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Área disciplinar de português

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

Estrutura e visão global da obra

O amor de dois jovens, Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, contrariado


pelas respetivas famílias, que se odeiam.

Simão António Botelho… a história daqueles dezoito anos…

“Morreu
“ Amou” “ Perdeu-se”
amando”

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“ Amou” Introdução;
Capítulo I até ao capítulo IX.

• Simão apaixona-se pela vizinha, Teresa de Albuquerque, filha de um inimigo de seu pai.

• A paixão é descoberta pelo pai de Teresa, que ameaça encerrá-la num convento.

• Tadeu de Albuquerque, para afastar a filha de Simão, planeia casá-la com o seu sobrinho,
Baltasar. Este declara-se à prima, que recusa o seu pedido. O pai da jovem ameaça-a, uma vez
mais, com a clausura do convento.

• Simão recupera na casa do ferrador e Mariana apaixona-se por ele.

• Simão, depois de tomar conhecimento da ida de Teresa para Monchique, arquiteta um plano de
fuga para os dois, comunicando-o a Teresa por carta.

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“ Perdeu-se” Desenvolvimento;
Capítulo X até ao capítulo XX.

• Teresa informa Simão, através de Mariana, da impossibilidade de fuga, por causa da grande escolta que a
acompanhará, incluindo o primo Baltasar. Simão fica furioso e decide ir ver Teresa à saída do convento. O jovem
interceta a comitiva e, agredido por Baltasar, reage, matando-o a tiro.

• O pai de Simão sabe da sua prisão, mas recusa ajudá-lo. Mariana visita Simão na prisão e informa-o de que Teresa
fora levada para o Porto, desmaiada.

• Simão é condenado à forca. Mariana, quando recebe a notícia, enlouquece de dor.

• Teresa definha pouco a pouco, e o pai decide tirá-la do convento, sabendo que Simão será transferido para a
Cadeia da Relação, no Porto. Tadeu apresenta-se para levar a filha, mas esta recusa sair do convento.

• A pena de Simão é comutada em de anos de degredo para a Índia. Mariana informa Simão de que o seguirá para o
degredo.

• Teresa pede por carta a Simão que aceite os dez anos na cadeia, mas Simão responde-lhe ser preferível a morte
para os dois. Teresa, consciente de que perdera Simão e sentindo-se no limite das suas forças, anuncia-lhe a sua
opção: a morte.

• Simão embarca para a Índia com Mariana e puco depois recebe a notícia da morte de Teresa.

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“ Morreu amando” Conclusão

• Simão lê a última carta de Teresa e adoece. Nove dias depois morre e, no momento em que o seu corpo é lançado
ao mar.

• Marina atira-se também à água e morre com ele

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A obra como crónica da mudança social


O teor documental: elementos textuais que contribuem para a verosimilhança da ação narrada

a indicação de que Simão António Botelho era tio paterno do narrador-autor, cuja história lhe fora
contada por sua tia (Prefácio);

a transcrição de um assentamento no cartório das cadeias da Relação do Porto relativo à prisão de


seu tio (Introdução);

a referência à consulta de papéis antigos (Prefácio);

a entrevista de «contemporâneos» (Prefácio) que conheceram Simão Botelho», procurando


saber «notícias e miudezas» (Prefácio);

a referência ao «epíteto de “brocas” com que ainda hoje os seus descendentes em Vila Real são
conhecidos» - conferem veracidade à apresentação da personagem Domingos Botelho (Capítulo I);

a relação familiar confirmada pelo apelido de D. Rita, mãe de Simão: Castelo Branco (Capítulo I)

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O narratário e sua caracterização: “minha leitora”

O narrador, ao identificá-lo e ao estabelecer com ele um diálogo, pretende envolvê-lo na


história, procurando a sua empatia relativamente à personagem principal, conduzindo-o a
assumir a sua posição enquanto narrador daqueles acontecimentos: sentir «o doloroso
sobressalto» (l. 32), a «amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio» (Il. 33-34);

uma mulher firme, inteligente («a olhos enxutos», l. 26;

«a criatura mais bem formada das branduras da piedade», ll. 26-27) e solidária com os
desafortunados («amiga de todos os infelizes», l. 28).

