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RELATÓRIO DE ATIVIDADES:

I WORKSHOP DE PREVENÇÃO AO SUICÍDIO ENTRE PROFISSIONAIS DE


SEGURANÇA PÚBLICA.

Apresentação

O Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção – GEPeSP/LAV/UERJ-


organizou o I Workshop de Prevenção ao Suicídio entre Profissionais de Segurança Pública,
no dia 26 de outubro de 2016, no âmbito do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
(PPCIS/UERJ). Nesse encontro, contamos com a presença de representantes institucionais do
Centro de Atenção Psicológica e Social (CAPS) da Polícia Militar do Estado de São Paulo
(PMESP); Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE); da Polícia Militar do
Estado do Espírito Santo (PMES); Profissionais dos Quadros de Saúde e de Assistência
Social da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) e pesquisadores do
Laboratório de Análise da Violência (LAV/UERJ).
O workshop teve como objetivo promover uma reflexão sobre as experiências de
prevenção ao comportamento suicida entre policiais no Brasil com atores de instituições de
segurança pública e pesquisadores do GEPeSP/LAV/UERJ. O evento foi organizado em dois
módulos. O primeiro foi dedicado à exposição de trabalhos institucionais e acadêmicos sobre
o tema da prevenção ao suicídio. Os grupos de trabalho fizeram parte do momento de
reflexões das práticas. Todos os participantes foram convidados a escolher uma das cinco
temáticas propostas pela Coordenação dos GTs, a saber: (i) a Prevenção Institucional; (ii) a
Prevenção Situacional; (iii) a Capacitação do Profissional de Saúde na Prevenção ao Suicídio;
(iv) a Formação e Treinamento Policial como instrumento de Prevenção e (v) o Luto e o
Apoio ao Familiar e aos amigos/colegas do Policial Suicida. Os grupos de trabalhos buscaram

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promover um debate especializado, considerando as particularidades e familiaridades entre as
realidades das instituições de Segurança Pública participantes do encontro.
Esse documento reúne as principais reflexões e resoluções sobre o tema proposto. O
texto está dividido em três seções. A primeira traz uma síntese das apresentações e
conclusões. A segunda é dedicada aos resultados dos grupos temáticos. E por último, tecemos
algumas considerações finais.

I. Exposições da Mesa Redonda

A equipe da Polícia Militar do Estado de São Paulo apresentou duas iniciativas


desenvolvidas pela Instituição há quase duas décadas. A primeira é o Programa de
Valorização Humana (PVH). Esse programa foi desenvolvido no Centro de Atenção
Psicológica e Social (CAPS), vinculado a PMESP, entre 1999 e 2003. Seu objetivo era
resgatar a motivação e a autoestima dos policiais militares e fazer um mapeamento das
condições biopsicossociais do efetivo da unidade avaliada. O público-alvo eram policiais
militares da ativa de todos os postos e graduações. O programa estava estruturado em quatro
fases. Na primeira, o policial passava por uma abordagem inicial e à avaliação psicológica.
Na sequência, havia a mensuração e análise dos dados coletados através dos questionários e
instrumentos de avaliação psicológica.
A terceira etapa do trabalho consistia na realização de entrevistas devolutivas com
base na análise dos testes psicológicos. O objetivo estava em compartilhar os resultados
obtidos na avaliação e orientar o policial no que diz respeito ao encaminhamento a setores
especializados do CAPs, do Hospital da Polícia Militar ou a serviços externos à Corporação.
A quarta e última fase era dedicada aos acompanhamentos posteriores. Após a realização das
entrevistas devolutivas, era emitido um relatório estatístico das condições gerais de equilíbrio
emocional e condições psicológicas dos avaliados.
No total foram avaliados 21.313 policiais da Capital, 10.400 da Grande São Paulo e
766 lotados em unidades do interior do estado de São Paulo. Os resultados do Programa de
Valorização Humana (PVH)1 desencadearam novas ações institucionais. Dentre elas,

1
Atualmente, o PVH é regido pela Nota de Instrução Nº PM3-003/03/01. Não obstante, o policial é
submetido ao programa quando solicitado pelo Comandante de OPM interessado.

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podemos destacar a criação de novos programas e modalidades de atendimento de atenção à
saúde emocional do policial militar. São eles:
• Plantão Psicológico.
• Programa de Prevenção em Manifestações Suicidas (PPMS).
• Programa de Preparação para Inatividade (PPI), hoje denominado por
Programa de Sensibilização para o Encerramento da carreira Policial Militar
(PROSEN).
• Programa de Prevenção ao Uso Abusivo de Álcool e Outras Drogas (PPAD).

