int erpretação, nos termo s de evo car na cr iança o q ue ela fez d o saber, do
gozo e do objeto a qu e lhe foram oferec idos por seus p ais (AMP, 1996).
A psica nális e trat a pela linguagem. Como nos diz Brousse (2003): “ ela
trata da lingua gem pelo real d o signo, mane jo do real” (p. 72).
O que nos parece mais paradoxal, prosse gue Brousse (2003 ), é que
a psic aná lise “t a lvez nã o seja um tratamento pelo inco ns cie nt e. É um
tratamento p elo rea l [...], é um tratame nt o do gozo p ela letra ” (p. 73). A
psicanálise, portanto, é um tratamento d a lingu age m, pelo ma nejo do rea l
do signo. E ma is adiante ela comp leta : “a psicanálise trata o r ea l, e aqu i
se deve ente nder o real d o sinto ma, ou seja, o que o sintoma enc erra de
resposta ao real pela mat er ialidade do signo” (p . 74).
Ass im, sub linha- no s Alicia Arena s (2 007), a p sic aná lise d e
orientação la ca niana cons idera no tratamento a p ersp ect i va “do real do
gozo iniludíve l na c lí nica e na qual o sujeito não pode d ialet izar, isto é,
com o qual o su jeito tem que aprender a viver” (p. 62). Perspectiva es sa ,
cont inua Are nas (2007), que não é c ompartilhada pelas p ropostas
psicoterápicas e me nos aind a p or orientações psicana líticas dist inta s da
orientação lac ania na.
A clí nica psicana lít ic a com cria nça s de orientação lac ania na em
su a máxima “clí nica orie ntada para o real” já nos aponta o alcance dessa
prática em re lação ao sintoma do sujeito nes sa clí nica.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
11
A psicanálise como prática, comporta um saber-fazer, e podemos dizer que ele se transmite pela
supervisão” (LÁZARO ELIAS, 2003).
126
so frime nto infantil descons ideram o p arad igma d a fo bia e privilegiam a
presença constante da problemática da inib ição , sina liza ndo u ma
desordem neurótica. E ssa inflexão, segu ndo Sant ia go (2005), “que se
opera na t emát ica da fob ia para a inibiç ão , tem co mo pano de fundo o
questio namento sobre a eficácia e os limit es no tratamento co m crianças”
(p. 67). Mais especificament e, o qu e se destaca va naquela data era “como
evitar qu e a criança s e torne um adulto neurótico” ( idem). Essa p osição
se ancora na d es cob erta de Freud (1896 /1980 ) sobre a neurose do adulto
e de su as reminiscê ncia s em rela ção à sexu alidade.
Aprofundando na pesquisa das razões des sa inflexão, encontramo s
também a referê ncia ao conceito freud iano de p ulsão de morte, que
parece ter sido de difí cil e diversa apreensão p ara os psicanalis tas da
épo ca, inc lus ive os a nalist as d e cr iança. Esta p esquisa permit iu a
formulação d a hipótese d e que ho uve, por parte das p ione iras da
psicanálise com crianças, A nna Freud e Melanie Kle in, uma leitura
singular da dime nsão puls iona l inser ida no sinto ma. Tal le itura promove,
em certa medida, o destaq ue ao recurso da adaptação d a cria nça ao
so cial, não sem a consequência de cert o silenc iam ento da mensagem
singular do sintoma do su jeito. Em suma, o recurso à terapêutica da
adaptação d a criança ao soc ial, co m finalidade de sup ressão do sinto ma,
acarretou a descons ideração d a dimens ão puls ional d o sintoma.
O p ercurso realizado, ne ste trabalho , b uscou inve st igar nos te xto s
de Anna Freud e Melanie Kle in como cada u ma dessas d uas pio neiras da
prática ps ica nalít ica com crianças art icu lou o conceito d e pu lsão de
morte e o cons iderou na manifest ação pulsio nal do sinto ma.
