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Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 6 : 83-121, 1996.

OS GRUPOS CERAMISTAS PRÉ-COLONIAIS


DO CENTRO-OESTE BRASILEIRO

Erika Marion Robráhn González*

ROBRAHN GONZALEZ, E.M. Os grupos ceramistas pré-coloniais do Centro-Oeste brasileiro.


Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

RESUMO: O presente artigo discute a posição da região Centro-Oeste brasi­


leira enquanto área de confluência para deslocamentos diversos relacionados a
grupos ceramistas (sejam deslocamentos de informações, objetos e/ou pessoas
oriundos das regiões circunjacentes em período pré-colonial), que teriam exercido
significativas influências tanto na origem dos grupos como na historia de seu
desenvolvimento cultural. Em termos operacionais, a realização do trabalho se
deu através da releitura das informações disponíveis na bibliografía, de forma a
sistematizá-las a partir de problemas básicos de investigação; por outro lado,
procedeu-se a urna reanálise dos dados e do material coletado em urna amostra
de quarenta e sete sítios cerâmicos, expostos a uma série de testes estatísticos.

UNITERMOS: Grupos ceramistas - Região Centro-Oeste - Migração -


Contatos culturais.

A partir de 1990 vimos desenvolvendo o “Pro­ ro, o que envolve não apenas a análise de seus vesti­
jeto Arqueológico Brasil Centro-Oeste”, tendo-se gios, mas também a busca de elementos externos,
concluido, em 1996, sua primeira fase de execu­ urna vez que a ocupação da região está fortemente
ção, apresentada na forma de tese de Doutoramento envolvida com movimentos populacionais mais
junto à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências amplos, incluindo fenômenos como migração e
Humanas da Universidade de São Paulo (Robrahn diferentes formas de interação cultural.
González 1996). As linhas gerais do Projeto, refe­ Problemas referentes à origem dos grupos re­
rentes à proposta de trabalho e procedimentos montam aos últimos séculos a.C. e dizem sobretu­
adotados foram anteriormente publicados (Robrahn do respeito às diferentes gradações que apresenta­
González 1995). Já o presente artigo visa apresen­ riam entre insumos internos (relacionados a proces­
tar uma síntese dos resultados, discussões e análi­ sos locais de desenvolvimento cultural) e externos
ses que puderam ser desenvolvidos, bem como as (pela introdução e/ou substituição de padrões cultu­
perspectivas de continuidade dos estudos. rais). A hipótese apresentada pelo Projeto é de que
O objetivo maior do Projeto é discutir a diná­ a região Centro-Oeste teria se caracterizado en­
mica dos processos de formação e desenvolvimen­ quanto área de confluência para deslocamentos
to dos grupos ceramistas do Centro-Oeste brasilei- diversos relacionados a grupos ceramistas (seja
deslocamento de informações, objetos e/ou pesso­
as), oriundos das regiões circunjacentes em perío­
(*) Professora Colaboradora do Museu de Arqueologia e do pré-colonial. Embora certamente os grupos ca­
Etnologia da Universidade de São Paulo. çadores e coletores que ocupavam a região devam

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ter passado por processos de mudança cultural em pesquisa arqueológica na região, de natureza e
que absorveram e/ou desenvolveram o conhecimen­ alcances extremamente variados. De qualquer ma­
to do cultivo e da cerâmica, parece difícil supor neira, é inegável que as centenas de sítios cerâmi­
que tenham sido os únicos responsáveis pelas ex­ cos identificados forneçam um significativo conhe­
tensas, populosas e diversificadas aldeias que, cimento acumulado, passível de delimitar e direcio­
aproximadamente a partir do século IX, se espa­ nar os principais problemas de investigação. Para
lham pela região. Por outro lado estão as discus­ tanto, desenvolveu-se, inicialmente, um levanta­
sões que lançam mão das evidências externas, ou mento crítico, uniforme e sistemático dos dados
seja, do fato das indústrias cerâmicas do Centro- existentes na bibliografia, que registra um total de
Oeste se integrarem a um contexto arqueológico 645 sítios cerâmicos. Resultados imediatos deste
muito mais amplo, envolvendo outras regiões do levantamento foram a produção de um Mapa Es­
país, reforçando assim a possibilidade de interfe­ quemático de Localização de Sítios e um Cadastro
rências externas. de Sítios (Robrahn González 1996), que pela pri­
Dentro deste contexto, a presença de grupos meira vez reúne todas as informações disponíveis,
ceramistas no Centro-Oeste apresentaria como servindo de referência básica para a presente pes­
matriz insumos culturais distintos, de origem inter­ quisa.
na e externa, cujos níveis de participação necessi­ Além disto, desenvolveu-se um estudo do ma­
tam ser, caso a caso, explicitados. Neste sentido, terial coletado em uma amostra de 47 sítios (Tabela
toma-se necessário discutir as condições que teriam 1, Figura 1), definida a partir de critérios quantita­
favorecido tais processos, bem como a forma como tivos e qualitativos específicos (Robrahn Gonzá­
se teriam realizado os deslocamentos (seus tipos, lez 1995, 1996). Estes sítios foram identificados
rotas de penetração, áreas de ocupação, mecanis­ por pesquisadores diversos e as coleções de mate­
mos de adequação e transformação). rial se encontram depositadas no Museu Antropoló­
Já quanto aos processos de desenvolvimento, gico da Universidade Federal de Goiás (Goiânia),
a hipótese do Projeto é que, embora inicialmente no Instituto Anchietano de Pesquisas (São Leopol­
cada grupo teria apresentado padrões culturais dis­ do / RS) e no Escritório Técnico do IPHAN de
tintos e mantido territórios quase exclusivos de Cuiabá.
ocupação, contatos extra-culturais eram freqüentes, Devemos notar que o fato de os trabalhos te­
ainda que sua natureza possa ter variado de forma rem partido de interesses e procedimentos varia­
significativa. Com o passar do tempo, e aproxima­ dos faz com que as coleções cerâmicas constituam
damente por volta do século X de nossa era, estes a única informação comum, em detrimento de ou­
contatos teriam ocorrido com maior intensidade e tras indústrias que os sítios apresentariam, bem
através de estímulos diversos, motivando profun­ como de dados sobre os sítios em si. Isto faz com
dos processos locais de mudança cultural, através que a cerâmica ocupe ainda, consequentemente,
de fusões inter-grupais, da emergência de novas um lugar de destaque no presente trabalho, embo­
unidades culturais ou, até mesmo, da confinada ra estejamos conscientes dos riscos de inferir pa­
manutenção de determinados núcleos originais. Os drões e processos sócio-culturais basicamente a
últimos séculos antes da conquista européia se ca­ partir desta evidência.
racterizariam, portanto, por um período de inten­ Por outro lado, uma vez que a perspectiva teóri­
sas transformações culturais, resultando no surgi­ ca da pesquisa está baseada no estudo de sistemas
mento de uma série de variações locais, que passam sócio-culturais em sua estrutura, funcionamento e
a constituir o padrão arqueológico regional. Desta mudança, onde a ocorrência de variações cultu­
situação é que derivaria, na época do contato com rais se manifesta de diferentes fo rm as e em diver­
o colonizador (séculos XVII e XVIII} a grande den­ sas partes do sistema, a continuidade das análises
sidade e diversidade de grupos etnográficamente se estende aos dados disponíveis sobre os sítios,
conhecidos. procurando identificar variações quanto à forma,
Certamente o quadro de discussão aqui apre­ tamanho, implantação e localização, reconhecendo
sentado é preliminar e provisório, uma vez que não mudanças em mais de um componente, seus pa­
traduz apenas o conjunto de informações que pu­ drões e inter-relações.
deram ser obtidas através do presente estudo, mas Sem dúvida, a presente pesquisa implica no tra­
antes de mais nada reflete as condições gerais da tamento de questões muito mais amplas e comple-

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TABELA 1 e/ou objetos trocados, extensão das redes de rela­


ções estabelecidas e identidade étnica, a maioria
Relação dos 47 Sítios Selecionados
delas ainda de difícil aplicação frente aos dados dis­
SIGLA NOME poníveis para o Centro-Oeste. Isto sem considerar
que o próprio “objeto guia” da pesquisa (a indústria
GO-CA-Ol Cachoeira 1 cerâmica) demonstrou conter diferentes significa­
GO-CA-02 Matinha do Buriti dos nos processos de interação e mudança cultural,
GO-CA-05 Buriti Paineira
refletindo-os, portanto, de diversas maneiras. As­
GO-JA-Ol Diogo L. da Silva
GO-JA-07 Alto do Bonfim sim, embora as análises desenvolvidas tenham, sem
GO-JU-16 Claudino G. Santos dúvida, alcance limitado, procuramos realizar um
GO-JU-23 Amadeu Cesar exercício de análise, explorando seu potencial in­
GO-JU-27 Israel Amorim formativo e indicando vias de continuidade.
GO-JU-34 Toninho I. Amorim
GO-JU-36 Pedro Pereira 1
GO-NI-03 Gruta dos Milagres
GO-NI-06 Gruta Maracanã A análise dos sítios selecionados
GO-NI-31 Luis A. Oliveira
GO-NI-35 Felix de Morais
GO-NI-47 Manuel Emilio
Sendo a cerâmica o principal vestígio materi­
GO-RS-Ol Ramusse A. Nobrega 1 al dos sítios tratados e uma vez que as publicações
GO-RV-02 Bonsucesso existentes apresentam estudos realizados segundo
GO-RV-13 Retiro 1 critérios e níveis bastante variados, nosso primeiro
GO-RV-18 Número Provisório 17 objetivo foi desenvolver um tratamento sistemáti­
GO-RV-31 " 05
co e uniforme das coleções dos 47 sítios seleciona­
GO-RV-34 " 72
GO-RV-35 73 dos. Como resultado, obteve-se um quadro descriti­
GO-RV-41 01 vo e comparativo das diversas indústrias a que se
GO-RV-43 " 66 relacionam.
GO-RV-47 " 04 Outro objetivo foi o de identificar elementos
GO-RV-66 45
indicadores de variações entre os sítios, represen­
GO-RV-78 52
MT-GA-32 Cambaúva 2 tados na forma de uma distribuição diferenciada
MT-GA-33 Cambaúvá 3 de atributos qualitativa e quantitativamente. Bus-
MT-GA-37 São João 4 ca-se com isto reconhecer diferenças indicadoras
MT-GA-42 Córrego do Mato 1 de variações culturais que, juntamente com as de­
MT-GA-46 Sete Voltas 1
mais fontes de informação (distribuição dos sítios
MT-GA-48 Araguainha 1
MT-GA-52 Araguainha 5
no espaço, cronologia, morfologia e tamanho dos
MT-RN-22 assentamentos, etc.), tragam dados sobre a natureza
MT-RN-32 e o processo de ocupação dos grupos ceramistas
MT-RN-36 Roça do Waldemas da região.
MT-RN-46 Fazenda Grotão Dentro deste contexto, o estudo tomou como
MT-RN-47
unidade básica o vasilhame cerâmico enquanto
MT-SL-03
MT-SL-04 artefato, vetor de informação que conduz princi­
MT-SL-24 Chico Mineiro 2 palmente às atividades quotidianas, mas cujo con­
MT-SL-29 Lote da Sobra teúdo sociológico permite discutir sobre esferas não
MT-SL-43 Cemitério Troale materiais da cultura. Não se consideraram, portan­
M T-SL-51 Morro das Araras
to, os fragmentos cerâmicos e a análise de seus
MT-PO-03 Morro do Cará-Cará
MT- Aterro Capivara atributos de maneira isolada, mas sim as relações
que mantêm entre si numa forma particular de vasi­
lhame. O interesse se volta ao princípio de organi­
zação das unidades, identificadas através de pa­
drões.
xas, que abrangem temas como contemporaneidade Esta perspectiva se mostra particularmente
e hierarquia dos assentamentos, demografia, inten­ interessante quando nos propomos não apenas a
sidade de contatos culturais, volume de informações identificar variações que determinada indústria

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Fig.l - Localização esquemática dos 47 sitios selecionaldos.

cerâmica apresenta no tempo e no espaço (como a tos de que faz parte. Desta forma é possível, por
introdução de novo tipo de antiplástico, de nova exemplo, reconhecer se as alterações ocorrem ape­
forma de vasilhame, etc.), mas principalmente ca­ nas em determinados atributos que passam a ser
racterizar sua natureza dentro do quadro de artefa­ adotados no conjunto da indústria, ou se aparecem

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reunidas em vasilhames, que podem ter sido intro­ coração, forma do lábio, forma da borda, tipo de
duzidos no sítio enquanto artefatos inteiros. borda, distância do ponto de inflexão até o lábio,
Assim, dos 37.791 fragmentos cerâmicos asso­ ângulo de inclinação da borda, forma dos vasilha­
ciados aos 47 sítios da amostra, foram seleciona­ mes, volume e tipo de base. Estas classes foram
dos e classificados os 5.363 fragmentos de borda, desmembradas em 65 variáveis.
base, ombro, apêndices e outros que permitem o Os atributos e suas variáveis foram compara­
desenvolvimento de análises baseadas em artefa­ dos simultaneamente por meio da Análise de Clus-
tos (ou ainda, nos vasilhames cerâmicos que, a par­ ter, programa SPSSX - versão 5,0, com método
tir destes fragmentos, podem ser reconstituídos). “Ward” e medida de distância Euclidiana ao Qua­
Para cada um deles se dispõe, individualmente, da drado (Fig. 2). Todo o tratamento estatístico deste
leitura de atributos tecnológicos, morfológicos e trabalho foi desenvolvido pela empresa “Tableau
estilísticos, reunidos em um banco de dados infor­ - Estatística Aplicada S/C Ltda”. Como resulta­
matizado, o que permite um tratamento estatístico do, os 47 sítios selecionados foram divididos em 7
comparativo de variáveis múltiplas e não apenas Conjuntos, que passaram a constituir nosso objeto
de uma ou algumas variáveis subjetivamente esco­ de estudo. Suas principais características são
lhidas pelo pesquisador. Com isto, a unidade básica apresentadas abaixo. No intuito de oferecer maior
não é mais uma cultura arqueológica, mas comuni­ clareza à discussão, os Conjuntos são apresentado
dades locais representadas por sítios individualiza­ obedecendo à cronologia das ocupações que lhe
dos, procedimento imprescindível para abordar são relacionadas, permitindo um melhor encadea-
questões relativas à dinâmica sócio-política de po­ mento dos problemas.
pulações.
Uma vez que os diferentes trabalhos desenvol­ Conjunto 5
vidos no Centro-Oeste indicam que a cerâmica
apresenta variações tanto ao nível tecnológico, mor­ Reúne 4 sítios: GO-NI-06 e 11, GO-RS-01 e
fológico como estilístico, nossas análises procura­ GO-JA-01. Os 2 últimos foram inicialmente rela­
ram efetuar a leitura do maior número e diversida­ cionados à tradição Una (Schmitz & Barbosa 1985,
de possíveis de atributos, de maneira a poder identi­ Barbosa et alii 1982, Wüst & Schmitz 1975).
ficar os elementos específicos de cada indústria. Este Conjunto é o que, dentre todos os anali­
A partir dos fragmentos de borda e vasilhame sados, apresenta a indústria cerâmica mais sim­
foram reconstituídos com segurança 3.124 formas, ples, constituída basicamente por vasos infletidos
para as quais se realizaram, individualmente, cálcu­ (52,2%) e diretos (46,7%) de pequenas proporções
los de volume. A análise incluiu, ainda, dois atribu­ (chegando a 72,5% de peças com até 1 litro de ca­
tos que se mostraram favoráveis nos estudos esta­ pacidade) e poucas variações tecnológicas e estilís­
tísticos desenvolvidos por Wüst (1990) no vale do ticas. A baixa quantidade de vasilhames presentes
São Lourenço: ângulo de inclinação da borda e dis­ nos sítios, aliada à simplicidade de suas caracterís­
tância do lábio ao ponto de inflexão. ticas, sugere um uso bem mais restrito e/ou especí­
Uma vez que se define como unidade básica fico do que o indicado pelos demais Conjuntos,
de análise o vasilhame cerâmico enquanto arte­ como veremos adiante. É possível que estes sítios
fato, partimos de sua classificação morfológica para correspondam a locais de atividade específica e,
avaliar a ocorrência dos demais atributos considera­ neste caso, os artefatos analisados só poderiam ser
dos. Assim, por exemplo, uma vez que no conjunto entendidos dentro da indústria maior da qual fari­
estudado ocorram pratos, passamos à descrição am parte.
dos tipos de antiplástico que apresenta, queima, Variações na indústria sugeriram uma diversi­
tratamento de superfície, decoração, volume, etc., ficação dos sítios no sentido norte-sul. No extremo
e assim sucessivamente para todas as formas iden­ norte (médio Tocantins) tem-se a coleção mais sim­
tificadas (uma minuciosa análise das indústrias ples e com menor interferência de elementos exter­
pode ser obtida em Robrahn González 1996, Capí­ nos (GO-RS-01). Na porção central (alto Tocantins)
tulo IV). ocorrem acréscimos que remetem, em grande parte,
A análise do material considerou, ao todo, 13 à indústria Tupiguarani (GO-NI-06 e 11). Já no
classes de atributos, a saber: antiplástico, espes­ extremo sul (vale do Paranaíba), estes acréscimos
sura da peça, queima, tratamento de superfície, de­ ocorrem em quantidade maior, remetendo à indús-

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G O -R V -0 2 ■ G O -R V -31
-66 ■ -4 7
G O -C A -0 2 ■ MT-SL-51
G O -R V -1 3 •
-41 ■ M T -G A -4 2
-3 4 • G O -N I-4 7
-7 8 ■ -3 5
-18 • G O -J U -2 7
-4 3
G O -C A -O l M T -G A -3 7
G O -N I-3 1 M T -S L -0 4
G 0 -R V -3 S M T -R N -3 6
A . CAPIV. -4 7
G O -J U -3 6
G O -C A -0 5 G O -N I-0 6
M T -S L -0 3 -0 3
M T -R N -2 2 G O -RS-01
G O -J A -0 7 G O -JA -01
G O -N I-0 6
-0 3 C A RA CA RA
G O -RS-01 A . CAPIV.
G O -J U -3 6 G O -J U -3 6
CARACARA G O -C A -0 5
M T -R N -3 6
M T-S L-03
-4 7
G O -R V -31 M T -R N -2 2
-4 7 G O -J A -0 7
M T -S l-5 1
M T -G A -4 2
G O -N I-4 7
-3 5
G O -J U -2 7
M T -G A -3 7
M T -S L -0 4
M T -G A -3 3
-5 2
G O -JU -1 6
-2 3
M T -G A -4 6
-4 8
G O -J U -3 4
M T -G A -3 2
M T -R N -3 2
M T -S L -2 4
M T -R N 4 6
M T -S L -2 9
-4 3

Fig. 2 - Dendrogramas fornecidos pelo teste de Cluster.

tria Uru, resultando na coleção mais diversificada Os sítios são em abrigo, apresentando morfo-
(GO-JA-01) (Fig. 3). logia irregular definida pela própria estrutura do lo­
Estes dados parecem indicar que as variações cal. Embora alguns indiquem áreas de atividade, os
apresentadas pelos sítios teriam maior vinculação vestígios arqueológicos ocorrem por toda parte, re­
à intensidade de contatos externos do que a mudan­ velando uma única mancha de material arqueológi­
ças ocorridas no interior da própria indústria. Obe­ co. As dimensões dos sítios variam de 28 a 1788 m2.
deceriam, portanto, a circunstâncias locais, indican­ Todos os sítios se localizam no Estado de
do a favor de um isolamento dos sítios no espaço. Goiás, entre o alto/médio Tocantins e o baixo Para-
Este Conjunto reúne os sítios cerâmicos mais naíba (Figura 3). Parecem distribuir-se, portanto,
antigos do Centro-Oeste. O sítio GO-RS-01 tem de forma dispersa na borda leste da região, de rele­
uma datação de 410 a.C., embora seja possível uma vo mais acidentado. A implantação dos sítios se
antiguidade ainda maior (Barbosa et alii 1982). dá em porções íngremes da paisagem (paredões
Outras duas datações absolutas foram obtidas para rochosos e morros testemunhos). A cobertura
GO-NI-06 (1.060 d.C. - Simonsen et alii 1983/ vegetal de toda esta área é uniforme, inserida
84) e para GO-JA-01 (1.035 d.C. - Schmitz & Bar­ em extensa zona de cerrado. Os sítios GO-NI
bosa 1985), indicando uma considerável profundi­ estão ainda próximos a uma área de tensão eco­
dade temporal ao Conjunto. lógica (onde se dá o contato entre diferentes ti-

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pos de vegetação), tendo a nordeste (alto Paranã) vações de campo situaram os sítios sempre em
uma zona de floresta. De qualquer forma, obser- meio ao cerrado. Quanto à fertilidade de solo,

FONTE: ATLAS NACIONAL DO BRASIL -


CENTRO OESTE - DEGEO 1972 -

LEGENDA: • Sítios em Aterro (Guató)


□ Sítios da Tradição Una
A Sítio não filiado

Fig.3 - Localização esquemática dos sítios associados à Tradição Una e Grupos Guató.
- Indicação dos sítios reunidos nos Conjuntos 5 e 7.

