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Leitura Obrigatória

Elites, Grupos de Pressão,


Mudanças Políticas e
Movimentos Sociais
Maria Terezinha da Silva Sacramento1

Habilidades Diante dos desdobramentos conceituais e da nova


configuração do poder, neste estudo você refletirá
sobre as relações dos cidadãos com a democracia
representativa e, a partir dos elementos históricos e
conceituais, terá condições de julgar racionalmente
a realidade brasileira frente as condicionantes do
sistema constitucional. Terá discernimento crítico
e analítico dos novos protagonismos e dos novos
movimentos sociais na atualidade, e poderá ainda
justificar as questões que são colocadas sobre
a legitimidade da representação e da eficácia da
democracia participativa. Com base nos fundamentos
do Estado Democrático de Direito, será capaz de
manejar as ferramentas garantidoras de direitos
fundamentais com autonomia e postura ética frente à
nova configuração de atores sociais que reivindicam
novos direitos e o reconhecimento das diferenças.

Secões de estudo Seção 1:  Teoria das elites

Seção 2:  Grupo de pressão

Seção 3:  Mudança política e movimentos sociais

1  Graduação e mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, e doutorado em
Engenharia de Produção pela mesma Universidade.

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Leitura Obrigatória

Seção 1
Teoria das elites
A teoria das elites surgiu por volta do século XIX com o filósofo italiano e
estudioso do pensamento político, Gaetano Mosca. Em sua obra História das
Doutrinas Políticas (MOSCA; BOUTHOUL, 1987), Mosca traça os primeiros
roteiros de uma “teoria da classe política” a qual permite verificar que, através da
história, existiu uma classe política que, segundo sua compreensão, conduziu o
sistema de ideias que governou e determinou a vida política e social.

A questão da desigualdade se torna mais explícita à medida que a teoria das elites
transpõe para o âmbito do debate político, a formação da classe política dirigente,
o que na Itália tornou-se conhecido como “fórmula política” (MOSCA; BOUTHOUL,
1987).

De acordo com essa teoria, as sociedades estão divididas entre governantes e


governados, em que uma minoria detém o poder e a força política e uma maioria
é subordinada ao mando político.

Alinhados ao pensamento de Mosca, diversos seguidores da teoria das


elites, formularam hipóteses sobre a dominação política. Vilfredo Pareto (apud
ARON, 1982, p. 183), por exemplo, separou as condutas lógicas das não
lógicas, descrevendo que movidos por um sentimento não lógico, os chefes
romanos teriam conseguido dos soldados uma confiança que provinha dos ritos
animísticos (crença de que os seres da natureza são dotados de vida e capazes
de agir conforme o fim desejado).

Os generais romanos tinham o costume, antes de ingressar numa batalha, de


consultar as entranhas de um animal sacrificado aos deuses. Mostra o autor que
o poder supra-humano (não lógico) dos generais é que inspirava a confiança dos
soldados e, por uma função utilitária, interessava tanto aos grupos quanto ao
conjunto da sociedade.

Assim, deduziu o autor que as interações sociais têm uma lógica determinada
por níveis de desigualdade – lógico e não lógico – que definiriam o poder das
elites, as quais estariam classificadas de acordo com dois tipos de poderes: o
econômico e o político.

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

Bobbio et al. (2004) citam também Michels, seguidor de Pareto e Mosca, o qual,
baseado na teoria das elites, teria estudado a estrutura dos grandes partidos
de massa, em especial o partido social democrata alemão como uma grande
organização que, semelhante aos partidos de massas, funcionaria com um poder
concentrado nas mãos de um grupo restrito de pessoas. A esse grupo de poder
Michels deu o nome de oligarquia.

Nos Estados Unidos, a teoria das elites conquistou correntes importantes da


ciência política. A obra de Christopher Lasch, A Rebelião das Elites e a Traição da
Democracia (LASCH, 1995), por exemplo, é uma referência importante da teoria
das elites. Considerado um crítico implacável das elites política e econômica
norte-americana, seu alvo é a supremacia política das elites dominantes,
identificadas pelo autor como detentoras do poder.