O Programa de Prevenção de Manifestações Suicidas (PPMS) é a segunda


experiência compartilhada pela equipe do CAPs. O PPMS foi implantado no ano de 2003
dirigido a policiais militares ativos e inativos. O programa visa:
• Promover a prevenção, atendimento, tratamento e reintegração
profissional dos policiais militares que apresentarem comportamentos
suicidas.
• Estabelecer normas e procedimentos relativos à assistência e ao
tratamento dos policiais militares inseridos no PPMS.
• Definir critérios e responsabilidades, no âmbito da Corporação, para a
execução do Programa de Prevenção em Manifestações Suicidas.

O PPMS adotou como base conceitual e teórica três níveis de prevenção indicados
pela Organização Mundial de Saúde (OMS). São eles: universal, seletiva e indicada. A
Prevenção Universal busca desenvolver e implementar projetos psicoeducativos, visando
difundir conhecimentos sobre os fatores de risco para o suicídio. A Prevenção Seletiva e
Indicada é realizada com o público mais vulnerável ao comportamento suicida no âmbito da
corporação e do ambiente familiar do policial militar.
Dentre as ações de prevenção do tipo universal desenvolvidas pelo Programa de
Prevenção às Manifestações Suicidas (PPMS) estão: as palestras de sensibilização nas
unidades (OPM); a divulgação de folders; a produção de cartilhas dirigidas ao Comando,
Tropa e a Família do PM; a realização de campanhas com o objetivo de desconstruir o
preconceito a saúde mental e fazer a prevenção ao suicídio, bem como o treinamento e a
capacitação profissional para a execução das atividades do PPMS (protocolos de ações

3
setoriais, protocolos de ações preventivas, manejo do paciente com o comportamento
suicida).
A prevenção seletiva é realizada essencialmente com palestras, atendimentos
psicológicos em grupo e/ou individual e a intervenção psicológica nas unidades após alguma
ocorrência de manifestações suicidas (tentativa de suicídio ou suicídio consumado). Por
último, a prevenção indicada e a intervenção em situações de crise suicida envolvem ações
com a vítima policial militar e seus familiares. Em caso de tentativas de suicídio em
andamento, o GATE – unidade especializada - e um psicólogo são acionados. Em ocorrências
de tentativa de suicídio efetivada, há levantamento de dados, abertura de prontuário, visitas
ao domicílio/hospital e encaminhamentos (social e psicológico).
As ocorrências de manifestações suicidas são monitoradas pelo Centro de Apoio e
Atenção Social e Psicológica (CAPs) por meio de fontes internas à PMESP. São elas: o
Centro de Inteligência da PMESP - CIPM; a Corregedoria da PMESP e o OPM do Policial
Militar. As redes sociais e contatos informais também são utilizados como fontes de
informações, a saber: órgãos de imprensa; familiares de PM; o próprio PM (nos casos de
tentativa ou ideação suicida) e o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS). Todas as
“notícias” de ideação suicida e ocorrências de tentativa de suicídio e suicídio consumado
recebidas são controladas e manipuladas pela equipe do PPMS.
Em síntese, as policiais e psicólogas convidadas apresentaram as informações sobre
a estrutura do PPMS e os protocolos de atendimento/encaminhamentos de PMs em situação
de crise suicida compartilhadas pela equipe do CAPs.
A terceira exposição abordou o comportamento suicida entre profissionais de
Segurança Pública do estado do Ceará. O trabalho intitulado “Tentativas de suicídio e
suicídios em profissionais de Segurança Pública do Estado do Ceará: magnitude, perfil e
fatores associados, 2000 a 2014” é resultado de uma pesquisa de mestrado em Saúde Pública
pela Universidade Federal do Ceará realizada por Souza, J. (2016). A pesquisa revelou que a
taxa de suicídios entre profissionais de segurança pública do estado do Ceará (Polícia Civil,
Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Perícia Forense) padronizada por sexo masculino e
faixa etária adulta foi 23,9 por 100 mil profissionais. Enquanto a taxa padronizada da
população cearense, também para o sexo masculino e adulto, foi de 14,4 por 100mil
habitantes, diferença estatisticamente significativa, p = 0,03.
Para as taxas gerais (não padronizadas), o risco relativo de suicídio médio do
período foi RR= 4,2 vezes maior para os profissionais de segurança pública frente a