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todos ocorrem em unidades de potencial baixo a Quanto às evidências de contatos externos, pa­
fortemente limitado, desfavoráveis para a práti­ recem diferir de área para área. Os sítios do alto
ca de agricultura intensiva. Tocantins apresentam elementos da indústria Tupi-
Procurando avaliar as possibilidades de utili­ guarani, tanto na forma de artefatos inteiros como
zação dos rios enquanto meio de transporte (e suas de atributos técnicos e decorativos que passam a
implicações na própria origem dos grupos em ques­ ser adotados. O fato de 100% dos vasilhames intei­
tão), vemos que os sítios se encontram distantes ros da indústria Tupiguarani apresentarem pequena
de rios navegáveis de maior porte. GO-RS-Ol é o capacidade (volume 1, até 1,0 litro) facilitaria seu
que apresenta melhores condições, embora esteja suposto transporte. Já o sítio no baixo Paranaíba
em um trecho do Tocantins onde se intercalam por­ apresenta elementos da indústria Uru. Ao nosso ver,
ções de livre navegação e porções restritas às épo­ também esta diversidade na adoção de elementos
cas de cheia. Já os sítios GO-NI e GO-JA não são externos indica a favor do isolamento dos sítios, já
acessíveis por transporte fluvial, por estarem em que as inovações parecem não terem sido transmi­
regiões de alto vale. tidas entre os sítios localizados em diferentes áreas.
A partir destes dados parece possível sugerir
que os sítios relacionados ao Conjunto 5 apresen­
Conjunto 2
tam uma distribuição geográfica relativamente
uniforme em termos ambientais. Entretanto, a in­
dústria cerâmica apresenta, como vimos anterior­ Reúne 12 sítios: GO-CA-01 e 02; GO-NI-31,
mente, uma série de variações, que parecem obede­ GO-RV-02, 13,18, 34, 35,41,43, 66 e 78. Todos
cer ao eixo norte-sul e estar relacionadas à maior foram inicialmente relacionados à tradição Aratu
ou menor intensidade de contatos externos. Assim (Wüst 1983, Schmitz et alii 1981/82).
o sítio a norte, GO-RS-Ol, seria o mais “puro”, os Predom inam aqui os vasilham es diretos
sítios na porção média reuniriam uma quantidade (50,3%), seguidos pelos cônicos (26,9%) e vin­
um pouco maior de elementos externos e o sítio no do, em terceiro lugar e em porcentagem muito in­
extremo sul, GO-JA-Ol, apresentaria a maior diver­ ferior, os vasilhames infletidos (17,2%). As for­
sidade. mas duplas ocorrem ainda na maioria dos sítios,
GO-RS-Ol corresponde, de fato, ao sítio mais embora em número reduzido (3,6%). Vasos de
antigo do Conjunto (410 a.C.). Já os demais estão contorno complexo e pratos ocorrem em poucos
datados no século XI de nossa era. Seria de espe­ sítios, indicando uma presença fortuita e possi­
rar, portanto, que os sítios do século XI apresen­ velmente relacionada a fenômenos locais (2,0%).
tassem um maior grau de semelhança entre si do O predomínio de vasos diretos sugere uma es­
que em relação ao sítio antigo. De fato, uma análi­ cala maior de atividades referentes ao preparo de
se do dendrograma fornecido pelo teste de Cluster alimentos do que à sua estocagem e/ou armazena­
(Figura 3) indica uma proximidade imediata entre mento. Estas últimas deveriam ter sido exercidas
os sítios GO-NI-03 e 06. Todavia a eles se junta, pelos vasilhames cônicos (preferencialmente de ca­
pouco mais à frente, justamente o sítio GO-RS-Ol pacidade grande (4 a 20 litros) e extra-grande (aci­
e não seu contemporâneo GO-JA-Ol. Este último ma de 20 litros)) e infletidos (média (1 a 4 litros) e
é o mais distante de todos, reunindo-se aos demais pequena (até 1 litro).
somente próximo alinha vertical que define o Con­ Os vasos diretos e cônicos parecem estar rela­
junto. cionados a um maior aprimoramento estilístico, com
Todos estes dados parecem remeter a um alta porcentagem de peças decoradas (respecti­
isolamento dos sítios no tempo e no espaço. No vamente 22,1% e 29,9%). Seriam, ainda, menos per­
tempo, porque contamos com um lapso temporal meáveis a elementos externos, apresentando baixa
expressivo (praticamente 1.500 anos entre GO- porcentagem de atributos relacionados a outras in­
RS-Ol e os demais sítios). No espaço, pela pró­ dústrias. Já os vasilhames infletidos mostram mai­
pria distância geográfica que os sítios apresen­ or cuidado tecnológico, constituindo peças mais bem
tam entre si. Por outro lado, os padrões morfoló­ elaboradas e resistentes. Por outro lado, teriam ab­
gicos, de implantação e distribuição lhes confe­ sorvido maior número de elementos externos.
rem uma inegável unidade, cujas implicações se­ Os vasilhames de forma dupla sugerem o de­
rão discutidas adiante. senvolvimento de atividades específicas, embora

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suas características gerais não parecem apontar média de 46 concentrações) e a área média é de
uma maior especialização tecnológica. Ao contrá­ 129.596 m2.
rio, os vasos de contorno complexo sugerem uma Como é possível visualizar na Figura 4, os
confecção mais aprimorada, constituindo peças sítios estão localizados de forma concentrada na
com maior diversidade de características, apesar porção sudeste (vale do Paranaíba e interflúvio
do pequeno número em que ocorrem. Quanto aos Paranaíba/Tocantins), que apresenta característi­
pratos, tem-se apenas 1 exemplar. cas gerais bastante homogêneas. Em primeiro lu­
De um modo geral o Conjunto 2, embora gar, 100% dos sítios se encontra em relevo do
apresente uma indústria qualitativamente homo­ “Planalto da Bacia Sedimentar do Paraná”. A ve­
gênea (com sítios reunindo na maioria das vezes getação varia entre floresta estacionai semide-
os mesmos atributos e variáveis), mostra consi­ cidual, decidual e área de transição ecológica.
deráveis variações quantitativas, que se sobres­ Apenas um sítio (GO-CA-02) está em zona de
saem em 7 dos 12 sítios que reúne (GO-CA-Ol e cerrado.
02; GO-RV-02, 34, 35, 66; GO-NI-31). Estes sí­ Os sítios parecem obedecer a um padrão de
tios apresentam, ainda, porcentagens superiores implantação na paisagem que dá preferência à
de elementos externos, que ora podem ser relaci­ média encosta, onde estão localizados 36,3% de­
onados à indústria Uru, ora à Tupiguarani. Os les, além de 45,5% em alta/média encosta e 18,1 %
primeiros sugerem contatos feitos a partir do flu­ no plano. No potencial agrícola predominam so­
xo de informações e/ou pessoas; os segundos in­ los de baixa fertilidade, com manchas de áreas
cluem a possibilidade de fluxo de objetos. fortemente limitadas a leste. Entretanto, os da­
Estas variações não parecem, entretanto, es­ dos de campo indicam que 80% dos sítios estão
tar relacionadas a uma distribuição geográfica es­ localizados em zona de mata e 20% em mata/cer­
pecífica, uma vez que ocorrem em sítios localiza­ rado, revelando uma busca local de melhores so­
dos nas diferentes áreas abrangidas pelo Conjunto. los. Quanto ao acesso dos sítios por via fluvial, o
Parecem se vincular, assim, a fenômenos locais, fato de estarem localizados nos médios/altos va­
relativos a determinados assentamentos e refletin­ les de afluentes do Paranaíba torna o aproveita­
do uma maior independência entre suas unidades. m ento bastante re strito , em bora o próprio
Este é o próximo Conjunto a apresentar datas Paranaíba apresente, neste trecho, extensa porção
mais antigas para sítios do Centro-Oeste: 171 anos totalmente navegável. Conclui-se, portanto, que
d.C. para GO-CA-02 (Andreatta 1982) e 830-970 os sítios ocorrem não apenas de forma concentra­
d.C. para GO-RV-02 (Schmitz et alii 1981/82). da em porção específica do Centro-Oeste, mas que
Dois outros sítios apresentam datas entre os séculos esta porção a p resen ta ai nda co n dições
X-XI (GO-CA-Ol com 1.095 d.C. e GO-RV-13 geomorfológicas bastante homogêneas, além de
com 1.175 d.C. - Wüst 1983). Datações relativas uma particular diversidade na cobertura vegetal,
enquadram ainda GO-RV-78 ao nível temporal 1 uma vez que está delimitada, a leste e oeste, por
(correspondendo ao período compreendido pelos extensas áreas de cerrado.
séculos IX-X), GO-RV-66 ao nível temporal 2 (sé­ Sem dúvida estes sítios apresentam padrões
culos X-XI), GO-RV-35 e 43 ao nível temporal 3 morfológicos, de implantação e de distribuição
(séculos XI-XII), GO-RV-18 e 34 ao nível temporal totalmente diversos dos identificados no Conjunto
4 (séculos XIII-XIV) e GO-RV-41 ao nível tempo­ 5. Assim, mesmo sendo o Conjunto mais próximo
ral 5 (século XV até contato com colonizador euro­ em termos temporais e espaciais, indicam situa­
peu ) (Wüst 1983). Vê-se assim que 11 dos 12 sítios ções que parecem remeter a contextos culturais dis­
relacionados a este Conjunto têm datações do sé­ tintos.
culo Dí em diante. Apenas 1 deles (GO-CA-02) é
bem mais antigo, sugerindo maior antiguidade à Conjunto 1
ocupação.
A morfologia dos sítios é bastante homo­ Reúne 13 sítios: MT-GA-32, 33, 46, 48 e 52;
gênea. Todos correspondem ao tipo aldeia a céu MT-RN-32 e 46; MT-SL-24, 29 e 43; GO-JU-16,
aberto e apresentam formato anular com 1, 2 ou 3 23 e 34. Todos foram inicialmente relacionados à
anéis concêntricos. O número de concentrações tradição Uru (Wüst 1990; Schmitz et alii 1981/82,
de material varia de 14 a 91 (fornecendo uma Robrahn 1989, 1990).

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ROBRAHN GONZALEZ, E.M. Os grupos ceramistas pré-coloniais do Centro-Oeste brasileiro. Rev. do Museu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

FONTE: ATLAS NACIONAL DO BRASIL -


CENTRO OESTE - DEGEO 1972 -

LEGENDA: •Sitios da Tradição Aratu


O Sítios da Tradição Uru

Fig. 4 —Localização esquemática dos sítios associados às Tradições Aratu e Uru.


- Indicação dos sitios reunidos nos Conjuntos 1, 2 e 4.

Este Conjunto apresenta a indústria cerâ­ rem, além de reunirem as mais baixas porcen­
mica mais homogênea de todas as analisadas. tagens de elementos que remetem a indústrias
Seus sítios mostram coleções que pouco dife­ externas.

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

Temos aquí um largo predominio de grandes Os 13 sítios reunidos neste Conjunto indicam
vasilhames infletidos (73,6%, sendo 43,6% ñas uma ocupação mais tardia, entre os séculos VIU e
categorias de volume grande e extra-grande), cujas XIII de nossa era. A datação mais antiga é de 800
características morfológicas, tecnológicas e estilís­ ± 65 d.C. (MT-SL-29), tendo-se ainda 1.000 ± 60
ticas permitem supor um uso cotidiano e doméstico, d.C. (MT-SL-43), 1.260 ± 70 d.C. (GO-JU-23) e
vinculado ao armazenamento e/ou estocagem de 1.360 d.C. (MT-SL-24) (Wüst 1990; Schmitz et
conteúdos de considerável peso e proporção. Cons­ alii 1982). O Conjunto apresenta, portanto, uma
tituem, ainda, as peças que se mostram menos per­ profundidade temporal menor do que a observada
meáveis à introdução de elementos externos. nos Conjuntos anteriores.
Exercendo possivelmente uma função comple­ Quanto à morfología, 11 sítios são anulares
mentar, os diretos (15,7%) se caracterizam por arte­ com 1,2 ou 3 anéis concêntricos, tendo uma média
fatos de menores proporções (80,3% nas categorias de 41 concentrações e área média de 60.100 m2.
de volume médio e pequeno), destinados ao consu­ Um sítio tem forma de ferradura (GO-JU-16) e
mo individual e/ou estocagem de pequenos conteú­ outro seria alongado (GO-JU-34). É possível, en­
dos. Alguns atributos tecnológicos e estilísticos pa­ tretanto, que estes dois últimos constituam, igual­
recem indicar maior facilidade na adoção de ele­ mente, estruturas anulares: a planta do sítio em fer­
mentos externos. radura parece indicar que os trabalhos de campo
Embora ocorrendo em baixas porcentagens se desenvolveram em apenas parte da área, delimi­
(9,7%), os pratos também constituem artefatos típi­ tada pela cerca; para o sítio alongado ocorre o mes­
cos do Conjunto. Tradicionalmente relacionados à mo, sendo que os próprios autores informam não
função de assadores, para beneficiamento da man­ terem conseguido recuperar a forma completa da
dioca tóxica, fornecem os primeiros elementos so­ aldeia (Schmitz et alii 1982).
bre o padrão de abastecimento dos grupos em ques­ A distribuição dos sítios mostra uma nítida
tão. Entretanto, o fato de a maioria apresentar pe­ concentração na porção centro-oeste, tendo o vale
quena capacidade (volume de até 1,0 litro) não pa­ do Araguaia como limite leste (Figura 4). Uma
rece tomá-los adequados para a produção de farinha primeira análise ambiental parece dividir esta área
em larga escala, embora possam ter sido utilizados, de ocorrência em duas porções. Uma delas, reu­
por exemplo, para assar o beiju. nindo os sítios do alto Araguaia e do médio/alto
A presença de vasilhames de contorno comple­ São Lourenço (siglas MT-GA, MT-SL e MT-RN)
xo em apenas 3 sítios (MT-GA-46 e 48, GO-JU-23) pertence à unidade de relevo denominada “Planalto
e com porcentagens bastante reduzidas (1,0%) pa­ da Bacia Sedimentar do Paraná”, apresenta vegeta­
rece refletir um fenômeno local e específico, refe­ ção de cerrado e solos com fertilidade baixa a forte­
rente a contatos culturais mantidos com grupos mente limitada (embora uma mancha de solo com
portadores de cerâmica Tupiguarani. A maneira fertilidade média/alta no vale do São Lourenço pos­
com que ocorrem sugere que os contatos se dariam sa estar próxima dos sítios MT-SL-29 e 43). A
na forma de fluxos de informação e/ou pessoas. outra porção reúne os sítios da margem direita do
Variações entre os 13 sítios reunidos no Con­ Araguaia (siga GO-JU), onde se verificam condi­
junto 1 permitiram dividi-los em 2 grupos, segun­ ções ambientais mais diversificadas. O relevo varia
do sua distribuição geográfica (vide Figura 4): os entre a Planície do Bananal e a Depressão do Ara-
localizados no vale do Araguaia apresentam cole­ guaia-Tocantins; a vegetação é formada por man­
ções cerâmicas diversificadas, além da presença chas que se entremeiam, entre cerrado e áreas de
mais expressiva de elementos que remetem a conta­ tensão ecológica; e os solos apresentam fertilidade
tos com grupos externos (portadores de indústria variando entre baixa e fortemente limitada. As duas
Tupiguarani); já os sítios localizados a oeste, no porções se diferenciam, assim, por uma maior di­
vale do São Lourenço, apresentam menores índices versidade geomorfológica e vegetal para os sítios
de variação e de elementos externos, sugerindo tra­ à direita do Araguaia, enquanto os sítios à sua es­
tarem-se de sítios mais “puros”. A presença, ain­ querda contariam com um ambiente mais homogê­
da que rara, de artefatos com antiplástico cauixi neo.
sugere contatos culturais com grupos ao norte, na Esta divisão parece ocorrer, igualmente, para
Amazônia, ou a oeste, na Bolívia, onde o elemen­ algumas das características apresentadas pelos sí­
to é largamente empregado. tios. Aqueles que apresentaram possíveis variações