Esses detentores seriam os políticos, os administradores públicos, os gerentes


de empresas e empresários que, nutridos pela convicção da necessidade de
reformas liberais e comprometidos com os ideais da economia capitalista, se
tornariam os mais importantes reprodutores da sociedade de consumo.

A obra de Lasch tem sido interpretada como uma denúncia sobre os valores
advindos de uma nova ordem social que ameaça a democracia quando
argumenta que a elite política norte-americana tem tido um papel decisivo na
produção e reprodução do Estado liberal para salvaguardar os interesses das
elites econômicas. O autor aponta como um dos sintomas a massificação de
hábitos internalizados por meio de novas instituições, que estariam a serviço dos
interesses da sociedade de consumo.

Lasch critica essas novas funções, as quais se tornariam mais eficazes enquanto
agências de motivação e de desenvolvimento de novos padrões culturais e de
administração de sentimentos de caráter individualistas, capazes de produzir um
abismo entre o verdadeiro sentimento humano, ou seja, as necessidades reais,
e uma vida orientada pelo que ele denomina de “democracia da autoestima”,
privilegia o culto ao corpo e direciona a atenção das pessoas para os apelos das
imagens produzidas pela industria cultural e para os sentimentos mais supérfluos
do “bazar global”.

A proposição dessa nova ordem social é o aumento da criminalidade, o tráfico de


drogas, a decadência das cidades, o desemprego, o desaparecimento da classe
média, a degradação da moral e dos valores sociais que haviam acalentado o
sonho americano de uma sociedade mais igualitária e justa.

Na referência que Lasch faz à obra de Ortega, quando alude à A Rebelião das
Massa, em nota introdutória, do capítulo II, como o domínio político das massas,
à ela responde: “a classe trabalhadora industrial que foi o esteio dos movimentos
socialistas, tornou-se um vestígio deplorável de si mesma” (LASCH, 1995, p. 39).

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Lasch classifica como abismo a condição das elites e a distância que, segundo
ele, separaria das demais classes sociais. Conclui que as elites que decidem
sobre a vida das pessoas teriam perdido o contato com o povo, visto que
elas fazem parte de um mundo que não tem sintonia com os anseios e as
necessidades das massas.

Esse isolamento tornaria as elites políticas incapazes de sentir os anseios


das massas porque se confinariam na suposição tácita de que a liberdade as
dispensaria das responsabilidades. O sintoma mais evidente, segundo o autor, é
o medo que as elites demonstram da ameaça das multidões degradadas pelo uso
da droga, o tráfico, o desemprego e a degradação moral e social da classe média.

Todos os valores que alimentariam a unidade nacional, local, familiar e


religiosa teriam perdido sua vigência e o individualismo mudo e reencenado
diariamente, teria reduzido ao mero incitamento à busca do prazer e da
felicidade.

Assim, a causa das elites intelectuais em conduzir a população para um mundo


irreal pela valorização excessiva da ideologia liberal é que internalizaria o desejo
de reforma por intermédio da valorização da autoestima, enquanto um falso
remédio para os males da solidão e da depressão torna o indivíduo resistente
a qualquer tipo de julgamento ético. Esse indivíduo moderno e liberal de Lasch
é o cidadão cosmopolita que transita entre as maiores empresas e as melhores
universidades do mundo “desenvolvido”.

Apesar da aparente disjunção entre o mundo das elites e o mundo das massas,
Lasch observa a contradição da meritocracia que se faz de modo velado, visto
que ao mesmo tempo em que internaliza o desejo de romper com a tradição
reage com desdém a ela, mas preserva a mesma tradição quando evoca a
experiência hereditária das elites políticas para a Administração Pública e para os
cargos públicos.

Assim, a mesma vocação é apresentada como regra de mobilidade à classe


empresarial e profissional, passando para seus descendentes (filhos e netos), por
meio da meritocracia, um reconhecimento que se faz público porque seu espaço
na agenda política é assegurado, podendo, por isso, usufruir da tutela do Estado.
Desse modo, o capital e o trabalho se unem por uma nova agenda política global.