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população do estado do Ceará. Em contrapartida, a taxa padronizada de suicídios foi RR =
1,7. O perfil dos profissionais de segurança pública vitimizados por suicídio (n=57) foi:
homens 56 (98,2%); casados 35 (61,4%), meia idade 36 (63,2%), baixa escolaridade 36
(63,2%), baixa renda 43 (75,4%), policial militar 50 (87,7%), baixa patente 43 (75,4%),
serviço operacional 37 (64,8%), arma de fogo como instrumento de suicídio 42 (73,7%). O
estudo concluiu que o risco de suicídio entre homens da segurança pública nos últimos 15
anos foi superior ao de homens (população geral) do estado do Ceará.
O trabalho “As Estratégias de Prevenção ao Suicídio na Polícia Militar do Rio de
Janeiro”, apresentado por Carmen Cortês Furtado, psicóloga do Quadro de Saúde da Polícia
Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Suicídio e Prevenção (GEPESP/LAV/UERJ), foi a quarta exposição da mesa redonda. A
autora apresentou as atividades realizadas pela PMERJ em parceria com o Grupo de Estudo e
Pesquisa em Suicídio e Prevenção. Duas delas ganharam destaque. São elas: as palestras de
sensibilização para um público diferenciado (oficiais e praças) e o Curso de Formação de
Multiplicadores em Prevenção ao Suicídio e de Valorização da Vida do Policial.
Dezenas de palestras de sensibilização em unidades (operacionais e de saúde)2 vêm
sendo ministradas desde o ano de 2014. Elas são solicitadas com grande frequência por
profissionais de saúde da PMERJ ou por comandantes de unidades após ocorrências de
tentativas de suicídio ou suicídios consumados. A autora salientou que a realização de
palestras e intervenções após ocorrências de manifestações suicidas têm confirmando a
inexistência de informações sobre o tema, como também uma necessidade de investimentos
institucionais em ações preventivas ao suicídio na Instituição.
O Curso de Formação de Multiplicadores em Prevenção ao Suicídio é a segunda
iniciativa promovida pela PMERJ através do Centro de Capacitação dos Programas de
Prevenção (CCPP) e o Núcleo Central de Psicologia (NUCEPSI), vinculado à Diretoria Geral
de Saúde (DGS), em parceria com o Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção
(GEPeSP), vinculado ao Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (LAV-UERJ). O curso será oferecido inicialmente aos Instrutores Educadores
Sociais do PROERD, que através do Projeto PREVENIR, divulgarão o tema em todos os
Batalhões e Unidades de Polícia Pacificadora. A meta é capacitar todos os instrutores do
2
A equipe do GEPeSP ministrou palestras em unidades operacionais, administrativas, de ensino e de
saúde da PMERJ. São elas: Batalhões convencionais em Campo Grande (40º BPM); Niterói (12ºBPM) e Magé
(34ºBPM); no Batalhão de Operações Especiais (BOPE); no Batalhão de Choque, na sede do Comando de
Operações Especiais (COE); na sede da Coordenação de Polícia Pacificada (CPP); na Escola Superior de Polícia
Militar (ESPM), no Hospital da Polícia Militar de Niterói (HPM-NIT); e na Diretoria Geral de Saúde (DGS).
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PROERD na prevenção ao suicídio e na valorização da vida do policial, permitindo-os
divulgar um conhecimento especializado em suas unidades de trabalho. Os instrutores
também aprenderão a identificar, abordar e encaminhar policiais militares em situação de
risco suicida.
O suicídio policial e as consequências para os seus familiares foi o quinto assunto
discutido em nosso encontro. As autoras3 analisaram sete entrevistas realizadas com
familiares de policiais vítimas de mortes por suicídio4. O estudo concluiu que familiares das
vítimas de suicídio sofrem não somente pela perda de seus entes queridos, como também pelo
descaso institucional. Os trâmites burocráticos após a morte podem dificultar a superação das
fases do luto. Os sentimentos de injustiça e abandono das famílias das vítimas por parte da
Polícia estão presentes nos relatos analisados. O estudo chama atenção para a ausência de
rituais fúnebres e atos de serviço5 em casos de mortes por suicídio.
As famílias percebem esses fatos como desvalorização do trabalho prestado pelas
vítimas à Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro. As entrevistas com os familiares
evidenciam que o amparo dos familiares nessas condições está condicionado a decisões
individuais de chefes de unidades ou seção da Instituição. O artigo “Luto entre os Familiares
de Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro mortos por suicídio” em breve estará
disponível para o público interessado.
O sexto e último trabalho que compôs a mesa de discussões foi “Cultura
Organizacional do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro como Fator
Protetivo ao Adoecimento Psíquico do Seu Policial”. Esse estudo propõe analisar em que
medida aspectos da cultura organizacional do Batalhão de Operações Policiais Especiais do
Rio de Janeiro (BOPE) podem ser fatores de proteção ao comportamento suicida entre os
seus integrantes.
Silva e Oliveira6 analisaram dez entrevistas com policiais do BOPE extraídas em um
estudo realizado por Miranda (2012). O estudo concluiu que existem aspectos centrais da
cultura organizacional do BOPE que podem ser fatores de proteção ao suicídio entre os
policiais dessa unidade. Dentre eles, as autoras citaram: o sentimento de compromisso com o

