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O processo de constituição do Conjunto Habitacional Prefeito José Walter

Marise Magalhães Olímpio


Graduada em História - UFC
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo entender o processo de criação do Conjunto
Habitacional Prefeito José Walter, compreendendo desde a chegada de migrantes na
cidade de Fortaleza a partir da década de 1950, a criação do Banco Nacional da
Habitação – BNH - em 1964, e a fundação do Conjunto em 1970.
PALAVRAS-CHAVES: Migração, Fortaleza, COHAB, Banco Nacional da Habitação,
Conjunto Habitacional Prefeito José Walter.

Apresentação
O trabalho em questão é fruto de uma pesquisa sobre as experiências vividas
pelos primeiros moradores do bairro José Walter, inaugurado em 1970 pelo BNH,
órgão criado pela ditadura militar cujo principal objetivo era financiar moradia para a
população de menor renda. Esse estudo foi iniciado durante a graduação em História na
Universidade Federal do Ceará, e se encontra sob a orientação da Dra. Kênia Sousa
Rios, que em muito tem contribuído para tornar a pesquisa mais ousada, especialmente
no que concerne a composição dos objetivos. Durante essa exposição me deterei à parte
da pesquisa que consiste em compreender todo o processo que culminou na criação de
diversos conjuntos habitacionais, dentre eles o Conjunto Habitacional Prefeito José
Walter, sobre o qual se deterá o enfoque.

As Migrações

Uma das mais importantes transformações ocorridas na sociedade brasileira


durante o século XX consistiu no processo de urbanização. Esse Movimento teve um
tímido começo e se tornou mais visível a partir dos anos de 1930 com o início efetivo da
industrialização do país, que fez com que mais pessoas se sentissem atraídas pelo modo
de vida urbano. Sendo esse movimento mais acelerado entre os anos de 1960 e 1970. Os
problemas causados por estes indivíduos em movimento foram sentidos nas principais
cidades de diversas maneiras, sendo comum a todas, a geração ou agravamento do
problema de déficit habitacional.

1
No Estado do Ceará as secas e a rigidez na mobilidade social no trabalho do
campo sempre foram grandes motivadores da migração intermunicipal, sendo o maior
destino destas migrações a capital do Ceará, Fortaleza. Nunca fora possível absorver
toda a mão-de-obra que chegava, provocando mais problemas sociais, como a formação
de favelas e acentuação do desemprego.
O início da modernização e da industrialização na cidade de Fortaleza, já
relevante no início do século XX, fazia com que mais e mais migrantes chegassem em
busca de uma vida melhor. Segundo dados do IBGE1, em 1950, Fortaleza contava com
89.984 habitantes recenseados, dez anos depois estava com 244.649, o que significa um
crescimento de 90,6% da população, número que pode ter sido acentuado devido às
secas de 1951 e 1958. De 1960 a 1970 a população recenseada de Fortaleza cresceu
69,5%, contando então com 357.884 habitantes.
Segundo o documento As migrações para Fortaleza de 1967, citado por
Santiago2, “dentre as 'razões da saída do lugar de nascimento', o desejo de 'empregar-se'
teve os mais elevados percentuais: 24,5%; a posse da casa própria, que vem em segundo
lugar (...), teve o índice de 18,6%; e, em 3º lugar, o desejo de ascensão social, ou de
mudança de 'status', traduzido pela expressão 'melhorar de vida', representou 11,0%”.
Para muitos, Fortaleza seria o lugar para resolução de todos os males, onde parecia ser
possível inserir-se dentro do mercado de trabalho, o que proporcionaria acesso à bens
materiais julgavam inadquiríveis em sua cidade de origem.
Essas famílias ao chegarem a Fortaleza, quando não tinham parentes aos quais
recorrer, encontravam um terreno, que não houvesse quem reivindicasse a propriedade
(espaços destinados geralmente à ruas e praças ou terras pertencentes a União),e lá
montavam suas barracas. Jucá3 aponta os principais bairros, que surgiram desta
maneira, existentes nas décadas de 40 e 50, entre eles estão o Cercado do Zé Padre, o
Lagamar, Morro do Ouro, Floresta, Monte Castelo, o Arraial Moura Brasil, sobre o qual
se encontra registros já em 1888, e o Pirambu.
O Arraial Moura Brasil situava-se entre o centro comercial e a Praia de
Iracema. O Pirambu era considerado uma extensão dele, encontrando-se na zona oeste
de Fortaleza, onde se localizavam as indústrias de Fortaleza, sendo em sua maioria
têxteis. Segundo Jucá4, em 1958, a indústria tinha apenas 11,72% de participação na
renda interna do Ceará, enquanto a área de serviços era responsável por 64,55% da
renda interna do Estado. Sendo perceptível a impossibilidade para esta primeira
absorver toda a mão-de-obra que chegava à capital.