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

morfológicas (GO-JU-16 com formato de ferradura dos como intra-componenciais, apresentando in­
e GO-JU-34 com formato alongado) estão na mar­ dústrias relacionáveis às tradições Uru e Tupigua-
gem direita do Araguaia. Aí se encontram, tam­ rani (Wüst 1990); o terceiro sítio foi classificado
bém, os 2 únicos sítios implantados em terrenos como Tupiguarani (Fensterseifer & Schmitz 1975),
planos de fundo de vale (66,7% - GO-JU-16 e 23), os 2 seguintes foram relacionados à tradição Aratu
enquanto o outro sítio (33,3% - GO-JU-34) está (Schmitz et alii 1981/82) e o último sítio possi­
em declive suave. Já na margem esquerda os sítios velmente a grupos Guató (Oliveira 1993, 1995)
ocorrem tanto em declive suave (40%), média ver­ (Fig. 5).
tente (20%), alta vertente (10%), topo de colina A indústria cerâmica deste Conjunto se carac­
(10%) e terraço (10%). teriza por apresentar porcentagens semelhantes de
Quanto à filiação cultural, embora todos os 13 vasilhames diretos (38,1%) e infletidos (37,6%),
sítios do Conjunto tenham sido relacionados à tra­ seguidos pelos de contorno complexo (12,8%),
dição Uru, foram divididos em uma grande quanti­ constituindo seus artefatos característicos. Apenas
dade de fases (Itapirapuã, Aruanã, Jaupaci e Urua- 2 sítios têm peças cônicas (10,6%) e pratos (0,7%),
çu), indicando grande diversidade interna. Mes­ indicando uma presença fortuita e possivelmente
mo assim, os sítios podem ser divididas em 2 gru­ relacionada a fenômenos locais.
pos, tendo novamente o vale do Araguaia como Os vasilhames diretos são as peças de maior
linha divisória: os sítios a oeste (vale do São Lou- peso, solidez e resistência da indústria, sugerindo
renço) mostram coleções cerâmicas menos diver­ um uso preferencial em atividades domésticas e
sificadas e com quantidade bem mais reduzida de quotidianas. São geralmente decorados com moti­
elementos que remetem a indústrias externas; situa­ vos plásticos. Os vasos infletidos e os de contorno
ção inversa é oferecida pelos sítios do Araguaia. complexo apresentam maiores volumes que os dire­
A mesma divisão é fornecida pelo teste de tos, embora com menor peso, solidez e resistência.
Cluster (Figura 2): de um lado estão os de sigla São preferencialmente decorados com pintura e en-
MT-GA e GO-JU (do Araguaia para leste) e do gobo.
outro os de sigla MT-SL e MT-RN (a oeste). Como Sem dúvida a decoração é um elemento mais
única exceção tem-se MT-RN-32 que, embora loca­ expressivo neste Conjunto do que nos demais anali­
lizado no alto Paraguai, faz parte do bloco do leste. sados, uma vez que está associado a um número
Todos estes dados sugerem, em primeiro lu­ bem mais elevado de artefatos (38,7%) e tem maior
gar, que os sítios reunidos no Conjunto 1, embora variação de motivos. Isto poderia retratar uma
obedeçam a uma série de padrões (formando a uni­ maior diversidade funcional, tanto entre vasilha­
dade mais homogênea de todos os Conjuntos), mes de um mesmo contorno, como dos diferentes
apresentam variações que remetem muito mais a contornos entre si.
diferenciações internas (inter-sítios) do que a ele­ Ao contrário dos Conjuntos 1 e 2, onde apenas
mentos de origem externa. Em segundo lugar, que alguns sítios apresentam variações expressivas,
existe uma variação entre os sítios localizados a aqui isto ocorre em todos os casos. Cada sítio reme­
oeste, no vale do São Lourenço, e os sítios a leste, te, ainda, a situações de contato com portadores
no vale do Araguaia. As evidências sugerem que de indústrias cerâmicas distintas, apontando para
os primeiros constituiriam assentamentos mais uma situação de grande diferenciação interna, bem
“puros”, talvez representando o local de origem e/ como uma elevada permeabilidade de interferên­
ou dispersão dos sítios a leste. Neste sentido a posi­ cias externas, sugerindo uma diversificação cultural
ção de MT-RN-32 no dendrograma de Cluster su­ e um isolamento de grupos locais no tempo e/ou
gere que estaria relacionado a este suposto momen­ no espaço.
to de dispersão, pois apresenta características mais Este Conjunto reúne sítios em situações bem
semelhantes aos assentamentos do Araguaia. mais diversificadas que os Conjuntos anteriores.
A única datação disponível é para o sítio MT-
Conjunto 3 SL-03, de 860 ± 75 d.C (Schmitz 1976/77). As
características de implantação apresentam varia­
Reúne 6 sítios: MT-SL-03, MT-RN-22, GO- ções: declive suave (GO-JU-36), alta/média coli­
JA-07, GO-CA-05, GO-JU-36 e o Aterro Capivara. na (MT-RN-22) e terraço fluvial (MT-SL-03). São
Os 2 primeiros sítios foram inicialmente classifica­ apenas 2 as referências sobre morfologia, varian-

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Fig. 5 - Localização esquemática dos sítios associados à Tradição Tupiguarani e Grupos Bororo.
- Indicação dos sitios reunidos nos Conjuntos 3 e 6.

do de elíptico formado por 13 concentrações (GO- ca (sítio em aterro). Apenas GO-JU-36 permitiu
JU-36) a ovalado formado por concentração úni- medições totais, fornecendo área de 45.000 m2.

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Sua distribuição pela região Centro-Oeste se 1990; Schmitz et alii 1981/82), os 2 seguintes à
dá de forma mais dispersa: do pantanal sul-mato- tradição Aratu (Wüst 1983) e o último à tradição
grossense ao alto Paraguai, alto Araguaia, alto To­ Una (Robrahn 1989, 1990).
cantins e baixo Paranaíba (Figura 5). Com isto, as Sua indústria cerâmica reúne, de fato, um mis­
características ambientais são igualmente diversifi­ to das características apresentadas pelo Conjunto
cadas. As unidades de relevo variam de zonas de 1 e pelo Conjunto 2. Seus vasilhames característi­
pantanal (sítio em aterro), zonas de planalto da ba­ cos são os diretos (51,4%), infletidos (36,2%) e
cia sedimentar do Paraná (sítios com sigla MT-SL pratos (3,0%), presentes na maioria dos sítios e
e RN, GO-JA), zonas de planalto goiano (GO-CA) abarcando grande parte de seus artefatos. Em al­
e planície do Bananal (GO-JU). A cobertura vegetal guns têm-se ainda contornos cônicos (7,6%), com­
se mostra um pouco mais homogênea: cerrado para plexos (1,6%) e, em apenas 1 sítio, uma única peça
o sítio em aterro e siglas MT-SL, MT-RN, GO- de forma dupla (0,2%).
CA e GO-JA; e área de tensão ecológica para a O fato de predominarem os vasilhames de con­
sigla MT-JU. Os solos apresentam fertilidade va­ torno direto, seguido pelos infletidos e, depois,
riando entre baixa e fortemente limitada. pelos cônicos, indica que esta indústria guarda as
Quanto à indústria cerâmica, os 6 sítios mos­ características morfológicas do Conjunto 2. Já seus
tram uma permeabilidade bem maior à adoção de atributos tecnológicos e estilísticos remetem ao
elementos externos, fortemente relacionada às in­ Conjunto 1. Considerando que a forma dos vasi­
dústrias Uru e Aratu. Entretanto, se a intromissão lhames está fortemente relacionada à função, seria
de elementos externos em sítios Tupiguarani parece possível sugerir que as atividades econômicas de­
ter-se dado a partir de fluxos de informações e/ou senvolvidas pelos grupos em questão estejam mais
pessoas, a intromissão, por outro lado, de elementos relacionadas ao Conjunto 2. Por outro lado, o predo­
Tupiguarani no Conjunto 1 (Uru) e 2 (Aratu) estaria mínio de elementos tecnológicos e estilísticos do
ao menos parcialmente relacionada a artefatos Conjunto 1 talvez indique uma maior influência
prontos, remetendo a formas distintas de contatos de seus ceramistas (em termos qualitativos e/ou
culturais. quantitativos), bem como uma continuidade de seus
Uma análise do dendrograma fornecido pelo valores estéticos e simbólicos.
teste de Cluster (Figura 2) demonstra uma corres­ O predomínio das atividades relacionadas ao
pondência inicial entre os sítios do vale do São Conjunto 2 também é sugerido pelos poucos pratos
Lourenço (MT-SL-03 e MT-RN-22), aos quais se que esta indústria apresenta, ocorrendo sempre com
junta, mais adiante, GO-JA-Ol; e entre os sítios a capacidades pequenas (volume de até 1,0 litro) e
leste do Araguaia (GO-JU-36 e GO-CA-05) e o com atributos morfológicos e estilísticos notada-
aterro Capivara. mente simplificados. Uma vez que estes artefatos
C o n clu i-se, portan to , que em bora este são característicos do Conjunto 1 e que se relacio­
Conjunto seja formado por sítios que apresentam nam à função de beneficiar a mandioca amarga,
uma cerâmica marcadamente Tupiguarani, cons­ esta atividade deve ter se processado em escala bem
tituem casos bastante distintos, definindo uma si­ mais reduzida nos sítios reunidos pelo Conjunto 4.
tuação que não pode ser equiparada à homoge­ Da mesma forma, a presença de apenas 1
neidade apresentada pelos Conjuntos 1 e 2. Se vasilhame de forma dupla na indústria sugere que
esta situação deriva de um isolamento dos assen­ a atividade específica à qual se relaciona tenha sido
tamentos no tempo e/ou espaço, levando a uma praticamente extinta.
maior diferenciação interna, ou se já se contaria Esta indústria apresenta significativas varia­
com uma diversidade na própria origem dos gru­ ções em todos os sítios, embora seja possível di­
pos é ainda questão em aberto. vidi-los em 3 grupos, conforme sua distribuição
geográfica (Figura 4). O primeiro reúne os sítios
Conjunto 4 localizados no vale do São Lourenço, nos quais
predominam os elementos que remetem à indús­
Reúne 9 sítios: MT-GA-37, MT-SL-04 e 51, tria Uru. O segundo grupo reúne os sítios locali­
GO-NI-35 e 47, GO-JU-27, GO-RV-31 e 47, MT- zados no vale do Paranaíba, onde predominam os
GA-42. Os 6 primeiros foram inicialmente relacio­ elementos da tradição Aratu. O terceiro grupo é
nados à tradição Uru (Robrahn 1989, 1990; Wüst formado pelos sítios localizados no vale do

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Araguaia, apresentando uma mescla entre os ele­ lhor potencial agrícola ocorrem para os sítios GO-
mentos que remetem tanto a uma como a outra RV (média/alta fertilidade) e GO-NI (localizados
indústria. Assim o Conjunto 4, além de reunir em área que apresenta manchas de solos de baixa,
sítios cuja cerâmica constitui um misto de ele­ alta e média/alta fertilidade). Todos os demais sí­
mentos Uru e Aratu, apresenta consideráveis va­ tios estão em unidades de fertilidade baixa a forte­
riações regionais, que podem estar relacionadas mente limitada. Com isto, os sítios do Conjunto 4
a processos culturais distintos. Por outro lado, a apresentam características mais diversificadas de
ocorrência de baixa porcentagem de vasilhames implantação e localização na paisagem que as de­
de contorno complexo em sítios relacionados aos finidas para os Conjuntos 1 e 2 (dos quais possivel­
3 grupos parece indicar relações indistintas com mente tenham originado), parecendo corresponder
portadores de cerâmica Tupiguarani. a um misto de ambos.
Os sítios se distribuem pelo alto/médio Ara­ Como vimos acima, o mesmo se observou na
guaia, alto Paraguai, alto Tocantins e baixo Paranaí- análise da indústria cerâmica. Seus artefatos reú­
ba (Figura 4). Reúne 8 sítios a céu aberto e 1 em nem traços mais relacionados à indústria do Con­
abrigo (MT-GA-42). As datações indicam um pe­ junto 2 (Aratu) nos sítios: GO-RV-31, 47 e GO-
ríodo um pouco mais tardio: a data mais antiga é NI-35. Os 2 primeiros haviam sido, de fato, inicial­
de 1.250 d.C. (sítio MT-SL-04, Wüst 1990) e a mente relacionados àquela tradição; já GO-NL35
mais recente 1.420 d.C. (sítio GO-NI-35, Schmitz foi associado à Uru. Por outro lado, MT-SL-04 e
etalii 1981/82). Tem-se ainda 1.360 d.C. paraMT- GO-JU-27 apresentam elementos da indústria Tu­
SL-51 (Wüst 1990) e duas datações relativas para piguarani, inclusive na forma de artefatos inteiros.
GO-RV-31 e 47, ambos relacionados ao nível tem­ O sítio MT-SL-04 foi inicialmente classificado co­
poral 5 (estimado entre o século XIII e o contato mo Tupiguarani/Uru.
com o colonizador europeu - Wüst 1983). Uma análise do dendrograma fornecido pelos
A implantação dos sítios na paisagem se dá teste de Cluster (figura 2) também indica a forma­
de forma diversificada, indicando inclusive o apro­ ção inicial de dois blocos, um formado pelos 5 sítios
veitamento de locais ainda não observados nos Uru e o sítio Una (MT-GA-42) e o outro bloco pelos
demais Conjuntos de Sítio: topos de morro, morro 2 sítios classificados como Aratu.
testemunho, encosta de chapadão, encosta média- Uma vez que as datações indicam um período
inferior, colina baixa, planos e terraços. de ocupação mais recente, a emergência de uma
A morfologia dos sítios a céu aberto indica nova indústria, que reúne características de diferen­
estruturas anulares com 1 a 2 anéis. Apenas 1 sítio tes ocupações ceramistas já anteriormente presen­
(GO-RV-31) permitiu o reconhecimento do total tes na região, sugere uma situação de intensos con­
de concentrações, em número de 11. De qualquer tatos culturais, relacionada a um fenômeno notada-
forma, os outros sítios não forneceram números mente distinto dos sugeridos para os Conjuntos de
mais elevados. A média de área dos sítios é de Sítio 1, 2, 3 e 5, anteriormente analisados.
apenas 14.816 m2. Define, portanto, aldeias consi­ Por fim, a presença de 1 sítio da tradição Una
deravelmente menores do que as reunidas nos de­ parece atribuir ao Conjunto 4 uma matriz ainda mais
mais Conjuntos. Já o sítio em abrigo MT-GA-42 é complexa e diversificada, que poderia estar relacio­
formado por uma única concentração de material, nada ao próprio desaparecimento dos assentamentos
de formato irregular e área de 29 m2. de ceramistas Una e Aratu na região Centro-Oeste
A área de dispersão dos sítios apresenta, sem (esta discussão será retomada mais adiante).
dúvida, características ambientais bastante diversi­
ficadas. Os de sigla MT-SL, MT-RN e MT-GA se Conjunto 6
encontram no relevo da Bacia Sedimentar do Para­
ná; os de sigla GO-NI e GO-RV no Planalto Reúne 2 sítios: MT-RN-36 e 47, o primeiro
Goiano; e o de sigla GO-JU na Depressão do Ara­ relacionado a grupos Bororo, o segundo a grupos
guaia/Tocantins. Quanto à cobertura vegetal, o cer­ Bororo e tradição Tupiguarani (Wüst 1990).
rado reúne a maior parte dos sítios (siglas MT-SL, Embora sua indústria seja morfológicamente
MT-RN, MT-GA e GO-NI). Em áreas de tensão simples, com largo predomínio de vasos diretos
ecológica está o sítio de sigla GO-JU e em área de (92,1% ), além de infletidos (6,1% ) e raros
floresta caducifólia os sítios GO-RV. Solos de me­ complexos (1,8%), são tecnicamente melhor con-

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feccionados do que as demais industrias analisa­ pos culturais, entre eles os ceramistas Tupigua­
das. O número de artefatos presentes, bem como rani. De fato, alguns elementos de sua cerâmica
o próprio tamanho que apresentam (entre peque­ podem lhe ser relacionados, embora outros pare­
ños, médios e grandes) permite inferir uma utili­ çam remeter à tradição Chaquenha, típica dos
zação mais generalizada e diversificada do que a aterros do Pantanal. O fato de este sítio ter sido
sugerida pelo Conjunto 5, onde também conta­ tão marcadamente isolado pelo teste de Cluster
mos com uma indústria simples. Em ambos os sugere que se trate de um novo contexto de ocu­
sitios nota-se a presença de atributos típicos da pação, que necessita ser melhor investigado.
tradição Tupiguarani. Em MT-SL-47 é notável a O sítio não apresenta datação. Localizado na
clareza com que se definem seus artefatos, suge­ porção noroeste da zona do Pantanal (Figura 3),
rindo um nível mais complexo de relações cultu­ encontra-se em relevo de planície, com cobertura
rais. vegetal formada por áreas de cerrado e áreas de
Este Conjunto é formado por 2 sítios a céu tensão ecológica. O solo apresenta fertilidade forte­
aberto localizados no vale do São Lourenço (alto mente limitada.
Paraguai - Figura 5). A presença em MT-RN-36 Trata-se de um sítio em abrigo, de morfologia
de vidro e metal indica uma ocupação bastante tendendo à ovalada. A indústria cerâmica é bastan­
recente, do final do século XIX ou início do XX te simples, talvez reflexo da pequena quantidade
(Wüst 1990). de peças disponíveis. Mesmo assim, tem-se infor­
Por estarem bastante próximos entre si, reve­ mação de que este sítio reuniria ao menos vestígios
lam um ambiente homogêneo. Ocupam a unidade de duas ocupações distintas, uma delas Tupigua­
de relevo denominada Planalto da Bacia Sedimen­ rani (M. Lúcia Pardi, comunicação pessoal). A ce­
tar do Paraná, que apresenta uma cobertura vegetal râmica não permite, entretanto, evoluir a questão.
de cerrado e solos de fertilidade baixa a fortemente
limitada. Os sítios estão implantados em terraço
fluvial e em área de mata. A morfologia é provavel­ A ocupação do Centro-
mente anular. Dimensões totais não foram obtidas, Oeste por grupos ceramistas
mas de qualquer maneira os sítios não seriam muito
pequenos, já que o eixo mínimo é de 120m. As análises desenvolvidas indicam que os 7
Embora a análise da cerâmica tenha indicado Conjuntos de sítio apresentam grande diversidade
variações, o fato de se contar apenas com 2 sítios de características tanto na distribuição dos assenta­
dificulta uma definição mais precisa. A presença mentos, implantação na paisagem, morfologia, cro­
de cerâmica Tupiguarani (embora de forma bem nologia, como nas indústrias cerâmicas que lhes
mais evidente em MT-RN-47) pode ser considera­ são associadas. Algumas destas características re­
da uma característica da indústria e não intromissão metem, como veremos adiante, a diferentes contex­
de elemento externo, como sugerem outros Con­ tos arqueológicos extra-regionais; outras parecem
juntos analisados. Como veremos adiante, de fato derivar de processos locais de interação cultural,
a formação do grupo Bororo teria recebido contri­ podendo até mesmo resultar da emergência de gru­
buições de ceramistas Tupiguarani e, ao menos em pos culturais localizados. Com isto, partimos da
MT-RN-47, é possível que seus artefatos ocorram suposição de que cada Conjunto de Sítio esteja rela­
na forma de vasilhames inteiros, em paralelo a uma cionado a um grupo cultural distinto, e como tal
cerâmica distinta, que remete à relacionada aos gru­ passam a ser considerados nas discussões que se
pos Bororo. seguem.
Por fim, a presença de uma peça com antiplás- Certamente estaremos lidando, no atual está­
tico cauixi em MT-RN-36 deve constituir um indi­ gio de conhecimento, com categorias sociológicas
cador de contatos externos, talvez relacionado a extremamente genéricas, sobretudo se pretender­
grupos amazônicos ou chaquenhos. mos investigar as variações embutidas em cada
Conjunto, que podem até mesmo compreender uni­
Conjunto 7 dades sócio-culturalmente diversas. Mesmo por­
que, o conceito de “grupo cultural” aqui utilizado
Reúne apenas 1 sítio, Morro do Cará-Cará, diz respeito à análise relacionai entre padrões, sem
que parece ter sido utilizado por diferentes gru­ vínculo à identidade étnica (para uma discussão