3
CRUZ, F. e RASTRELLI, A. (2016).
4
Essas entrevistas foram realizadas por Miranda (2012). Consultar o Relatório de pesquisa “Suicídio e
Risco Ocupacional: o caso da polícia militar carioca”. Disponível em: http://gepesp.org/wp-
content/uploads/2016/05/Relato%CC%81rio- de -Pesquisa- CNPQ- 2012-Preliminar.pdf. Acessado em
30/05/2016 às 20:12h.
5
Atos de Serviço são direitos assegurados a todo policial vitimizado em situações definidas pelo Artigo
104, incisos 1, 2 e 3 do regulamento interno da PMERJ
6
SILVA, A. V. V., da; e OLIVERIA, R., C. de.
6
trabalho; o sentido de missão a ser cumprida; a confiança nos colegas; o orgulho do que faz;
o reconhecimento e apoio institucional; a possibilidade de estudar e, por último, o sentimento
de família associado ao ambiente de trabalho. Esses resultados são preliminares. A pesquisa
está em andamento.

II. Resultados dos Grupos de Trabalho

Os grupos temáticos foram pensados no intuito de estimular e promover um debate


qualificado sobre a prevenção ao suicídio entre profissionais de segurança pública no Brasil.
Para tanto, a discussão proposta foi estruturada sob o enfoque de cinco eixos temáticos. O
primeiro grupo abordou o Suicídio e a Prevenção na perspectiva institucional. O debate foi
coordenado por Pablo Nunes, Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e
Prevenção (GEPESP- UERJ) e Doutorando em Ciência Política do IESP-UERJ. O GT contou
com a participação de representantes da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), do
Núcleo Central de Psicologia da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) e da
Polícia Militar do Estado do Espírito Santo (PMES).
A experiência da Polícia Militar do Estado de São Paulo foi de suma relevância para as
discussões do grupo. A PMESP possui por mais de uma década um programa de prevenção a
manifestações suicidas, conforme mencionamos no início deste documento. Porém antes da
aprovação de ações concretas de prevenção ao suicídio, Polícia Militar do Estado de São
Paulo aprovou o Programa de Valorização Humana. Esse programa buscou desenvolver
novos paradigmas de gestão na PMESP. Buscou-se em investir na administração baseada na
cultura do “cuidado e da valorização do policial. Esse trabalho foi desenvolvido no âmbito do
Centro de Atenção Social e Psicológica (CAPS).
A aprovação do PVH foi favorecida por um episódio na década de 1990, que
produziu um sentimento de urgência por ações institucionais e governamentais, segundo um
dos representantes da PMESP. A meta seria resgatar a autoestima e a imagem social da
Polícia Militar no estado de São Paulo. O episódio do Massacre do Carandiru ficou
conhecido pelo uso abusivo da força policial. Esse fato foi amplamente noticiado e discutido,
sendo tema de livros e filmes, e até hoje é rememorado como um momento sombrio da PM
paulista. Embora não possamos estabelecer relações de causalidade entre os fatos citados.
Hipotetizamos, sem poder demonstrar, que o clima de tragédia da época favoreceu a