A a nálise das co ntrib uições teóricas e clí nicas d e Anna Freud nos
possib ilito u cons iderar que es sa autora d efine como objetivo para sua
prática c lí nica a adaptação d a criança ao social mediante a e lim inaç ão
dos sintomas. S eu ofício de pedagoga e sua inclinação à ob servação de
crianças, na sua p rática como pedagoga, certame nt e teve influência
impo rtante no estabe lec imento de uma prática clí nica adaptacio nista.
Algum tempo depois, a passagem des se ofíc io pedagógico para o
movimento psicanalít ico não subtraiu de sua prát ica o privilégio da
observação d ireta de cr iança s. Anna Freud fez d a observação sua
127
ferrame nta princ ipal para a e xploração do material inco ns cient e, de
forma a a ssociar o sent ido inco nsc iente à compreensão do
comportamento da criança. A ênfa se no s elementos da consciência , t ão
reco rrentem ente utilizada por Anna F reud em d etrime nto d e u ma
exp loração do inco ns cient e, permit iu a c oncepção de sua prática focada
no viés pedagó gico. Do mesmo modo, a emergência soc ial prove niente da
Gu erra reflet iu na prática de A nna Freud: a cr iação de crec hes - lar es par a
o acolhimento de cria nça s q ue sofreram as dificu ldad es da Guerra, as
exp eriênc ias edu cativas na Escola He it inzing, ancorada na p ersp ect iv a da
criança em desenvolvimento , bem como os textos de Freud que
examinavam esse mome nto social, nos parecer am ter colab orado,
so bremane ira, na inte nção de se buscar em so luções med iante a adaptação
da crianç a ao so cial.
Do mesmo modo, Mela nie K lein p articipou desse mo mento de
entrada da psica nálise co m crianças no ano d e 1920. Influe nciada pelos
fundame ntos psicana líticos freudianos, a ncorou sua prática nos primeiros
tempos em uma perspectiva mais c línica, p osição que a difere ncia va
definit ivame nte da prática pedagógica de Anna Freud .
A obra de Melanie K lein propo sta por su a biógrafa Hanna Sega l
(1975 ) se d ivide em dois momentos : um, ancorado nos fu nda mentos
freudia nos, qu e se inic iou no ano de 1 921 até 1932, e outro momento ,
que se iniciou em 1934 e cu lminou em 1957 com o livro Inveja e
Gratidã o, em que se destacam suas próp rias formulações teóricas.
Nes sa divisão p roposta por S ega l (1975), podemos d estacar ,
mediante noss as le ituras, qu e, no primeiro momento de sua obra, mais
espec ificamente na le itu ra do caso relatad o no ano de 1921 , o caso Fritz,
um menino de cinco a nos, nos levou a reco nhecer uma prát ic a de
tratamento que se des via para um viés de adaptação. É a ênfase na
profilaxia do co mportamento que se destacava, ness e ca so , na medida em
que utiliz ava eleme ntos de prevenção contra os sintomas das cria nças.
De forma s imilar , é a perspect iva da cria nça em desenvo lvime nto e a
utilização de recursos educativo s p ara o esc larec imento sexual a e sta,
as so ciad o aos elementos da consc iênc ia que to mam a ce na nesse caso de
Fritz. O s fu ndamentos clí nicos utilizados por Melanie K lein não
128
passaram d espercebidos apó s a exposição desse caso . No final da
conferênc ia so bre o caso Fritz, Dr. Anton Freund (1921 /1965 /1981 ) fez
um questionamento a Melanie K lein em rela ção à sua prática e
questio nou o tipo de tratamento u tiliz ado por ela. Sublinha, ne ss e ca so,
que as observa ções rea lizad as po r Mela nie Kle in eram c ertament e
ana lít icas, p orém não su a int erpretação, pois, se gu ndo ele, ela toma va
“apenas em co nsideração as p erguntas conscientes, deixando de lado as
inco nsc ientes” (p. 54). Do mesmo modo , pod emo s observar que a e ntrada
de Melanie K lein na p rática com cr ianças se d eu no momento so cial da
Gu erra, na qu al a demanda para a so lução emergent e dos conflitos a ela
inere ntes nos pareceu ter influ enc iado , sobremaneira, Me lanie K lei n
nes se momento inic ial. Nesse primeir o mo mento d a elaboração de
Mela ine Kle in, é p ossíve l reconhecer um viés adaptativo no se nt ido de
es sa autora visar à profilaxia do sintoma e à adaptação da criança ao
so cial s inalizar certa eficá cia terapêutica.