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gía e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

do problema vide Schortman 1989). Apresentamos padrões gerais de assentamento parecem ser não
aqui, assim, uma discussão sobre os processos mais apenas diferentes dos observados entre os “paleo-
amplos de desenvolvimento de cada grupo, bem índios”, mas excludentes, na medida em que de­
como seus principais pontos de convergência ou monstram um aproveitamento de áreas com carac­
dissociação. terísticas ambientais notadamente diversas das
anteriores. Um estudo bastante detalhado desta
O início da ocupação situação é fornecido por Wüst (1990) para o vale
ceramista no Centro-Oeste do São Lourenço.
Em segundo lugar, é notável que este padrão
Os primeiros grupos ceramistas a ocuparem a tenha persistido até o período de surgimento dos
região estariam relacionados, na presente pesquisa, primeiros grupos ceramistas na região, quando as
ao Conjunto de Sítios n°.5 e, no contexto arqueoló­ condições ambientais já se haviam modificado,
gico regional, à parte dos sítios da tradição Una. permitindo, a priori, uma distribuição mais genera­
Embora sua origem certamente esteja vinculada a lizada dos assentamentos. A falta de maiores dados
processos tanto de ordem interna quanto externa, toma difícil analisar quais os fatores que teriam
suas proporções teriam variado significativamente definido a ocupação e possível permanência dos
de área para área. Uma melhor compreensão dos caçadores-coletores recentes nas áreas mais íngre­
processos internos esbarra, todavia, no quadro de mes. Sem dúvida estas questões fogem ao campo
conhecimento ainda extremamente genérico sobre de atuação da presente pesquisa, embora se mos­
as antigas ocupações de grupos caçadores e coleto­ trem fundamentais quando revelam definir, igual­
res dos quais teriam, ao menos em parte, derivado. mente, o padrão geral de assentamento dos primei­
A bibliografia discute que, aproximadamente ros grupos ceramistas.
a partir de 6.500 anos a.C., contaríamos com a Uma série de evidências materiais e estrati-
emergência na região Centro-Oeste de diferentes gráficas indica de forma cada vez mais clara uma
grupos caçadores e coletores, correspondendo a continuidade entre as ocupações de caçadores-
uma adaptação frente a transformações ambientais coletores e dos primeiros grupos ceramistas. As­
ocorridas durante o período Altitermal (que se es­ sim é que sítios do alto Araguaia, alto Tocantins e
tende de 8.500 a 4.000 A.P.), quando a temperatura vale do São Lourenço não apresentam ruptura
e a pluviosidade ter-se-iam elevado, causando estratigráfica entre as ocupações, além de suas in­
modificações no sistema de abastecimento dos gru­ dústrias líticas conservarem os mesmos padrões
pos - e, consequentemente, no quadro de artefatos gerais tecnológicos e morfológicos (Schmitz et alii
que apresentam (Schmitz 1987: 71; A b’Saber 1986, Robrahn 1989, Simonsen et alii 1983/84,
1977; Bigarella 1971). Esta situação também teria Wüst 1990). Embora esta associação tenha sido
influenciado na definição de um padrão de assenta­ explicitada para alguns sítios, seu reconhecimento
mento diverso do observado para os grupos caçado- a nível regional é importante, na medida em que
res-coletores mais antigos (“paleo-índio”), que ocu­ permite estabelecer uma continuidade não apenas
pavam a região ao menos a partir de 10.000 anos tecnológica, mas principalmente relacionada ao
a.C.: enquanto os vestígios destes últimos parecem padrão de assentamento dos grupos. A distribui­
ocorrer por toda a região Centro-Oeste, permitindo ção dos sítios revela uma preferência bastante cla­
inferir uma distribuição generalizada e principal­ ra pelas porções de relevo mais atormentado, refe­
mente na forma de sítios a céu aberto, os vestígios rentes aos altos cursos dos rios principais ou de
relacionados aos caçadores mais recentes são raros seus afluentes, onde se encontram os abrigos,
e quase exclusivamente em abrigos, com localiza­ paredões rochosos e morros testemunhos que pas­
ção restrita a áreas de relevo atormentado (altos sam a ser ocupados - coincidindo com as áreas e,
vales do Paranaíba, Araguaia, Tocantins e São Lou- na grande maioria dos casos, com os próprios abri­
renço, além da Chapada dos Parecis). gos ocupados pelos caçadores-coletores recentes.
Embora a questão da origem dos caçadores- Outro fator importante é que, como em ne­
coletores mais recentes ainda esteja em aberto (se nhum outro contexto cerâmico do Centro-Oeste,
representam uma adaptação dos grupos mais anti­ neste caso os grupos locais já vinham passando,
gos, uma substituição populacional ou um misto desde longa data, por processos de mudança cultu­
de ambos) é notável que, em primeiro lugar, seus ral que tomariam a adoção da cerâmica um “cami-

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

nho natural”. Ao menos no vale do São Lourenço É possível que a presença de ceramistas ini­
grupos caçadores-coletores teriam desenvolvido a ciais nas diferentes áreas do Centro-Oeste derive
prática do cultivo séculos antes da ocorrência da de fenômenos com diferentes combinações e inten­
primeira cerâmica (Wüst 1990) e é possível que o sidades nos fluxos de informação, objetos e pes­
mesmo tenha ocorrido em outras áreas. soas. Isto é sugerido, em primeiro lugar, pela pró­
Nas demais porções do Centro-Oeste, embora pria cronologia dos assentamentos. Os sítios mais
muitas vezes as sondagens novamente indiquem a antigos foram identificados em áreas bastante dis­
presença de vestígios de grupos caçadores-coleto­ tantes entre si: o médio Tocantins (410 a.C. - Bar­
res, observa-se uma ruptura entre as camadas, su­ bosa et al. 1982) o alto Guaporé (5 d.C .- Miller
gerindo tratar-se de momentos distintos de ocu­ 1983, 1987) e o vale do São Lourenço (430 a.C. -
pação. São elas: o baixo Paranaíba (região de Ser- Irmhild Wüst, comunicação pessoal). As demais
ranópolis - Schmitz et alii 1989), o abrigo Santa datações indicam uma lacuna temporal considerá­
Elina na Serra das Araras e o sítio Ferraz Egreja vel: séculos VIII a XIII d.C. para o Tocantins e
no vale do Vermelho (embora as informações não baixo Paranaíba, porções igualmente distantes en­
sejam muito claras para os 2 últimos casos - Vialou tre si.
1983/84, 1987). As poucas datações disponíveis Embora se conte com poucas datas, a desconti-
indicam aqui uma ocupação mais tardia (séculos nuidade temporal dos assentamentos sugere ao
X-XI de nossa era), talvez correspondendo ao des­ menos dois momentos distintos de ocupação. Estes
locamento de grupos ceramistas dentro da própria dados permitem supor que as diferentes formas de
região Centro-Oeste. De qualquer maneira, conti­ contato teriam mantido um caráter independente e
nuam mantendo os padrões de distribuição, im­ isolado, não apenas na origem como provavelmente
plantação e morfologia de sítio. durante todo o período em que estes grupos conti­
Dentro de todo este contexto, parece possível nuam presentes na região. Esta suposição pode ser
concluir que a formação dos primeiros grupos cera­ reforçada, ainda, pelo teste de Cluster, onde a análi­
mistas do Centro-Oeste abranja grupos caçadores- se do dendrograma indica uma forte separação entre
coletores que anteriormente ocupavam a região. GO-NI-06 e GO-JA-01, 2 sítios que pertenceriam
Entretanto, as diferentes situações observadas, bem ao mesmo movimento de ocupação (segundo movi­
como a própria distância geográfica que as concen­ mento, séculos X-XI de nossa era).
trações de sítio apresentam entre si, parecem reme­ O caráter independente e isolado destas ocupa­
ter muito mais a fenômenos locais do que a uma ções é também sugerido pela descontinuidade geo­
substituição tecnológica e/ou mudança cultural a gráfica de seus assentamentos. Como é possível
nível regional. Mesmo porque, os dados disponí­ visualizar na Figura 3, os sítios reunidos no Con­
veis não indicam uma ocupação anterior intensi­ junto 5 se localizam em determinadas porções do
va: ao que tudo indica os sítios relacionados aos Centro-Oeste e sempre em número reduzido. A si­
grupos caçadores-coletores recentes ocorrem ape­ tuação é a mesma se considerarmos o total de sítios
nas em determinadas porções do Centro-Oeste e relacionados à tradição Una, mesmo que nem todos
em número reduzido. Desta forma os primeiros gru­ façam parte desta ocupação ceramista inicial (como
pos ceramistas potencialmente já deveriam apre­ é ao menos o caso de MT-GA-42, pertencente ao
sentar, desde sua origem, significativas variações Conjunto 4).
locais. Especialmente no caso destes sítios a realiza­
De fato, estudos mais amplos e recentes sobre ção de pesquisas mais sistemáticas de campo deve
as primeiras ocupações ceramistas da América alterar, ao menos em parte, a situação que apresen­
(Hoopes 1994) alertam que os modelos difusionis- tam. Isto porque, em primeiro lugar, a maioria dos
tas tradicionalmente apresentados não conseguem sítios conhecidos foi definida como de atividade
explicar as consideráveis variações que apresen­ específica, carecendo que se identifiquem, obvia­
tam. A adoção da cerâmica estaria relacionada, por­ mente, seus contextos de ocupação. Por outro lado,
tanto, a processos altamente variáveis, não tendo a baixa quantidade de vestígios arqueológicos, alia­
sido nem rápida nem uniforme, indicando inclusive da à sua antiguidade e possível profundidade estra-
uma maior probabilidade de invenção local (idéia tigráflca dificulta, sem dúvida, seu reconhecimento
já apresentada por Roosevelt em seu trabalho de em campo. Mesmo que uma maior quantidade de
1992: 68). sítios com cerâmica Una venha a ser identificada,

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sua distribuição deve se limitar, de fato, a determi­ cerâmica mais antiga da América do Sul, denomi­
nadas porções do Centro-Oeste, já que prospecções nada Estilo Pedra do Caboclo e originária do médio
amplas e sistemáticas realizadas, por exemplo, em Amazonas (Brochado 1984). Daí resultaria uma
área do Mato Grosso de Goiás não identificaram série de tradições e fases cerâmicas identificadas
sua presença. ao longo de todo o território nacional, apresentando
Outro indício a favor do isolamento está rela­ as mesmas características gerais na indústria ce­
cionado aos contatos externos a que os sítios de râmica, embora consideráveis variações na morfo-
cada área parecem remeter. Como vimos anterior­ logia e localização dos sítios (sítios a céu aberto,
mente, os sítios do alto Tocantins apresentam ele­ em abrigo, sambaquis costeiros e fluviais, casas
mentos da indústria Tupiguarani e o sítio do baixo subterrâneas) levantem o problema de estar-se li­
Paranaíba elementos da indústria Uru, enquanto o dando com contextos sócio-culturais diversos.
sítio do médio Tocantins parece não apresentá-los. Considerando a hipótese de que os grupos
O problema, certamente, não está na diversidade portadores da cerâmica Estilo Pedra do Caboclo
dos contatos, uma vez que dependem da própria teriam seguido duas rotas maiores de migração
presença, em uma ou outra área, de grupos exter­ (uma do baixo Amazonas para leste, descendo
nos. O problema está na sua individualidade, ou pela costa, e outra do médio Amazonas para o
seja, no fato de que as inovações parecem não ter sul, descendo pelo vale do Paraguai - Brocha­
sido transmitidas, mesmo tendo desempenhado um do, op. cit.), seria possível que determinados
papel fundamental no próprio desenvolvimento tec­ assentamentos do Centro-Oeste se vinculassem
nológico e morfológico da indústria. a ambas, atingindo diferentes áreas e tornando
Esta é, ainda, a indústria cerâmica que, em ainda mais clara a hipótese de isolamento. En­
termos regionais, mais apresentou dúvidas para a quadra-se aqui bastante bem a datação anterior­
associação de sítios. O próprio GO-RS-Ol, inte­ mente citada de 430 a.C. para um sítio do São
grante de nosso Conjunto 5, ao lado de outros 3 Lourenço (Loca da Panela).
sítios próximos, deu origem à “fase Pindorama”, Dentro deste esquema e considerando, ainda,
que por muitos anos não foi associada a qualquer as características de localização e implantação dos
indústria do Centro-Oeste. Mais tarde foi classifica­ sítios na paisagem (privilegiando as porções mais
da enquanto “aparentemente Aratu” (Schmitz et íngremes dos altos vales de rio), seria possível
alii 1981/82), estando hoje relacionada à tradição sugerir que os deslocamentos não teriam sido fei­
Una. Da mesma forma, sítios em abrigo identifica­ tos por via fluvial, mas sim via contrafortes.
dos no vale do São Lourenço não tiveram uma asso­ As datas mais recentes de sítios Una oscilam
ciação imediata à tradição Una, embora se tenham por volta do ano 1.000 d.C., tendo sido ao menos
reconhecido semelhanças gerais de suas indústrias no baixo Paranaíba parcialmente contemporâneos
(Wüst 1990: 255). à ocupação de ceramistas Aratu. A própria pre­
Assim, as características de distribuição desta sença, no sítio GO-JA-01, de fortes elementos da
primeira ocupação ceramista no Centro-Oeste, bem indústria Uru, bem como no sítio GO-NI-06 de ele­
como as variações que apresenta em termos cro­ mentos Tupigurani, indica que estes ceramistas
nológicos e materiais, parecem indicar uma forte iniciais mantiveram contato com diferentes grupos
individualidade de suas manifestações, remetendo de grandes aldeias.
a insumos independentes, embora talvez com uma A bibliografia discute um possível desapare­
origem cultural comum. Não seria possível, portan­ cimento e/ou absorção destes grupos ceramistas
to, definir uma única rota de penetração para estes iniciais frente à expansão das grandes aldeias
grupos, mas sim diferentes rotas que teriam conver­ (Schmitz et alii 1978/79/80b; 1985), embora ne­
gido ao Centro-Oeste, bem como se movimentado nhum vestígio mais concreto tenha sido apresenta­
em seu interior. do. É provável que a baixa densidade demográfica
Este esquema pressuporia a presença de gru­ sugerida pelos ceramistas iniciais, bem como a
pos ceramistas externos nas circunjacências da simplicidade de sua indústria cerâmica, dificultem
região Centro-Oeste, embora não necessariamente a identificação de um fenômeno de incorporação
de forma sincrónica. No modelo de Brochado, os por que tenham passado. As análises parecem de­
assentamentos relacionados à tradição Una esta- monstrar as primeiras pistas a favor desta hipótese,
riam vinculados a um processo lento de difusão da uma vez que o sítio MT-GA-42, inicialmente clas-

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sificado como da tradição Una, foi reunido pelo mais sítios. Poderia constituir um indicador de pro­
teste de Cluster no Conjunto de Sitios n°. 4, que cessos locais de mudança cultural, não fossem as
apresenta um misto de sitios Aratu, Uru e Una, datações recentes que apresentam (século X - Dias
possivelmente retratando o período final de sua & Carvalho 1978).
ocupação e representando a emergência de um novo As informações disponíveis para a área de
grupo cultural, cuja análise é apresentada mais adi­ ocorrência da tradição mostram-se ainda insufi­
ante. cientes para fazer evoluir a questão. Uma vez que
todos os sítios atualmente relacionados à tradição
Os agricultores de Aratu se concentram nas regiões centro-oeste, nor­
grandes aldeias do Leste deste e sudeste brasileiras, seria mais plausível
supor que novas descobertas dentro deste grande
Nos séculos VIII-IX inicia-se uma gradativa perímetro tragam luz ao problema. Todavia, não
e maciça ocupação do Centro-Oeste por grupos podemos deixar de mencionar que determinados
ceramistas agricultores instalados em grandes al­ contextos amazônicos guardam certas semelhanças
deias, levando a um novo perfil na arqueologia re­ com a tradição Aratu (notadamente a fase Jamari,
gional. Embora seja possível definir ao menos duas com sítios localizados no alto Madeira, Estado de
frentes de ocupação, relacionadas a grupos cultu­ Rondônia, com datações do século VI a.C. - Miller
rais distintos (urna ao leste e outra a oeste), a do 1992), mostrando frentes alternativas de pesquisa.
leste indica uma antiguidade um pouco maior, sen­ Dentro de uma discussão mais ampla Brocha­
do relacionada ao Conjunto de Sitios n° 2 e, no do (1991: 86) defende a hipótese de os grupos rela­
contexto arqueológico regional, a parte dos sitios cionados à tradição Aratu serem filiados ao tronco
da tradição Aratu. lingüístico Macro-Gê, que constituiria uma segun­
A questão da origem destes grupos ainda é da e tardia expansão da tradição Pedra do Caboclo.
incerta. O fato de que mesmo os assentamentos Os grupos portadores da indústria Aratu represen­
mais antigos, que recuam para os primeiros séculos tariam o deslocamento de grupos Gê e dos Cariri,
d.C., apresentam uma estrutura anular muito bem saindo da Amazônia em direção ao Centro-Oeste.
definida, seguem um padrão de implantação na pai­ De fato, durante o primeiro milênio d.C. a Amazô­
sagem absolutamente distinto do mostrado pelos nia apresentaria um quadro bastante intenso de
grupos ceramistas iniciais, remetem a uma econo­ ocupação, a partir do qual, seja por questões ex-
mia baseada na agricultura do milho e exibem uma pansionistas e de crescimento demográfico (Roose­
indústria cerâmica bastante desenvolvida, parece velt 1992: 71-72), seja por grandes mudanças am­
fortalecer a hipótese de origem externa, além de bientais provocadas pela fenômeno do “El Niño”
não se contar com sítios que indiquem um possível (Meggers 1995, 1992, 1991) teriam derivado ex­
processo de mudança cultural a partir de grupos já pressivos deslocamentos populacionais.
assentados na área. Em se confirmando uma origem amazônica,
Nas demais regiões brasileiras onde ocorrem as incursões ao Centro-Oeste não teriam utilizado
sítios Aratu (do nordeste ao Estado de São Paulo) as vias fluviais do Xingu e Tapajós. A distribuição
também não existem dados conclusivos sobre a dos sítios toma mais plausível supor uma rota ini­
questão. De um modo geral, as datações são até cialmente no sentido oeste-leste, do Amazonas/
mais recentes do que as apresentadas pelos sítios Rondônia para o centro de Goiás, cruzando as redes
do Centro-Oeste (século XI). Uma única datação fluviais Tapajós, Xingu e Araguaia. A partir daí
por termoluminescência parece revelar, entretanto, pode ter se desmembrado, por um lado, em direção
um sítio no norte paulista, de 426 ±152 d.C. (sítio ao nordeste e, por outro lado, descido até o sul de
Água Limpa, Alves e Machado 1995), indicando Goiás, Minas Gerais e norte de São Paulo. Neste
a possibilidade de existirem vestígios mais antigos. último caso provavelmente teriam utilizado o vale
Por outro lado, sítios localizados nas cabecei­ do São Francisco. Ao menos em Goiás a rota conti­
ras do Paraná (Estado de Minas Gerais), relaciona­ nuaria via terrestre, do alto São Francisco a oeste
dos à fase Jaraguá e formados por uma única con­ até o vale do Araguaia. Desta forma, tàmbém a
centração de material, constituem até o momento ocupação do Centro-Oeste por grupos ceramistas
as únicas evidências de uma estrutura de aldeia Aratu não parece ter privilegiado o uso dos rios
menos complexa do que a apresentada pelos de­ enquanto eixos de penetração. A própria distância