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produção e aprovação de ações de valorização do policial. O Massacre do Carandiru deixou
sequelas sociais, políticas e psicológicas para a tropa e opinião pública.
O Programa de Prevenção em Manifestações Suicidas (PPMS) é a segunda ação de
referência discutida pelo GT. Os representantes das polícias militares dos estados de São
Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro concluíram que as realidades institucionais, em relação
à prevenção ao suicídio entre os profissionais de segurança, são muito distintas. Enquanto a
PMESP possui um Centro que concentra diferentes programas de prevenção ao suicídio e
valorização da vida do policial, no Espírito Santo ações com esse propósito são inexistentes.
Por outro lado, no Rio de Janeiro, ações preventivas ao suicídio estão em construção. São
iniciativas pontuais. O suicídio é ainda um tabu institucional. Apesar do volume de palestras
de sensibilização, ministradas em unidades de referência da Polícia Militar do estado do Rio
de Janeiro, o tema não é prioridade. A prevenção ao suicídio não faz parte do planejamento
estratégico da instituição.
É interessante destacar uma importante diferença compartilhada pelos participantes
do GT no que se refere ao vínculo institucional do corpo de psicólogos na PMERJ e na
PMESP. No estado do Rio de Janeiro, existe um quadro funcional de psicólogos. Em
contrapartida, em São Paulo, não há uma carreira de policial psicólogo. O policial militar que
obtiver o título de bacharel em um curso de psicologia, reconhecido pelo MEC/ME, poderá
atuar como profissional de psicologia nas unidades de saúde e social da Instituição. O
psicólogo não faz parte do quadro de saúde da PMESP. O Programa de Prevenção em
Manifestações Suicidas, por exemplo, é desenvolvido por policiais psicólogos e assistentes
sociais vinculados ao Centro de Atenção Social e Psicológica (CAPS). O programa e a sua
equipe não integram ao conjunto de ações do Departamento de Saúde da Polícia Militar do
Estado de São Paulo.
Quanto às percepções em torno das estratégicas para a aprovação de políticas de
prevenção ao suicídio em organizações policiais militares no Brasil, o grupo se dividiu. Os
representantes da PMERJ acreditam que a aprovação de políticas institucionais de
valorização do policial e de prevenção ao suicídio deverá ser uma iniciativa externa à Polícia.
Eles argumentam que essa ação deve acontecer através de uma “sensibilização qualificada”
dos quadros Secretaria do Estado de Segurança - SESEG. Em contrapartida, uma
representante da Polícia Militar do Espírito Santo acredita que o movimento em prol de uma
política de saúde mental, partindo “de fora para dentro da Corporação” pode sofrer maior
resistência por parte dos policiais e comandantes por falta de legitimidade institucional. A

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policial argumenta que a conscientização da tropa e dos comandos é a única maneira de se
criar um ambiente favorável à criação de políticas que não venham sofrer retaliações
institucionais posteriores.
As psicólogas da PMERJ também sugeriram que o NUCEPSI investisse na produção
sistemática de dados sobre a situação psicológica dos policiais somados aos dados existentes.
A Chefia do NUCEPSI é indicada como a instância de referência para promover ações
legítimas junto com o comando da PMERJ. O intercâmbio entre instituições policiais e de
ensino e pesquisa é uma estratégia sugerida pelos participantes do GT. Todos defendem que
as parcerias institucionais podem ser construtivas na produção e estruturação dos programas
de prevenção ao suicídio e valorização da vida do policial.
O GT concluiu que a construção de um programa de prevenção ao comportamento
suicida na Polícia Militar no país demandaria a combinação de ações externas e internas. No
Rio de Janeiro, a alternativa de política estaria na sensibilização de atores chave dos quadros
da SESEG, porém é preciso aguardar novas janelas de oportunidades políticas. No Espírito
Santo, não obstante, como na maioria das unidades federativas do país, o suicídio entre
policiais militares é invisível. Pouco se conhece sobre o tema, como também existe uma
enorme carência de serviços de atenção psíquica e emocional ao profissional de segurança
pública. A institucionalização de um programa de prevenção e de ações de valorização do
policial envolveria a sensibilização de atores chave no processo decisório da cúpula e da
tropa. Esse seria o primeiro passo.
O segundo GT, coordenado por Marcela dos Santos Reis, Psicóloga do Quadro de
Saúde da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e pesquisadora do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPESP- UERJ), tratou a prevenção segundo contextos
específicos ao ofício de um policial militar. O Grupo contou com a participação de
representantes do Centro de Valorização da Vida (CVV); do Corpo de Bombeiros do Ceará e
do Núcleo Central de Psicologia da PMERJ e do GEPeSP (LAV/UERJ).
A prevenção situacional foi abordada como uma tática destinada a atuar sobre as
condições do ambiente físico de forma a contribuir com a redução de atos de violência
institucional, para assim também reduzir o número de situações de risco para o suicídio.
As discussões foram inspiradas no livro “Por que policiais se matam?”, em especial o
capítulo 5 – Parte 1: intitulada prevenção situacional. O objetivo foi suscitar discussões e
conhecer a percepção de diferentes atores sobre a temática. Foram utilizados três pontos
como estímulo ao debate:

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• Limitar o acesso e uso de armas de fogo aos Policiais aptos B por incidentes
envolvendo armas de fogo (PAF).
• Controlar o acesso às armas de fogo para Policiais Aptos C, em tratamento
psiquiátrico (alterações em regulamentos e Leis).
• Evitar escalas com restrições sanitárias (aptos b e c) para serviços extras e em
eventos que envolvem multidões.

O Grupo apresentou recomendações que podem auxiliar na redução do risco em


situações do trabalho nas organizações policiais militares. São elas:
 Integrar/melhorar a comunicação entre os setores da Polícia, articulando a junta
médica, os setores de pessoal (P1), o paciente e os ambulatórios de atendimento,
para que as restrições laborais sejam adequadamente compreendidas e
executadas pelos diversos atores da rede.
 Capacitar os responsáveis pelo serviço de P1 (oficiais e praça escalante), sobre
as possibilidades e limites de atuação do policial readaptado.
 Sensibilizar todo o efetivo acerca do respeito e acolhimento necessários para
reintegração do policial que retorna de afastamentos fruto de incidentes com
armas de fogo e/ou outros, evitando o bullying situacional. O Major BMCE Edir
comentou uma situação na qual o mesmo atuou como apoio de uma praça
deprimida e com ideação suicida frequente. O Major se recordou de um
momento em que os colegas faziam brincadeiras inadequadas sobre o estado do
agente com ideação suicida. Ele interferiu e chamou a atenção dos mesmos para
o sofrimento produzido pelo seu preconceito.
 Amadurecer o debate acerca do acautelamento legal de armas particulares de
policiais com restrição de uso de armas.
 E realizar avaliações periódicas de saúde mental e não apenas exames físicos e
de saúde.

O Grupo, por último, compartilhou questões comuns à PMERJ e ao Corpo de


Bombeiros do estado do Ceará no que tange à prevenção ao suicídio entre profissionais de
segurança pública. São elas:

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 O suicídio é um tabu em ambas as realidades institucionais. Daí a razão para as
ações na área de identificação e prevenção existentes serem tímidas e
individuais.
 Estereótipos em torno dos agentes afastados por motivos psiquiátricos são
recorrentes nos discursos dos profissionais de segurança pública.

O terceiro grupo temático foi Suicídio e a Capacitação do Profissional de Saúde na


Prevenção. As discussões foram conduzidas por Lidiane Pereira Raposo de Menezes,
Psicóloga do Quadro de Saúde da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e pesquisadora
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPESP-UERJ). O GT foi
composto por duas psicólogas da PMERJ, uma psicóloga da PMESP, uma professora do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo e um enfermeiro da
PMERJ.
A carência institucional de médicos psiquiatras no quadro de saúde das instituições
policiais foi um dos temas mais citados pelos participantes do GT. Esse fato compromete não
somente as demandas de acompanhamento ambulatorial, bem como a formação de equipes de
saúde mental multiprofissionais. Consequentemente, psicólogos e assistentes sociais dessas
instituições ficam sobrecarregados no que concerne ao tratamento e acompanhamento de seus
pacientes.
A necessidade de se criar estratégias de prevenção e capacitação foi o segundo tema
abordado pelo GT. Apesar das limitações técnicas e materiais existentes nas Polícias
Militares dos três estados supracitados, o grupo reforça a relevância de se investir na
conscientização dos comandantes de unidades (operacionais e administrativas). Afinal, o
cuidado com a saúde mental da tropa faz do conceito de uma gestão humanizada.
O terceiro tema discutido pelo grupo é a necessidade da Polícia investir na construção
de redes de saúde internas e externas (serviço público de saúde, associações e universidades).
A criação de uma rede de saúde integrada (interna e externa), portanto, poderá auxiliar os
encaminhamentos, envolvendo atendimentos psiquiátricos, quando necessários.
As modalidades de capacitação e os procedimentos institucionais desenvolvidos pelo
Centro de Apoio Psicológico e Social da Polícia Militar do estado de São Paulo é o quarto
assunto abordado. O quadro de oficiais de saúde possui atualmente apenas médicos,
conforme salientou a coordenadora do PPMS. Policiais de Tropa, com curso de formação nas
áreas de saúde, podem se credenciar para atuar em desvio de função, em diferentes unidades