Inicia lment e, a hipó tese por nós formulada coloca va A nna Freud e
Mela nie Kle in no mesmo contexto de guiar o tratamento para um vié s
adaptativo do sinto ma na c lí nica, ou se ja, de scons iderar a pu lsão. A
partir d as leitu ras dos te xtos d es sa s duas auto ras, co ncluímos que essa
hipótese não se co nfirmou no qu e se refere à perspect iva c lí nica de
Mela nie K lein. Emb ora ela se apresent e em um primeiro momento de sua
prática a ncorada na ut iliz ação de recursos profilát ico s q ue visa vam à
preve nç ão da neurose, is so não nos autoriza a r eco nhecer em toda sua
prática um encaminhamento de adap tação ao social.
No que concerne à prática c lí nica de Melanie K lein, um segundo
momento de sua teo ria, ta l como proposto por Segal (1975), situa-se em
um temp o mais arca ico do desenvo lvimento da crianç a, não podendo
desco nhe cer neste a presença da dimensão pulsional inser ida no campo
da fa ntas ia e na r elação de objeto. A ansied ade persecutória, resultad o da
presença da pu lsão de morte inerente a o su jeito , coloca em cena os
mecanismos d e defesa pro jet ivos e introjetivos no intento d e se livrar em
e, portanto , de se defenderem des se im pulso destrutivo. Des sa forma,
es sa ans iedade q ue se ma nifest a na cr ianç a se colo ca como d efesa frent e
a pulsão de mo rte e a s er viço da pu lsão d e vida. É o eq uilíbrio nes sa
129
int eração que permite a inte graç ão do eu da criança. Da mesm a ma neira,
o sintoma é uma resposta do sujeito fre nte a a nsiedad e primár ia e a
presença da pulsão de morte, ou se ja, o que se apresent a como
irreco nciliáve l no inco ns cie nt e.
Embora Melanie K lein não desconheça a presenç a da pulsão em
todo seu percu rso teórico , a perspectiva do sintoma como solução não
toma o primeiro plano nesse tratamento. Is so po rque a le itura de sua
teoria a nco rada na perspectiva de uma r elação de objeto é fe ita apoiada
em uma unid ade possí vel dess a relação em detrimento da teoria das
pulsões. De ss e modo, o inconsciente e s eus efeitos, na prátic a de
Mela nie Kle in, podem ser deduzid os dessa relação de o bjeto co nceb ida
como relação de co mpletude (AMP, 1996). O tratamento clínico com
crianças em Mela nie K lein pretende alcançar uma realização ple na com o
objeto, po sição que se d istancia da prátic a a na lít ica q ue se a ncora no
questio namento dessa fa lta, e não em sua comp letude.
Enfim, na perspectiva de um des vio da clí nica com cria nças em
relação ao referencial d a pulsão , pode-se d izer, a partir d este estudo , que
se encontra em A nna Freud uma descons ideração maio r da pulsão em sua
elaboração e sua prática, enq uanto em Melanie K lein encontra-se u ma
me nor descons ideração.