De acordo com Johnson (1997), a palavra elite é definida como:

Qualquer grupo ou categoria em um sistema social que ocupa uma posição de


privilégio e dominação. Os exemplos incluem a classe alta, os altos comandos

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

militares, altos funcionários na oligarquia política ou peritos em sistemas sociais


que dependem do conhecimento especializado. Associado a essa definição
sociológica de elite está o nome de Pareto citado anteriormente, que via em toda
sociedade uma tendência a ser governada por elites.

Os estudos e pesquisas sociológicas indicam que nos sistemas políticos de


democracia representativa, o poder é distribuído entre as elites que competem
entre si por conhecimento ou pelo domínio de questões que consideram
fundamentais.

A esse respeito, o sociólogo C. Wright Millls (apud JOHNSON, 1997, p. 83)


concluiu que existe uma elite de poder entre os altos escalões das instituições
militares, econômicas e políticas que circulariam livremente entre uma e outra
posição de autoridade com ascendência a outras associações. Essa elite
também filiada ao conceito de circularidade de elites, de Pareto, procederia de
escolaridades e laços de família.

Em resumo, há um consenso em torno do tema das elites de que, historicamente,


a luta pela autoafirmação do poder se sucede na dominação política.

Seção 2
Grupos de pressão
O ponto de partida da teoria dos grupos de pressão é a constituição dos
grupos. Esta, por sua vez, é uma categoria conceitual considerada tipicamente
sociológica. Conceitualmente, a sociologia entende o grupo como um sistema
social que envolve a interação regular entre seus membros e uma identidade
coletiva comum.

Isso significa que, para se compreender como se identifica um grupo, é


necessário que exista um sentimento de identidade capaz de unir pessoas
identificadas com uma causa ou outro sentimento identitário.

Por exemplo, um time de futebol é considerado por Johnson (1997), como um


grupo em virtude das interações entre os membros do time e a regularidade
com que essa interação se dá. O mesmo acontece com outras formações
grupais, que, seguindo o mesmo critério da regularidade das interações dos
seus membros e do sentimento de pertencimento ou o sentimento de “nós”, é o
que caracteriza o grupo.

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A importância do conceito de grupo está também relacionada à natureza da


sua função e finalidade. O controle social é um dos mais importantes conceitos
de grupo, pois é por meio dos grupos de controle que os atores exercem
diretamente maior pressão social em defesa ou conformidade de situações
específicas.

O grupo de pressão assume uma relevância na Teoria do Estado porque,


para os estudiosos, os seus membros, atuando como grupo de interesse ou
representantes de outros grupos de interesse, são definidos sociologicamente
como uma organização que tem por finalidade influenciar a distribuição e o uso
do poder político na sociedade.

Conhecido como lobbyng, esse tipo de atividade grupal se define pelo apoio a
candidatos, grupos ambientalistas e por oferecer consultoria. O reconhecimento
formal desses grupos os tornam reconhecidos formalmente como testemunhas,
podendo depor em audiências públicas, atuar como interlocutores de grupos com
parlamentares para discutir e influir na legislação, fazer protestos e passeatas
para chamar atenção das autoridades ou detentores do poder público. Nos casos
de empresas ou sindicatos, o lobby é, segundo Johnson (1997), secundário
porque se constituiria numa variedade de outras atividades de grupos de pressão.

Bobbio et al. (2004, p. 563) também definem o grupo de pressão como grupo de
interesse e, da mesma forma, Johnson (1997) identifica a atuação do lobbyng
com a pressão que os grupos de interesse fazem junto aos parlamentares nos
corredores dos edifícios ou nos saguões dos hotéis onde “frequentemente podem
localizar os parlamentares”.

No entanto, Bobbio et al. (2004) preferem classificar a atividade dos grupos de


pressão como processo de organização. Segundo sua argumentação, a palavra
“processo” expressaria melhor o tipo de intermediação que os representantes
dos grupos de interesse fazem para veicular suas informações e, dessa forma
conseguir pela força do argumento o que desejam, influindo assim nas decisões
dos parlamentares.