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que os sítios apresentam em relação aos rios maio­ quando já se conta com uma série de assentamentos
res parece fortalecer a hipótese de utilização restri­ pela área. Entretanto, seria válido inferir que te­
ta. O povoamento da área provavelmente não esta­ nha havido uma intensificação do processo somente
ria relacionado a uma única onda migratória, mas a partir do século VIII, uma vez que os assenta­
várias seqüenciais. Isto parece ser definido pela mentos antigos são bastante raros.
presença isolada de um sítio Aratu em 171 d.C., Nas porções mais distantes, como a região do
que poderia estar relacionado a um primeiro e ainda Mato Grosso de Goiás, os assentamentos ocorrem
tímido movimento. somente a partir do século IX. A penetração dos
De qualquer forma, a hipótese pressuporia a exis­ grupos já se deu, ah, de forma sistemática e maciça:
tência de sítios antigos no centro-norte de Goiás, a os 17 assentamentos que correspondem à primeira
efetiva associação dos sítios de Rondônia à tradição fase de ocupação da área (nível temporal 1), apre­
Aratu e a ocorrência de um maior número de assen­ sentam os maiores tamanhos, maior incidência de
tamentos nestas áreas. A hipótese carece ainda, por­ sítios com 2 anéis, maior duração da ocupação e
tanto, de melhor sustentação. Não se pode descartar densidade populacional (Wüst 1983: 318). Para o
a possibilidade da formação destes agricultores do nível temporal 2, que apresenta características se­
leste derivar tanto de deslocamentos extemos como melhantes ao anterior, estimativas demográficas em
do desenvolvimento de comunidades locais, envol­ GO-RV-66 indicam uma população de 1.043 a
vendo diferentes formas de contato cultural. A diver­ 2.024 indivíduos (op. cit.: 258).
sidade arqueológica apresentada pela região Centro- Embora pesquisas sistemáticas tenham sido
Oeste parece sempre apontar, aliás, para uma realizadas apenas nesta região do Mato Grosso de
pluralidade de processos de desenvolvimento cultu­ Goiás, a grande quantidade de sítios identificados
ral. por toda a porção centro-sul do Estado, seguindo
A área inicial de ocupação destes agricultores padrões culturais extremamente semelhantes, per­
teria sido o sudeste de Goiás, onde estão as data­ mite supor que a ocupação tenha se processado,
ções mais antigas e onde se localizam os sítios do desde o início, com intensidade e características
Conjunto 2 (Figura 5). É provável que ao menos análogas. Assim, ao contrário da ocupação definida
as porções de relevo íngreme tenham sido concomi­ pelos grupos ceramistas iniciais, estes agricultores
tantemente ocupadas por grupos ceramistas iniciais teriam dominado um território extenso e contínuo.
e/ou caçadores coletores, cujos vestígios são ainda A proximidade geográfica de seus assentamentos
encontrados até os séculos IX-X. Entretanto, o fato e a grande homogeneidade observada na morfo-
de não se ter identificado qualquer evidência de logia e implantação dos sítios, bem como em sua
contato cultural na cerâmica, além de não haver indústria cerâmica, permitem inferir a manutenção
referência a relações entre os grupos caçadores- de intensas redes inter-comunitárias, como aliás
coletores e os agricultores Aratu, permite supor foi proposto por Wüst (1983) em seu estudo para a
certa autonomia entre as ocupações. região do Mato Grosso de Goiás.
Esta autonomia pode ter sido favorecida (em­ Como vimos anteriormente, dos 12 sítios reu­
bora não explicada) pela diversidade dos padrões nidos no Conjunto 2 apenas 7 apresentam evidên­
de localização: enquanto os caçadores-coletores e cias cerâmicas de contatos extra-grupais, embora
grupos ceramistas iniciais têm seus sítios preferen­ de natureza variável. Quatro sítios (GO-CA-02,
cialmente em abrigo e assentados nas porções de GO-RV-02 e 66, GO-NI-31) indicam a adoção de
relevo atormentado e vegetação de cerrado, os agri­ elementos tecnológicos e morfológicos da indústria
cultores do leste estão nas porções de relevo mais Tupiguarani, sendo que ao menos em GO-CA-02,
suave, com cobertura vegetal variando entre flo­ GO-RV-66 e GO-NI-31 eles podem ocorrer na for­
resta e área de tensão ecológica. ma de vasilhames inteiros, sugerindo contatos fei­
Partindo da região leste/sudeste, vão dominar tos a partir do fluxo de informações, objetos e/ou
todo o centro e centro/sul de Goiás, estendendo seus pessoas. Os demais três sítios (GO-CA-01, GO-
assentamentos até as margens do rio Araguaia, RV-34 e 35) indicam a adoção de elementos morfo­
constituindo seu limite de ocupação. Isto teria ocor­ lógicos da tradição Uru, sugerindo contatos somen­
rido dentro de um período aproximado de 700 anos, te a partir do fluxo de informações e/ou pessoas.
considerando desde a datação mais antiga, de 171 Procurando compreender o significado destas
d.C. para GO-CA-02, até meados do século IX, interferências, percebe-se que não obedecem a uma

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distribuição geográfica específica, parecendo vin- sam a ser adotados. Estas variações estariam rela­
cular-se a fenômenos locais e relativos a determina­ cionadas, segundo Wüst (1983: 284), a pressões
dos assentamentos. Por outro lado, é notável que de grupos externos, sugerindo a existência de uma
estes contatos se relacionam a períodos distintos: “zona de tensão” ou mesmo de uma “fronteira cul­
do grupo formado pelos sitios com elementos tural” no vale do Araguaia e alto Tocantins.
Tupiguarani, GO-CA-02 e GO-RV-02 fomecem as Estes dados sugerem que os contatos mantidos
datas mais antigas do Conjunto (171 e 830 d.C.), com ceramistas Uru teriam levado, em um primeiro
enquanto GO-RV-66 tem uma datação relativa en­ momento e ao menos nos sítios mais próximos ao
tre os séculos IX-X. Situam-se, portanto, no perío­ Araguaia, a profundos re-arranjos internos e, num
do inicial-médio definido pelo Conjunto. Já do gru­ segundo momento, à fusão dos grupos. A interação
po formado pelos sitios com elementos Uru, vemos evidenciada pela cerâmica (embora não necessaria­
que todos se relacionam ao período médio/tardio, mente originada por ela) parece ter constituído um
ou seja, do século XI em diante. Sugere-se, portanto, fator significativo em processos de mudança cul­
que a ocupação de agricultores do leste teria inicial­ tural.
mente mantido contatos com grupos portadores de É necessário avaliar, entretanto, até que ponto
cerámica Tupiguarani, envolvendo um fluxo de ob­ estas modificações estariam unicamente relaciona­
jetos (vasilhames inteiros) e de informações (pela das a um contato mais intensivo com portadores
incorporação de determinados elementos tecnoló­ de cerâmica Uru, ou se não poderiam èstar aliadas
gicos e estilísticos). Não parece que tenham interfe­ a um esgotamento que a ocupação de grupos Aratu
rido, todavia, em outras esferas da cultura. apresentaria. Algumas evidências parecem apontar
Estes contatos desaparecem por volta do século nesta direção, como a ausência de sítios a partir
X, por causas desconhecidas. É curioso que a ce­ do século XII no que poderíamos denominar área
rámica Tupiguarani apresenta também associação, “core” da ocupação Aratu (vale do Paranaíba) e a
nesta mesma área e período, com a fase final de separação, pelo teste de Cluster, dos sítios mais
ocupação dos ceramistas iniciais, parecendo indicar recentes do vale do Araguaia, que passam a fazer
uma relação significativa com diferentes grupos parte do Conjunto 4, representando a emergência
culturais. de um novo grupo cultural.
Aproximadamente por volta do século XI os Através destes dados sugerimos que as mu­
grupos do leste passariam a manter contato com danças culturais identificadas por Wüst (1983) em
portadores de cerâmica Uru. Possivelmente tenha sítios da região do Mato Grosso de Goiás não sejam
envolvido tanto a circulação de informações (defi­ resultado da expansão do colonizador europeu, mas
nida através das análises cerâmicas) como a de pes­ sim que tenham ocorrido em período anterior, em
soas (sugerida através da presença, em GO-RV- conseqüência de contatos com grupos indígenas
66, de uma concentração de material Uru a lOOm externos, levando a uma intensa dinâmica de mu­
da aldeia; e em GO-RV-58 de 2 concentrações Uru dança cultural.
no meio da aldeia Aratu - Wüst 1983). Para este A presença de material de contato em alguns
último caso, o fato de terem sido mantidas áreas sítios da região de Mato Grosso de Goiás sugere
específicas para ceramistas Uru tanto fora como que estes grupos tenham persistido até o contato
dentro de aldeias Aratu sugere uma forma mais com o colonizador europeu (Wüst 1983). Entretan­
complexa de contato cultural, onde a manutenção to, até o momento não existe qualquer datação se­
da cerâmica poderia, inclusive, funcionar como gura posterior ao século XII. Parece possível supor,
marcador de etnicidade (Schortman 1989). assim, que contaríamos com uma densidade muito
É possível que isto se relacione a um fenôme­ menor de sítios nos últimos séculos antes da con­
no mais amplo por que os grupos ceramistas Aratu quista. As próprias variações apresentadas pelos
teriam passado, já a partir do século X. Neste perío­ sítios mais recentes apontam nesta direção.
do, os assentamentos começam a apresentar signi­ Assim, embora sítios da tradição Aratu conti­
ficativas variações, principalmente nos aspectos de nuem ocorrendo, apresentariam características no-
implantação, morfologia e tamanho. Também a tadamente diversas e, segundo nossa hipótese de
indústria cerâmica apresenta modificações, na for­ trabalho, fariam parte de novas unidades culturais,
ma de uma maior quantidade e diversidade de ele­ não mais relacionadas ao contexto original de ocu­
mentos relacionados a indústrias externas, que pas­ pação dos “agricultores do leste”.

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

Os agricultores de grandes aldeias do Oeste Lima 1986), novamente remetendo à ocupação do


norte brasileiro e região andina.
A partir do século VIII-IX a região Centro- Também estudos recentemente desenvolvidos
Oeste começa a ser paralelamente ocupada por ou­ no alto curso do Xingu discutem que os sítios cerâ­
tros grupos agricultores ceramistas, relacionados micos ali identificados e relacionados à fase Ipavu
ao Conjunto 1 e, no contexto arqueológico regional, apresentam características tanto da Amazônia (com
a parte dos sítios da tradição Uru. a fase Barrancóide/ Borda Incisa e tradição Incisa
Para a questão de sua origem é notável que, Ponteada) como da região Centro-Oeste (tradição
embora sítios da tradição Uru tenham sido localiza­ Uru), revelando sua posição de transição cultural
dos em diferentes porções do Centro-Oeste (alto/ e ecológica e sugerindo comunicações culturais em
médio Araguaia, alto Tocantins e vale do São Lou- ambos os sentidos (embora com maior tendência
renço), o Conjunto 1 reúne, do total de 19 sitios ao contexto amazônico - Heckenberger 1996). O
Uru analisados na presente pesquisa, os 13 que se autor afirma ainda que os grupos portadores de
localizam apenas do Araguaia para oeste (Figura cerâmica Ipavu seriam os ancestrais dos Aruwak,
4). Estes 13 sítios reúnem, ainda, as datações mais correspondendo à expansão mais a leste da migra­
antigas, além de sua cerâmica apresentar caracte­ ção que tiveram, originária da região andina.
rísticas gerais bastante homogêneas, bem como as Assim, mesmo que ainda seja impossível pre­
porcentagens menos expressivas de atributos rela­ cisar a relação de grupos agricultores do oeste com
cionados a indústrias externas. Dentro deste contex­ algum contexto específico de ocupação Amazôni­
to, consideramos que os 13 sítios estariam relacio­ ca/Andina, parece inegável que suas característi­
nados ao início da ocupação dos agricultores do cas remetam a esta macro-região. Os vales do
oeste, reunindo seus sítios originais. A ocupação Xingu e Tapajós teriam sido utilizados enquanto
ter-se-ia primeiramente processado, assim, na por­ eixos de penetração, fornecendo a primeira evidên­
ção oeste da região estudada (onde pode ter persis­ cia do uso dos rios enquanto vias de acesso para
tido até próximo ao contato com o colonizador euro­ grupos ceramistas do Centro-Oeste.
peu), expandindo-se daí para a porção leste. O processo de formação destes grupos agri­
Ainda sobre a questão da origem, o fato de cultores do oeste certamente envolve, por outro
os sítios se localizarem predominantemente em lado, uma série de contatos culturais mantidos com
áreas de cerrado e apresentarem assadores de ce­ grupos caçadores-coletores locais. Pesquisas de­
râmica fez com que se inferisse uma subsistência senvolvidas por Wüst (1990) no vale do São Lou-
apoiada na mandioca tóxica, com origem amazô­ renço permitiram a discussão de algumas hipóte­
nica (Schmitz et al. 1982). De fato, tanto no alto ses. Analisando as modificações apresentadas pe­
Tapajós como no alto Xingu alguns sítios forne­ los assentamentos de caçadores-coletores da área
ceram cerâmica com características gerais com­ a autora verifica que, de início, ocupam exclusiva­
paráveis, como bases em pedestal, trempes, for­ mente ambientes de cerrado. Mas por volta de 600
ma com gargalo e assadores, bordas reforçadas, a.C. passam a localizar seus assentamentos em
além da decoração com banho vermelho, moti­ ambientes de transição entre mata-cerrado (“eco-
vos plásticos com predomínio da incisa e apli­ tones”). Estas novas áreas, além de permitir, de
ques zôo e antropomorfos (Simões 1972; Dole um modo geral, o acesso a recursos diversificados,
1961/62; Pardi 1995; Simonsen & Oliveira 1976; apresentam solos melhores e mais propícios ao
Becquelin 1973) favorecendo a possibilidade de cultivo. Além disto, os assentamentos apresenta­
deslocamentos humanos externos. riam extensões bem maiores do que os padrões an­
A região amazônica apresenta ainda vários teriores (chegando a 400m de eixo), possivelmente
sítios semelhantes (como no baixo/médio Tocantins relacionado a um aumento demográfico. A partir
e no alto/médio Guaporé), a maior parte relacio­ daí, é discutida a hipótese de ter havido a passagem
nados à tradição Incisa-Ponteada (Miller 1983, do estágio predador para produtor ainda em período
1992; Simões e Araújo Costa 1987; Simões e Gen­ acerâmico, ao redor de 600 a.C. Como não existem
til Corrêa 1987; Simões e Machado 1987, entre evidências de ter se desenvolvido um processo de
outros). Além disto, elementos característicos da domesticação de plantas no Centro-Oeste, a hipóte­
indústria Uru são largamente utilizados em dife­ se de adoção seria mais plausível, através de conta­
rentes contextos etnográficos amazônicos (Andrade tos inter-culturais (Wüst 1990: 377).

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

As camadas superiores destes sitios líricos de tado com um retrocesso, uma vez que voltariam a
transição, datadas entre 250 a 800 d.C., apresentam ocupar um ambiente menos favorável ao cultivo.
baixa presença de fragmentos cerâmicos, certamen- Um fator que, a nosso ver, toma ainda mais
te alóctones, indicando que estes agricultores inci­ complexa a discussão, é referente à própria morfo-
pientes teriam mantido, apenas bem mais tarde, logia das grandes aldeias, diretamente relacionada
contato com grupos ceramistas, com os quais ini­ a toda uma organização sócio-política, que abrange
ciariam um processo de interação cultural. Os pri­ esferas culturais de transformação bem mais com­
meiros contatos estariam relacionados a grupos plexa do que introduções pontuais de caráter tecno­
portadores da cerámica Una, que de fato revelam, lógico e/ou econômico. Mesmo que uma comple-
em diferentes pontos da região Centro-Oeste, sitios xificação sócio-política tenha-se desenvolvido mais
bastante antigos. Já os contatos com ceramistas Uru tarde, como resultado de um processo evolutivo dos
ocorreriam em período tardio, mais próximo de 800 próprios grupos que ocupavam as aldeias, o fato
d.C. de se contar, desde o início, com assentamentos
Assim, na hipótese de Wüst, no mínimo 850 obedecendo a uma morfologia tão específica per­
anos antes de os grupos locais terem mantido con­ mite, a nosso ver, pressupor a existência de uma
tatos com grupos ceramistas (que tenham resulta­ estrutura social semelhante, não identificada nos
do na presença de artefatos nos sítios), teria ocorri­ chamados sítios de transição.
do o que a autora define como pressões ecológicas O problema, certamente, exige maiores inves­
e/ou demográficas responsáveis pela procura de tigações, principalmente com a expansão de pes­
uma diversidade de recursos entre os até então ca- quisas sistemáticas para novas áreas ao norte. Nos­
çadores-coletores, que passam a adotar a prática so interesse recai, entretanto, na intensidade dos
do cultivo. Já daí para a formação das grandes al­ contatos culturais que ocorreram entre os grupos
deias teriam passado, aproximadamente, 1.400 locais (sejam caçadores-coletores, sejam horticul­
anos (de 600 a.C. a 800 d.C.). tores, sejam um misto de ambos) e ceramistas agri­
Sem dúvida, a passagem do estágio de preda­ cultores do norte. Segundo Wüst, os ocupantes das
dor/horticultor para o de agricultor de grandes al­ aldeias Uru corresponderiam a uma evolução dos
deias pode ter-se dado de forma lenta e localizada, horticultores locais, embora possam ter mantido
além de seus vestigios, pela própria antiguidade, contatos culturais e recebido uma série de influên­
serem mais dificilmente recuperáveis. Seria de es­ cias de origem externa. Estas influências se restrin­
perar, entretanto, que este processo resultasse em giriam, entretanto, à circulação de objetos e/ou in­
um número maior de assentamentos, ou ao menos formações, uma vez que dificilmente se estaria
em evidências que caracterizassem melhor uma diante de um processo migratório (Wüst 1990:
fase de mudança cultural que, estima-se, teria ocor­ 381).
rido dentro de um período cronológico tão extenso Entretanto, é notável que tenham prevalecido,
e abrangendo, em período mais recente, contingen­ em praticamente todos os níveis, características não
tes populacionais comparáveis aos apresentados reconhecidas em sítios do Centro-Oeste, sugerindo
pelas primeiras aldeias Uru (que reuniriam uma uma supremacia de grupos externos. De fato, se
média de 800 pessoas - Wüst 1990: 387-396). considerarmos os itens sugeridos por Rouse (1986)
Por outro lado, as grandes aldeias se estabele­ para avaliar a hipótese de migração, a resposta seria
ceram em um ambiente notadamente diverso dos positiva. A ocupação dos agricultores do oeste traz
sítios líricos de transição. Enquanto estes últimos expressivas mudanças em relação aos padrões cul­
passaram a ocupar áreas de ecotone, cujos solos turais manifestados pelos originais habitantes da
de melhor fertilidade favoreceriam a prática da região (grupos caçadores/coletores/horticultores e
horticultura, as aldeias Uru, ocupadas por grupos grupos ceramistas iniciais), na medida em que in­
efetivamente agrícolas, se localizam em áreas de troduz uma indústria cerâmica não apenas absolu­
cerrado, com solos de fertilidade baixa a fortemente tamente diversa em seus atributos tecnológicos,
limitada. Se de fato os grupos agricultores de gran­ morfológicos e estilísticos, mas também nas ativi­
des aldeias fossem resultado do desenvolvimento dades a que se relacionam (beneficiamento da man­
de grupos horticultores locais, seria de esperar que dioca amarga e grande importância na estocagem/
seguissem um padrão de distribuição semelhante, armazenamento de alimento). Modifica-se também
e não que remetessem ao que poderia ser interpre­ o ambiente a ser explorado (que passam de áreas