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Sugestão biográfica: Simão e o Narrador


Informações acerca de Simão Botelho - Introdução

Simão António Botelho tinha dezoito anos quando morreu.

Era filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo
Branco, tendo origem fidalga.

Era natural de Lisboa e estudante em Coimbra.

Fisicamente, tinha «estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba
preta» (Introdução, ll. 8-9).

Foi preso na Cadeia da Relação do Porto e degredado para a índia em 1807 «por amor»
(Introdução, l. 30).

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Sugestão biográfica: Simão e o Narrador


Paralelismo entre a história de Simão e a história de Camilo – Prefácio da 2.ª edição / Introdução

Encarceramento por amor • Camilo condenado por crime de adultério com Ana Plácido;
• Simão desafia as convenções sociais: apaixona-se por
e rebeldia Teresa; por amor mata o primo de Teresa e é condenado

Ambos estiveram na
• Camilo em 1862
cadeia da Relação do • Simão em 1805
Porto

• “E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o


A injustiça da condenação céu de Portugal, nem liberdade, nem irmãos, nem mãe, nem
reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste!”

• “Escrevi o romance em quinze dias, os mais atormentados


da minha vida:” (Prefácio)
O apelo à comiseração • “O leitor decerto se compungia; e a leitora (…) choraria”
(Introdução)

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Construção do herói romântico


A família de Simão Botelho – Capítulo I

• O contraste entre social entre Domingos Botelho e D. Rita Preciosa: ele fidalgo de linhagem e ela
filha de um capitão de cavalos, sem qualquer dote, facto ironizado pelo narrador.
• A ironia e a caricatura na apresentação e caracterização dos pais de Simão Botelho:
• na ridicularização dos traços característicos e nos atos de Domingos Botelho e de D. Rita
Preciosa. A comprovar tal facto apresentam-se alguns exemplos: o narrador enfatiza a origem
nobre dos dois membros do casal, para depois apresentar a precária situação financeira de
ambos: a Domingos Botelho faltavam-lhe bens de fortuna, e D. Rita Preciosa «não tinha outro
dote» (l. 22) além da «formosura» e a descendência dos Caldeirões («E não tinha outro dote, se
não é dote uma série de avoengos, uns bispos, outros generais, e entre estes o que morrera
frigido em caldeirão [„.] que os descendentes do general frito se assinaram Caldeirões», ll. 22-
25);
• a caracterização de Domingos Botelho: o “brocas”, o «bacharel flautista», l. 10, o “doutor bexiga”
- que assim era na corte conhecido - para se não desconcertar a discórdia em que andam
rixados o talento e a felicidade». ll.18-20) e de D. Rita: inadequação à província, (ll. 50-54)a sua
soberba e mesquinhez (ll. 87-88);
• a relação conjugal: D. Rita impõe a sua vontade; Domingos Botelho sente-se “pequeno” perante
a altivez da mulher e acha-se feio, enquanto vê D. Rita “cada vez mais em flor e mais enfadada
do trato íntimo” (l. 101), um “viver de sobressaltos” (l. 11)

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Simão Botelho: um herói romântico

O herói é um indivíduo que se destaca, a nível social, moral, físico, etc., cuja atuação se pauta pela
afirmação de direitos fundamentais do ser humano - os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e
fraternidade.
Características:
• uma figura excecional - superioridade física – “Os quinze anos de Simão têm aparência de vinte. É
forte de compleição; belo homem com as feições de sua mãe, e a corpulência dela; mas de todo
avesso em génio.”
• busca do absoluto, em diversos âmbitos (amoroso, social, estético, etc.);
• vivência de comportamentos de rebeldia;
• enérgico: força anímica na superação (ou tentativa de superação) de barreiras e interdições de vária
ordem – familiares, sociais, morais…;
• idealismo: individualismo e egocentrismo;
• instável: persistência na busca dos ideais; desilusão ou destruição por não alcançar os seus ideais,
• dividido entre as obrigações da sociedade e os impulsos que o fazem revoltar-se contra essas
obrigações.