No Brasil, os grupos de pressão não têm o reconhecimento jurídico que


os lobbies têm nos Estados Unidos. Os norte-americanos regularizaram
juridicamente os grupo de pressão, permitindo que a atuação dos grupos de
interesse formalizassem esse tipo de atuação específica.

Bastos (1999, p. 225) observa que a regulação norte-americana exige que o


grupo que pretende exercer influência no Congresso registre-se na Câmara
de representantes e no Senado. A partir de 1954, a Suprema Corte deu maior
sustentação constitucional ao Lobbyng Act, ampliando a liberdade de expressão,
reunião e inclusive o direito de peticionar.

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

Entretanto, não existe consenso sobre as vantagens e desvantagens do


lobby, sendo que o cientista político da Universidade do Alaska, Clivi Thomas,
considerado um dos maiores especialistas no assunto, durante o Seminário
Internacional Sobre Mediações de Interesses, aberto em 2008, revelava as
dificuldades de conduzir a regulamentação do lobby, afirmando a necessidade
do amplo debate com a sociedade. Clivi reconhece que se trata de um “jogo de
poder” e afirma que o êxito não dependeria de lei, mas da vontade dos grupos de
cumprir as metas pretendidas.

A esse respeito, Kimball (apud LASCH, 1995) faz referência à necessidade de uma
cultura comum, que separasse o lobby do interesse e da propaganda partidária.
Para o autor, os grupos de pressão não atuariam sem interesse corporativo ou de
maneira imparcial, orientados por valores de consentimento universal.

Seção 3
Mudança política e movimentos sociais
O tema da mudança social ocupou lugar central nas ciências sociais. Aristóteles
já havia construído sua teoria do desenvolvimento a partir da ideia de que todo
universo tem um télos – um fim ou um propósito que lhe é próprio, e o érgon – o
seu trabalho ou tarefa de levar a cabo a sua função – que é a dynamis.

Com esse processo, Aristóteles quer dizer que existe uma predisposição que é
inerente aos seres vivos para o movimento ou evolução. Augusto Comte fundou a
sociologia com o mesmo argumento de que a ordem social é dinâmica da mesma
forma que o é a maneira de pensar do homem. Assim, argumentou que o espírito
humano teria passado por três fases evolutivas: a primeira fase corresponderia à
idade teológica; a segunda, a passagem para a idade metafísica; e a terceira, a
idade positiva.

A doutrina contratualista fundamentou a passagem do estado de natureza para a


sociedade civil apoiada nos mesmos elementos interconectivos: mudança/ordem,
sociedade civil/sociedade política. Assim, o pensamento político do século XVI
ao século XVIII contrapôs a modernidade à tradição e, desse modo, elevou ao
status de modernização e desenvolvimento, as condições sociais pós-coloniais e
a transição do feudalismo para o capitalismo. Embora a palavra desenvolvimento
seja evitada por alguns (SCOTT, 2010) para não confundir com mudança social,
não há consenso.

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Nesse contexto, o dicionário de Sociologia, define mudança social como


“qualquer alteração nas características culturais, estruturais ou ecológica de um
sistema social ou político” (JOHNSON, 1997).

É importante destacar que o conjunto de mudanças que trouxe grande impacto à


economia, à política e ao conhecimento em todo o mundo teve origem no século
XVIII com a Revolução Industrial. No entanto, apesar das tentativas deterministas
do evolucionismo em formular as leis para promover mudança social e estratégias
desenvolvimentistas, logo após a segunda Guerra as mesmas quando colocadas
em dúvida quanto às formas de desigualdades, não consideram os fatores
endógenos e exógenos dessas desigualdades.

3.1 A Origem e desenvolvimento dos movimentos


sociais
Movimento social é definido pelo esforço coletivo contínuo e organizado que
concentra em algum aspecto das mudanças sociais (JOHN, 1997) .