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de ecotone para áreas de cerrado), a morfología dos grupo, considerando o número e posição social
sitios (extensas aldeias anulares), além de todos daqueles que migraram, bem como as condições
os aspectos sociais, políticos e simbólicos que pos­ que geraram o processo. Assim, mesmo que grupos
sam representar. migrantes possam guardar semelhanças culturais
Assim, embora certamente tenha havido um com suas origens, irão constituir um reflexo de
processo de integração entre os dois grupos, estar- adaptações a condições locais específicas.
se-ia lidando com um fenômeno que teria um grau Pesquisas genéticas sem dúvida forneceriam
mais elevado de influências externas, certamente dados seguros e os grandes avanços conseguidos
engrossado por consideráveis levas migratórias. Es­ nos últimos anos já permitem vislumbrar suas con­
taríamos, portanto, mais próximo da primeira hipó­ tribuições. O estudo de N. Black, por exemplo,
tese defendida por Wüst, de que “uma certa conti­ mostra que grupos Kayapó do Norte (localizados
nuidade de tradição lítica anterior, presente nas no vale do Araguaia) apresentam relações genéticas
aldeias destes agricultores, sugere um processo ini­ com todas as demais populações amazônicas, se­
cial de difusão cultural, mas que provavelmente jam Caribe, Aruak ou Tupi (Black 1991). Mostra-
foi acompanhado por uma suplantação de um novo se imprescindível, portanto, expandir as possibili­
contingente étnico e cultural, apreensível não só a dades de investigação do problema, de forma a ob­
partir de um aparente aumento demográfico signifi­ ter subsídios que permitam definir hipóteses mais
cativo, mas também pela presença de um novo qua­ concretas de trabalho.
dro tecnológico e de uma nova tradição das repre­ Tendo como território original de ocupação a
sentações coletivas nos abrigos” (Wüst 1989:164). porção oeste, o início da ocorrência de grandes al­
A origem externa destes agricultores do leste deias ter-se-ia dado entre os séculos VIII-IX (a data
provavelmente está relacionada à região amazôni­ mais antiga é de 800 d.C para MT-SL-29), perma­
ca (talvez vinculada com a expansão de grupos necendo ao menos até o século XIV (a data mais
proto-Caribe), na medida em que parece haver, recente é de 1.360 d.C. para MT-SL-24 - Wüst
como vimos nas páginas anteriores, uma continui­ 1990).
dade na distribuição de seus assentamentos, além Os elementos cerâmicos que remetem a indús­
das características gerais da indústria cerâmica trias externas podem ser divididos em dois grupos.
estarem presentes em diferentes contextos desta O primeiro reúne 11 sítios localizados a oeste do
região. Estes elementos não se mostram suficien­ Araguaia (siglas MT-GA, MT-RV e MT-SL), que
tes, entretanto, para encaminhar a discussão de podem apresentar raros elementos relacionados à
forma mais adequada, uma vez que ainda não se indústria Tupiguarani (vasilhames de contorno com­
desenvolveram estudos comparativos específicos plexo, ombros, antiplástico cariapé + caco moído),
entre ambos os contextos e, principalmente, que além de artefatos com antiplástico cauixi (sugerin­
considerem uma maior variedade de atributos cul­ do contatos com a região amazônica/andina). O se­
turais. A princípio, os grupos etnográficos da Ama­ gundo grupo reúne os 2 sítios localizados a leste do
zônia apresentam sistemas sociais e padrões de Araguaia (sigla GO-JU), que apresentam porcenta­
estabelecimento muito diferentes daqueles do Cen- gens um pouco mais elevadas de elem entos
tro-Oeste. Os dados arqueológicos são ainda frá­ Tupiguarani, além de maior ocorrência de elemen­
geis, embora grupos como os Bakairi (Caribe) já tos que também são característicos da tradição Aratu
nas primeiras fontes etnográficas do século passado (maior presença de vasilhames diretos e diminui­
apresentam aldeias circulares e, portanto, compará­ ção na capacidade dos infletidos, por exemplo), su­
veis aos sítios do Centro-Oeste. gerindo variações nas atividades desenvolvidas
De qualquer forma, não é possível conceber (substituição do cultivo da mandioca pelo milho).
que tenha ocorrido uma simples transplantação de Isto já foi, inclusive, apontado por Wüst (1990: 368)
grupos do norte para o Centro-Oeste e, portanto, para os sítios do vale do São Lourenço, atribuído
que apresentem modelos idênticos de ocupação. pela autora a aumento na densidade demográfica
Processos migratórios pressupõem uma série de regional. O papel que cada um destes elementos
ajustes culturais, quer relacionados a um novo meio (contato com grupos externos e necessidade de au­
ambiente a ser explorado, a um novo contexto de mento na produção de alimentos) teria desempenha­
relações extra-tribais, ou mesmo a um novo posi­ do no processo de mudança no sistema de abasteci­
cionamento dos indivíduos dentro de seu próprio mento ainda permanece, entretanto, em aberto.

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No caso dos elementos que remetem à indus­ semelhante, as variações morfológicas, de implan­
tria Tupiguarani, não foi possível identificar a pre­ tação e localização na paisagem sugerem varia­
sença, nos sítios, de vasilhames inteiros, parecendo ções internas ao assentamento. Esta situação tam­
ocorrer apenas emprego aleatório e ocasional de bém foi reconhecida para os sítios do vale do São
diferentes traços tecnológicos, morfológicos e esti­ Lourenço, interpretada como indicadora da presen­
lísticos, sugerindo um contato restrito ao fluxo de ça simultânea de grupos locais distintos, relaciona­
informações e/ou pessoas. Por outro lado, as inter­ da a um processo de complexificação sócio-política
ferências apresentadas em sítios do São Lourenço (Wüst 1990: 368,383). Com isto os grupos agricul­
indicaram porcentagens tão elevadas (até 90,0%) tores do oeste apresentam diversidades regionais
que levaram à definição de uma classe distinta de bem maiores que os grupos agricultores do leste
sítios, a Uru/Tupiguarani (Wüst 1990). (cerâmica Aratu), certamente envolvendo compor­
Evidências de contato com grupos portadores tamentos territoriais distintos.
de cerâmica Tupiguarani foram, ainda, largamente Por outro lado, as variações no padrão de as­
registradas em sítios de outras áreas. Na margem sentamento verificadas nos sítios a leste do Ara­
direita do Araguaia o sítio GO-JU-36 apresenta 3 guaia talvez constituam os primeiros indicadores
manchas de material, sendo uma relacionada à in­ de transformações mais amplas, que se intensifi­
dústria Tupiguarani, uma à Ura e uma à Aratu. O cam ao longo do tempo e que estão relacionadas a
sítio GO-JU-05 apresenta uma situação semelhan­ uma grande intensidade de contatos culturais man­
te: das 5 manchas, 4 seriam Ura e uma Tupiguarani. tidos, principalmente, com grupos ceramistas Ara­
Estas evidências parecem apontar para um proces­ tu. Esta situação teria levado, por volta do século
so de contato cultural diverso do observado nos síti­ X-XI, a profundos processos locais de mudança
os do Conjunto 1 e que mereceria estudos mais cultural, através da fusão de grupos originalmente
aprofundados, inclusive definindo a relação que es­ relacionados a diferentes indústrias, resultando na
tes diferentes vestígios apresentam entre si. emergência de novo(s) grapo(s) cultural(ais).
A presença de elementos externos parece ter Assim, da mesma maneira como se definiu
obedecido, segundo Wüst (1990: 394-6), a uma di­ para os sítios relacionados à tradição Aratu, tam­
visão hierárquica entre os assentamentos, onde as bém os da tradição Ura não formam uma única
aldeias maiores podem ter figurado como uma “pra­ unidade, ao mesmo tempo que parecem ter passado
ça central” incipiente, para onde acorreria um mai­ por um período de esgotamento interno. Todavia,
or fluxo de informação, inclusive de natureza extra- enquanto o esgotamento dos grupos a leste parece
cultural. O estudo da distribuição de elementos ex­ ter ocorrido por volta dos séculos X-XI, o dos gru­
ternos na cerâmica dos grupos agricultores do oeste pos a oeste teria sido posterior. Isto porque as evi­
parece permitir, portanto, o desenvolvimento de aná­ dências sugerem, em primeiro lugar, que os agricul­
lises relativas à hierarquia embutida nos processos tores do oeste teriam constituído o elemento invasor
de interação cultural (para uma discussão do tema e dominante no processo de fusão com os agricul­
vide Schortman & Urban 1987: 63-65). tores do leste no vale do Araguaia; em segundo
Os assentamentos dos agricultores do oeste lugar, porque somente próximo ao período colonial
apresentam consideráveis variações na localização, seus remanescentes parecem ter de fato se extin­
implantação e morfología, que permitem dividi- guido, participando do processo de formação dos
los em 2 grupos: a oeste e a leste do Araguaia. Dos grupos Bororo. Assim, é possível que os agricul­
11 sítios localizados a oeste, 1 abrigo e 1 sítio a tores do oeste tenham persistido ainda alguns sécu­
céu aberto permitem inferir locais de atividade es­ los ao menos na porção mais central do atual Estado
pecífica. Já os 2 sítios a leste estão em área de maior do Mato Grosso, uma vez que nas margens do
diversidade ambiental, apresentam variações de Araguaia teriam participado, já por volta do século
implantação (ocorrendo em porções notadamente X, da formação de novos grupos culturais.
mais baixas da paisagem) e possivelmente varia­
ções morfológicas (com 1 sítio em forma de ferra­ A ocupação de ceramistas Tupiguarani
dura e 1 sítio alongado, em oposição aos demais
sítios anulares do Conjunto). A ocupação de grupos Tupiguarani na região
Assim, se por um lado os sítios parecem com­ Centro-Oeste sem dúvida se processou em propor­
partilhar de um quadro de artefatos extremamente ções bastante inferiores às demais: enquanto seus

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sítios correspondem a 7,8% do total, os agricultores esta diversidade de estruturas e evidências esteja
da tradição Aratu ficam com 25,8% e os da tradição de fato relacionada a uma mesma ocupação. En­
Uru com 21,8%. Seus assentamentos apresentam, tretanto, ao menos nos sítios MT-SL e MT-RN
ainda, características bastante heterogêneas, tendo não parece haver dúvidas de que se tratam de es­
sido inclusive por vezes classificados como sitios truturas intra-componenciais.
intra-componenciais (Tupiguarani/Aratu, Tupigua- Embora tais sítios não sejam exclusividade da
rani/Uru, Tupiguarani/Bororo). O próprio Conjunto tradição Tupiguarani, sem dúvida é nela que alcan­
3 reúne apenas 1 sitio originalmente associado à ça uma das porcentagem mais elevadas (33,3%),
tradição Tupiguarani, 2 Tupiguarani/Uru, 2 Aratu só superada pelos sítios Bororo (com 37,5%). Por­
e 1 sitio em aterro, possivelmente relacionado ao centagens bem inferiores de sítios intra-componen­
grupo Guato. ciais ocorrem na tradição Um (8,9%) e Aratu (2,4%),
Estes sítios se distribuem em diferentes por­ na maioria das vezes associados com os próprios
ções do Centro-Oeste (Figura 5), apresentando uma ceramistas Tupiguarani.
série de variações ambientais. Os sítios diferem, Assim, embora alguns sítios do Centro-Oeste
também, quanto à implantação e morfologia, além devam constituir assentamentos essencialmente
de apresentarem uma cerâmica fortemente associa­ Tupiguarani (como é o caso de GO-JA-07), esta
da a outras indústrias, como os 2 sítios Tupiguara­ ocupação estaria fortemente relacionada a proces­
ni/Uru e os 2 sítios Aratu. sos diversificados de fusão com unidades sócio-
A maior concentração de sítios Tupiguarani culturais diversas. As raras datações disponíveis
atualmente conhecida está no vale do São Lourenço não permitem definir se estas situações estão rela­
(14 sítios). Apresentam fortes evidências de conta­ cionadas a períodos distintos ou não, embora al­
tos culturais, sendo que 6 deles (ou 42,7%) foram guns autores sugiram que os sítios intra-compo­
classificados como intra-componenciais. nenciais façam parte de um momento mais recente
O sítio GO-JA-07, localizado no vale do Para- (Schmitz et al. 1989).
naíba, foi o que, dentre os analisados, apresentou Esta discussão esbarra no problema da pró­
menos evidências de contatos externos, parecendo pria origem dos ceramistas Tupiguarani. Em pri­
representar o mais “puro” do Conjunto. Infelizmen­ meiro lugar, devemos notar que os sítios enquadra­
te não foi datado, mas é possível que se relacione dos na tradição Tupiguarani se localizam apenas
a um momento inicial da ocupação Tupiguarani e, na porção centro-sudeste (baixo Paranaíba, alto
neste sentido, atestaria ao menos uma das rotas de Araguaia, vale do São Lourenço, médio Paraná e
penetração no Centro-Oeste. alto Paraguai - Figura 5). Variações observadas
Quanto aos sítios Tupiguarani/Uru (MT-SL- na indústria cerâmica parecem poder distinguir
03 e MT-RN-22) e os sítios inicialmente relaciona­ diferentes eixos de contato. Os assentamentos do
dos à tradição Aratu (GO-CA-05 e GO-JU-06), Estado de Goiás e Mato-Grosso que apresentam
apresentam uma série de elementos relacionados vasilhames com decoração policrômica (siglas GO-
a uma ou outra tradição. Devemos notar, ainda, JA, GO-CP e MT-GA) poderiam ser enquadrados
que em MT-SL-03 os níveis estratigráficos inferio­ na tradição Polícroma Amazônica, sub-tradição
res indicam uma ocupação de ceramistas Tupigua­ Pintada (Fensterseifer & Schmitz 1975). Já os sí­
rani e Uru, enquanto nos níveis superiores tem-se tios do Mato Grosso com sigla MT-SL e MT-RN
apenas ocupação Tupiguarani (Wüst 1990). Já GO- (localizados no vale do São Lourenço) apresentam
JU-36 é um sítio formado por concentrações de algumas variações, como vasilhames de menores
material Uru e Tupiguarani (Schmitz 1975). proporções e baixa porcentagem de peças pinta­
Outros sítios do Centro-Oeste apresentam si­ das, que remeteriam ainda a um contexto diverso,
tuações sem elhantes. Em G O -JU -05, das 5 possivelmente relacionado, segundo Wüst (comu­
concentrações de material identificadas, 4 foram nicação oral) à sub-tradição “Pintada inicial”, re­
relacionadas à tradição Aratu e 1 à Tupiguarani presentando os primeiros grupos que se deslocaram
(Schmitz et al. 1989). Estes mesmos autores dis­ para o sul. Por outro lado, os assentamentos do
cutem a possibilidade de se contar com um pro­ Mato Grosso do Sul (siglas MS-IV e MS-CP), com
cesso bastante avançado de miscigenação (op. cit: decoração predominantemente plástica e presença
7). Em nem todos os sítios foi possível realizar de umas funerárias, foram relacionados à sub-tradi­
investigações em profundidade, confirmando se ção Corrugada, mantendo fortes relações com o con-

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texto sul-brasileiro (Oliveira 1995: 41; Rogge & do ao Paraguai. Constituiria, assim, a segunda ocu­
Schmitz 1994/5: 173; Chmyz 1974). pação ceramista a utilizar preferencialmente o
Segundo Brochado (1991), a sub-tradição Pin­ transporte fluvial como via de penetração.
tada (que envolve a Pintada Inicial) e a Corrugada Por outro lado, os sítios a leste do Araguaia,
corresponderiam a duas extensões da tradição que apresentam predomínio de cerâmica policró­
Polícroma Amazônica, produzidas por dois gru­ mica, estariam relacionados à segunda expansão
pos distintos (os Guarani e os Tupinambá), que da tradição homônima, formados por grupos Tupi­
apresentam historias marcadamente diversas. A nambá. Uma vez que toda a borda leste do país
tradição Polícroma Amazônica teria como data apresentava ocupação Tupiguarani, deveriam ter
mais recuada 1.500 a.C., com origem na Amazonia ocorrido rotas no sentido leste-oeste, através das
Central, próximo à desembocadura do Madeira quais teriam alcançado a região Centro-Oeste. Por
(Brochado & Lathrap 1982). O primeiro desmem­ fim, os sítios do vale do São Lourenço talvez repre­
bramento, relacionado a grupos Guarani, ter-se-ia sentem uma terceira frente de penetração Tupigua­
dado no sentido norte-sul, por volta do ano 100 rani. Os dados se mostram, entretanto, insuficien­
d.C. A rota seguiria rio acima pelo Madeira e tes para sugerir sua rota de penetração.
Guaporé, passando para o Paraguai, descendo por Uma vez que se aceite a idéia de que a origem
este e pelo Paraná. Subiriam, então, ao longo da de toda esta ocupação tenha sido a Amazônia Cen­
costa até certa distância ao norte. Seriam caracte­ tral, seria necessário analisar a razão de terem sido
rísticas destes grupos a cerâmica com decoração identificados sítios apenas na porção centro-sul do
plástica (com predominio do corrugado) e a presen­ Centro-Oeste, quando eventualmente poderiam
ça de urnas funerárias. O segundo desmembramen­ ocorrer desde a porção norte, em maior quantidade
to, relacionado a grupos Tupinambá, teria seguido e com datações mais recuadas. Sem dúvida, toda a
em direção ao nordeste por volta do ano 500 d.C., arqueologia da porção norte é praticamente desco­
descendo pela faixa litorânea até se encontrar com nhecida. Além do mais, no norte do Mato Grosso
os grupos Guarani ao sul de São Paulo. Sua cerá­ conta-se com uma série de sítios com filiação pouco
mica se caracterizaria pela presença de decoração clara (sítios cemitério no vale do Paraguai, sítios a
pintada policrómica (Brochado 1984). Assim, ain­ céu aberto no alto Xingu, Juruena, Aripuanã e Gua­
da segundo Brochado (1991: 86), o Centro-Oeste poré), alguns deles apresentando características que
“teria sido rodeado pelo movimento de pinças da ex­ parecem, de fato, remeter à tradição - Tupiguarani
pansão colonizadora dos Guarani e dos Tupinambá”. (Pardi 1995). Por outro lado, as intensas pesqui­
De fato, quando analisamos a distribuição da sas desenvolvidas na porção central do Estado de
cerâmica Tupiguarani pelo território brasileiro, ve­ Goiás sugerem, ao menos, uma ocorrência extrema­
mos a sub-tradição Pintada rodeando a região Cen­ mente discreta de assentamentos Tupiguarani (po­
tro-Oeste pelas porções nordeste, leste e sudeste. dendo ser inexistente em determinadas áreas, como
Já a sub-tradição Corrugada a rodeia pelo flanco o Mato Grosso de Goiás). Toma-se necessário, as­
norte e oeste, ocorrendo no Pará (com as fases Ita- sim, compreender a razão de eles não terem, duran­
caiúnas e Carapanã), no Paraguai (em Asunción e te 4 séculos, ocupado a região nos mesmos moldes
no rio Ipané) e na Argentina (junto ao rio Paraná, dos grupos anteriores, como os agricultores do leste
com a fase Yaguari). Mais ao sul, conta-se com e do oeste, ou seja, através da propagação de assen­
uma série de fases definidas para o Paraná e Rio tamentos.
Grande do Sul (Scatamacchia 1981). Schmitz & Barbosa (1985: 5) interpretam esta
Dentro deste contexto, os assentamentos do ocupação esparsa como resultado da dificuldade
Mato Grosso do Sul estariam relacionados à pri­ dos grupos em ocuparem um espaço fortemente
meira grande expansão da tradição Polícroma dominado por agricultores das tradições Aratu e
Amazônica, que corresponderia à sub-tradição Cor­ Um. Entretanto, uma vez que o sítio Tupiguarani
rugada. As únicas datas disponíveis remetem ao mais antigo remonta ao século IX (MT-SL-03 -
século XII de nossa era. Uma vez que aos grupos Wüst 1990) e que uma presença mais intensiva de
portadores de cerámica Tupiguarani é sugerido um assentamentos de ceramistas Um e Aratu só se
grande aproveitamento da rede fluvial (Schmitz et daria por volta dos séculos X-XI, não haveria a
al. 1981/82), provavelmente a rota de penetração priori impecilhos para uma instalação mais expres­
corresponderia aos rios Guaporé e Juruena, passan­ siva de assentamentos Tupiguarani.

