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Sou uma mulher sensata, e, cada vez que durmo com alguém, conto tudo o que fiz ao meu
marido, não por um ataque circunstancial de luxúria, mas porque eu me apaixono. Não é
que eu tenha que me sentir culpada, em relação ao meu marido, pois nós temos um pacto
dos mais claros e flexíveis, mas se quando eu durmo com alguém, deixo bem claro para
ele que o fiz por estar apaixonada, não sei, é como se eu me sentisse mais limpa. Por outo
lado, toda vez que meu marido se envolve com alguém, eu acho que o faz por pura luxúria,
e isso me irrita. Não é que seja ciumenta. Absolutamente, não. Eu não sou ciumenta.
Simplesmente me incomoda que o meu marido seja tão vulgar, tão carnal. Meu marido,
sim, fica enciumado, quando sabe que eu dormi com outro homem. Mas o ciúme dele é
compreensível, porque eu me apaixono. E se pessoa com a qual você tem um pacto de
convivência se apaixona por outra pessoa, por mais elástico que seja esse pacto, é lógico
sentir ciúmes.
Que tipo de escala eu aplico para decidir que os meus assuntos de cama são produtos do
amor, e os de meu marido são produtos da luxúria? Meu marido diz que é uma escala muito
simples: que eu sou eu mesma, e, portanto, justifico a mim mesma por tudo, e que ele, não
só não é eu, mas também é homem, com toda a carga história que recai sobre os homens.
Eu nego. Ainda que os anos tenham me ensinado que, em geral, homens e mulheres se
comportam de maneira diferente, não digo isso a ele. Essa é uma crença sobre a qual tenho
cada vez menos dúvidas, é verdade, mas generaliza muito, e sempre há exceções...
Apesar de que, é preciso reconhecer que a frase feita, que assegura que todos os homens
são iguais, ainda que seja preconceituosa, e, portanto, repugnante, é, pelo menos,
parcialmente certa. Talvez não todos, mas a grande maioria dos homens, sim. São iguais.
Sou uma mulher sensata, e sei do que estou falando. Me apaixonei por muitos homens, e
todos, invariavelmente, e por mais que tentassem disfarçar, no fundo, se envolveram
comigo somente por causa da luxúria. Luxúria essa, à qual eu termino cedendo, muitas
vezes, tenho que reconhecer...Sempre fui terrivelmente apaixonada, desde muito pequena,
e o amor me embriaga, de tal maneira, que se um homem me pega pelos ombros, me beija
o lóbulo da orelha, e põe a mão entre as minhas pernas, por mais que eu abra a boca para
dizer não, o não nunca sai, e sempre...
(DÁ A ENTENDER QUE SUCUMBE, AO SEU MARIDO, QUE, DURANTE TODO O
MONÓLOGO, ESTÁ AO SEU LADO, TENTANDO FALAR, E ACEITANDO O FATO DE
QUE ELA ESTÁ FALANDO.)
Você não me deixa nem falar tranquila, e se apresse, vamos, que você vai perder o avião.
LA HONESTIDAD
Decidem se livrar dos problemas mais ou menos amorosos que cada um tinha até agora, e
se casam no final do ano, justamente à meia noite, enquanto na cidade as pessoas se
abraçam, nas casas, nas ruas, e nos salões de festas. Para os dois, acaba a época da
amizade, e começa o casamento. Vão ter filhos? Isso vão decidir mais adiante; agora a
emoção é muito forte. Se olham nos olhos, e juram amor e fidelidade eternos. Prometem
ser completamente sinceros um com o outro; não mentir para o outro nunca.
-Seremos completamente sinceros um com o outro. Não vamos mentir para o outro nunca,
em hipótese alguma, e sob nenhuma desculpa.
-Uma só mentira seria a morte para o nosso amor.
(ESTAS PROMESSAS OS DEIXAM CADA VEZ MAIS EMOCIONADOS. ÀS CINCO DA
MANHÃ, DORMEM NO SOFÁ, CANSADOS, UM NOS BRAÇOS DO OUTRO. LEVANTAM
MEIO DIA, COM RESSACA.)
-Vamos comer? (DIZ ELE.)
-Sim. Por mim, pouca coisa. Fico satisfeita com um ou dois petiscos. Mas você deve estar
com muita fome. (ELE ESTÁ A PONTO DE DIZER QUE NÃO, QUE QUALQUER COISA
VAI BEM, MAS LEMBRA DA PROMESSA.)
-Sim. Estou com fome. Mas me satisfaço com uns petiscos. Você come dois, e eu como
mais.