Os movimentos sociais constituem um dos objetos de estudo de amplo alcance


teórico que começaram formalmente a partir dos anos 1960 nos Estados
Unidos e na Europa após 1968, os quais tornaram-se conhecidos como os
novos movimentos sociais e, aos poucos, passaram a ser objeto de estudo e
investigação nas ciências sociais, que foi se institucionalizando e conquistando
autonomia como disciplina.

Historicamente, as lutas por direitos começaram muito antes do século XX.


Alguns historiadores remetem à ideia de movimentos sociais ao século XVIII,
como Eric Hobsbawn (HOBSBAWN, 2003).

Para este autor, foi na Grã-Bretanha que o radicalismo, com o qual as instituições
políticas e sociais formais se transformaram durante as mudanças, converteu
o país num Estado industrial e capitalista. A resistência ao desenvolvimento do
capitalismo e o aparato institucional obsoleto, principalmente por um sistema
jurídico anacrônico, contribuíram para mobilizar as forças políticas do campo
contra a cidade.

No entanto, Hobsbawn (2003, p. 16-17) observa que:

É quando o mecanismo de ajustamento funcionou mal e quando


a necessidade de mudança radical pareceu mais urgente – como
na primeira metade do século XIX – os riscos de revolução foram
também invulgarmente grandes, simplesmente porque se o
mecanismo se descontrolasse era possível que se enveredasse
por uma revolução da nova classe trabalhadora. [...] A primeira
potência industrial do mundo foi também aquela em que a classe
trabalhadora manual predominava numericamente.

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

Conforme podemos notar, a burguesia britânica fundia-se à aristocracia em


defesa dos interesses em torno de uma nova ordem econômica contra a qual as
forças sociais – representadas pela resistência à Revolução Industrial que havia
transformado a ordem econômica no mercado de mão de obra – transforma o
trabalhador em meios de produção.

Dessa forma, o trabalhador alienado das terras não vê outra forma de


sobrevivência senão vender a sua mão de obra para os detentores dos meios de
produção, a burguesia.

O Capitalismo, sistema econômico que surgiu na Europa nos séculos XVI e XVII, na
concepção marxista é organizado em torno do conceito de capital, da propriedade
privada e do controle dos meios de produção pelo emprego de trabalhadores
para produzir bens e serviços em troca de salário. O capitalismo como sistema
social abrange três formas de relação de produção: 1) trabalhadores; 2) meios
de produção (fábricas, máquinas, ferramentas, terra e assim por diante; 3) os
detentores da propriedade desses meios de produção ou os que controlam esses
meios que são os capitalistas.

É nesse contexto que Marx torna-se crítico do capitalismo pela mudança com
que o lucro se torna o único fundamento da produção, e é também aí que as suas
ideias contribuem significativamente para a consciência da luta de classes.

Assim, a situação de crise – que havia se instaurado na Inglaterra – estendia-se


para toda a Europa – a queda de produção e as greves levaram a uma aliança
temporária entre os setores da pequena e média burguesia com o operariado.
Porém, a miséria em que se encontravam os operários – a falta de habitação, a
degradação das condições físicas morais e sociais e a falta de garantias e direitos
fundamentais eram agravadas pela repressão da liberdade de expressão.

Dessa aliança surgiram vários movimentos revolucionários que contestavam as


novas formas de produção e as estruturas de poder vigente em grande parte
da Europa, fazendo com que as ideologias liberais e socialistas eclodissem em
diversos países como: França, Itália, Áustria, Alemanha, Suíça Hungria, Irlanda, etc.

No século XX as forças sociais encontram e se somam a outras condições


de insatisfações. A classe deixa de ser a mais forte referência das lutas. Ralf
Dahrendorf (1992), no livro O Conflito Social Moderno, mapeia as novas
circunstâncias que vão desencadear os conflitos sociais como progresso da
cidadania.

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Em sua análise, o referido autor identifica diversas causas que levariam ao


progresso do que ele considera “prerrogativas dos direitos conquistados” que só
à custa dos movimentos iria aos poucos alterar a estrutura das classes sociais.
Na perspectiva desse autor, é essa consciência da cidadania que vai penetrando
na consciência política o que fez com que as pessoas passassem a ter uma
dimensão mais real das desigualdades e das injustiças sociais.