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Capítulos I e II – Simão Botelho: rebeldia e conflitualidade

A relação de Simão com a família

Marcada pelo conflito, pela rebeldia: “Simão zomba das genealogias”

• O seu irmão Manuel tem-lhe medo, por recear que o seu «génio sanguinário» (l. 7) lhe ponha a vida
em risco;
• a sua mãe, que lhe censura as más companhias, é alvo de troça;
• o seu pai, solidário com a mulher e subserviente à mesma, iguala a sua postura;
• e as irmãs, à exceção da mais nova, têm-lhe medo.

O seu comportamento
os ideias de justiça, em defesa dos mais fracos: Simão, para defender um criado do seu pai que fora
espancado por ter quebrado, inadvertidamente ou não, algumas vasilhas, envolveu-se numa rixa e
partiu todos os cântaros.

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Capítulos I e II – Simão Botelho: rebeldia e conflitualidade

A defesa dos ideais da Revolução Francesa

O episódio do chafariz aumentou o ego de Simão no que diz respeito à sua valentia, espicaçando-o
perigosamente para novas proezas, numa época em que os ideais da Revolução Francesa se
começavam a disseminar por Coimbra.

Simão Botelho afirma-se como um «herói romântico» por se destacar na luta pela liberdade do ser
humano (ideais jacobinos assumidos publicamente), apresentando comportamentos de rebeldia na
busca desses ideais («convive com os mais famosos perturbadores da academia»; procura
companheiros na plebe; parte em defesa de um criado que fora espancado...).

Simão defende os ideais da liberdade e o poder do povo («a clava do Hércules», l. 76) contra a tirania
que o submete de várias formas (as «mil cabeças» da «hidra», l. 75, fazendo a apologia da violência
como meio de libertação.

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Capítulo II – Simão Botelho: a metamorfose – o poder do AMOR-PAIXÃO

O Amor-Paixão

Núcleo da ação.
Sentimento avassalador, febril e egoísta.
Condição que desperta o desejo de vingança e de conservação da honra.
Responsável pela sacralização dos amantes, por aproximação com a paixão de Cristo.

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Capítulo II – Simão Botelho: a metamorfose – o poder do AMOR-PAIXÃO

“No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão.
(…)Simão Botelho amava.”
O motivo dessa transfiguração: O AMOR - Simão amava a sua vizinha Teresa de Albuquerque.

Esta mudança é visível


 no afastamento das más companhias,
 no isolamento a que se votou
 e na dedicação aos estudos.

Caracterização da relação entre Simão e Teresa


Caracteriza-se
 pela reciprocidade,
 pela profundidade
 e pela seriedade dos sentimentos, o que os conduz a assumir uma atitude cautelosa relativamente aos
vizinhos e aos pais, pensando num futuro a dois: «ele ia formar-se para poder sustentá-la» (l. 20) e «ela
esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande património»
(ll. 21-22),
 pela discrição.

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Capítulo II – Simão Botelho: a metamorfose – o poder do AMOR-PAIXÃO

Caracterização da relação entre Simão e Teresa

Seriedade dos sentimentos e das suas intenções

Simão:
 «Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la» (L 29);
 «Ajuizadamente discorrera ele; que a sua demora agravaria a situação de Teresa» (IL 31-32);
 «A ninguém confiava o seu segredo» (L 33).

Teresa:
 «para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande património» (L 21-22);
 «A apaixonada menina escrevia-lhe a miúdo» (IL 34-35).

Dificuldades que se adivinham:


 As referências ao ódio que o pai de Teresa nutria pelo pai de Simão, ao episódio do chafariz e à ameaça de
convento feita a Teresa indiciam, desde logo, os obstáculos que surgirão ao amor dos dois jovens.

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Capítulo X – Simão Botelho: a perdição

Quando se degrada a esperança de atingir ideais de facto sempre impalpáveis, o


herói romântico tomba na desilusão ou é conduzido à destruição, exatamente não
abdicar desses ideais.

Uma trágica decisão: “Eu hei de vê-la antes de partir para Coimbra – disse Simão”

Análise da carta

Valores expressos que norteiam a conduta de Simão:

 Simão repudia a resignação ao recusar uma vida sem Teresa a seu lado.
 A defesa da honra e os seus sentimentos constituem os valores que norteiam a personagem, que se
revela individualista e egocêntrica na sua decisão de matar o «infame», o «miserável que [lhes]
matou a realidade de tantas esperanças formosas» (IL 59.62).