-Não. Você está querendo sentar numa mesa. Não prefere ir a um restaurante? (ELES
PROMETERAM SER COMPLETAMENTE SINCEROS UM COM O OUTRO. PORTANTO,
ELE NÃO PODE DIZER A ELA QUE VAI FICAR TUDO BEM SE COMER UNS PETISCOS
NUM BAR, COMO DISSE ANTES. AGORA ELE TEM QUE RECONHECER QUE
REALMENTE PREFERE IR A UM RESTAURANTE, E SENTAR-SE À MESA. ELE TEM
DÚVIDAS SE A PROMESSA EXIGE ISSO OU NÃO, MAS COMO PREFERE QUEBRAR A
PROMESSA POR EXCESSO DO QUE POR FALTA, FALA O QUE PENSA.)
-Precisamente, uma das coisas que mais me desgostam em você, é essa sua vontade de
ir sempre a esses restaurantes que substituem a boa cozinha por relações públicas. Essa
é uma atitude que você acha que é chique, mas, no fundo, é brega e grosseira.
-Sinceramente, você é um imbecil.
-Não me sinto nada imbecil e estou convencido de que, se tivéssemos que demonstrar
quem de nós possui o cérebro mais potente, o seu, com certeza, não seria o ganhador.
-Você é um imbecil, um imbecil crônico, para toda a vida. E eu não quero voltar a ver você
nunca mais.
A FÉ
O CIÚME
ELA DORMIU, COM A CABEÇA SOBRE O PÚBIS DO HOMEM, QUE NÃO PARA DE
PENSAR.
-“Gosto muito da sua rola. Gosto muito da sua rola. Gosto muito da sua rola...” por que ela
sempre me diz a mesma coisa? Desde que nos conhecemos, quantas vezes ela me disse
isso? Inumeráveis. Ela nunca me disse que gosta muito do meu braço direito, ou das minhas
omoplatas, é sempre a mesma coisa, a rola (IMITANDO A VOZ DELA.): “Gosto muito da
sua rola”; “você tem uma rola linda”; “Gosto muuu...” (ELA COLOCA A MÃO SOBRE A
ROLA DELE.) Porra, outra vez! Mesmo dormindo ela se aferra à minha rola. Que cisma é
essa com a minha rola! Será que, de mim, ela só gosta da rola? E eu, ela não gosta de
mim? Ela nunca me disse isso. No começo, essa veneração tinha uma certa graça. Era
terna e excitante. Como quando eu dizia para ela: adoro estar dentro de sua concha. Mas,
pouco a pouco, isso foi tomando um aspecto obsessivo: “Muuuito, muuuuuito”. (O HOMEM
ACORDA A MULHER DE FORMA VIOLENTAE.)
-O que é que você está fazendo?
-Escute aqui, se eu não tivesse rola, você ia me amar do mesmo jeito?
-O que é que está acontecendo com você?
-O que é que você acha que está acontecendo comigo? Você não fala de outra coisa, só
da minha rola.
- De sua rola.
- Sim, você nunca me disse que gosta de mim.
- Você está ficando louco.
- Louco não. Mas eu também existo. Não lhe parece?
A SUBMISSÃO
Eu tenho uma coisa muito clara em minha cabeça. Procuro um homem de verdade, que vá
direto ao ponto, que não perca tempo com detalhes galantes, com gentilezas inúteis, e vou
continuar procurando, até que o encontre. Quero um homem que não preste atenção ao
que eu queira lhe dizer, que me pegue, na mesa, enquanto estivermos comendo. Não
suporto homens que tentam se compreensivos, e que dizem querer compartilhar meus
problemas. Quero um homem que não se preocupe com os meus sentimentos. Nunca
consegui suportar os molecotes que passavam o dia de me falando de amor, nem quando
era adolescente... de amor! Eu quero um homem que nunca me fale de amor, que nunca
me diga que me ama. É patético ver um homem, com olhar apaixonado, dizendo: “eu te
amo”. Eu sim, posso dizer, e vou dizer sempre, porque vou amá-lo de verdade, e, quando
disser eu isso, vou receber em troca, encantada, o olhar de compaixão dele. É esse o tipo
de homem que eu quero. Um homem que me use na cama do jeito que quiser, sem se
preocupar comigo, porque o meu prazer vai ser o prazer dele. Não tem coisa que me deixa
mais exasperada do que esses homens que, em um momento ou outro da transa, ficam
perguntando se a gente chegou ou não ao orgasmo. De uma coisa eu não abro mão: tem
que ser um homem inteligente, que tenha vida própria, intensa, e que tenha êxito na
carreira. Que viaje, e que tenha outras mulheres. Isso não me incomoda, porque esse
homem, ele vai saber, que, basta simples um assovio, e estarei aos seus pés, para eu ele
faça de mim o que quiser. Quero um homem que mande em mim, que me bote no bolso, e
que me domine. Um homem que, quando lhe der vontade, passe a mão em mim, de forma
ousada, sem nenhum pudor, na frente de todo o mundo. E que, se, por essas coisas da
vida, tenho um acesso de pudor, me tasque uma bofetada, sem se importar com quem
esteja olhando. Quero, também, que ele me bata, em casa, em parte porque eu gosto disso,
fico loucamente feliz quando me pegam, e em parte porque estou convencida de que com
toda esta oferta, ele jamais vai poder prescindir de mim. (APARECE UM HOMEM COM UM
SORVETE E COM UM JORNALNA MÃO.)
