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01 - Introdução Bioética PDF
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ÉTICA X MORAL
Qualquer que seja a abordagem que se faça sobre o tema ética médica, não se pode prescindir de uma
apreciação, mesmo que sumária, do significado e da extensão do termo ética. Esse entendimento se funda na convicção
de que a ética médica, mesmo que configurando uma ética aplicada, não pode renunciar a seus pressupostos teóricos.
A palavra ética deriva do grego e sua origem está relacionada a dois vocábulos: êthos e éthos. O primeiro
significava, inicialmente, estância, toca, lugar onde se vive, morada, sofrendo, posteriormente, uma evolução semântica
para denotar maneira de ser habitual, disposição de espírito, caráter. O segundo termo significava uso, hábito, caráter,
costume.
Como visto, recorreu-se à ideia de moral para conceituar a ética, razão por que surge a necessidade de uma
análise do significado que se deva atribuir a esse termo. Nesse ponto, uma primeira contribuição é a da etimologia,
segundo a qual o termo moral vem do latim mos (mores) e significa caráter, modo de ser, costume.
Assim, vê-se que a análise etimológica do termo moral não evidencia nenhuma diferença semântica em relação
ao termo ética, não obstante tenham derivado de línguas diversas - a moral, do latim, a ética, do grego. Nesse prisma, a
ética deve ser compreendida como sinônimo da moral.
Por tanto, temos a seguinte relação:
MORAL Valorização não-refletida (religião, cultura)
ÉTICA Valorização refletida (eticidade)
MORAL = ÉTICA
Assim, na falta de argumentos contundentes que sustentem qualquer um dos posicionamentos apresentados,
prefere-se utilizar o termo ética como sinônimo de moral - ora para definir o ramo da filosofia destinado à análise teórica
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e científica dos pressupostos, fundamentos e justificativas das ações humanas - ora para designar o sistema mais ou
menos coerente de valores, princípios, normas e preceitos que orientam a conduta de uma pessoa ou de um grupo.
Essa opção resulta do fato de que, tradicionalmente, o conjunto de normas voltadas para orientar o exercício da
profissão médica recebe a denominação de ética médica. Além disso, na maioria dos países, essas normas estão
compiladas nos chamados Códigos de Ética Médica.
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Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas
as deusas, cumprir, conforme o meu poder e a minha razão, o juramento cujo texto é este:
1 - Estimarei como aos meus próprios pais, quem me ensinou esta arte e com ele farei vida em comum e, se
tiver alguma necessidade, partilhará dos meus bens; cuidarei dos seus filhos como meus próprios irmãos,
ensinando-lhes esta arte, se tiverem necessidade de aprendê-la, sem salário nem promessa escrita; farei
participar dos preceitos, das lições e de todo o restante do ensinamento, os meus filhos, os filhos do mestre
que me instruiu, os discípulos inscritos e arrolados de acordo com as regras da profissão, mas apenas esses.
2 - Aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer
que seja.
3 - A ninguém darei, para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza à destruição. Também não fornecerei a uma senhora
pessário abortivo. Conservarei puras minha vida e minha arte.
4- Não praticarei a talha, ainda que seja sobre um calculoso (manifesto), mas deixarei essa operação para os práticos.
5 - Na casa onde eu for, entrarei apenas para o bem do doente, abstendo-me de qualquer mal voluntário, de toda sedução e, sobretudo,
dos prazeres do amor com mulheres ou com homens sejam livres ou escravos.
6 - O que no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como
segredo. Se cumprir este juramento com fidelidade, goze eu minha vida e minha arte com boa reputação entre os homens, e para sempre;
mas, se dele me afastar ou violá-lo, suceda-me o contrário (Fávero F, 1991).
Como pode ser visto, a primeira cláusula juramentaria (1) se desdobra em um pacto familiar em relação ao
mestre e em um pacto corporativo, ambos desprovidos atualmente de qualquer interesse. A segunda (2) materializa a
postura paternalista do médico, hoje já censurada. A quarta (4) e a quinta (5), de tão impertinentes nos dias atuais,
dispensam qualquer comentário.
Apenas a terceira cláusula (3), que fala da vedação à prática da eutanásia e do aborto, impondo o respeito
absoluto à vida, e a sexta e última (6), que trata da questão do sigilo médico, continuam a ter pertinência na atualidade,
ainda que com ponderações.
Todavia, mesmo em face da sua manifesta inadequação aos dilemas morais da medicina do tempo atual, não se
pode deixar de reconhecer a valiosa contribuição do Juramento de Hipócrates. Basta ver que seus postulados
influenciaram os Códigos de Ética Médica adotados no mundo inteiro até mais da metade do Século XX, precisamente
até o fim da década de 60 (França G, 2000).