Segu indo ess e po nto de vist a, é p ossíve l cons iderar qu e o sintoma
em A nna Freud era tratado visando -se ao ideal de ad aptação. Da mesma
ma neira, no caso d o menino Fritz apresentado no ano de 1921 por
Mela nie Kle in, p odemos cons iderar, nesse prime iro mo mento, u ma
ancoragem em u ma perspect iva adaptacionista. Des se modo, o sintoma,
decididament e em Anna F reud e no caso de M elanie Kle in, em um
primeiro momento de sua clí nica, se d ista ncia d e uma prática que
reco nhe ce no sinto ma uma resposta do suje ito ao que lhe é ofert ad o pelo
Ou tro social (p ai, mãe). A posição da clínica com o bjetivo s ad aptativos ,
fre nt e o comportamento da cr iança, nos p ermite reve lar qu e no s
dep aramos, ne ss a clí nica, com uma desco nsid eraç ão da pulsão no
sintoma. Podemos citar como exemp lo o campo edu cacio na l, no qual,
muitas veze s, sob a perspectiva de faz er o aluno ficar bem na es co la, de
se guir o padrão normal do d esenvolvime nto, perde -se a dimens ão
130
puls iona l d o sinto ma. Ass im, e le se afast a da d imensão de solução como
propo sta por Jacques Lac an (1969/2003) em seu texto Nota sobre a
criança . Esse te xto, referencial na clí nica com cria nça s, é centrado sobre
a questão do sintoma. O sinto ma da criança, se gundo Laca n, po de se
aprese ntar como resposta ao sintoma do casa l parental ou ao sintoma da
mãe. Ass im, nes sa dimensão de resposta, o sinto ma que representa a
verdade do casa l pare ntal, ou o sintoma que representa a sub jetividade da
mãe, precisa, em um primeiro mo mento , ser “d es fe ito” para q ue depois
uma nova co nstrução possa se tornar uma solu ção possí ve l p ara a
criança. Um a so lução que se ap resent a co mo respo sta. Todavia, u ma
resposta que pode ser bem me lhor p ara o suje ito e, sob retudo, que não
venha elim inar o qu e é próprio do suje ito em prol de u m bom
comportamento.
A orienta ção laca niana s e dirigiu a um mo vime nto d e d enú ncia
aos desvio s pe los quais pass ava a t eo ria de Freu d, buscando reconduzi-la
à su a práxis original (LA CAN, 1964/2003). Ela est abele ceu como
prática, propondo um resgate da letra de F reud em su a origina lid ade. Na
perspectiva da prática clí nica com cria nças , podemos co ns id erar que, a
partir d a entrad a d a orient ação lacaniana , há u m ant es e um depois na
prática do tratamento com crianç as em refer ê ncia ao sintoma. A nterior a
es sa orientação, o sintoma era tomado pela nec es sid ade de sua supressão ,
caso est ives se em desa cordo com o socialme nte a ce it áve l. Ap ós essa
orientação, o sintoma e sua relação com a p ulsão to mam a dimensão de
resposta para o sujeito ; portanto , possuem valor de mens agem como
produ ção do inconscie nt e.
Robert e Ros ine L efort, a lunos de J acques Lac an, p rivile giam ess a
relação entre pu lsão e s intoma. É o sint oma como solu ção qu e toma a
ce na, perturbando a tendência à adaptação. O aforismo preconiz ado por
es se s autores de que “a cria nça é um su jeito em plenos dire itos” prete nde
romper com as p ráticas adap tacio nist as ao colocar em rele vo o
inco nsc iente e suas produções.
No conte xto d a clí nica com cr ianç as , d epois d a orient ação
lacania na, não se torna ma is possí ve l tomar a adap tação como a única
perspectiva. A orie ntação lac ania na dá impulso a uma nova forma de
131
reco nhe cer e trabalhar a dema nda recorrente de soluçõ es para as
dificu ldades aprese ntadas pelas cr ia nça s, por exemplo, na e scola. Du as
verte ntes de re spo stas podem ser co nsid eradas fre nt e o comportamento
inad equ ado d a cria nça na e scola: uma vertente se d irige a reconhecer que
os problemas que as cria nça s apresent am estão atrapalha ndo a adaptação
dela s na escola, a outra verte nte se dir ige a considerar q ue são sintomas
e que merecem ser tratado s. Ass im, conceber a cr ianç a co mo um
ana lisa nt e em ple nos direitos, na perspect iva da orientação lacania na, ir á
destacar essa s egunda verte nt e d o s intoma escolar querer dizer outra
cois a que não nece ssar iam ente a dificuldade de ad aptação da criança .