-Carmem? Rafa. Boa ideia essa do sorvete. Nunca tive um encontro desse tipo, mas é que
aquele seu anúncio era selvagem... “Quero, também, que ele me bata, em casa...”. Gosto
muito do seu senso de humor.
-Sim, só não sei por que o fato de ser carinhosa, romântica, e terna...não consegue chamar
a atenção.
-Vamos jantar? Você me lembra alguém que eu conhe...
-Maria... Não é a primeira vez que alguém me diz isso.
-Estou atrasado, mamãe! Que camisa eu boto? A branca? Não. O branco me engorda. As
que ficam melhor em mim são a cinza e a preta. Mas estou cansado de usar sempre a cinza
e a preta! Apesar de que, se eu escolher qualquer uma das duas, posso usar a calça cinza...
não é?..., ou o jeans preto..., é boa ideia!
Como será que ela vem? Será que ela vai usar um vestido luxuoso, ou vem vestida com
uma roupa mais simples? Mas, se ela viesse com uma roupa mais esporte, eu ficaria bem,
com o jeans preto e a camisa cinza, ou com a camisa preta. Merda! A camisa está
amassada!
Porque essa é outra: Uso o blazer cinza ou o xadrez? O cinza? É que, se eu escolher a
camisa preta, o blazer xadrez vai quebrar um pouco a seriedade da camisa e da calça, você
não acha, mamãe? É claro que uma gravata pode suavizar a austeridade cinza-preto da
camisa e da calça. Que gravata eu boto? Uma lisa, uma listrada? É verdade, a xadrez! Não,
não, com o blazer xadrez vai ficar um pouco espalhafatoso. Ah, a senhora estava
brincando? Ou não! Talvez a superposição do xadrez produza um efeito interessante,
precisamente pelo exagero. Eu também posso ir sem gravata, não é, mamãe? Mas, e se
eu não colocar a gravata, e ela vier muito bem vestida, vou ficar parecendo um pobretão.
E se eu vestir a calça de linho? Blazer xadrez, camisa cinza, gravata xadrez, e calça de
linho. E o sapato? Escute aqui, mamãe, não me deixe mais agoniado do que já estou! E se
ela vier com um vestido de cor parecida com a da minha calça, isso, parecida, mas não
exatamente igual, o que é pior nessas combinações?
Mamãe, me ajude! Como será que ela vai estar vestida? Ela não me disse a que tipo de
festa nós vamos. Bem, a verdade é que ela não me disse nada, estava tão
diferente...inclusive, quando eu lhe perguntei se estava gripada, ele me respondeu com
uma evasiva e desligou o telefone. Acho que a melhor coisa a fazer, é não apostar na
combinação de xadrez, vai que ela vem vestida de xadrez, aí nós vamos ficar parecendo
dois palhaços.
O que é que a senhora está fazendo, mamãe? A senhora acha eu devo usar ao blazer
cinza, é isso, mamãe? Mas se eu usar o blazer cinza, a camisa cinza, e a calça de linho, e
ela chegar aqui de jeans, pulôver e sobretudo, eu vou ficar parecendo um santarrão.
Se eu a visse chegar, poderia decidir que roupa usar, no último momento. Mas, é que para
mim é muito importante que a nossa roupa esteja em harmonia, sabe, mamãe? Acho até,
que possa ter um certo charme, se eu estiver vestido de uma maneira, e ela de outra, não
é, mamãe? O que a senhora acha? Mamãe! Já sei, já sei, o que eu tenho que fazer, ao
invés de ficar aqui quebrando a cabeça com essas bobagens, é usar o que me faça sentir
melhor. E que roupa me cai melhor, mamãe?
Mamãe! Porra, Maria, você me deu um baita susto! Não me diga que nós vamos a uma
festa a fantasia...
Não.