2
Estas pessoas “desocupadas” incomodavam principalmente os moradores do
Benfica e Jacarecanga, bairros mais aristocráticos da época, forçando estes a se
mudarem pouco a pouco para o leste da cidade. Para o Poder Público essa população
também era incômoda, pois causava prejuízo à economia local, ocupando áreas cada vez
mais valorizadas pela especulação imobiliária, próximas à faixa litorânea ao leste da
cidade.5
A valorização destas áreas, como explica Dantas6, deu-se inicialmente pela
construção de casas de veraneio na praia de Iracema pela população mais abastada,
devido ao desenvolvimento de novas práticas culturais, como os banhos de mar e as
caminhadas de praia. Posteriormente, deu-se início à construção de clubes elegantes,
vindo este espaço litorâneo a se tornar um importante ponto de encontro na cidade.
Ainda segundo o autor, “onde estas classes se instalam, ocorrem expulsões.
Inicialmente na Praia de Iracema, com a especulação fundiária, e posteriormente, na
praia do Meireles, evidenciando uma expulsão crescente dos antigos habitantes” 7.
Jucá acrescenta a preocupação das elites com a estética da cidade como
também com a segurança, ressaltando o desinteresse das mesmas em solucionar o
problema da miséria, pois preocupavam-se apenas em afastar essa massa do perímetro
central.
“Na medida em que aumentava o índice de casebres em áreas
consideradas ‘marginais’, mais crescia a preocupação da sociedade
civil no controle da ideologia alimentada, segundo o qual era
imprescindível afastar a pobreza dos espaços estratégicos disputados
na cidade. Não se apontava o que realizar, ou por quais meios o peso
da miséria poderia ser avaliado; o objetivo prioritário prendia-se a
manutenção da estrutura ideológica e de seu material, ou seja, tanto
as organizações que as criavam quanto os recursos básicos de difusão
dessa ideologia tinham o intuito de salvaguardar o ideal de ordem e
estética urbanas” 8.

A preocupação com a estética também pode ser justificada pelo fato de


Fortaleza estar se tornando um importante destino turístico. Assim era necessário o
embelezamento destes pontos, como também a construção de equipamentos de apoio
para melhor recepção do visitante.
Os moradores que residiam nos espaços não regulamentados foram
perseguidos cada vez mais pelo Poder Público, que desejava expulsá-los sem ao menos
dar-lhes uma indenização pela demolição da casa que eles, em sua maioria, haviam
construído. Muitos foram os bairros que sofriam ameaças, como o Pirambu, o Monte-
Castelo, o Coqueirinho, o Teofinho9. Para tentar resistir a essa ação de desterro, muitos

3
bairros criaram associações, através das quais tentavam resguardar seu direito sobre a
terra, pois acreditavam que ter onde morar era um direito básico de qualquer ser
humano, para eles tratava-se de justiça social10.

As Medidas Públicas: A criação da SUDENE e do BNH.