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ROBRAHN GONZALEZ, E.M. Os grupos ceramistas pré-coloniais do Centro-Oeste brasileiro. Rev. doM useu de Arqueolo­
gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

O esquema apresentado por Brochado parece bem como a adoção de alguns de seus elementos
se adequar bastante bem a esta discussão. Segun­ tecnológicos e decorativos. Para os agricultores do
do ele, os deslocamentos de grupos ceramistas leste, as relações parecem ter sido mais intensas
Tupiguarani teriam rodeado a região Centro-Oeste no período inicial/médio da ocupação (séculos
pelo fato de apresentarem um sistema de agricul­ VIII-IX). Seus sítios apresentam tanto vasilhames
tura intensiva que só poderia ser duplicado ñas inteiros Tupiguarani, como a adoção de alguns de
férteis várzeas ao longo dos maiores ríos do interior seus elementos tecnológicos e morfológicos. Já os
e, em menor escala, no curso inferior dos rios cos­ agricultores do oeste ter-se-iam mantido mais fe­
teiros (Brochado 1991: 86). O ambiente de cerrado, chados. Não foi possível definir, com segurança, a
onde predominam solos de fertilidade baixa a forte- presença em seus sítios de artefatos inteiros Tupi­
mente limitada, talvez não tenha exercido atração. guarani, mas apenas de certos elementos tecnoló­
O fato de muitos sítios Tupiguarani no Centro- gicos, morfológicos e decorativos e em proporções
Oeste serem em abrigo levou ainda alguns autores reduzidas.
a considerar a hipótese de aproveitamento tempo­ Como apresentaremos mais adiante, também
rário (Fensterseifer & Schmitz 1975), talvez rela­ os Conjuntos 4 e 6 indicam contatos com ceramis­
cionado a assentamentos localizados nas regiões tas Tupiguarani. No Conjunto 4, alguns sítios apre­
circunjacentes. Os argumentos são ainda, entretan­ sentaram artefatos inteiros, bem como a adoção de
to, bastante genéricos, principalmente se conside­ elementos tecnológicos e morfológicos. Já no Con­
rarmos que a ocupação de grupos Tupiguarani esta­ junto 6, os grupos ceramistas Tupiguarani teriam
ria relacionada ao menos a 3 incursões independen­ participado, segundo Wüst (1990), de um processo
tes, que se processaram em porções geográficas de fusão cultural, dando origem aos Bororo etnográ­
distintas e que, portanto, devem apresentar especi­ ficamente conhecidos.
ficidades próprias. A partir de toda esta discussão parece-nos
Por outro lado, ao longo de toda a ocupação plausível inferir que, se os grupos portadores de
Tupiguarani (do século IX até pelo menos o XV- cerâmica Tupiguarani deixaram certamente pou­
XVI) seus integrantes teriam tido acesso generali­ cos, fugazes e heterogêneos assentamentos, cons­
zado à maioria dos demais assentamentos ceramis­ tituem os grupos que mais estiveram presentes em
tas da região, através da circulação de artefatos e toda a história da ocupação ceramista pré-colonial
de certos elementos tecnológicos, morfológicos e do Centro-Oeste. Ainda é difícil definir as causas
estilísticos de sua indústria cerâmica.1 Indicaria destas manifestações, bem como o grau de interfe­
uma rede de relações e uma possibilidade de acesso rência que tiveram no tempo e no espaço. De qual­
não observadas para qualquer outro grupo cultural quer forma estes ceramistas mantiveram uma con­
da época. Mesmo que as demais ocupações cera­ siderável via de acesso entre todos os grupos cera­
mistas tenham mantido diferentes formas de conta­ mistas regionais, através de um constante fluxo de
to entre si, não alcançaram uma distribuição com objetos e informações. É possível que os ceramistas
a amplitude da Tupiguarani. Ainda que em diferen­ Tupiguarani tenham tido acesso sincrónico a gru­
tes escalas seus vasilhames parecem circular entre pos que, entre si, não fornecem evidências de conta­
quase todos os grupos ceramistas, seus elementos to (como grupos ceramistas da tradição Una com
são reproduzidos por todos e nos mais diferentes ceramistas Aratu, grupos ceramistas Aratu com Bo­
períodos de suas histórias de ocupação. roro, por exemplo).
No que se refere aos grupos ceramistas iniciais, Este conjunto de relações permite inferir a
dos sítios reunidos no Conjunto 5 apenas os loca­ existência de uma complexa rede de contatos ex-
lizados no alto Tocantins (sigla GO-NI) indicam a tra-culturais alavancada pelos ceramistas Tupigua­
presença de pequenos vasilhames Tupiguarani, rani. Por outro lado, o fato de os 6 sítios reunidos
no Conjunto 3 remeterem a situações de contato
com portadores de indústrias cerâmicas distintas,
além de apresentarem, também, significativas va­
(1) É possível que esta interferência seja ainda mais antiga,
riações na morfologia dos assentamentos e na pró­
uma vez que o sítio GO-CA-03, relacionado aos agricultores
do leste e com data de 171 d.C., também apresenta elementos pria indústria cerâmica associada, parecem apon­
Tupiguarani Tratando-se, entretanto, de datação isolada, sua tar para uma grande diferenciação interna, bem
análise necessita de maior embasamento. como uma elevada permeabilidade a interferênci-

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

as extemas, sugerindo uma diversificação cultural de empréstimos decorativos e tecnológicos entre


e um isolamento de grupos locais no tempo e/ou as tradições parece excluir a possibilidade de
no espaço. reocupação dos locais (Fensterseifer & Schmitz
Em bora em caráter ainda absolutam ente 1975; Schmitz & Barbosa 1985). Já no vale do São
exploratório, seria possível sugerir que a ocupa­ Lourenço, a presença de sítios intra-componenciais
ção de ceramistas Tupiguarani se caracterize pela das tradições Tupiguarani/Bororo indicariam pos­
interação. Entretanto, constituem os grupos que sível processo de fusão (Wüst 1990).
mais parecem ter mantido sua identidade: mesmo Resta-nos discutir as possíveis relações entre
tendo interagido, por exem plo, com grupos o sítio aterro Capivara e a ocupação de grupos
ceramistas Aratu e Uru, não participaram de seu Tupiguarani. Nas páginas anteriores foi possível
processo de fusão, voltando a interagir, mais tar­ detectar uma série de características específicas que
de, com o grupo cultural resultante. O próprio fato este sítio traz, indicando uma situação bastante
de 33,3% dos assentamentos Tupiguarani consti­ diversa dos demais casos reunidos no Conjunto 3.
tuírem sítios intra-componenciais fomece novo Difere nas características ambientais apresentadas
argumento: embora representem um fenômeno pela área onde está localizado (zona do pantanal),
bastante forte de interação (uma vez que pressu­ difere na morfología (sítio em aterro) e na filiação
põe a convivência em uma mesma aldeia de indi­ cultural atribuída (possivelmente ao grupo Guató).
víduos portadores de indústrias cerâmicas distin­ Quanto à cerâmica, embora apresente elementos
tas), mantém a identidade de seus participantes. característicos da indústria Tupiguarani, a ausên­
Até mesmo no caso da formação do grupo Bororo, cia de vasilhames de contorno complexo, o predo­
que contaria com a participação do elemento mínio quase absoluto de bases convexas e a alta
Tupiguarani, é nítida a divisão que os sítios anali­ porcentagem de antiplástico concha moída consti­
sados apresentam em relação à cultura material, tuem modificações significativas. Por outro lado,
sugerindo que cada grupo (Bororo e Tupiguarani) enquadra-se bastante bem nas características ge­
teria mantido, durante certo período, sua tradição rais apresentadas pela cerâmica dos aterros do Pan­
cerâmica, e possivelmente também o conjunto de tanal (Oliveira 1995).
atividades e representações a que se relacionam. O quadro etnográfico a que estes aterros se
A ocupação de grupos Tupiguarani no Cen- relacionam se mostra, entretanto, bastante comple­
tro-Oeste parece ser particularmente favorável, xo, tomando difícil desenvolver a questão da ori­
assim, para um estudo mais detalhado de interação, gem de seus ocupantes. Tanto do ponto de vista
que necessariamente deverá abordar problemas re­ cultural quanto econômico a região do Chaco é uma
ferentes à sua intensidade e volume, ao tamanho zona de transição entre a planície da bacia amazô­
da rede de troca estabelecida e ao próprio signifi­ nica, a planície argentina e a zona sub-andina. As
cado dos bens que circulam (temas explorados por culturas de todas estas regiões ter-se-iam mistura­
autores como Earle e Ericson 1977, 1982; Bankes do no Chaco, resultando em considerável densida­
1985; Schortman 1989, Van der Leeuw 1984, en­ de demográfica e onde ocorreriam intensas influên­
tre outros). cias e conflitos culturais (Carvalho 1992; Susnik
Datas obtidas no alto Araguaia e no baixo 1972; Métraux 1944). Alguns autores discutem a
Paranaíba (séculos XIV-XV de nossa era - hipótese de os grupos Guató serem relacionados
Schmitz 1976/77) indicam que grupos Tupi­ ao tronco lingüístico Macro-Gê (Schmidt 1912;
guarani teriam permanecido em certas áreas até Oliveira 1993,1995). Estes problemas necessitam
o contato com o elemento europeu. Já ao menos de maior fundamentação, tanto no campo da Ar­
em 2 outras áreas (vale do Araguaia e vale do queologia como da Etnologia. De qualquer forma,
São Lourenço) as evidências parecem apontar parece que envolvem um quadro de ocupação pré-
para um desaparecimento de seus sítios, prova­ colonial específico e diverso das demais porções
velmente relacionados a processos locais de mu­ analisadas no Centro-Oeste. É possível que gru­
dança cultural. No vale do Araguaia, a ocorrên­ pos ceramistas Tupiguarani tenham participado da
cia de sítios intra-componenciais Tupiguarani/ origem multi-cultural sugerida para a ocupação do
Aratu/Uru indicaria, conforme discussão acima, Chaco. Mesmo porque esta área estaria dentro da
um provável fenômeno de incorporação, uma vez rota migratória sugerida por Brochado (1984) para
que as estruturas dos sítios e o processo mútuo o deslocamento dos grupos Guarani.

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

Os agricultores do Centro-Norte aos ceramistas Aratu iniciais, e aos “agricultores


do oeste”, relacionados aos ceramistas Uru ini­
Como vimos anteriormente, os Conjuntos 1 e ciais). A origem dos agricultores do centro-norte
2 reúnem sítios com características bastante espe­ parece estar ligada aprofundas modificações ocor­
cíficas, respectivamente relacionados às industrias ridas tanto entre os grupos portadores da cerâmica
cerâmicas Uru e Aratu. Apresentam suas datações Aratu como da Uru, aproximadamente a partir do
mais antigas, além de se localizarem em porções século X.
geográficas bem definidas e adjacentes às suas pro­ Conforme Wüst (1983) e segundo análises
váveis regiões de origem. Já o Conjunto 4, embora desenvolvidas para a região do Mato Grosso de
também reúna sítios inicialmente relacionados à Goiás, os grupos ceramistas Aratu apresentariam,
tradição Uru (6 deles, ou 66,6%) e à Aratu (22,2%), nos sítios relacionados aos níveis temporais 3 e 5
além de 1 sítio da tradição Una (11,1 %), apresenta (século X-XI em diante) uma série de movimenta­
um quadro notadamente diverso. Em primeiro lu­ ções nos assentamentos, como resposta a pressões
gar, seus sítios estão relacionados a um período de grupos externos, exercidas nas fronteiras terri­
mais recente das ocupações dos grupos portadores toriais a norte e oeste (vales do Tocantins e Ara­
de cada uma destas indústrias, entre os séculos XIII guaia). Um aumento populacional interno, agra­
e XV. Em segundo lugar, se para o Conjunto 1 defi­ vado pela dificuldade de expansão territorial, teria
ne-se uma área de ocupação do Araguaia para oeste levado a constantes deslocamentos, acompanhados
e, para o Conjunto 2, do Araguaia para leste, os por cisões e junções de comunidades, bem como
sítios do Conjunto 4 ocorrem preferencialmente no um aproveitamento mais generalizado do meio fí­
que poderíamos denominar “área de contato” (o sico, refletido na ocupação de ambientes diversos
alto/médio Araguaia e o alto Tocantins - 5 sítios). (como o cerrado), além da utilização mais intensiva
Podem localizar-se ainda no território originalmen­ de seus territórios, através da implantação de sítios
te exclusivo dos agricultores do oeste, no Mato em morros com vertentes anteriormente não apro­
Grosso (2 sítios) e no território originalmente exclu­ veitadas.
sivo dos agricultores do leste, no baixo Paranaíba A redução no tamanho dos assentamentos em
(2 sítios - Figura 4). períodos recentes foi relacionada por Wüst {op. cit.)
A ocupação destas áreas remete a uma maior a um considerável declínio populacional devido ao
diversidade ambiental. A implantação dos sítios contato com a sociedade nacional. Nossos estudos
na paisagem se dá de forma diversificada, indi­ indicam, entretanto, que o processo teria iniciado
cando o aproveitamento de locais mais íngremes. em período anterior, a partir de uma grande inten­
Embora mantendo a morfología anular, são estru­ sidade de contatos extra-tribais, embora possam
turas consideravelmente menores, tendo um redu­ ter se intensificado com a chegada do colonizador
zido número de concentrações de material. Além europeu.
disto, sua indústria cerâmica pode ser definida en­ Já para os grupos de cerâmica Uru, pesquisas
quanto um misto de elementos do Conjunto 1 (Uru) desenvolvidas no vale do São Lourenço indicam,
e do Conjunto 2 (Aratu), reunindo sítios com dife­ segundo Wüst (1990), um período de tensão rela­
rentes níveis de variação. cionado aos sítios reunidos nos componentes U2 e
Da mesma forma como alertamos para o Con­ U4, cujas datações também remetem do século X
junto 3 (Tupiguarani), seria necessário contar com em diante. Segundo a autora, esta ocupação teria
investigações estratigráficas para definir que a na­ passado por um processo de profundas transfor­
tureza intra-componencial de seus vestígios esteja mações internas, definindo a formação do que de­
indubitavelmente relacionada a uma mesma ocupa­ nomina “comunidades locais” e que teriam, inclu­
ção. Entretanto, ao menos os sítios do vale do Ara­ sive, alcançado diferentes níveis de complexifi-
guaia e os do São Lourenço sofreram investiga­ cação sócio-cultural (Wüst op. cit.: 368, 383).
ções mais detalhadas, dando suporte à discussão As mudanças culturais por que cada grupo
que se segue. teria passado sugerem, assim, uma natureza diver­
As informações sugerem que o Conjunto 4 re­ sa: enquanto os ceramistas Aratu modificam seus
trate a emergência de novos grupos culturais, aqui padrões a partir de estímulos externos, os cera­
denominados “agricultores do centro-norte” (em mistas Uru indicariam transformações decorren­
oposição aos “agricultores do leste”, relacionados tes de um desenvolvimento interno. É possível que

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isto se deva, entretanto, à própria localização geo­ Por outro lado, a indústria cerâmica do Con­
gráfica das áreas estudadas. Enquanto o quadro junto 4 apresenta uma supremacia de elementos
sugerido para os ceramistas Aratu se baseia no es­ tecnológicos e estilísticos da cerâmica Uru, talvez
tudo de urna área justamente no limite territorial indicando uma maior influência de seus ceramistas
com os ceramistas Uru (e portanto muito mais vul­ (em termos qualitativos e quantitativos), bem como
nerável a apresentar seus impactos), o quadro su­ uma continuidade de seus valores estéticos e sim­
gerido para os ceramistas Uru se baseia no estudo bólicos.
de uma área “core”, no centro do Mato Grosso, Também o próprio número de sítios inicial­
onde talvez estas evidências de contato apresentar- mente relacionados à tradição Uru no Conjunto 4
se-iam com menor intensidade. Neste sentido, seria (6 sítios, em oposição a apenas 2 da tradição Aratu)
interessante contar com estudos semelhantes em sugere um predomínio de contingentes populacio­
áreas “core” de ceramistas Aratu, que pudessem nais originários dos agricultores do oeste. Não po­
fornecer dados sobre transformações culturais demos esquecer que o quadro arqueológico regional
amplas por que o grupo tenha passado. parece indicar que os sítios mais recentes da tradi­
Por outro lado, é notável que não foram identi­ ção Aratu passariam por um processo de esgota­
ficados sítios da tradição Aratu a oeste do Araguaia, mento, enquanto os sítios da tradição Uru indica­
enquanto que existem sítios da tradição Uru a leste. riam não apenas um aumento populacional, mas o
Em outras palavras, os ceramistas Uru teriam não desenvolvimento de um processo de complexifi-
apenas mantido contato com ceramistas Aratu no cação sócio-política. Assim, no período de forma­
vale do Araguaia, mas também instalado alguns ção dos “grupos agricultores do centro-norte” os
assentamentos em meio à área “core” Aratu (o vale ceramistas Uru parecem ter reunido maior condição
do Paranaíba), revelando uma intromissão não ob­ de supremacia.
servada em seu próprio território. Além disto, as A emergência dos grupos agricultores do cen­
indústrias cerâmicas relacionadas ao Conjunto 1 tro-norte parece ter participado de um processo de
(Uru originais) e Conjunto 2 (Aratu originais) indi­ inversão na estrutura maior da ocupação regional:
cam diferentes permeabilidades à intromissão de se até o século X-XI os vales do Paranaíba e São
elementos externos: enquanto os ceramistas Uru Lourenço teriam constituído áreas “core” de ocupa­
se mostram mais fechados, com poucos sítios apre­ ção, vão se tomar periféricas, enquanto o vale do
sentando elementos Aratu, estes últimos foram, Araguaia, que sempre teria correspondido a algum
desde o início, mais permeáveis. A partir de todos tipo de limite na distribuição dos sítios, passa a
estes dados seria possível sugerir que os ceramistas constituir área central.
Uru teriam correspondido muito mais ao elemento Ainda não é possível fornecer uma caracteriza­
“dominador”, enquanto os ceramistas Aratu ao ele­ ção precisa destes agricultores do centro-norte, uma
mento “dominado”. vez que podem ser seguramente relacionados ape­
Esta situação parece encontrar reflexo, ain­ nas os 6 sítios do Conjunto 4. Mesmo que sua for­
da, nas características apresentadas pela indús­ mação deva ter se processado no vale do Araguaia
tria cerâmica do Conjunto 4. O predomínio de e alto Tocantins, nem todos os sítios aí localizados
vasilhames diretos, bem como a rara presença de podem, a priori, ser-lhes relacionados. Isto porque
pratos assadores de mandioca indicariam um tanto os Conjuntos 1 e 2 apresentam sítios nestas
abastecimento baseado no milho, remetendo ao áreas, como o Conjunto 4 apresenta, em contrapar­
contexto da ocupação de ceramistas Aratu. E di­ tida, sítios localizados nas porções mais centrais
fícil identificar, entretanto, se isto se deve ao fato dos territórios inicialmente definidos para cada
de, na formação dos “grupos agricultores do cen- grupo (como é o caso do sítio MT-SL-04 e 51, loca­
tro-norte”, terem predominado as atividades eco­ lizados no vale do São Lourenço).
nômicas desenvolvidas pelos ceramistas Aratu, E m esm o p o ssív el, com o já alertam os
ou se a adoção do milho também já teria ocorrido anteriormente, contarmos no Conjunto 4 com sí­
entre os Uru, como sugere o trabalho de Wüst no tios que, embora não possam mais ser considera­
vale do São Lourenço (1990). Neste caso, o abas­ dos enquanto integrantes dos denominados agri­
tecimento baseado no milho representaria uma cultores do leste e do oeste, estejam relacionados
conjunção de fatores e não o predomínio de pa­ a processos locais e específicos de mudança cul­
drões econômicos dos ceramistas Aratu. tural, revelando portanto a emergência de um