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do estado. Se o profissional é aceito para atuar pelo CAPs, ele passa por uma capacitação
teórica e prática por uma semana. Se o profissional desejar fazer parte da equipe do Programa
de Prevenção em Manifestações Suicidas, ele é submetido a mais uma semana de capacitação
especializada no tema do suicídio.
Na Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro, por outro lado, não há um programa
institucional estruturado de prevenção ao suicídio ou capacitação de profissionais de saúde.
No estado do Espírito Santo, também não é diferente. Todos os participantes do GT
desconhecem a existência de ações de prevenção ao suicídio ou de capacitação de
profissionais de saúde na Polícia Militar do Espírito Santo.
O grupo concluiu que um tema crítico para a prevenção ao suicídio em organizações
policiais é o acesso à arma de fogo. Policiais em tratamento psiquiátrico sob o risco de
suicídio precisam ter a sua arma acautelada. Porém, profissionais de saúde, vinculados a
organizações policiais, reconhecem que o quanto é complexo manejar este problema em sua
prática profissional. Na PMERJ, por exemplo, ainda há trâmites legais que dificultam a
retirada da arma de fogo do policial quando está sob o risco de cometer suicídio. Em São
Paulo, por outro lado, nos ensina que é possível resolver esse dilema. Atualmente, há uma
norma que possibilita o recolhimento da arma de fogo do policial na situação de risco para o
suicídio na PMESP.
Em síntese, o Grupo apresentou quatro recomendações para a capacitação de
profissionais de saúde em prevenção ao suicídio policial. São elas: (1) o conteúdo da
capacitação deve abordar assuntos relativos à prevenção ao suicídio na população geral,
porém, adequados às especificidades do ambiente de trabalho do profissional de segurança
pública. São eles: a magnitude e as dimensões do suicídio, fatores de risco, fatores de
proteção, frases de alerta, mitos sobre o suicídio, escuta singularizada para avaliação do risco,
procedimentos a serem adotados e a importância da notificação; (2) a utilização de casos
concretos do cotidiano de trabalho; (3) a definição de uma linguagem apropriada a cada
público-alvo a ser atingido nas palestras e nos cursos sobre a prevenção. O objetivo aqui é
facilitar a sensibilização para o tema e a identificação dos policiais em situação de maior
vulnerabilidade; e (4) a realização de discussões em pequenos grupos, visando explorar e
amadurecer questões específicas.
O quarto grupo temático foi a Formação e Treinamento Policial como instrumento de
Prevenção ao Suicídio. Esse grupo foi moderado por Rogéria de Almeida Silva Quintella,
Psicóloga do Quadro de Saúde da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e pesquisadora

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do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPESP-UERJ). Três psicólogas
da PMERJ, representantes do Centro de Capacitação dos Programas de Prevenção (CCPP);
da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro (PCERJ) e da Secretaria de Segurança Pública
(SEGEG) e do Batalhão de Operações Especiais (BOPE).
Os temas tratados pelo grupo estão vinculados à revisão da grade curricular dos cursos
de formação na PMERJ e na Polícia Civil. O Grupo reconhece que, apesar da escassez de
recursos na área de formação e treinamento policial em ambas as instituições, é possível
investir em workshops e palestras sobre o tema para os novos comandantes e chefes de
seções; como também realizar oficinas com atores institucionais com níveis hierárquicos
distintos.
Na PMERJ, as alterações na grade curricular podem se realizadas pela introdução de
temas nos cursos de formação de soldados (CFSd) e de aperfeiçoamento de oficiais CSP e
CAO. Os temas sugeridos podem ser a prevenção, a desconstrução de estereótipos e mitos
sobre o suicídio. Quanto ao treinamento e desempenho profissional, os participantes
propuseram desenvolver ações que estimulem investimentos na percepção do treinamento
como uma iniciativa capaz de produzir melhorias na produtividade e no crescimento
profissional do policial. O suposto aqui é que policiais mais qualificados e bem treinados
estão mais protegidos. Logos, eles estão menos vulneráveis ao adoecimento emocional e
psíquico.
A revisão do currículo de formação e qualificação profissional também pode ser
aplicada à realidade do agente da Polícia Civil. Para tanto, o grupo propôs a realização das
grades curriculares dos cursos de formação e de treinamento, visando estabelecer
alinhamento do tema suicídio e fatores de proteção. O Grupo propôs inserir a problemática
sobre a prevenção ao suicídio entre profissionais de segurança pública no conteúdo
programático dos cursos de Ensino à Distância da SENASP. Dois cursos foram sugeridos,
são eles: “Tópicos em Psicologia aplicada à segurança pública” e “Saúde ou Doença: de que
lado você está?”.
O quinto e último grupo - O Luto e o Apoio ao Familiar e aos amigos/colegas do
Policial Suicida. Esse grupo foi coordenado por Amanda Neves Rastrelli, Psicóloga e
pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPESP-UERJ). O
GT contou com representantes da PMESP e da PMERJ e pesquisadoras do
GEPeSP/LAV/UERJ.