Em 1959, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste -


SUDENE, embasada pela concepção de que o problema do Nordeste era a falta de
recursos para a Industrialização. Com a implantação deste órgão se solucionaria o
problema dos flagelados da seca, pois ele geraria mais emprego e movimentaria a
economia da região. Assim, foram destinados recursos para a criação de diversas
indústrias em Fortaleza, favorecendo a criação do Distrito Industrial do Ceará no
município de Maracanaú11. Entende-se esta ação como uma tentativa conjunta entre a
Sudene e o Poder Público que também objetivava o deslocamento do excedente
populacional do centro de Fortaleza para a região metropolitana.
No jornal Unitário de 1970 é possível encontrar referências com relação a
destinação destes recursos para a implantação de algumas indústrias do ramo
automobilístico e algodoeiro12, como também é possível encontrar críticas de
determinados setores da sociedade. Estes reclamavam que o apoio da Sudene também
deveria ser estendido às atividades rurais, questão primordial para se solucionar o
problema da pobreza nordestina.
“Tudo a principio dentro das projeções de Celso Furtado, economista
de teoria, profeta de cifras subjetivas, responsável pelo mal-enfoque
da problemática nordestina. Levantou numa região de pauperice
espessa, uma civilização industrial, deixando fora da prancheta uma
questão primária da sobrevivência do povo nordestino. Ninguém é
contra a floresta de chaminés que escurecem os céus nordestinos. Tão
pouco contra essa profunda arrogância dessa economia industrial.
Tudo isso estaria perfeito se a agricultura da área – instrumento de
fixação do homem e da criação de um mercado interno – tivesse, no
programa inicial, o mesmo apoio que foi dado à indústria. Por que,
paralelamente ao incremento industrial, não se deu amparo às
pequenas, médias e grandes propriedades rurais? Por que não se
produz irrigação racional para neutralizar o fenômeno cíclico das
secas? Não me venham com reforma agrária, chavão desmoralizado,
porque nunca apreciado com seriedade. Nem me falem de mudanças
de estruturas, outro ratraplan da vigarice socialista.(...)
Mas o nosso caso é a SUDENE – ela e o Nordeste – tem feito muito
essa poderosa Superintendência para levantar o “status” social do
irmão nordestino. Ela, no tempo, de Euler, de Afonso de
Albuquerque, cresceu, revitalizou, captou incentivos fiscais para a

4
implantação industrial na área. Surgiam muitas fábricas, muita
riqueza de chaminé, e os anjos disseram amém.”13

Segundo dados do IBGE14 com a SUDENE, o número de quase todos os


gêneros de indústria mais que duplicaram de 1960 a 1975, como por exemplo, os
gêneros de produtos de minerais não metálicos, metalúrgica, têxtil, produtos
alimentares, bebidas, editorial e gráfica. Embora tenha sofrido críticas, como foi visto, a
criação da Sudene ajudou na absorção de uma parte da mão-de-obra disponível em
Fortaleza.
Para facilitar o deslocamento dos trabalhadores para o I Distrito Industrial de
Maracanaú, foram criados vários conjuntos habitacionais, como, por exemplo, o
Jereissati I, II e III, o Industrial, o Timbó, o Pajuçara e o Novo Maracanaú15. Como
também, foram construídos outros conjuntos habitacionais relativamente próximos,
localizados ao norte de Maracanaú, como o Aliança, o Manoel Sátiro, o Esperança, o
Novo Mondubim e dentre outros o objeto desta pesquisa, o Conjunto Habitacional
Prefeito José Walter.
A política de Criação de Conjuntos Habitacionais em todo o Brasil já estava
em curso desde 1964, quando foi criado o Banco Nacional de Habitação – BNH – que
tinha como principal objetivo financiar habitação para as camadas sociais de baixa
renda (03 a 05 salários mínimos). Decisão tomada, como já foi dito, devido às
transformações ocorridas no Brasil causada pela rápida e descontrolada migração da
população rural para as grandes cidades. Cidades como Manaus, Belém, São Luís,
Olinda, Aracaju, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, Petrópolis dentre outras, já haviam
recebido financiamento por parte do BNH16. Segundo documento produzido pelo
próprio BNH, problemas fundamentais deveriam ser solucionados com a construção
desses conjuntos: habitação, com ênfase no atendimento das famílias de menor renda;
serviços de infra-estrutura (água, esgotos, pavimentação, energia, comunicações e
transporte de massa); equipamentos comunitários, desde escolas e hospitais até meios
de segurança e centros de recreação, incluindo o pequeno artesanato e a rede de
comércio local, e; a preservação do meio ambiente, sobretudo através do combate à
poluição do ar, das águas e do solo17.
Assim, Fortaleza, que segundo mensagens do governo18 já havia sido
beneficiada com o financiamento da construção de algumas casas realizadas pela
COHAB – Ceará19, cria sua própria Companhia de Habitação – COHAB - Fortaleza –
em 1969, órgão de execução exigido pelo Banco Nacional de Habitação e o Sistema