Enfim, o que podemos reconhecer é que , no intento de adaptar a
criança ao ambie nt e es colar, a dimensão do sintoma como produção do
inco nsc iente se perde , porqu e ele perde o potencial de querer dize r
algu ma coisa além do comportamento em s i. É important e re ss altar q ue a
questão do sintoma é a qu estão do sujeito do inco nsc ient e. Dessa forma,
ele não pode ser tratado visand o ao id eal da esco la, ao alu no id eal p ara a
esco la; p osição aves sa ao qu e enco ntramo s a ntes da e ntrada da
orientação lac ania na na tendênc ia a resp onder ao Outro socia l.
Portanto, na clí nica de orie ntação lacaniana , quando mencio namo s
o sintoma como solução é p ara desta car q ue o sintoma é um a solu ção que
permite ao suje ito fazer um laço com o so cial. Ou seja, o sinto ma
permite uma ad aptação pela singu lar idad e de cada sujeito, p ois e le é u ma
so lução para cada sujeito e star bem no so cial. Des se modo, no trab alho
da clí nica p sicana lítica com cria nça s, o objet ivo do psicanalista não visa
à adaptação da cria nç a ao soc ial. No ent a nto , ele irá trabalhar para q ue a
criança, a partir d e seu sintoma , possa utilizar o socia l para alca nçar seu
objet ivo particular. Tomando como referênc ia do social a e scol a, a
criança ir á se adaptar a ela se for um bem p ara ela; po r ou tro lado, ela
não irá se adaptar à e scola s e est a e st iver correspondendo à exigênc ia do
Ou tro . Conceb er a cr iança co mo um a nalisante em ple nos dire ito s
permite recolocar a cr iança como sujeito na psicaná lise. Do mesmo
mod o, destacar a e ntrada des se su jeito na clí nica de orie nt ação lacaniana
é uma maneira de ap lic ar a ps ica nálise com crianças , aproximand o -se
132
mais estreitamente da c lí nica psicanalí t ica do que da demanda
edu caciona l.
Esta pesquisa, sobretudo, denuncia o impasse provo cado pelas
práticas ob jet iva ntes q ue levam à adap tação do sintoma do su jeito a um
idea l socia l e, como conseq uência, sua elisão. Sob retudo, propõ e u ma
convocação à es cuta do sujeito em sua relação com o inconscie nte. N o
enta nto, a temát ica desta pesquisa at inge diretame nte uma p reocupação
profiss io na l tanto no ofício ed ucacional quanto no clí nico. N a relação
entre p sica ná lise e educação, não se pod e inc id ir no equívoco da
aplicação dos conce itos ps ica nalít ico s na p rática educativa, mas pode-se
trans itar entre esses dois campos, possibilit ando à cria nça a co ndição de
su jeito dese jant e.
Fina lment e, este trabalho se apres enta esc larecedo r para meu
percurso prático e teórico na c lí nica com cria nças. Espero qu e ele possa
contrib uir para outras pessoas qu e praticam essa clí nica e se s intam
int errogadas p ela perspect iva da re ferência ao sinto ma na clí nica com
crianças. Do mesmo modo, a invest igaç ão referente ao lugar da cr iança,
su jeito, e do ana lista, na orientação laca niana, elu cidou para o analista a
impo rtância de s e manter certa dist ânc ia d o qu e seria a demand a d as
institu ições p ara o trat amento com cr ianças ; es se nc ia lme nte, para que
es se trata me nto não vis e aos objet ivos da inst ituição em detrimento do
su jeito em análise. A re le vâ ncia de ste tr abalho é no se nt ido de alertar
aqu eles que trabalham na clí nica com cr ianças para qu e essa prática não
se ja u ma resp osta de adaptação à inst it uição o u ao Ou tro so cial. Na
clí nica de orient ação laca niana, o sinto ma manifest ado p elo su je ito tem
sempre um querer dizer sobre ele.
133
REFERÊNCIAS
ARENAS, A licia. T ipo Clí nico e caso único, conceitos que não se
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