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Capítulo X – Simão Botelho: a perdição

Quando se degrada a esperança de atingir ideais de facto sempre impalpáveis, o herói romântico tomba na desilusão ou é
conduzido à destruição, exatamente não abdicar desses ideais.

Análise da carta

O seu conceito de amor:

 O amor, para Simão, é viver junto da amada («A minha paixão não se conforma com a desgraça», IL 54-55), por isso
não concebe a vida sem ela («Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso com ela», L 57).
 O sentido de honra é superior a um amor vivido longe de Teresa («Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor
sem vingança é um inferno», L 58).
 O amor, para ele, só é possível após a morte («teu esposo do Céu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma». L
61).

A expressão da interioridade da personagem:

 A linguagem conotativa associada à morte («o frio da minha sepultura» L 52, «abismo», L 68),

 as metáforas («cor de morte», l. 52; «a luz que é tua», ll. 65-66),

 a pontuação expressiva («minhas trevas!...», IL 64-65)

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Capítulo X – Simão Botelho: a perdição – Simão mata Baltasar

Este é o momento do Amor de Perdição em que a ação atinge o clímax da sua dramaticidade.

Rapidamente tudo se precipita. Baltasar está morto. Simão, preso. Teresa e Simão inelutavelmente
separados.

As falas são bem marcadas pela índole de cada personagem:


 Baltasar, assertivo, afirmativo, impositivo, provocador, dissimulado;
 Tadeu de Albuquerque, quebrado, desgostoso, lamentoso;
 Teresa, serena, segura, exibindo a força da sua trágica verdade e a repulsa do paternalismo e das
conveniências sociais;
 Simão, corajoso, violento, só.

A concentração da ação é máxima e, como num golpe de teatro, tudo se precipita. Não há explicações;
há movimento, rapidez, ação, diálogo em que as falas vão progressivamente subindo de tom.

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Capítulo X – Simão Botelho: a perdição – Simão mata Baltasar

Múltiplas visões invadem o espaço psicológico de Simão

Simão encontrava-se cego pela vingança que lhe corroía a alma, estando consciente do ato que se
preparava para cometer. Todas as visões que lhe percorriam o pensamento eram suscitadas por essa
cegueira: Mariana a rezar por si, Teresa a apelar pela sua ajuda (note-se o termo «algozes» a
caracterizar o objeto da sua vingança) e a imagem de Baltasar, o centro do seu ódio («instintivamente
as mãos do académico se asseguravam da posse das pistolas», ll.9-10).

Baltasar e Simão são protagonistas de uma troca acesa de palavras:

A tensão do encontro entre Simão e Baltasar é visível nas frases curtas («Infame... eu! e porquê?», l.
79; «Infame, e infame assassino!», l. 80), nas frases exclamativas e interrogativas, no vocabulário do
campo lexical do domínio conceptual de «insulto» («infame», «assassino», «parvo», «patife»), a
alternância entre o tratamento por «vós» e «tu» («castigando-o […] que tu podes, l 93), salientando a
pretensa superioridade de Baltasar.

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Capítulo X – Simão Botelho: a perdição – Simão mata Baltasar

A perdição

«- Está perdido! – tornou João da Cruz.


- Já o estava.»

Simão reconhece estar perdido há muito, desde a altura em que foi separado de Teresa e desafiado por
Baltasar, sentindo-se ferido na sua honra. Mas, aos olhos das outras personagens, ele teria outras
saídas que não a perdição, sendo este o momento em que tudo se precipita para um desfecho trágico.
Simão deitou tudo a perder.

O definhamento de Simão

No excerto assiste-se ao definhamento de Simão, totalmente voltado para si mesmo (egocentrismo),


não aceitando as soluções que a sociedade lhe apresenta (os dez anos de prisão) por significarem a
assunção de uma derrota, a quebra da sua honra (orgulho).