5
Financeiro de Habitação – SFH a partir da LEI de Nº 4.380 de 21.08.1964, sendo os
financiadores o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS20 e a Poupança
Voluntária ou a Caderneta de Poupança.
Rodrigues21 aponta três dificuldades que seriam enfrentadas pelo BNH/SFH, o
déficit habitacional brasileiro de grandes proporções; os critérios de escolha da casa que
seria de acordo com a faixa salarial do inquilino; e, as taxas de juros cobradas pelo
órgão financiador. Sendo este último o mais problemático, pois era necessário estar
sempre revendo essas taxas para que houvesse a aquisição das casas. É o que nos revela
a fala dos industriais de construção civil sobre o programa proposto pelo BNH, no
jornal Unitário de 18.10.1970. Essa faz referência a pontos que o programa deveria
observar: “a)baixa de taxas de juros reais, no caso indicados; b)extensão de prazo, com
financiamentos consolidados das dívidas; c) revenda, em condições especialmente
vantajosas, de juros e prazos e execução das hipotecas pelo Decreto – Lei 70 (que criou,
inclusive, a cédula hipotecária)”22.. Esta preocupação explica-se pela inadimplência
existente com relação ao pagamento das prestações, que fazia com que a COHAB
despejasse os moradores23.
Não se pode esquecer que através de propagandas a realização do “sonho da
casa própria”, pelo morador de Fortaleza, parecia cada vez mais possível. Assim, foi
mais fácil convencer este a deixar seu lugar de morada em prol de algo que seria seu,
com o pagamento de pequenas prestações que eram equivalentes ao salário do
proletariado, estas correspondiam a valores destinados a aluguéis24. A esse respeito, no
Jornal “Unitário”25, foi localizada uma propaganda de página inteira apresentando as
plantas dos modelos das casas que iriam ser construídas no Conjunto Habitacional
“Cidade 2000”. Estas propagandas também eram realizadas com o intuito de promover
o Golpe Militar de 1964, como podemos observar em nota de comemoração do sexto
aniversário do BNH, publicada em jornal.
“O BNH nasceu com a revolução de 1964.
Sua preocupação primeira: criar condição de moradia em todo o país.
E em seis anos 600.000 novas residências.
O BNH cresceu com a Revolução de 1964. Meta: O homem. Dar-lhe
condições melhores de vida. Novas oportunidades e esperanças.
O BNH financia obras de saneamento por todo o Brasil. 972 dos
4.000 municípios brasileiros passam a ter água tratada. 36 milhões de
pessoas beneficiadas. E movimentam-se projetos de planejamento
urbano e para a criação ou ampliação de redes de esgotos.
O BNH realiza-se com a Revolução de 1964. O BNH sabe que tudo
isso foi possível pelos recursos obtidos através das contas do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço e da Poupança Voluntária captada

6
das letras imobiliárias e cadernetas de poupança. Dinheiro do povo.
Que reverte ao povo, no seu direto e justo benefício. Por isso nos
sentimos orgulhosos quando nos chamam: Banco Nacional da
Humanização.”26

Percebe-se que os militares tinham o interesse em sensibilizar as camadas mais


baixas, destacando o seu intuito em trazer mais dignidade ao homem pobre, através da
redução do déficit habitacional27. Conforme o jornal Unitário28 este girava em torno de
60 mil habitações em Fortaleza. Assim, deu-se início a construção do Conjunto
Habitacional “Sétima Cidade” no distrito de Mondubim.