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maior número de grupos pelo Centro-Oeste. As de grupos instalados nas regiões circunjacentes ao
análises desenvolvidas no presente trabalho, fun­ Centro-Oeste, cujas movimentações sem dúvida
damentadas ñas industrias cerâmicas, permitem interferiram, motivaram e/ou aceleraram seus pro­
lançar apenas as primeiras pistas de uma situa­ cessos internos.
ção que, certamente, envolve processos bem mais
complexos. A própria distância geográfica apre­ Os grupos Bororo
sentada pelos sítios do Conjunto 4, bem como as
especificidades que apresentam quanto à locali­ Embora a maior parte da história Bororo se
zação e à implantação dos sítios na paisagem desenvolva após o contato com o colonizador euro­
parecem remeter a favor desta hipótese. peu (escapando, assim, do período de interesse da
Devemos ainda analisar o significado da pre­ presente pesquisa), constitui mais um exemplo da
sença, no Conjunto 4, do sítio MT-GA-42, original­ emergência de uma nova unidade sócio-cultural,
mente relacionado à tradição Una. Em primeiro resultado da movimentação e intensas redes de rela­
lugar, parece reafirmar a hipótese de o Conjunto ções estabelecidas entre grupos do Centro-Oeste.
reunir representantes de diferentes processos de Com isto, nosso interesse se projeta para o período
mudança cultural, que no caso do alto vale do Ara­ de formação do grupo, estreitamente relacionado
guaia, onde MT-GA-42 se localiza, envolveria a ao próprio declínio de grupos pré-coloniais anali­
incorporação de remanescentes ceramistas Una. sados, como seria o caso dos agricultores do oeste
Em segundo lugar, fornecem as primeiras pistas (Conjunto 1).
para compreender o processo de extinção por que A origem dos Bororo ainda é bastante discuti­
estes ceramistas teriam passado. da, embora todos concordem que sejam resultado
Devemos notar, entretanto, que a forma de in­ de um processo de integração e hierarquização só-
corporação destes grupos teria sido notadamente cio-política entre contingentes populacionais lin­
distinta. Conforme discussões acima, embora seja güística e culturalmente diferenciados, ocorrido no
possível que os ceramistas Uru tenham desempe­ interior da região Centro-Oeste (vide discussão em
nhado um papel predominante sobre os ceramistas Wüst 1990: 86-90). De fato, os Bororo apresen­
Aratu, ambos contribuíram com elementos de seus tam a maior porcentagem de sítios intra-componen-
grupos culturais originais para a formação do novo. ciais de todos os demais grupos ceramistas analisa­
O mesmo não se aplica, entretanto, com relação dos (37,5), indicando uma situação de intensas re­
ao sítio Una. O fato de perpetuar o conjunto de lações extra-culturais.
padrões culturais definido pela tradição (continua A formação do grupo teria ocorrido no início
sendo um sítio em abrigo, localizado em área de do século XVIII, motivada por deslocamentos e
relevo acidentado e pouco fértil, com uma indústria pressões regionais e extra-regionais. Uma vez que
tecno-morfologicamente simples) sugere que seus sua indústria cerâmica e lítica indica uma conside­
ocupantes não tenham incorporado os padrões cul­ rável ruptura frente aos quadros apresentados pe­
turais dos demais grupos envolvidos. O inverso los ceramistas regionais, Wüst (1990:445-6) consi­
também parece válido, uma vez que as caracterís­ dera mais pertinente definir-lhes uma origem exter­
ticas apresentadas pelo Conjunto 4 não parecem na, onde uma possível minoria, detentora de uma
ter absorvido padrões culturais dos ceramistas Una. tecnologia cerâmica específica (semelhante à dos
A partir daí, seria válido supor que estes últimos Bororo etnográficos) consegue impor aos agriculto­
ou teriam sido incorporados aos “agricultores do res regionais Uru um novo valor estético.
centro-oeste” em condições hierárquicas inferio­ E notável que a cerâmica Bororo apresente
res, ou que teriam sido dizimados, em um segundo características bastante semelhantes à cerâmica
momento. Una (fato inclusive já mencionado por Wüst 1990),
O Conjunto 4 reúne, portanto, vestígios das reforçando a hipótese de que grupos “proto-Bororo”
indústrias Aratu, Uru e Una, além da presença de teriam alguma relação com os grupos ceramistas
artefatos e/ou elementos da cerâmica Tupiguarani. iniciais, em sua origem.
Embora em proporções bastante variadas, parecem De qualquer forma, o processo de formação
apontar para uma complexa matriz de associações dos grupos Bororo teria tido lugar dentro do próprio
intra-regionais. Isto sem mencionar as interferên­ Centro-Oeste, uma vez que todos os seus sítios se
cias que provavelmente tenham sofrido por parte localizam, até o momento, no vale do Paraguai

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gia e Etnologia, São Paulo, 6\ 83-121, 1996.

(Figura 5). O processo pressuporia, portanto, o des­ milho, os Bororo escolhem áreas de maior poten­
locamento de grupos externos à região. Pela locali­ cial agrícola, ocupando as margens de rios de mai­
zação geográfica provavelmente viriam da margem or porte e obedecendo um padrão essencialmente
esquerda do Paraguai, seja em sua porção norte, linear na distribuição dos assentamentos. Esta es­
oeste ou sul. tratégia acabou agilizando o contato com a socie­
O processo de incorporação de grupos porta­ dade nacional, que igualmente desejava explorar
dores de cerâmica Uru à sociedade Bororo foi de­ estas porções de elevado potencial agrícola. O pre­
finido tanto pela presença de sítios intracompo- coce contato com o colonizador efetuou profun­
nenciais, pelo fato de não se contar com sítios de das transformações culturais na emergente soci­
cerâmica Uru a partir do século XVIII, bem como edade Bororo, motivados por processos que fo­
por diferentes fatores que sugerem uma continuida­ gem ao tema da presente tese.
de no complexo quadro de mudanças culturais que
ceramistas Uru teriam sofrido nos séculos anterio­ A ocupação do Pantanal Mato-Grossense
res (onde se incluem mudanças no sistema de abas­
tecimento, que passa a se basear no milho, uma O fato de o sítio Morro do Cará-Cará, localiza­
complexificação sócio-política, além de intensas do na zona do Pantanal, ter sido isolado pelo teste
redes de fluxos de informação entre as anteriores de Cluster no Conjunto 7, permite elaborar algumas
comunidades locais). questões, embora a escassez de dados faz com que
Quanto aos ceramistas Tupiguarani, sua par­ sejam, ainda, de difícil desenvolvimento.
ticipação na formação dos grupos Bororo foi tam­ Em primeiro lugar, é notável que os 2 sítios
bém atestada, em nossas análises, pelo sítio MT- do Pantanal analisados (Morro do Cará-Cará e ater­
RN-47 (classificado como Tupiguarani/Bororo), ro Capivara) tenham sido relacionados a Conjuntos
reunido pelo teste de Cluster ao sítio MT-RN-36 distintos pelo teste de Cluster (respectivamente
(exclusivamente Bororo). A presença bem marcada Conjunto 7 e 3). Apresentam, de fato, variações
em MT-RN-47 de artefatos Tupiguarani em para­ na morfologia e localização (o primeiro constituin­
lelo a uma cerâmica distinta, relacionada aos gru­ do um abrigo na média vertente de um morro, o
pos Bororo, parece remeter, igualmente, a um pro­ segundo é um aterro a céu aberto na planície do
cesso de fusão entre grupos distintos e não a uma Pantanal). Quanto à cerâmica, o Morro do Cará-
mera intromissão de elementos isolados de uma Cará apresenta uma indústria mais simples do que
ou outra indústria cerâmica. Por outro lado, as con­ o aterro Capivara (que já tem a cerâmica mais sim­
dições ambientais apresentadas pelos assentamen­ ples do Conjunto 3). Os sítios mostram, todavia,
tos Bororo parecem mais semelhanças com os pa­ alguns elementos comuns, como o predomínio de
drões observados na área para os grupos Tupigua­ vasilhames pequenos e médios, de contornos dire­
rani (implantados ao longo dos rios, em áreas de tos, de bordas simples e reforçadas, exclusividade
mata e solo mais fértil) do que com os ceramistas de bases convexas e planas, presença de tratamen­
Uru, remetendo a um quadro de influências que to de superfície por enegrecimento, além de anti-
não se restringiria à cultura material. Elementos plástico areia, cariapé, caco moído e concha moída.
da língua Tupi também estão presentes na língua Embora o Morro do Cará-Cará tenha sido des­
Bororo (Wüst 1990). crito como sítio que reuniria ao menos duas ocupa­
Os Bororo seriam, portanto, resultado da fu­ ções distintas, uma delas Tupiguarani (Fichas de
são entre grupos com cultura material significa­ Sítio do IPHAN/Cuiabá), sua cerâmica não tem
tivam ente div ersa, que lev aria a um certo vasilhames decorados, presentes no aterro Capivara
nivelamento de diferenças regionais e locais an­ nas categorias engobo, pintura, motivos plásticos e
teriores, através do surgimento de um sistema re­ apêndices. Provavelmente este atributo tenha influí­
gional único ligado por intensas redes e fluxos de do na inclusão do aterro Capivara ao Conjunto 3
informação (Wüst 1990: 445). Entretanto, varia­ (Tupiguarani). Por outro lado, a região do rio Cará-
ções observadas especialmente no padrão de im­ Cará é historicamente ocupada pelo grupo Guató
plantação indicariam, segundo Wüst (1990:420), (Oliveira 1995:192), ocorrendo de fato grande quan­
a interferência de fatores de natureza sócio-polí- tidade de seus sítios nas imediações (Figura 3).
tica, gerada pela pressão do colonizador europeu. Estes dados permitem supor que o sítio deve
Com um sistema de abastecimento baseado no apresentar uma situação bem mais complexa do

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

que a que foi possível observar. Ou que, de fato, vessado a região Centro-Oeste e continuado a ocu­
corresponda a uma ocupação distinta da relaciona­ par outras regiões. Assim, por exemplo, não se tem
da aos aterros, uma vez que a região parece ter sido notícia, no sul do país, de ceramistas Uru, nem
ocupada, como vimos ñas páginas anteriores, por notícia de grupos Bororo ou Guató na região su­
grupos culturais diversificados. deste. Única exceção seria formada pelos ceramis­
tas Tupiguarani, cujos vestígios ocorrem, de fato,
por todo o território nacional. Mas são, curiosamen­
Considerações finais te, os grupos que apresentam os vestígios mais
fugazes de ocupação, embora certamente tenham
Finalizando as análises do presente texto, fare­ desempenhado um papel significativo em todo o
mos uma breve consideração do objetivo maior do processo regional. Além disto, o fenômeno de difu­
trabalho frente aos dados que foram obtidos. são a que estariam relacionados indica dois eixos
Nossa proposta era discutir a posição do Cen­ maiores, a leste e a oeste, que circundam a região,
tro-Oeste enquanto área de confluencia para des­ e não passam por ela.
locamentos diversos relacionados a grupos cera­ Dos 2 grupos culturais restantes, o formado
mistas (sejam deslocamentos de informações, pelos grupos ceramistas iniciais, embora possivel­
objetos e/ou pessoas), oriundos das regiões mente também tenha recebido insumos externos,
circunja-centes em período pré-colonial. Esta pro­ estaria fortemente ligado ao processo de desenvol­
posta divergia, em vários sentidos, da apresenta­ vimento cultural dos grupos caçadores-coletores lo­
da por outros pesquisadores, que tradicionalmente cais, podendo apresentar grandes variações. Além
consideravam a região como um corredor de disto, a distribuição dos sítios na borda leste do
deslocamento (Schmitz 1976/77; Schmitz etalii Planalto e em sua porção centro-sul sugerem, em
1978/79/80). Esta suposição se baseava, em pri­ primeiro lugar, um acesso via contrafortes e, em
meiro lugar, ñas características ambientais da re­ segundo lugar, uma expressiva individualidade de
gião, principalmente relacionadas à hidrografia e suas manifestações. Não parece resultar, mais uma
à sua localização em relação ao restante do país, vez, de um eixo de passagem na região.
permitindo a passagem de grupos indígenas, que Outro ponto a ser abordado é que, dos 7 grupos
teriam utilizado tanto os rios enquanto eixos e/ou culturais estudados, apenas 3 parecem ter utilizado
referenciais de deslocamento, como o próprio o transporte fluvial como via de penetração: os
transporte terrestre, facilitado pelo relevo geral­ agricultores do oeste, os grupos Bororo e Guató.
mente plano da região. Além disto, o fato de os Apenas o primeiro ter-se-ia servido da rede de
diversificados vestígios de grupos ceramistas re­ transporte formada pelos afluentes do Amazonas
meterem, por vezes, a origens externas, parecia (Xingu e Tapajós e, talvez ainda, Araguaia e Tocan­
favorecer a sugestão. Certamente cada uma des­ tins). Já os grupos Bororo e os Guató, de provável
tas situações (corredor de passagem X área de origem na região do Chaco, podem ter-se servido
confluência) remete a um quadro de ocupação com do sistema Paraná/Paraguai (que, entretanto, não
características distintas, notadamente no que diz atravessa o Centro-Oeste, mas apenas serve sua
respeito à intensidade e significado das relações porção leste). Ds demais 2 grupos de provável ori­
de interação social no processo de desenvolvi­ gem externa ( agricultores do leste e Tupiguarani)
mento cultural. apresentam indícios de terem vindo via contrafor­
Retomando as vias de ocupação que puderam tes. Mesmo os agricultores Tupiguarani, tradicio­
ser identificadas para cada um dos grupos cera­ nalmente canoeiros, podem ter se valido das vias
mistas analisados, vemos que remetem a situações fluviais para alcançar as regiões circunjacentes ao
bastante diversificadas. Analisemos, em primeiro Centro-Oeste, mas não para nele penetrar. Com isto
lugar, o conceito de “corredor de passagem”. Dos parece que a região Centro-Oeste definitivamente
7 grupos culturais tratados, a origem de ao menos não se apresenta como “corredor de passagem” e o
5 parece ter tido, primordialmente, insumos exter­ conceito de “área de confluência” parece adequado.
nos: os agricultores do leste, os agricultores do Estas análises levam à formulação de impor­
oeste, os ceramistas Tupiguarani, os grupos Bororo tantes problemas de pesquisa. O fato de as gran­
e os grupos Guató. É notável, entretanto, que não des vias fluviais não terem tido maior aproveita­
se conte com qualquer indício de que tenham atra­ mento enquanto eixos de penetração parece

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

contrariar, inclusive, urna das grandes vantagens em exceção a serem forçosamente incorporadas a
ambientais que a região apresenta. O desenvol­ uma ou outra tradição arqueológica preexistente,
vimento destes problemas extrapola a arqueolo­ mas sim a uma situação de fato que necessita emer­
gia regional, como também carece de um conhe­ gir com todas as multi-faces que possui. O reconhe­
cimento muito mais aprofundado das condições cimento do que denominamos “grupos agricultores
ambientais da região à época de cada ocupação. do centro-norte”, bem como a formação dos grupos
Oferece já, entretanto, um fértil campo de dis­ Bororo, constituem as primeiras evidências deste
cussão. processo mais amplo, ainda que no primeiro caso
* * * provavelmente reunindo diferentes grupos culturais
localizados.
Certamente toda a discussão desenvolvida no Não podemos esquecer que o presente traba­
presente trabalho apresenta ainda um caráter lho ainda não lidou com alguns contextos da re­
provisório e exploratório, devido às próprias con­ gião Centro-Oeste, relacionados a sítios do Mato
dições da pesquisa arqueológica na região Cen- Grosso e Mato Grosso do Sul (fases Aguapeí, Tra-
tro-Oeste, bem como ao restrito número de sítios cajá, Camararé, etc.; sítios como o Abrigo do Sol,
que puderam ser analisados nesta primeira etapa os “cemitérios” do vale do Paraguai e um maior
do projeto. Pesquisas anteriores revelavam já a conhecimento dos aterros do Pantanal). Sua investi­
presença de 4 grandes categorias de grupos gação certamente dará uma complexidade ainda
ceramistas para a região: uma relacionada a síti­ maior à arqueologia regional.
os com cerâmica Una, outra a sítios com cerâmi­ Com tudo isto, concluímos ser de fato pertinen­
ca Aratu, outra Uru e outra Tupiguarani. De fato, te considerar o Centro-Oeste enquanto área de con­
estariam relacionados a grupos com origens dis­ fluência, para onde grupos ceramistas oriundos de
tintas, cujas especificidades e processos gerais diferentes regiões se teriam deslocado e desenvolvi­
de desenvolvimento foram discutidos no decor­ do. Inicialmente ter-se-iam formado, de certa ma­
rer do presente trabalho. neira, áreas “exclusivas” de ocupação, adjacentes
Entretanto, diferentes dados permitem inferir às regiões de origem. Embora contatos extra-gru-
que a partir do século X, quando toda a extensão pais tenham ocorrido durante todo o período, com
do Centro-Oeste já se apresentaria principalmen­ o tempo, os grupos tenderiam a se defrontar, estabe­
te ocupada por grupos ceramistas, os contatos ex- lecendo formas de contato mais intensas. Como
tra-tribais ganhariam um novo significado, resultado teríamos o surgimento de uma série de
desenvolvendo-se com grande intensidade e atra­ variações locais, que passam a constituir o padrão
vés de estímulos diversos. Embora as característi­ arqueológico regional. Desta situação é que deriva­
cas destas relações certamente apresentem enor­ ria, na época do contato com o colonizador europeu
mes variações no tempo e no espaço, acreditamos (principalmente nos séculos XVII e XVIII), a gran­
que tenham envolvido a ocupação pré-colonial do de densidade e diversidade de grupos etnográfica­
Centro-Oeste como um todo, motivando profun­ mente conhecidos.
dos processos locais de mudança cultural, fusões Para que as discussões possam evoluir faz-se
inter-grupais, emergência de novas unidades cul­ necessário, por um lado, contar com uma maior
turais ou, até mesmo, a confinada manutenção de amostragem de sítios analisados, não apenas dentro
determinados núcleos originais. da própria região Centro-Oeste, como envolvendo
Assim não é mais possível, por exemplo, per­ áreas circunjacentes que se mostraram estratégi­
sistir com a classificação dos sítios através das cas, principalmente relacionadas ao norte, nordeste
características gerais que suas indústrias cerâmicas e sudeste brasileiro. Por outro lado, enquanto nossa
apresentam, porque estaríamos relacionando vestí­ unidade de análise continuar a ser formada por sí­
gios de ocupações notadamente diversas. Os 122 tios arqueológicos dispersos no tempo e no espaço,
sítios atualmente relacionados à tradição Aratu não as discussões dificilmente ultrapassarão o nível
formam, definitivamente, um único grupo cultural, descritivo. Somente com a multiplicação de proje­
apresentando significativas variação no tempo e tos regionais (que tenham por objetivo o estudo de
no espaço. O mesmo ocorre com os 112 sítios rela­ sistemas sócio-culturais em sua estrutura, funcio­
cionados à tradição Uru. O procedimento básico namento e mudança), aliados ao estudo sistemáti­
está em reconhecer que as variações não constitu­ co de sítios que permitam analisar em detalhe a

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gia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

dinâmica destes processos de mudança (Household A cerâmica, enquanto vestígio básico de nos­
Archaeology) é que se poderá chegar mais além. sas análises, permitiu não apenas reconhecer uma
Isto exigirá, sem dúvida, o desenvolvimento de série de fenômenos culturais, mas também indicar
estratégias metodológicas distintas e específicas, que teria exercido papéis distintos nos grupos con­
para que os dados arqueológicos possam, definiti­ siderados. Mesmo assim, os resultados necessitam
vamente, revelar não apenas aspectos descritivos ser revistos à luz de outras fontes de informação,
mas interpretativos, capazes de contribuir para a para que se possa avaliar o próprio potencial da
construção de modelos cujo interesse ultrapassa o cerâmica como indicador de interação e/ou mudan­
nível regional. ça cultural.

ROBRAHN GONZALEZ, E.M. Prehistoric ceramic societies from the Central-Western Brazil.
Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 6: 83-121, 1996.

ABSTRACT: This article discusses the Central-West Brazil as a confluence


area for population and/or cultural information movements from surrounding cultural
areas. These movements seem to have had a great influence in the very formation
of the Central-West agricultural societies, as well as in their historical evolution.
This work has been performed not only through systematic review of the
bibliographic information, but also involved careful re-evaluation, by means of
multivariate statistical methods, of data and collections from 47 outstanding ceramic
sites from that area.

UNITERMS: Ceramic societies - Central-West Brazil - Migration - Cultural


relations.

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