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Antes dos BlackBerries, PalmPilots e laptops que se encaixam em pastas,

os computadores pareciam grandes e desajeitados. Eles tinham grandes


telas, interruptores enigmáticos, caixas enormes e luzes estranhas. Mas,
em 1975, um jovem assistente de engenharia chamado Steve Wozniak
teve uma ideia: “e se eu conseguir combinar circuitos de computador
com um teclado de máquina de escrever e uma tela de vídeo?” O
resultado foi verdadeiramente o primeiro computador pessoal, o Apple I.
Amplamente acessíveis e de fácil compreensão, as invenções de Wozniak
têm rapidamente transformado nosso mundo desde então, como o
controle remoto universal. A vida de Wozniak antes e depois da Apple é
uma mistura de aventura com brilhantes descobertas, seja como
engenheiro, promotor de concertos, professor, filantropo ou brincalhão
irreprimível. Desde a invenção do primeiro computador pessoal até a
ascensão da Apple como um gigante da indústria, iWoz apresenta uma
História sem censura, divertida, que constrói um perfil em primeira mão
do inventor humanista que iniciou a revolução do computador.
Apresentação à edição brasileira

O valor dos bons professores


“A origem de tudo que fiz na vida foi a paixão pela tecnologia que meu
pai me transmitiu desde cedo e, mais tarde, meus melhores professores” –
me disse Steve Wozniak em fevereiro de 2007, em New Orleans, em uma
entrevista exclusiva inesquecível que me concedeu. Ao final, me ofertou um
exemplar deste livro. Nosso encontro ocorreu em um evento mundial de
CAD-CAM (Computer-Aided Design e Computer-Aided Manufacturing) da
SolidWorks, em New Orleans, cidade ainda marcada pela tragédia do
furacão Katrina. Durante mais de uma hora, Wozniak encantou a plateia de
3.500 especialistas, contando com graça e espontaneidade sua experiência,
na mesma linha da proposta deste livro, em que narra como inventou o
computador pessoal, ajudou a fundar a Apple e ainda se divertiu muito com
tudo isso.
Depois de ouvi-lo, me convenci ainda mais do poder da educação e, em
especial, da importância dos bons professores para a humanidade. Na
verdade, nunca duvidei de ambos. Mas o exemplo de Steve Wozniak selou
definitivamente minha admiração e minha gratidão até pelos maravilhosos
professores que tive em minha infância e na juventude.
“São os bons mestres e as boas escolas – afirma – que fazem o
progresso humano, que transformam crianças inteligentes em gênios, em
líderes e benfeitores da humanidade. Sei que isso é um truísmo, uma
obviedade, mas, infelizmente, o mundo não vê tantas coisas óbvias. Sempre
me pergunto: por que não investimos muito mais em educação e na
formação de bons professores? Foram eles que, logo cedo, me despertaram
uma vontade imensa de compreender e de transformar o mundo por meio
da engenharia e da eletrônica. Com eles descobri como é importante pensar
no lado humano de toda invenção ou avanço tecnológico.”
Você tem em mãos, leitor, um livro que combina depoimento histórico
com aspectos humanos tocantes e poéticos. Imagine o significado que
poderia ter há pouco mais de trinta anos uma inovação revolucionária
como computador pessoal criada por dois jovens de 21 anos, em uma
garagem de fundo de quintal. No entanto, Steve Wozniak não revela, em
nenhum momento, qualquer tipo de arrogância ou postura de gênio
autossuficiente por sua contribuição tecnológica. Pelo contrário, conta sua
história com simplicidade, embora com um entusiasmo contagiante e quase
juvenil.
Para as novas gerações, o lado mais estimulante desta história de vida
talvez seja o exemplo de empreendedor, de um jovem que foi capaz de
trabalhar dias e noites a fio, empenhado não apenas na conclusão do
primeiro computador pessoal do mundo, mas, também, na criação de uma
empresa tão admirada como a Apple, em companhia de outro jovem, Steve
Jobs.
Tenho certeza de que a leitura deste livro poderá não apenas ser
prazerosa, mas, também, muito útil a todos os leitores que querem
compreender o significado do PC na vida humana.
Ethevaldo Siqueira
Jornalista especializado em Tecnologia da Informação e Comunicação,
colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da Rádio CBN
Prefácio à edição brasileira