De “Sétima Cidade” a “Prefeito José Walter”: O Projeto.

O Conjunto da Sétima Cidade foi construído em terras compradas do Sr.


Eduardo Montenegro, por dois milhões de cruzeiros à época, segundo Rodrigues29.
Conformr relatos já existiam algumas casas e comércio para abastecer os trabalhadores
das terras do Montenegro. Na década de 60 existia apenas uma empresa de ônibus, que
fazia o trajeto para Fortaleza duas vezes ao dia, pela manhã e a noite. Uma matéria de
Heráclito Thé, fala um pouco sobre o terreno onde foi construído o bairro:

“Antes era apenas um vasto espaço ocioso esporadicamente ocupado


por raras herbáceas vulgares sem nenhuma validade digna de registro.
Depois aquela ampla faixa improdutiva no esmo cenário da paisagem
asfáltica denominada de perimetral, uma rodoviária através da qual se
escoaria o trânsito urbano da capital, ligando-a na conta verde, do
distrito de Mecejana e suas adjacências (...)
(...) Começando da nesga direita da pista, o chão arenoso e fofo ao
perder-se ao alcance dos olhos, estendia-se no varzeado da vegetação
escassa, somando uma quilometragem satisfatória de terras em
repouso, local tipográfico de qualidade especial e bons ares, como
diria o legendário Pero Vaz de Caminha.
O sítio mediava entre as glebas comunitárias de Mondubim e
Mecejana, com milhares de metros de terra obsoletas e inermes; ali os
técnicos urbanistas puseram a viabilidade de localização do Conjunto
Residencial Previsto para acomodar 4.425 casas populares com que o
Governo Federal pretende resolver o déficit habitacional e oferecer
ao homem de poucas posses a oportunidade de tornar-se dono de sua
moradia e livrar-se do secular pesadelo do explorador inescrupuloso
senhorio.”

No início de 1970 foram entregues 1208 residências, em agosto, foram


entregues mais 181030 e em janeiro de 1971 estavam previstas para serem entregues
mais 1406, perfazendo o total de 4.424 casas. Porém segundo as pesquisas, ainda em

7
janeiro de 1973 estavam sendo entregues as casas da terceira etapa. O autor
complementa:
“Acolá, antigo estágio de solidão quase silvestre, a COHAB –
Fortaleza, com verbas consignadas ao BNH, em tempo recorde
construiu uma cidade moderna e alegre, farta de água e luz profusa,
higiene e escoamento hidráulico, tudo de forma simples, mas de
feição atraente humanizada. (...)”31

Durante a entrega da segunda etapa, o prefeito José Walter se ausentou, teve


que passar 40 dias na Suécia. Enquanto esteve ausente o substitui o presidente da
COHAB - Fortaleza o Sr. Francisco Carvalho Martins. Segundo Sr. Victor, morador do
bairro desde 1970, durante esse período de ausência do Prefeito, a Câmara Municipal
sugeriu que o nome do conjunto habitacional passasse a se chamar “Prefeito José
Walter”, fato que foi confirmado pelo ex-prefeito José Walter em entrevista32.
De acordo com o Sr. Victor, este iria se chamar Casimiro Montenegro, e não
“Sétima Cidade” como nos jornais, em homenagem ao pai de Eduardo Montenegro, que
teria cedido ou vendido (não sabe ao certo) as terras para a construção do bairro em
troca da homenagem. Como diz:
“Aqui era um sítio, do Seu Eduardo Montenegro. Então ele
vendeu esse terreno para o José Walter Cavalcante, que era o
então prefeito de Fortaleza. (...). Então o seu Eduardo cedeu esse
terreno fazendo algumas exigências, entre as quais: fazer parte
da comissão de construção e colocar o nome no conjunto do pai
dele. Que aliás ele mesmo é que me contou, eu me dava com ele,
ele apesar de ser rico, mas tinha muita consideração por mim,
ele conversava muito comigo e me contou toda a história. Foi
uma grande decepção pra ele e pra senhora mãe dele quando
saiu no jornal outro dia: 'Inauguração do José Walter'. E a mãe
dele ficou decepcionada porque não saiu o nome do pai dele.”33