O SACRIFÍCIO
VIDA MATRIMONIAL
O AMOR
-Meu primeiro amor era uma enfermeira. Uma mulher morena, bonita...com traços faciais
graciosos e intensos; inteligente, divertida, e tinha o que as pessoas costumam chamar de
caráter.
-Ele foi o meu primeiro amor, era jogador de futebol. Um homem moreno, bonito...com
traços faciais graciosos e intensos, inteligente, divertido... E tinha o que as pessoas
costumam chamar de caráter.
-A enfermeira me tratava com desdém. Era seca e displicente comigo.
-De vez e quando, quando ele me ligava, sempre era ele quem ligava, eu nãoligava para
ele nunca. Mesmo que não tivesse nada para fazer, eu sempre lhe dizia que não ia poder
sair com ele...
-Ela me dava a entender que tinha outros amantes.
-Eu fazia isso, para que ele não achasse que tinha algum direito sobre mim.
-Eu acho que ela me tratava com desdém porque, no fundo, me amava muito.
-Eu pensava, que se não o tratasse com desdém, cairia na armadilha, e me apaixonaria por
ele, tanto quanto ele estava apaixonado por mim. Cada vez que eu decidia ir para a cama
com ele, ele ficava tão feliz, que até chorava!
-Eu chorava de alegria! Como nunca chorei com nenhuma outra mulher. Por que?
-Eu sabia que, às vezes, o jogador de futebol saia com outras mulheres.
-Sim... saia com outras porque já não suportava mais que ela me tratasse como um objeto,
que me usasse como a uma escova de dentes, para depois me ignorar.
-Mas ele sempre voltava. Nenhuma mulher dava a ele o prazer que eu lhe dava.
-Uma tarde, enquanto a enfermeira fumava, e me observava tirando a roupa, decidi falar
com ela.
-Ele me disseque eu não deveria ser tão seca assim com ele, tão esquiva. Que eu não
tivesse medo de me mostrar tal qual eu era... que ele não ia se aproveitar de nenhuma
fraqueza minha. Que, se...
-Se ela me mostrasse toda essa ternura que escondia de mim, eu a amaria ainda
mais...muito aborrecida (irada), me respondeu que quem eu pensava que era, para lhe dizer
o que ela tinha que fazer ou deixar de fazer.
-Eu mandei ele sentar, e o esbofeteei.
-Essa tarde eu gozei mais do que nunca. (PAUSA.) Mas, no dia seguinte, quando nos
encontramos, ela não se mostrou tão carrancuda, como de costume.
-Eu cheguei a ser terna com ele.
-Uma noite, nós estávamos na cama. Eu estava tão emocionado, que me comovia com
cada gesto, com cada carícia...era tal a ternura, que eu não tinha nem vontade de fazer
sexo.
-Para nós, bastava ficar abraçados, dizendo o quanto nos amávamos. Eu nunca mais voltei
a tratá-lo com desprezo.
-Ela estava tão apaixonada por mim, que me dizia isso pela manhã, à tarde, e à noite...
-Eu dava presentes a ele, camisas, livros...me entregava, sempre que ele queria.
-Nos víamos todos os dias. Era ela quem ligava, e cada vez mais. E uma noite, ela me fez
a proposta.
-Vamos viver juntos? (PAUSA.) Ele me olhou friamente, com um olhar vidrado...
-Nem eu mesmo estava entendendo o que estava acontecendo comigo! Até aquele
momento, eu daria a minha perna direita, para que ela me fizesse essa proposta.
-Não voltei a vê-lo, nunca mais. Desde então, eu me sinto como se estivesse num conto de
fadas: sou o sapo que espera o beijo do príncipe.
(SE NCONTRAM NA SAÍDA DAS SUAS RESPECTIVAS CONSULTAS. SE OLHAM, SE
RECONHECEM, E SE BEIJA.)
-Maria.
-Até que enfim, você chegou.
-Eu sempre soube que ia lhe encontrar.
-Era como se este momento não fosse chegar nunca.
-Pois agra chegou.
-Sim.
-Que bom, não?
-Você está feliz?
-Sim. E você?
-Eu também, como num conto de fadas.
-Até que enfim...
-Sim...
-Veja como são as coisas...
-Esperar tanto, e, de repente, como num passe de mágica, acontece.
-Sim...acontece.
-Que bom, não?
-Sim. Ui! Deixei uma mancha de batom em você.
A MONARQUIA
-Tudo isso, por causa daquele sapato que eu perdi quando tive que sair correndo do baile,
porque à meia noite acabava o encantamento. Sempre fiquei maravilhada, porque aquele
sapato só coubesse em mim, porque o tamanho do meu pé, de número 36, não é, em
absoluto, tão raro assim, e outras garotas d povoado deviam calçar o mesmo número. Ainda
me lembro da expressão de assombro das minhas duas meias-irmãs, quando viram que
era eu, a jovem que iria casar com o príncipe, e que, alguns anos depois, eu me
transformaria na nova rainha.