Seria difícil imaginarmo-nos hoje trabalhando, estudando, nos


comunicando ou simplesmente buscando informações sem o uso de um
computador pessoal. Esses equipamentos mudaram e continuam
provocando mudanças no mundo e em nossas vidas, para melhor.
Mas como, onde e quando isso tudo começou? Quem e quais foram os
principais agentes dessa revolução?
Antes de Steve Wozniak ter inventado em 1975 o computador pessoal
como hoje o conhecemos, essas máquinas eram de difícil utilização,
compostas basicamente de um kit com circuitos eletrônicos – o
computador – com programação feita através de pequenas chaves ou
interruptores, e leitura dos resultados feita por meio de luzes ou páginas
impressas com dados codificados. Essas máquinas eram apenas entendidas
e utilizadas por iniciados: engenheiros, técnicos ou aficionados.
Wozniak teve a brilhante ideia de ligar os circuitos do computador a
um teclado comum e a uma tela de vídeo. Nascia assim o primeiro
computador de fácil utilização e, com ele, a Apple Computer, criada em
conjunto com o jovem amigo Steve Jobs.
Após pouco mais de três décadas do início de tudo, pela primeira vez
Wozniak, com estilo próprio e de forma simples e bem-humorada, conta
sua versão da história da criação da Apple a partir dos dois computadores
que projetou, trabalhando sozinho em casa ao longo de várias noites em
claro, e que vieram a ficar conhecidos como Apple I e Apple II.
Comentando e esclarecendo passagens históricas vividas, como os
motivos de sua saída da Apple ou o início da revolução dos
microcomputadores e seus principais agentes como o jovem Bill Gates, ou
ainda a visão do futuro que teve com Jobs ao visitar os laboratórios da
Xerox em Palo Alto, Wozniak nos conta detalhes de sua infância e juventude
repleta de situações divertidas e de projetos eletrônicos feitos com amigos
e vizinhos no Vale do Silício – além de um exímio projetista desde muito
cedo.
O texto está repleto de outras histórias pessoais, como a do festival de
música que criou e patrocinou, seus outros empreendimentos nos negócios
e na filantropia, sua vida familiar, a relação nem sempre amigável com Jobs,
suas idas e vindas entre várias universidades até se formar engenheiro, sua
experiência por vários anos como professor de uma escola primária, seu
lado ético e humano sempre acima de qualquer coisa, e o acidente aéreo
que quase lhe tirou a vida.
Como engenheiro e também criador de uma empresa de tecnologia a
partir do desenvolvimento de um equipamento – uma mini-impressora –,
tenho profunda admiração por este mago dos computadores. Contudo,
acima das qualidades técnicas deste gênio, minha admiração maior vem de
um dos aspectos mais marcantes desta história contada por ele, que é seu
lado humanista – presente em todos os momentos deste texto fascinante e
inspirador.
A obra é de leitura obrigatória aos empreendedores, que irão
imediatamen-te identificar-se com Steve Wozniak e encontrarão aqui um
forte estímulo ao desenvolvimento de seus projetos; aos jovens que
buscam criar um novo negócio, empreender e ter sucesso, pois a história de
Wozniak e da criação da Apple possui todas as características comuns aos
novos empreendedores e empresas de sucesso; e a todos os que sonham
em um dia colocar uma ideia, o desenvolvimento de um produto ou serviço,
uma empresa, um projeto, seja ele qual for, em prática, pois, como promete
o próprio autor, cada minuto planejando, pensando ou trabalhando nesse
seu projeto, valerá a pena.
A história de Wozniak é um enorme estímulo à autoconfiança, à
inventividade, ao empreendedorismo, à persistência e, principalmente, à
busca constante da excelência.
Marcel Malczewski
Cofundador e presidente do Conselho de Administração da Bematech
S/A
1 Nossa gangue: os garotos
eletrônicos

