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PROPOSTAS CONCEITUAIS PARA A COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

COMUNICAÇÃO INTEGRADA: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

Fábia Pereira Lima


Hérica Luzia Maimoni

O processo de comunicação é um diálogo constituído da interação de sujeitos em uma ação de


linguagem. Segundo Mikail Bakhtin (1986), todo e qualquer processo de comunicação sugere a
relação com o outro, sendo impossível conceber a experiência humana fora das relações de
interação. São essas interações (a comunicação, portanto) que fundam o que entendemos por
sociedade (MEAD, 1967).

Avaliar a comunicação somente sob a perspectiva do emissor, que, por meio de um canal, transmite
uma mensagem específica a um receptor, é reduzir a complexidade desse fenômeno a um sistema
de transporte de um ponto a outro.

Por isso, os atores1 envolvidos em um processo de comunicação não podem ser desconsiderados
em sua capacidade de produção de sentido, vistos somente na condição de codificadores ou
decodificadores de mensagens.

Se entendemos as organizações como sujeitos sociais que, em interação com outros atores,
instituem a sociedade (e sendo ela própria constituída pela interação de seus integrantes),
percebemos a importância do estudo sobre essas relações (comunicação organizacional) – as quais
podem contribuir para a compreensão de fenômenos sociais mais amplos. Entendemos a
comunicação no contexto organizacional, portanto, como todas as ações de interação que envolvem
a organização e outros atores sociais, nas quais, com base em determinada materialidade simbólica,
os interlocutores desse processo (instâncias comunicativas ativas) produzem sentido.

Considerando-se que a natureza das organizações pressupõe a capacidade de estruturação de seus


processos, percebe-se como as atividades de gerenciamento são inerentes a esses atores sociais. As
interações comunicacionais no contexto das organizações, por sua vez, podem tanto ser
espontâneas e não planejadas (a exemplo de um bate-papo informal entre um diretor e um
subordinado), como alcançar um grau em que há efetiva gestão das ações (pelo planejamento de
comunicação, por exemplo).

No entanto, é preciso considerar os limites desse processo, já que o controle absoluto das
interações não pode ser alcançado por nenhuma das partes envolvidas, não devendo, portanto,
constituir objetivo do ato de gestão da comunicação organizacional. Avaliar a sinergia e a
integração entre as diversas áreas de uma organização pressupõe um olhar abrangente de suas
necessidades comunicacionais, que precisam ser pensadas pra além de supostos controles. Assim
como Fausto Neto (2008), propomos pensar as realidades comunicacionais para além de supostos
controles, uma vez que a comunicação não pode ser vista como um mecanismo de fabricação
planejada dos sentidos.

GESTÃO DE PROCESSOS COMUNICACIONAIS

Quando a organização adota uma sistemática complexa de procedimentos – incluindo esforços de


pesquisa, planejamento, implementação, avaliação e controle de suas interações, pode-se dizer que
se dá a gestão de seus processos comunicacionais. É nessa perspectiva de gestão que encontramos
o conceito de comunicação integrada, em um entendimento de que os relacionamentos

1
Nessa perspectiva, consideramos atores pessoas ou grupos inseridos em algum processo social e que,
portanto, têm capacidade de afetar esse sistema ou de ser afetado por ele.
organizacionais serão tanto mais efetivos quanto mais forem orientados estrategicamente.
Entretanto, essa orientação das interações comunicacionais das organizações passa, em primeiro
lugar, pelo entendimento da natureza dessas relações: afinal, que tipo de interações a organização
estabelece? Ou o que é preciso integrar? Margarida Kunsch (2003, p. 150) nos ajuda a responder a
essas questões quando defende que a comunicação integrada é

Uma filosofia que direciona a convergência das diversas áreas,


possibilitando uma atuação sinérgica. Pressupõe uma junção da
comunicação institucional, da comunicação mercadológica, da
comunicação interna e da comunicação administrativa, que formam o
mix, o composto da comunicação organizacional.

Nessa proposição, a autora defende que a comunicação institucional, vinculada às relações públicas,
visa desenvolver relações de confiança sólidas e construir reputação positiva com toda gama de
interlocutores organizacionais. Já a comunicação mercadológica, vinculada ao marketing, tem
natureza persuasiva e gira em torno de objetivos de negócio, ou seja, objetiva, em última instância,
convencer o consumidor a adquirir os bens ou serviços da empresa. A comunicação interna
compreende os esforços em viabilizar a interação entre a organização e seus empregados. A
comunicação administrativa são esforços, ações que proporcionam o pleno funcionamento dos
setores organizacionais (KUNSCH, 2003). A integração dessas instâncias compõe o chamado “mix
da comunicação integrada”, como mostra a Figura 1:

Figura 1 – O composto da comunicação integrada

Mais que defender a integração dos setores de comunicação de uma organização, percebemos que a
perspectiva da comunicação integrada preconiza a não fragmentação de seus processos. Isso
implica não tomar relações públicas, marketing e comunicação interna apenas como setores ou
áreas da organização nem relações públicas, publicidade e jornalismo apenas como atividades
profissionais. Ao tomar esses conceitos, estamos nos referindo a processos que, como tais,
perpassam e ultrapassam setores, hierarquias e mesmo as barreiras organizacionais.