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O primeiro ponto discutido foi o contexto institucional no Rio de Janeiro e São Paulo.
Nos dois estados, há uma equipe de profissionais de saúde (psicólogas e assistentes sociais)
para atender aos familiares enlutados, acompanhando-os por um ano. Entretanto, em São
Paulo, este trabalho é institucionalizado e há um manual de referência. Em contrapartida, no
Rio de Janeiro, há uma estruturara voltada para dar de orientação burocrática aos familiares
de PMs vítimas por mortes violentas, porém com menor poder de alcance.
O Grupo de apoio ao familiar de policiais mortos ou feridos - GAFPMF- foi criado
em 2005 e tinha a sua sede no Quartel General. Porém, essa estrutura foi desativada e
transferida para a Diretoria de Inativos e Pensionistas (DIP) a partir do ano de 2011. Essa
mudança tornou o suporte ao familiar do falecido um procedimento essencialmente
burocrático.
Os participantes do GT reconhecem que o atendimento ao familiar do policial falecido
em ambas as instituições policiais depende de investimentos no serviço de psicologia. Na
PMESP, o grupo acredita que é preciso aproximar a Psicologia do Comando. A Psicologia
precisa se tornar uma das prioridades do planejamento estratégico da Instituição. E a PMERJ,
acredita-se que a continuidade da parceria da Polícia com o meio acadêmico é fundamental.

III. Considerações Finais

A Prevenção ao Suicídio entre Profissionais de Segurança Pública é um tema que


não faz parte da agenda de prioridades dos líderes estratégicos das instituições dos estados do
RJ, ES e CE. No Estado de São Paulo a realidade é um pouco diferente. A Polícia Militar
Paulista é uma referência para as instituições de segurança pública do país por ter
institucionalizado um programa especializado na prevenção às manifestações suicidas desde
2004. A prevenção atinge ao público universal e de risco da PMESP. Porém, sabemos pouco
sobre a eficácia e efetividade do programa. Os representantes do CAPs não compartilharam
as estatísticas de atendimentos e os resultados obtidos desde a sua criação.
No Rio de Janeiro, ações pontuais, como palestras e cursos de formação de
multiplicadores em prevenção, vêm sendo desenvolvidas desde 2014. Porém, a prevenção faz
parte do planejamento estratégico do Comando da Instituição. Existem apenas iniciativas de
chefes de unidades sensibilizados pela frequente perda de policiais por suicídio. O suicídio

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ganhou visibilidade na PMERJ, contudo, a prevenção é ainda um tema caro para a
Instituição.
Nos estados do Espírito Santo e do Ceará, a situação é ainda mais complexa. O
fenômeno do suicídio é totalmente invisível para representantes institucionais da segurança
pública. No Ceará, por exemplo, embora dados oficiais coletados e trabalhados por Souza, J
(2016)7 tenham revelado que a taxa de suicídio entre profissionais de segurança pública do
estado (Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Perícia Forense), padronizada
por sexo masculino e faixa etária adulta, foi de 23,9 por 100 mil profissionais, no período de
2000 a 2014, a prevenção ao suicídio não é discutida. Na Polícia Militar do Espírito Santo, as
manifestações suicidas são desconhecidas pelos representantes institucionais da cúpula
administrativa.
Fato é que sem conhecimento especializado, não é possível pensar políticas

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Souza, J. (2016) “Tentativas de suicídio e suicídios em profissionais de Segurança Pública do Estado
do Ceará: magnitude, perfil e fatores associados, 2000 a 2014”. Dissertação de Mestrado em Saúde Pública.
Universidade Federal do Ceará.

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