Já nas lembranças do Sr. Carlos, morador do bairro desde os primeiros anos, o


terreno havia sido doado, por isso, chegou a conclusão que “o nome era até pra ser
Montenegro, e não José Walter. O Montenegro doou esse terreno todinho sem nem um
ônus de volta”34. Porém, muitos outros moradores consideram justa a homenagem ao
prefeito dizendo muitas vezes que “se ele ajudou a construir, merece ter o nome dele”.
Percebe-se claramente uma disputa pela perpetuação da memória entre um grande
latifundiário da região e o então Prefeito da época.
Apesar de críticas ao governo não serem muito comuns nos jornais do período,
encontrou-se reclamações com relação à construção destes bairros tão distantes e
dispendiosos:

8
“Estas 4.424 casas constituirão uma cidade, e uma cidade exige
serviços de natureza dispendiosa. Assistência médica, hospitalar,
odontológicas, são alguns dos diversos tipos de serviços que terão que
ser postos a disposição do povo, sem contar um pequeno centro
comercial, escolas, igrejas, policiamento, etc. E tudo isto representa
gastos, despesas e muitos votos para eleger políticos no futuro.”35

O governo ganharia, possivelmente, os votos dos moradores desse e de outros


Conjuntos, se essas promessas sobre infra-estrutura houvessem sido concretizadas.
Porém, estas se tratavam mais de propaganda para atrair futuros moradores, como
também, para promover o próprio governo perante as pessoas que não conheciam a
realidade dos conjuntos habitacionais.
O autor ainda sugere:
“E ao invés de se pensar em construir cidades distantes como faz a
Cohab-Fortaleza, poderia-se estudar a possibilidade de espalhar, pela
cidade, em muitos bairros com imensas áreas disponíveis, essas
mesmas casas que vêm sendo construídas, como por dizer, no
‘sertão’”.

A Cohab-Fortaleza realmente poderia ter construído casas próximas ao centro,


como fazia a Cohab-Ceará inicialmente36, porém o interesse maior, como se viu, era
afastar essa camada mais pobre do centro, por isso a escolha por obras em locais
distantes.
O jornal “Unitário” explica que “A entrega das casas da segunda etapa do
Conjunto Prefeito José Walter, (...) está sendo efetivada de acordo com o sistema de
classificação de blocos afim de evitar a aglomeração de pretendentes que não estejam
classificados para receber nas datas previstas.”37 A lista das pessoas que iriam receber
sua casa posteriormente saia no jornal, para que esta se encaminhasse na data prevista
para apresentar a documentação necessária e assinar o contrato de obrigação financeira
para com o BNH. Os solicitantes receberiam sua casa de acordo com o nível salarial
destes. Os padrões das Casas da Cohab- Fortaleza eram A, B,C e D. Todas tinham a
mesma área de terreno (200 m2), o que facilitou as reformas de ampliação
posteriormente realizadas por muitos moradores.
Não foi possível até então encontrar plantas das casas construídas no José
Walter. Mas, segundo entrevistas, a casa de tipo “A” tinha dois quartos, uma sala, uma
cozinha, um banheiro e uma área; a de tipo “B”,diferencia-se da “A” por ter uma sala
maior; a de tipo “C” tinha três quartos, uma sala, um banheiro, uma cozinha e uma área;
a de tipo “D” tinha os mesmos compartimentos da de tipo “C”, porém possuía melhor

9
acabamento, era forrada e continha caixa d’água. A escolha se dava através de um
sorteio na própria COHAB. O próprio morador sorteava a casa onde ia morar colocando
a mão dentro do saco onde estavam os endereços das casas correspondentes ao padrão
(A, B, C ou D) que lhe foi destinado.