Assim, o avanço das conquistas pela cidadania vai ampliar para além dos
direitos do trabalho uma participação maior nas decisões políticas, dando à
democracia um significado muito mais amplo no qual se inscrevem as lutas como
prerrogativas da cidadania.

Nesse quadro se inserem os conflitos entre interesses que vão ganhando um


caráter mais difuso do que os movimentos anteriores embasados no manifesto
comunista. Essa consciência dos direitos de cidadania viria a se transformar em
diversos movimentos ainda que menos organizados do que os partidos políticos.

Nessa ideia de conflito como a base do movimento social participa o sociólogo


francês Alain Touraine, o qual é uma referência obrigatória dos movimentos
sociais pelo trabalho de fôlego que vem produzindo nesse campo.

Esse autor, reconhecido pelo esforço de reconectar a democracia à liberdade,


vem lançando novas luzes sobre os movimentos sociais em favor dos Direitos
Humanos, contra todas as formas de opressão. Em um trecho do seu livro O Que
é a Democracia?, Touraine afirma que “a democracia seria uma palavra bastante
pobre se não tivesse sido definida nos campos de batalha nos quais tantos
homens e mulheres, combateram por ela” (TOURAINE, 1996, p. 21).

A questão que o autor lança por meio da reflexão sobre o conceito de democracia
vem a propósito de um debate crescente nos últimos anos em torno da
legitimidade da representação.

Para os que se filiam a essa corrente, a democracia procedimentalista não


atenderia à nova configuração de demandas sociais que, pela sua complexidade,
principalmente com o advento do processo de interação social cada vez mais
globalizado, não se prestaria a um conceito de democracia reduzido ao voto
(representação).

Nessa concepção, a palavra democracia nos moldes procedimentalistas limitaria


o poder de atender às demandas ou de reconhecimento de direitos plurais dos
quais participariam novos direitos e novos atores.

Com isso, para Alain Touraine o movimento social, como um projeto cultural,
é sempre definido por referência a um sujeito que manifesta sob uma forma

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

religiosa, classe social, ou nação. Portanto, nega o autor que o movimento social
possa ser confundido com um discurso de reivindicação, porque, enquanto
projeto de vida este englobaria a liberdade e o respeito à dignidade humana,
sobretudo os direitos fundamentais que não podem ser reduzidos a vantagens
políticas ou ganhos materiais.

Em uma de suas reflexões mais recentes a respeito dos movimentos sociais,


Touraine lança uma nova perspectiva de compreensão da sociedade a partir da
ideia de um novo paradigma para compreender o mundo de hoje (TOURAINE,
2006). Um resumo desse trabalho pode aproximar o leitor a importantes temas da
nova ordem social.

Sobre os direitos políticos e culturais, uma das questões mais importantes do


seu livro, Touraine revela uma nova configuração de conflitos que se contraporia
a uma concepção “dócil” de democracia. Essa concepção esconderia, podemos
traduzir assim, uma ordem de coisas: atores e direitos, que a razão iluminista não
permitiria alcançar.

Segundo Touraine, o mundo de hoje deveria ser compreendido em termos de


nação, etnia ou religião, antes tratado sobre a perspectiva hegeliana da dicotomia
sociedade civil e Estado. Alinhado ao paradigma de Huntington (1997), os direitos
culturais estariam se redefinindo em oposição aos de cidadania que havia se
exercido em termos de direitos políticos.

Para o autor, os direitos culturais não podem ser tomados como uma extensão
dos direitos políticos à medida que esses direitos deveriam ser definidos
como direitos de todos os cidadãos. Na nova ordem social, os direitos dos
homossexuais, dos muçulmanos, das mulheres, das crianças, do adolescente, do
idoso, etc., na concepção do referido autor, teriam que ser harmonizados como
condições de vida particulares de atores coletivos, as quais são a base dos novos
movimentos sociais.