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Conclusão

A carta de Teresa a Simão: duas ideias


1. Frente aos obstáculos sociais, Simão e Teresa deixam-se conduzir por um fatalismo que os leva até à morte. O
idealismo é vencido pelo fatalismo:

Na carta de Teresa, são referidos dois momentos em que ela e Simão sonham um sonho de felicidade, uma idealização,
tentativa irrealista de contrariar o fatalismo que os arrasta para o sofrimento e a morte. São os seguintes: «Estou vendo a
casinha que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves. [...] e, animada por teu sorriso, inclinava a
face ao teu seio, como se fosse ao de minha mãe.»; «me falavas em triunfos e glórias e imortalidade do teu nome. [...] o maior
quinhão dos teus prazeres de espírito queria eu que fosse meu.»

2. Há em Amor de Perdição uma idealização do amor-paixão profundamente romântica. O amor-paixão é concebido


como algo de essencial à vida, um absoluto que transcende a própria morte. O amor romântico é coessencial à
eternidade.

Neste texto, sobretudo na carta de Teresa que quase totalmente o preenche, torna-se claro que o que destrói a vida das duas
personagens é a impossibilidade de viverem o seu amor. Sem o amor que lhes facultaria a realização plena, a vida não existe.
(«E que farias tu da vida sem a tua companheira de martírio?»; «Poderias tu com a desesperança e com a vida, Simão? Eu não
podia.»)

Para o romântico, é na vivência do amor que se encontra o absoluto. Nem a morte vence totalmente o amor, uma vez que a
sua natureza é profundamente espiritual e, desse modo, transcende a materialidade dos corpos. A morte de Teresa e Simão é
para eles um momento de reencontro na eternidade («— A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que te resgate.»;
«Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!»; «mas perdoa à tua esposa do Céu a culpa»).

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Conclusão

Um olhar sobre Mariana

a fiel e eterna companheira de Simão - Mariana revela, acima de tudo, abnegação.


Apresenta-se fiel a Simão, uma vez que o segue para o degredo; sacrifica o seu bem-
estar para velar por ele («não á necessário o seu sacrifício», ll. 75-76; «Se o não
incomodo, deixe-me aqui estar», ll. 77) e evitar que atente contra a sua própria vida
(«Receara ele o propósito do suicídio, porque Mariana lhe incutira semelhante suspeita»,
ll. 86-87). É considerada «O Anjo da compaixão» (l. 102) e «irmã» (l. 105) por Simão,
estando decidida a morrer juntamente com ele («Morrerei», l.128). A abnegação total dá-
se quando Mariana se suicida no final por amor a Simão.

encontra na morte a concretização do seu amor por Simão, abraçando o seu corpo
para a eternidade, como se o destino lhe reservasse essa graça no final atirando-lhe para
os braços o corpo do amado («que uma onda lhe atirou aos braços», l.188).

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Conclusão

Neste texto, está presente a atmosfera do trágico desenlace da vida do herói romântico.

Levantamento dos vocábulos que contribuem para a construção desta atmosfera:

«sucumbir»; «quebranto»; «aflitivas»; «prostrado»; «ai»; «plangente»; «silêncio»; «morreu»; «tortura»;


«morri»; «infeliz»; «morrerás»; «matar»; «sucumbires»; «dor»; «agonia»; «sepultura»; «morrer»;
«morte»; «martírio»; «desgraça»; «malfadada»; «sofre»; «angústias»; «agonia»; «padecimentos».

O desfecho da ação de Amor de Perdição assenta fundamentalmente no comportamento das


personagens que, em coerência com o que anteriormente se passou, provocam os acontecimentos.
Teresa e Simão, arrastados pelo fatalismo do seu trágico sofrimento de amor, em nada lutam
contra a doença que os arrasta para a morte. Deixam-se morrer, prometendo-se um reencontro no
Além, na Eternidade. Mariana leva a generosidade e abnegação do seu amor por Simão a um
expoente máximo, não suportando viver depois dele. Mantendo a sua postura de companheira e
amiga, acompanha-o também na morte.

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Síntese

1. Simão Botelho, ao longo de todo o romance, decide e age como um herói romântico. O seu
comportamento diferencia-se do das outras personagens, contrapondo o seu carácter único e
inflexível à normalidade das reações das outras personagens. Assim, o orgulho e a valentia, a
impulsividade e a violência do ciúme, o idealismo e a força do amor-paixão acima de qualquer
ditame da razão, o individualismo e fatalismo, sobressaem em Simão. Na sua qualidade de herói
romântico, revela-se diferente, por um lado, do medo e da sensatez de Mariana e, por outro, do
sentido prático e terra-a-terra de João da Cruz. O conceito de honra por que se move assenta na
fidelidade aos sentimentos autênticos e não aos preceitos e conveniências sociais.