A ideia de integração dos esforços de comunicação, como nos narram Cees van Riel e Charles
Fonbrun (2007), aparece n bibliografia da área como estratégia mercadológica das organizações
com o objetivo de conquistar fidelização de seus clientes. Integração, nesse sentido, compreende a
coordenação das funções mercadológicas das organizações de modo que suas mensagens de marca
sejam consistentes, coerentes e sem contradições internas.

Já Joep Cornelissen (2004) compreende que a ideia de integração faz parte da evolução histórica
das relações públicas e do marketing. O autor aponta que em um determinado momento, durante as
décadas de 1980/1990, com as forças socioeconômicas que conformaram a sociedade, habilidades
de relações públicas e do marketing passaram a ser trabalhadas complementarmente, dando
origem ao conceito de comunicação corporativa. Dessa forma, integração pressupõe alinhamento
ou coordenação, ou seja, “integração das atividades de marketing e relações públicas com o objetivo
de conseguir o melhor impacto possível para uma organização e seus produtos com suas audiências
externas” (CORNELISSEN, 2004, p. 41).

Outra perspectiva que tenta explicar a comunicação integrada pela ótica das interações
estabelecidas pela organização com seus interlocutores pode ser adotada tomando-se como
referência a proposta no modelo de interação dialógica (OLIVEIRA; PAULA, 2007). Esse modelo não
compreende as interações organizacionais como algo estanque, mas como projeções dos tipos de
interação que podem acontecer entre uma organização e diversos interlocutores, como podemos
observar na Figura 2:

Figura 2 – Modelo de interação comunicacional dialógica


Trata-se, portanto, de um modelo dinâmico de interação organizacional em que a organização é
tomada como interlocutora privilegiada, sem desconsiderar o fato de que outras interações
colocarão em evidência outros interlocutores, ou seja, ao tomar a perspectiva da gestão da
comunicação organizacional, podemos considerar a organização como interlocutora privilegiada
que cria espaços de interlocução com diversas outras instâncias (que também se comunicam entre
si), em uma dinâmica em que, ora uns atores ora outros, se revestem de mis ou menos poder e
maior ou menor importância, simultaneamente ou não.

O modelo de interação comunicacional dialógica nos ajuda a entender que, ao focarmos nos
processos interacionais nas organizações, imprimimos um perspectiva mais abrangente à proposta
de integração da comunicação, já que percebemos cada interlocutor desse processo com base na
perspectiva da organização – ou seja, enfatizarmos “o outro” da interação como referencial da ação
organizacional. Assim, podemos destacar como as relações estabelecidas com cada tipo de
interlocutor demandam habilidades distintas e é precisamente aí que entendemos a atuação das
profissões e dos setores da comunicação organizacional (jornalismo, relações públicas, publicidade,
marketing etc.).

É no âmbito das interações com os empregados que se torna possível falar em comunicação interna;
no âmbito das relações com os clientes, pode-se falar de comunicação mercadológica e marketing;
com a imprensa, de assessoria de imprensa; e assim sucessivamente. A comunicação integrada aqui
seria compreendida justamente com base na figura central da organização, que, como gestora do
processo (mas sempre considerando as perspectivas de seus interlocutores), é responsável por sua
articulação, de modo que mantenha uma coerência de discurso, comportamento e iniciativas, nas
diversas interações que promove.

INTERAÇÕES ORGANIZACIONAIS INTEGRADAS

Tendo em vista a pluralidade de interações organizacionais, percebemos que a comunicação


integrada tem como objetivo maior manter a coerência na interação com os vários públicos de uma
organização, em torno de interesses comuns. Para isso, um processo de comunicação
organizacional integrado traz o uso de várias técnicas e instrumentos de comunicação que
alcançam ainda maior diversidade, abrangência e conteúdo com o advento das novas tecnologias da
informação. Tais meios são utilizados para compor não necessariamente uma unicidade e
linearidade da mensagem, mas um cenário, no qual o sentido final será construído pela cognição do
receptor (CASALI, 2004). A abordagem estratégica da comunicação integrada no contexto
organizacional não prevê, portanto, a unicidade da mensagem, mas, sim, uma coerência das
interações ante os objetivos da organização.

A repetição de um conteúdo único em diferentes canais já não é mais


apropriada, as pessoas buscam informações distintas em cada veículo de
comunicação. Por exemplo, na consulta de jornais on-line, os leitores
buscam informações distintas ou mais aprofundadas que a sua versão
impressa. (...) Cada veículo de comunicação deve oferecer um benefício
singular (MANTA, apud CASALI, 2004, p.5).