Uma característica importante desse longo período de influência da ética hipocrática é que nele as discussões
éticas eram tratadas como assunto interna corporis, interessando apenas aos profissionais da medicina, e marcadas, por
isso, por posicionamentos corporativistas e paternalistas. Os deveres gerais e as obrigações específicas dos médicos
eram desenvolvidos por membros instruídos da corporação, os quais eram responsáveis por regular a conduta ética da
profissão. Nesse período, os Códigos de Ética Médica eram impostos à sociedade, que não tinha a oportunidade de
participar, direta ou indiretamente, de sua elaboração (Drane J, Pessini L, 2005).
Diante, pois, da incapacidade do modelo de ética hipocrática de atender às novas demandas, suscitadas
principalmente pelos avanços das biotecnologias, eclodiu um movimento de mudanças na ética médica. Esse
movimento, que se tomou mais evidente a partir dos anos 70 do Século XX, pode ser melhor compreendido a partir da
análise do conjunto de fatos que o procederam e que são apontados, com frequência, como responsáveis pelo
surgimento da Bioética, em 1971. Entre esses fatos, podem-se ressaltar (Drane J, Pessini L, 2005; Barchifontaine P,
2004):
Notícias de brutais experimentos realizados por médicos nazistas em prisioneiros nos campos de concentração,
durante a segunda guerra mundial. Esses fatos culminaram com o julgamento e a condenação de alguns deles
pelo Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Na sua decisão, em 1947, o Tribunal incluiu uma declaração
contendo 10 recomendações, que constituem o chamado Código de Nuremberg;
Descoberta do ácido desoxirribonucleico – DNA, por Crick e Watson em 1953. Essa descoberta criou condições
para um vertiginoso movimento de inovações tecnológicas na área da genética, de consequências inquietantes;
Acontecimentos em torno da diálise em Seattle (EUA). Em 1960, diante da disponibilidade de um pequeno
número de máquinas de diálise (recém- inventadas), foi entregue a uma comissão formada por membros leigos
da comunidade a prerrogativa de selecionar quais os pacientes que iriam ter acesso àquele recurso. Até então,
decisões dessa natureza eram exclusivas dos profissionais de saúde;
Casos de abusos em pesquisas que envolviam seres humanos, nos Estados Unidos:
Hospital Estatal de Willowbrook (New York – 1950 a 1970): A fim de estudar a história natural da hepatite A
e desenvolver uma vacina, investigadores infectavam deliberadamente parte das crianças recém-
internadas;
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Estudo da sífilis em Tukesgee (Alabama – 1932 a 1972): foram deixados sem tratamento 408 negros
portadores de sífilis, com o objetivo de estudar a história natural da doença. Os resultados foram publicados
em 1954, em uma revista de Saúde Pública dos Estados Unidos, e mostravam que a mortalidade dos
pacientes não tratados era maior que a dos indivíduos sem sífilis. Mesmo diante dessa conclusão, o estudo
prosseguiu, mantendo-se os pacientes sem tratamento até 1972, quando houve a denúncia na imprensa
leiga;
Hospital Israelita de doenças crônicas (New York – 1963): com o objetivo de estudar o processo de rejeição
nos transplantes em humanos, investigadores injetaram células cancerígenas em 22 idosos.
Realização do primeiro transplante cardíaco (África do Sul – 1967): o cirurgião Christian Barnard fez o primeiro
transplante cardíaco, o que suscitou a necessidade de elaborar uma definição de morte encefálica.
Além disso, entre 1960 e 1970, diante da contestação da Guerra do Vietnã, por parte da opinião pública norte-
americana e mundial, cresceu um importante movimento pela defesa dos direitos humanos, que realçava os direitos
individuais, como à liberdade, à igualdade e à justiça, entre outros, em contraposição ao abuso de poder, praticado por
alguns Estados. Nesse contexto instala-se uma crise da ética médica tradicional, cujos pressupostos podem ser
sintetizados em dois pontos: o ultraje moral em face do desrespeito aos direitos dos sujeitos de pesquisa e a
perplexidade diante das descobertas técnico-científicas na medicina e nas demais ciências biológicas.
No centro dessa crise, nasce a Bioética (1971), destinada a oferecer um novo arsenal de fundamentos para os
crescentes dilemas éticos impostos à medicina e às demais ciências biológicas. Ao oncologista norte-americano Van
Rensselaer Potter (1911-2001), atribui-se a obra inaugural desse ramo da ética aplicada - Bioética, uma ponte para o
futuro. Dr. Edmund Pellegrino, médico clínico, humanista e bioeticista, foi o responsável pela estruturação da Bioética
como disciplina acadêmica em todas as faculdades de medicina dos EUA e sua aplicabilidade na prática médica, sendo
responsável também pela criação do Instituto de Valores Humanos da Medicina.