2. O herói romântico, Simão, é um ser que não ouve a voz comum nem se subordina aos seus
ditames. Só se deixa comandar pela força dos seus sentimentos. Assim, é fortemente individualista
e solitário. Neste texto, verificamos que a decisão de Simão de ir a Viseu e estar presente na altura
da saída de Teresa para outro convento no Porto resiste a todos os conselhos e rejeita todos os
avisos e companhias protetoras. Só a noite e a clandestinidade da fuga acompanham a sua fatal
corrida para um destino trágico, ainda assim com a penosa, mas inútil, proximidade de Mariana.

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Construção do herói romântico


Síntese

3. Simão Botelho é um «herói romântico» por se destacar na luta pela liberdade do ser humano
(ideais jacobinos assumidos publicamente), apresentando comportamentos de rebeldia na busca
desses ideais («convive com os mais famosos perturbadores da academia»; procura companheiros
na plebe; parte em defesa de um criado que fora espancado...). Destaca-se, também, na busca do
absoluto no âmbito amoroso (Teresa), apresentando força anímica na superação das barreiras e
interdições (revolta-se contra o poder patriarcal: Domingos Botelho e Tadeu de Albuquerque;
elimina o seu rival, Baltasar). Este idealismo de Simão condu-lo a agir sozinho, a centrar-se em si
mesmo (egocentrismo), não aceitando as soluções que a sociedade lhe apresenta, auto-
marginalizando-se (fuga; prisão em Vila Real) por significarem a assunção de uma derrota,
acabando por se destruir física e moralmente e arrastando os outros (Teresa e Mariana) nessa
destruição.

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Amor de Perdição, crónica da mudança social

A província: espaço dos valores tradicionais

 Pressão exercida sobre os protagonistas por famílias


apoiadas nas instituições jurídica e monástica.

 Resistência dos protagonistas à submissão.

 Sociedade provinciana preconceituosa, onde a


tradição familiar e a reputação pessoal se sobrepõem
ao amor.

 A existência histórica de Simão impunha ao autor


que situasse esta novela antes da revolução liberal,
que abalaria os fundamentos desse mundo
provinciano.

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Amor de Perdição, crónica da mudança social

As instituições repressivas:
Família, Igreja e Justiça

 Amor de Perdição é um novela passional e um grito


de denúncia de uma sociedade repressiva.

 A instituição familiar representa o autoritarismo


paterno, os casamentos por conveniência e a
infelicidade da mulher.

 A insubmissão de Teresa e de Simão às respetivas


famílias leva-os a ficarem sob a alçada de outras
instituições repressivas: a Igreja e a Justiça.
Alfredo Keil, Claustro do Convento
do Carmo – Colares, 1880.

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Amor de Perdição, crónica da mudança social

Capítulo II - Questionário p.186

Elementos visados pela crítica


1. A crítica é dirigida ao clero, padres e freiras, uma vez que é retratada a devassidão existente
naquele grupo social: a vida mundana («dumas ancoretas de vinho do Pinhão [...] do qual tinha
engarrafado um almude para tonizar o estômago da prelada». ll. 4-6); «lágrimas... de simonte», l.15») e
o comportamento impróprio, contrário à castidade («- Que boa moça!», l. 3; «a ciumosa prioresa se
estava remordendo», l. 8; «repare bem nos olhos, no feitio, naquele todo da rapariga!», II. 10-11; «E
retirou-se com o coração malferido», l.14).

2. A prioresa é caracterizada através da ironia como uma mulher algo disforme e animalesca («o
queixo superior escorrendo lágrimas... de simonte», ll. 14-15), contrastando com a descrição que
Mariana faz de Teresa, através de uma comparação que realça a delicadeza e a juventude desta
(«uma menina muito branca, alva como leite», l. 42).