Considerações finais
A partir do que foi exposto, percebeu-se que planejamento urbano, tinha a
intenção de “esquadrinhar” as camadas mais pobres em zonas da cidade que,
estrategicamente, deveriam se localizar fora dos espaços de sociabilidade das elites da
cidade Fortaleza. Portanto, a tônica dessa política se baseava na divisão espacial da
cidade entre zonas mais valorizadas – habitadas pelas elites – e os locais mais
longínquos destinados as camadas populares que tanto incomodavam os setores mais
abastados da sociedade fortalezense.
As propagandas referentes a esses Conjuntos Habitacionais se utilizavam do
sonho, da maioria dos moradores, de ter sua casa própria que seria construída em um
local distante da cidade, porém com toda a infra-estrutura necessária, como água
encanada, fornecimento de energia, saneamento básico, escolas, igrejas, parques, posto
de saúde, transporte. Propagandas em grande parte enganosas que fizeram com que
muitos saíssem do aluguel e fossem morar num bairro isolado localizado no distrito de
Mondubim. Contudo o que será visto é que o Conjunto foi entregue, como diz o Sr.
Victor, somente com as casas. Este foi se construindo com iniciativas executadas, não
raramente improvisadas, pela própria comunidade que tentava superar as inúmeras
dificuldades que havia no conjunto habitacional, principalmente, relativas ao transporte,
fornecimento de água e luz. Mesmo reivindicando do poder público a solução para os
inúmeros problemas de infra-estrutura, a própria comunidade teve que ir desenvolvendo
meios para tentar superar toda sorte de dificuldades que se apresentavam em seu
cotidiano, tomando para si, responsabilidades que cabiam ao Estado.

1
Ver: SILVA, José Borzacchielo da. Os incomodados não se retiram: uma análise dos movimentos
sociais em Fortaleza. Fortaleza: Multigraf Editora, 1992.
2
SANTIAGO, Pádua. A cidade como utopia e a favela como Espaço Estratégico na Inserção na Cultura
Urbana (1856-1930). In: Trajetos. Revista do Programa de Pós-graduação em História Social e do
departamento de História da Universidade Federal do Ceará. – v.1, n.2 (jun. 2002) – Fortaleza:
Departamento de História da UFC, 2002. p. 120.
3
JUCA, Gisafran Nazareno Mota. Verso e Reverso do Perfil urbano de Fortaleza (1945-1960). 2 ed. São
Paulo: Annablume, 2003.
4
Idem
5
Em Fortaleza, especialmente neste período, elite e Poder Público se confundem, pois dificilmente
alguém que fizesse parte do Poder Público não pertenceria a elite de Fortaleza.