A conclusão de outros estudiosos aqui referenciados convergem para o


entendimento de Touraine, de que os movimentos sociais dos últimos anos não
estariam amparados nas orientações socioeconômicas dos movimentos de
classe que haviam sido configurados nas lutas históricas da sociedade industrial.
Consideram que o próprio movimento feminista, que se inseriu no conjunto
dos movimentos da década de 1970, é um movimento mais amplo contra o
capitalismo.

Outra característica apontada pelos estudiosos dos movimentos sociais é que


os novos movimentos não teriam a mesma intenção de transformar a situação
e a ordem econômica. Tais movimentos seriam impulsionados pelo desejo de
liberdade e responsabilidade de cada indivíduo sozinho ou em coletividade.

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Leitura Obrigatória

Dessa ideia participam as novas perspectivas de análise dos movimentos sociais,


uma concepção de que vivemos numa sociedade plural e o multiculturalismo
seria uma nova ordem, que marcaria um novo período da história da humanidade
(TOURAINE et al., 2000; SCHERER-WARREN, 1998).

Mais recentemente, diversos estudos e pesquisas colocam em evidência novos


fenômenos sociais e políticos que são tratados como movimentos sociais, cuja
forma de protesto assumiria uma ampla reivindicação em cadeia global que teria
começado no norte da África, derrubando ditaduras em países como a Tunísia, o
Egito, a Líbia e o Iêmen estendendo-se até a Europa com ocupações e greves na
Espanha e Grécia.

Também foram registradas várias manifestações e conflitos nos subúrbios de


Londres, eclodindo no Chile e alcançando a Wall Street, nos Estados Unidos,
avançando até a Rússia.

Os protestos no mundo árabe que eclodiram no período entre 2010-2012,


conhecidos como Primavera Árabe, combinam manifestos de civis e manifestos
religiosos. Esses protestos, envolvendo greves, passeatas, comícios e conflitos
mais severos, se expandem com mais rapidez pelo uso de novas ferramentas
tecnológicas como Facebook, Twitter, YouTube.

Marcel Gauchet (1977) considerou que a modernidade não substitui o


pensamento religioso pela racionalidade. A esse respeito destacamos a análise
de Demant sobre o conflito Israel e Palestina e também a conceito referente à
decisão de Karl Schmitt que, para muitos intérpretes, se inspira na concepção
secular de autoridade.

As características apontadas por Touraine com respeito à capacidade dos novos


movimentos, de mobilizar atores individuais, parece fazer sentido no exemplo
citado por Carneiro (2012) por ocasião do suicídio por imolação de um vendedor
de frutas que protestava na Tunísia em 17 de dezembro de 2010. Esse jovem
tunisiano, como protesto contra as condições de vida do país ateou fogo ao
corpo, ocasionado uma onda de protestos que seguiram a diversos países árabes.

Entretanto, essa não é a única característica dos movimentos sociais da


atualidade, visto que a explosão de outros movimentos que vêm ocorrendo desde
2011 revela a falta de respeito e de reconhecimento de direitos contra a qual vem
ganhando força o movimento em torno do conceito de dignidade que, para os
defensores da política de reconhecimento, como Gutmann ( et al., 1994), constitui
o maior desafio do movimento culturalista.

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

O que diferencia os grupos de pressão e movimentos sociais dos partidos políticos?

Quando falamos em grupos de pressão e movimentos sociais estamos nos


referindo às formas de exercício da democracia. Os partidos políticos se referem
ao regime de representação. Para Bobbio et al. (2004, p. 787), os movimentos
sociais ocupam lugar central na teoria e na reflexão sociológica.

Os grupos de pressão partem de uma tendência mais ampla, cuja formulação,


segundo Bobbio et al. (2004 p. 562), ainda que faltem atributos próprios de uma
teoria, fazem parte da teoria dos grupos, reconhecendo que foram os sociólogos
europeus como Gumplowcz, Simmel e Ratzenhofer os primeiros a empreender
estudos para explicar os processos sociais por meio da categoria analítica de
grupo, distinguindo, com isso, grupos de pressão e de movimentos sociais de
partidos.