3. A vida no convento e a postura dos seus membros são apresentadas ironicamente, ridicularizando-
se comportamentos. Esta sátira contrasta com a candura, a pureza de Teresa (a representar as
jovens enclausuradas por vontade dos pais, muitas das vezes para lhes repreenderem a conduta),
exaltando-se a injustiça da clausura num antro daqueles, cuja ambiência é apresentada como
perniciosa. Implicitamente, surge uma crítica ao patriarcalismo português, autoritário e intransigente,
principal responsável pela clausura de muitas jovens nestes conventos.

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Relações entre personagens

O amor de Simão e Teresa: oponentes e adjuvantes

Simão e Teresa
• Nutrem uma profunda aversão um pelo outro;
• apego egoísta e inflexível à honra do sobrenome,
aos brasões (fidalguia ironicamente ridicularizada
Domingos Botelho e
pelo narrador);
Tadeu de Albuquerque
(o antagonismo motivado por • preferem perder os filhos a perder a sua
um preconceito de honra social) dignidade social.
Nota: Domingos Botelho acaba por interceder pelo
seu filho pressionado pela esposa, D. Rita Preciosa.
Oponentes
Opõe-se ao herói pela sua «falta de brios», ou seja,
pelo conjunto de defeitos que o caracterizam:
• presunção;
Baltasar Coutinho • vaidade (incapaz de esquecer o seu orgulho
(os valores sociais instituídos e ferido);
fossilizados) • cinismo;
• perversidade;
• cobardia;
Professor Agostinho Santos
• insensibilidade ao amor. 30
Área disciplinar de português
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

Relações entre personagens

O amor de Simão e Teresa: oponentes e adjuvantes

Simão e Teresa
Apresenta um conjunto de traços que apagam, aos olhos do
leitor, os crimes que comete e que os substituem por uma
honradez e uma bondade inatas:
• o «bom bandido»;
• castiço: linguagem cheia de provérbios e ditados populares;
João da Cruz • dotado de sentimentos de gratidão: protege Simão porque
(o homem do povo) o pai deste o salvou da forca;
• aconselha o jovem com palavras sempre oportunas,
Adjuvantes lúcidas, estratégicas;
• tem atitudes de extrema coragem, e até de violência, para
defender e proteger Simão;
• muito amigo da filha.

Mariana
• Confidente e moderadora de impulsos passionais;
(a anulação perante
• facilita a troca de correspondência entre Simão e Teresa,
o amor de Simão por
assumindo-se como mensageira.
Teresa)

Professor Agostinho Santos 31


Área disciplinar de português
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

Relações entre personagens

A tríade romântica

Simão Botelho – protagonista (ama Teresa)

Oposição entre o indivíduo e a sociedade: período de


Primeira fase
rebeldia, de negação revolucionária, extremista.

Conversão à ordem instituída, reconciliação, esperança


Segunda fase
e amor.

Oposição radical entre o indivíduo e a sociedade;


consciência da injustiça e de que é ele, transformado
Terceira fase
pelo amor, que representa a Ordem verdadeira, no
respeito por si próprio e no direito ao amor.

Professor Agostinho Santos 32


Área disciplinar de português
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

Relações entre personagens

A tríade romântica

Teresa de Albuquerque – protagonista (ama Simão)

Jovem de 15 anos, bonita e bem-nascida.

Heroína romântica: rompe com os desígnios da sociedade e da sua família, em


defesa dos seus sentimentos.

Aparentemente frágil, sustenta uma personalidade de carácter firme e resoluto,


que enfrenta tudo e todos pelo sentimento; atua de forma inflexível, demonstra
obstinação, somente por amor, preferindo o martírio a ceder a um casamento por
imposição.

Professor Agostinho Santos 33


Área disciplinar de português
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

Relações entre personagens

A tríade romântica

Mariana – «protagonista» (ama Simão)


Mulher de vinte e quatro anos dotada de grande beleza.
Nobre de sentimentos, ama silenciosamente.

Renuncia à sua felicidade, para ser intermediária do homem que ama.

Personagem complexa: pela generosidade, abnegação, amor humilde,


submissão, mas também na determinação da luta pelo amor.

Rende-se à morte.
Personagem romântica: personificação do espírito de sacrifício
Professor Agostinho Santos 34

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