A prática da comunicação integrada está relacionada, ainda, a conteúdos múltiplos e a equipes


diversificadas. As transformações do mercado e das ferramentas tecnológicas envolvidas em
processos de comunicação, como internet, videoconferência, salas de bate-papo, entre outras,
também têm alterado as formas de interação entre organizações e seus grupos de relacionamento
(CASALI, 2004). Se, por um lado, a operacionalização desses meios demanda conhecimentos cada
vez mais especializados, de outro, a gestão integrada destes em ações consoantes com outras que
tenham como baliza os objetivos organizacionais, demanda, cada vez mais, a formação de
profissionais com visões mais globais do processo. Por isso, a comunicação integrada realiza-se
com a formação de equipes multidisciplinares e com diversas e complementares habilidades (não
necessariamente habilitações).

De forma estratégica, as oportunidades de interação com os atores organizacionais devem receber


todo o apoio de meios que favoreçam um claro posicionamento das organizações diante das
questões de interesse desses atores (OLIVEIRA; PAULA, 2007). A comunicação integrada deve se
tornar, portanto, um conjunto de ações desenvolvidas para agregar valor ao posicionamento
estratégico de uma organização.

Assim, como a comunicação integrada se realiza, na prática? Todo esse processo, já que se inscreve
nos princípios da gestão, deve iniciar-se por uma fase de pesquisa, em que se busca conhecer não
apenas realidade da organização, mas as demandas de seus interlocutores e o ambiente em que
essa opera. Essas pesquisas servirão de subsídio para pensar estrategicamente as ações integradas
de comunicação, que se desdobrarão em fluxos, canais e meios, de acordo com o contexto dos
grupos de interesse envolvidos. Uma vez elaboradas, as ações passam a ser implantadas nas
organizações e devem ser monitoradas, de modo a produzir resultados esperados e, também, novas
estratégias e ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos demonstrar, o conceito de comunicação integrada engloba pelo menos quatro
dimensões distintas de análise: 1) a integração de equipes multidisciplinares (que hoje gerenciam a
comunicação organizacional); 2) a integração das mensagens organizacionais (que devem ser
coerentes e evitar contradições); 3) a integração de processos e funções comunicacionais
(compreendendo os esforços mercadológicos, institucionais, administrativos e de coesão interna);
4) a integração da estrutura organizacional (a coordenação das ações organizacionais, por meio de
departamentos e setores, em torno de objetivos comuns).

Trata-se, portanto, da otimização dos esforços para a construção de um todo organizacional


coerente (em uma perspectiva interna e externa), uma coletividade que age de forma organizada e
articulada, com base em objetivos compartilhados (bem definidos e convergentes), para, assim,
alcançá-los de forma eficaz. A comunicação integrada deve ser vista como grande aliada da
comunicação no contexto organizacional, uma vez que busca a sinergia de todos os pontos de
contato desejáveis para a organização. O desafio é pensar em novas formas de interação que, de
fato, estabeleçam um sentido de unidade perante a natureza dinâmica, mutável e imprevisível dos
processos de comunicação e das relações sociais.

Por isso, ressaltamos a importância de se pensar a comunicação de forma integrada, sem separação
entre a atuação dos vários departamentos e dos profissionais de comunicação que atuam em uma
organização. As atividades integradas de comunicação devem objetivar a coerência das interações
da organização com seus interlocutores, em face de seus objetivos, representando uma somatória
de ações conjugadas e complementares. A comunicação no contexto das organizações, quando bem-
sucedida, não é resultado do esforço individual ou de um departamento específico. São questões
pensadas com base na comunicação integrada que alinham o processo de ações organizacionais em
prol do alcance de objetivos comuns, sendo sempre uma intenção e uma construção coletiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. De Michel Lahud e Yara Frateschi. São
Paulo; Hucitec, 1986.

CASALI, Adriana M. “Comunicação integrada e novas tecnologias de informação”. São Paulo.


Disponível em: <HTTP://www.sinprorp.org.br/clipping/2004/170.htm>. Acesso em 21 de julho de
2009.

CORNELISSEN, Joep. Corporate communications: theory and practice. Londres: Sage Publications,
2004.

KUNSCH, Margarida M. Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrda. 4. Ed.


– rev., atual. E ampl. São Paulo: Summus, 2003.

MEAD, George H. Mind, self and society: from the standpoint of a social behaviorist. Vol. I. Chicago, IL:
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NETO, Antônio F. “Comunicação das organizações: da vigilância aos pontos de fuga”. In: OLIVEIRA,
Ivone de Lourdes; SOARES, Ana T. Nogueira(org.). Interfaces e tendências da comunicação no
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OLIVEIRA, Ivone de Lourdes; PAULA, Maria A. O que é comunicação estratégica nas organizações?
São Paulo: Paulus, 2007.

VAN RIEL, Cees B. M.; FOMBRUN, Charles J. Essentials of corporate communication. Oxon, England:
Routledge, 2007.

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