Weber, na sua sociologia política, tornou-se referência a partir do qual Bobbio


(2004, p. 899) definiu que:

Segundo a famosa definição de Weber, o partido político é


uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele objetivo
como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais,
seja pessoal, isto é, destinado a obter benefícios, poder e,
consequentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então
voltado para todos esses objetivos conjuntamente.

Os partidos políticos aparecem pela primeira vez nos países que adotaram formas
de governo representativo, denominado de sistema partidário. Tornaram-se, nas
democracias representativas, as instituições mais importantes da vida política do
país (BASTOS, 1999).

A teoria dos sistemas partidários ganhou relevância nas ciências políticas pelo
grau de institucionalização que garante a representação nas democracias
modernas. Mainwaring (2001) afirma que o grau de institucionalização é critério
central para compreender os sistemas partidários. Observa que até 1990 a
maioria dos estudos sobre partidos políticos não considerou esse critério.

Com base nesse critério, examina duas dimensões da institucionalização de


um sistema partidário: 1) a estabilidade da competição entre partidos, 2) a
profundidade das raízes partidárias na democracia.

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Leitura Obrigatória

Esse autor observa que a estabilidade na competição e o enraizamento social


partidário é muito forte nas democracias industriais avançadas. Dos estudos
comparativos sobre a matéria, ele concluiu que os vínculos programáticos ou
ideológicos estariam na raiz dos vínculos estáveis entre eleitores e partidos.

Essa teoria indicou que os eleitores tendem a escolher um partido ou candidato


baseado na preferência ideológica ou programática. Com base nos estudos e
pesquisas orientados pela tese da institucionalização, os estudos do sistema
partidário argumentam que a fraca institucionalização tem consequências
negativas para a democracia.

Estudos mais recentes vêm colocando em debate a representação. No


centro dessa discussão está o conceito de liberdade e de dignidade
humana, o qual vem ganhando força nos novos movimentos sociais.

A partir da década de 1980, outros movimentos entraram para a cena política,


como, por exemplo, as organizações não governamentais (ONGs) e outras
denominadas de Terceiro Setor.

No Brasil, as ONGs se expandiram por diversos setores da sociedade, sendo


que na década de 1990 contaram com o apoio popular em defesa de direitos e
hoje representam uma esfera importante da atividade política na ampla defesa de
direitos humanos, ambientais e de animais.

Considerações finais
Nesta leitura você estudou temas que conectam o poder das elites com a
democracia liberal e esta com a participação que contrasta com o conceito de
liberdade e igualdade. O tema dos movimentos sociais forneceu elementos para
você refletir sobre a liberdade, uma condição dos direitos civis garantido pelas
constituições democráticas.

Estudou também que as desigualdades sociais indicam uma condição de crise


da democracia representativa que alguns críticos consideram uma tendência
da fraca legitimidade dos representantes. Nesse novo cenário, os conflitos e os
novos atores sociais redesenham uma nova configuração de demandas e de
protagonismos no cenário político do mundo contemporâneo.

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Elites, grupos de pressão, mudanças políticas e movimentos sociais

Você analisou que desde a história do movimento operário, os movimentos


sociais estiveram muito mais próximos da política que outras formas de fazer
política, sendo que esse processo resultou em mudanças na legislação trabalhista
e nas relações com o governo.

Analisou ainda que em pouco mais de um ano o movimento chamado de


Primavera Árabe produziu rupturas importantes com modelos autocráticos
de governo, mas, mais que calcular o fracasso ou o êxito dos movimentos e
pressões exercidas por grupos de interesse e oposição, é saber se esses atores
têm consciência ou são manipulados.

Por fim, compreendeu que é preciso reconhecer que no Brasil a Constituição


de 1988 assegura o direito de associação, e viu que as ONGs não podem ser
excluídas da teoria política e dessa estratégia de conferir à democracia a razão de
ser do Estado Democrático de Direito.

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