10
6
DANTAS, Eustógio Wanderley Correia. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. Fortaleza:
Museu do Ceará/ Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará, 2002.
7
Idem, p.53.
8
JUCA, Gisafran Nazareno Mota. Verso e Reverso do Perfil urbano de Fortaleza (1945-1960). 2 ed. São
Paulo: Annablume, 2003. p.54.
9
Ver: Idem
10
Ver: BARREIRA, Irlys. O reverso das vitrines: conflitos urbanos e cultura política em construção. Rio
de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1992.
11
Ver: SILVA, José Borzacchielo da. Os incomodados não se retiram: uma análise dos movimentos
sociais em Fortaleza. Fortaleza: Multigraf Editora, 1992.
12
“O Ceará fabrica carro”. Unitário. Fortaleza, 25.10.1970. p. 16. “Indústrias levantam algodão”.
Unitário. Fortaleza, 30.10.1970. p.02. “Sudene ver projetos agrícolas no Ceará”. Unitário. Fortaleza,
21.10.70. p.02.
13
“SUDENE, a Esperança”. Unitário. Fortaleza, 17/11/1970, p.4
14
Ver: SILVA, José Borzacchielo da. Os incomodados não se retiram: uma análise dos movimentos
sociais em Fortaleza. Fortaleza: Multigraf Editora, 1992.
15
Idem.
16
Banco Nacional de Habitação. BNH: Projetos Sociais. Rio de Janeiro, 1979. 240p.
17
Banco Nacional de Habitação. BNH 1974. 62p.
18
Mensagem do Governo à Assembléia Legislativa. Governo de Virgílio Távora, 15 de março de 1966, p.
67. Mensagem do Governo à Assembléia Legislativa. Governo de Plácido Aderaldo Castelo, 01 de março
de 1969, p. 68B.
19
Criada em 1965, a partir de uma reformulação da Companhia de Habitação do Estado do Ceará -
CHEC, esta criada em 11 de setembro de 1963 pela Lei n 6.540, sociedade de economia mista, que tinha
por finalidades a realização de pesquisas e estudos necessários a formulação de uma política habitacional
para o Estado; a elaboração dos planejamentos físicos baseados nas pesquisas e estudos, nos moldes das
diretrizes do planejamento regional estabelecidas pela SUDENE, e ; elaboração e execução, diretamente
ou através de entidades públicas e privadas e pessoas físicas, dos programas de habitação para o Estado.
(Mensagem do Gov. Virgílio Távora à Assembléia Legislativa do Estado, 15 de março de 1964, p.43)
20
Com a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS – em 1967, o BNH passou então a
contar com recursos mais significativos e de fluxo mais regular para o atendimento da crescente demanda
habitacional.
21
RODRIGUES, Hélio Alves. As territorialidades no âmbito da vida cotidiana do Bairro Prefeito José
Walter – Fortaleza, Ceará. Fortaleza: Dissertação de Mestrado em Geografia da UECE, 2000.
22
Unitário. Fortaleza, 18.10.1970. p.02.
23
“COHAB toma casa”. Tribuna do Ceará. Fortaleza, 04.08.1970. p.02. “Mutuários do Pirambu não
podem pagar prestações” Tribuna do Ceará. Fortaleza, 29/10/1970. p.02.
24
OLIVEIRA, Hilton. “Casas deixam de ser caso”. Unitário. Fortaleza, 08/10/1970. p.02.
25
“Viva o futuro da cidade 2000”. Unitário. Fortaleza, 06.12.1970. p. 06.
26
“BNH: Banco Nacional da Humanização”. Unitário, Fortaleza, 25.08.1970. p.02.
27
Porém, este não era seu único objetivo, tinha também como um dos principais objetivos movimentar o
mercado imobiliário, incentivando a criação de empresas de capital misto, as COHAB’s.
28
OLIVEIRA, Hilton. “Casas deixam de ser caso”. Unitário. 08/10/1970. p.02.
29
RODRIGUES, Hélio Alves. As territorialidades no âmbito da vida cotidiana do Bairro Prefeito José
Walter – Fortaleza, Ceará. Fortaleza: Dissertação de Mestrado em Geografia da UECE, 2000.
30
“Mais de 1810 residências da Sétima Cidade serão entregues em agosto”. Unitário. Fortaleza,
29/07/1970. p.03.
31
Thé, Heráclito Silva. Unitário. Fortaleza, 05/08/1970, p.7
32
Conjunto José Walter: 38 anos. Folha do Ceará. Fortaleza. 24 a 30 de abril de 2008.
33
Entrevista com Victor Ribeiro Neto em 20.06.08, morador do bairro desde 1970.
34
Entrevista com Carlos Iberê Nunes Olímpio, em 02.06.2008, morador do bairro desde 1970.
35
Fontes, Eduardo. “Construções residenciais”. Unitário. Fortaleza, 28/07/1970. p.4.
36
É possível encontrar matérias em jornais e em mensagens da Assembléia (1965 e 1966) com relação à
construção de casas construídas nos mesmos locais onde eram localizados as favelas e mocambos, como a
construção de 1500 casas no Pirambu.
37
“Cohab- Fortaleza entrega mais casas”. Unitário. Fortaleza,30/09/1970. p.1.

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