-O rei sempre foi um marido atencioso e fogoso. Tive uma vida de sonhos, até o dia que
descobri uma mancha de batom na camisa real. Que o rei tem uma amante, isso não resta
a menor dúvida. As manchas de batom nas camisas sempre foram a prova clara de
adultério. Quem pode ser a amante do meu marido? E por que o rei procurou uma amante?
Por acaso eu não o satisfaço suficientemente? Será que foi porque eu me nego a certas
práticas que considero perversão? Será que foi porque eu não quis saber dessa coisa de
urinar nele durante o sexo, e porque eu não permiti a sodomia, que ele foi procurar essas
coisas fora de casa? Eu devo dizer a ele que descobri, ou dissimular, fazer de conta que
não sei, como é a tradição entre as rainhas, nesses casos, para não colocar em risco a
instituição da monarquia?
-Não vou lhe dizer nada. Vou me calar. Me calo, inclusive nos dias que ele só chega no
quarto ás oito da manhã, com olheiras de um palmo, e cheirando a mulher. Onde será que
eles se encontram? Num hotel, na casa dela, aqui mesmo, no palácio? Este palácio tem
tantos quartos, que ele, facilmente, poderia manter a amante em qualquer das
dependências que não conheço. Tampouco digo nada, quando os nossos contatos íntimos,
que antes aconteciam com uma regularidade cronometrada, noite sim, noite não, vão se
espaçando. Já se passaram mais de dois meses da última vez que estivemos juntos.
-Há noites em que eu choro em silêncio, no quarto real, agora o rei nunca dorme comigo.
A solidão está me fazendo murchar. Eu teria preferido não ir àquele baile, nunca, ou que
aquele sapato tivesse calçado no pé de outra mulher qualquer, ao invés de ter calçado no
meu. Eu teria preferido, até, que uma das minha meias-irmãs calçasse 36, em vez de 40 e
41, que são números muito grandes para uma garota.
(O REI APARECE.)
-Boa noite, querida. Não precisa me esperar acordada, porque eu vou voltar tarde. (SAI.)
-De que me adianta ser uma rainha, se eu não tenho o amor do rei? Eu daria tudo, para ser
essa mulher com a qual o rei está copulando fora do casamento. Prefiro mil vezes ser a
protagonista das noites de amor adúltero do rei, do que repousar no vazio do leito conjugal.
Antes ser amada do que ser uma rainha.
(ELA O SEGUE, POR CORREDORES QUE DESCONHECE, POR ALAS OCULTAS DO
PALÁCIO, ATÉ ESTÂNCIAS DE CUJA EXISTÊNCIA SEQUER
IMAGINAVA.FINALMENTE, ELE SE TRANCA EM UM QUARTO, E ELA FICA NO
CORREDOR, ÀS ECURAS. LOGO COMEÇA A OUVIR VOZES. A DO SEU MARIDO, SEM
DÚVIDA, E O CACAREJAR DE UMA MULHER. MAS, SUPERPOSTA A ESSA RISADA, A
ESSE CACAREJAR, OUVE, TAMBÉM, A RISADA DE OUTRA MULHER.)
-Ele está com duas mulheres?
(POUCO A POUCO, PROCURANDO NÃO FAZER BARULHO, ENTREABRE A PORTA
DO QUARTO. SE JOGA NO CHÃO, PARA QUE ELES NÃO A VEJAM, E COLOCA A
METADE DO CORPO PARA DENTRO DO QUARTO. A LUZ DOS CANDELABROS
PROJETA AS SOMBRAS DE TRÊS CORPOS QUESE ACOPLAM. ELA GOSTARÍA DE
SE LEVANTAR, PARA VER QUEM ESTÁ NA CAMA, PORQUE AS RISADAS E OS
SUSSUROS NÃO PERMITEM QUE ELA IDENTIFIQUE AS MULHERES. DE ONDE ELA
ESTÁ, DEITADA NO CHÃO, NÃO PODE VER QUASE NADA; SÓ CONSEGUE VER, AOS
PÉS DA CAMA, JOGADOS DE QUALQUER JEITO, OS SAPATOS DO SEU MARIDO, E
DOIS PARES DE SAPATOS DE MULHER, DE SALTOS MUITO ALTOS.)
-Um preto, tamanho 40, e outro vermelho, tamanho 41.
A MITOLOGIA
A BELA ADORMECIDA