Hoje, a ética da medicina, profissão cuja história se confunde com a história da própria humanidade, vive um
novo momento. Superado o modelo de ética hipocrática, a Bioética se consolidou como um novo paradigma a orientar a
conduta ética do médico. Essa nova ética, revigorada, desprovida de corporativismo, sem marcas do já ultrapassado
paternalismo, não é mais autoaplicável, como outrora, mas nasce do desejo de todos. É fruto de múltiplas contribuições,
não apenas de filósofos, teólogos, juristas, médicos e outros estudiosos, mas também dos diversos segmentos da
coletividade, refletindo, por isso, os sentimentos e os valores morais mais relevantes para a sociedade.
Pode-se conceituar a bioética como: “Ética aplicada à vida (solucionadora de problemas) e se apresenta como a
procura de um comportamento responsável por parte daquelas pessoas que devem decidir tipos de tratamentos,
pesquisas ou posturas com relação à humanidade.” (Reich, 1995)
A boa prática médica atual continua baseada na observação dos conceitos hipocráticos beneficência, não-
maleficência, respeito à vida, a confidencialidade e à privacidade, acrescidos do respeito à autonomia do paciente, o seu
direito em receber todas as informações e participar mais ativamente do seu tratamento.
PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
Autonomia significa autogoverno, autodeterminação da pessoa em tomar decisões relacionadas a sua vida, sua
saúde, sua integridade físico-psiquíca e suas relações sociais. Pressupõe existência de opções, liberdade de escolha e
requer que o indivíduo seja capaz de agir de acordo com as deliberações feitas. O respeito à autodeterminação
fundamenta-se no princípio da dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico kantiano que afirma
que o ser humano é um fim em si mesmo. Algumas variáveis contribuem para que um indivíduo torne-se autônomo, tais
como condições biológicas, psíquicas e sociais. Podem existir situações transitórias ou permanentes que uma pessoa
pode ter uma autonomia diminuída, cabendo a terceiros o papel de decidir. A autonomia não deve ser confundida com
individualismo, seus limites são estabelecidos com o respeito ao outro e ao coletivo.
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Manifestação da essência do princípio da autonomia é o consentimento esclarecido. Todo indivíduo tem direito
de consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que tenham potencial de afetar sua
integridade físico-psíquica ou social. O consentimento deve ser dado livremente, após completo esclarecimento sobre o
procedimento, dentro de um nível intelectual do paciente; renovável e revogável. Para Hewlett, o consentimento apenas
é aceito quando possui informação, competência, entendimento e voluntariedade.
Por tanto, o Princípio da Autonomia é regra, que consiste no fato de que é direito do paciente escolher a cerca
do tratamento aos quais ele vai ser submetido ou não. Cabe ao profissional médico fornecer ao paciente, em palavras
simples, os meios de tratamento que o mesmo será submetido.
PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA
A exceção à regra que é a autonomia é o Princípio da Beneficência, nos casos em que o médico vai agir para
fazer o bem do paciente mesmo contra a sua vontade. Por exemplo, se um paciente chega ao centro de emergência
correndo perigo de vida (ou risco eminente de vida: situação real e concreta na qual, a juízo do médico, a intervenção
do médico é necessária para evitar a morte do paciente. Não é só um juízo de prognóstico, mas sim, um diagnóstico), o
médico deve agir prontamente, mesmo contra a autonomia do paciente (se caso for), ou seja, mesmo se o paciente não
permitir a intervenção para salvar a sua vida. Caso contrário, o médico responde a um tipo de homicídio culposo.
Deve-se levar sempre, é claro, o bom senso: por exemplo, se um paciente chega no hospital com quadro de
desidratação. O médico, no caso, afirma que o melhor no momento seria a aplicação de soro. Se o paciente negar, o
médico deve observar se o paciente corre mesmo perigo de vida ou apenas risco de vida (situação na qual todas as
pessoas convivem diariamente: risco remoto de sofrer qualquer tipo de acidente), na qual não é necessária uma
intervenção urgente do médico. Nesse caso, o Princípio da Autonomia predomina como regra.
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
A justiça define que o correto é “dar a cada qual o que é seu”. Isto é, critérios justos devem ser estabelecidos
para conduzir a atuação do médico ante os determinados quadros de seu cotidiano. O tratamento estabelecido para um
médico não visa sempre ser o melhor para um só paciente, mas sim, o mais efetivo para um maior número de pacientes.
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OBS : Pode-se resumir os quatro princípios éticos da seguinte maneira:
Beneficência: o ato de fazer o bem.
Não maleficência: primeiramente, não fazer mal (não matar, não causar dor, não incapacitar e não privar daquilo
que é bom).
Autonomia: dever de o médico respeitar o direito do paciente.
Justiça: igualdade básica de todos os seres humanos.
BARROS, Ronivaldo de Oliveira. Introdução ao estudo da ética médica. Universidade do Porto, Faculdade de Medicina – Serviço de Bioética e Ética
Médica. Brasília, 2008.
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