Normalmente, você começa livros como este falando de seus pais:


quem eles são ou o que faziam para viver antes de você nascer ou enquanto
você crescia. Mas a questão é que eu nunca soube o que meu pai fazia para
viver. Tanto quanto consiga me lembrar, eu, meu irmão e minha irmã
tivemos de crescer com esse segredo, e como a maioria dos segredos, esse
era enorme (minha nossa!). Não nos era permitido sequer conversar sobre
o trabalho de meu pai ou perguntar sobre isso em casa. Esse tipo de
discussão estava definitivamente fora dos limites.
Eu sabia que meu pai era engenheiro e que trabalhava em um
programa de mísseis na Lockheed. Foi o máximo que ele contou. Olhando
para trás, imagino que provavelmente o motivo de ele não poder falar
muito mais sobre o assunto foi por estarmos no auge da Guerra Fria, no
final dos anos 1950 e início dos anos 1960, quando o programa espacial era
algo muito em voga e secreto. Qual era o trabalho dele, o que fazia todos os
dias no emprego, sobre isso ele nunca disse absolutamente nada. Até o dia
de sua morte, não nos deu muitas pistas.
Quando eu tinha 10 anos de idade, em 1960, lembro-me de ter
entendido o porquê de ele nunca ter podido contar. Ele me disse que era
um homem de palavra. Uma vez, quando explicava por que nunca se deve
mentir sob juramento no tribunal, ele repetiu: “Sou um homem de palavra”.
Agora, tento reunir por conta própria alguns bits e pedaços. Lembro-
me de ter visto fotografias de foguetes do tipo da NASA e coisas
relacionadas ao míssil Polaris sendo lançado de submarinos ou algo
parecido, mas meu pai estava tão disposto a não falar a respeito que a porta
se fechou por aí.
Conto isso porque quero destacar que meu pai acreditava na
honestidade. Honestidade extrema. Na verdade, ética extrema. E isso é a
coisa mais importante que me ensinou. Ele costumava dizer que era pior
mentir a respeito de algo sob juramento que de fato fazer algo ruim, até
mesmo matar alguém. Absorvi isso profundamente. Até hoje, nunca menti.
Nem mesmo um pouco. A menos que se leve em conta pregar peças nas
pessoas, o que não estou considerando. Isso é fazer uma brincadeira.
Diversão não conta. Uma piada é diferente de uma mentira, mesmo que tal
diferença seja sutil.
Outra coisa que meu pai me ensinou bastante foi sobre eletrônica.
Nossa, devo muito a ele por isso. Ele começou a me falar e explicar sobre
eletrônica quando eu ainda era muito pequeno – antes mesmo de eu haver
completado 4 anos. E antes de ele ter o tal emprego secreto na Lockheed:
na época, ele trabalhava na Electronic Data Systems, na grande Los Angeles.
Uma de minhas lembranças mais antigas é ele me levar ao seu escritório
em um fim de semana e me mostrar alguns componentes eletrônicos, os
quais colocou sobre uma mesa para que eu pudesse brincar com eles. Ainda
consigo me lembrar dele parado ali, trabalhando em algum tipo de
equipamento. Não sei se estava soldando ou algo parecido, mas lembro-me
dele enganchando uma peça em outra que parecia um pequeno aparelho de
TV. Hoje sei que era um osciloscópio. Então me contou que estava tentando
obter a figura de uma linha com aparência estável na tela (era uma forma
de onda), para provar a seu chefe que seu projeto funcionava.
Mesmo sendo muito pequeno recordo-me de pensar, sentado ali:
Nossa! Em que mundo fantástico ele vive. Quer dizer, eu só pensava: Nossa!
As pessoas que sabem como fazer essas coisas – como pegar essas partes
pequenas e juntá-las para fazer algo –, bem, elas devem ser as pessoas mais
inteligentes do mundo. Analisando agora, isso é o que de fato passou pela
minha cabeça.
Claro que eu era muito jovem naquela época para decidir que queria
ser engenheiro. Tal pensamento surgiu alguns anos mais tarde. Eu ainda
não havia sido exposto à ficção científica ou aos livros sobre inventores,
mas exatamente lá, naquele momento, pude ver bem diante de meus olhos
que o que meu pai fazia, fosse o que fosse, era importante e bom.

Alguns anos mais tarde – quando eu tinha 6 ou 7 anos –, lembro-me de


meu pai demonstrando um outro equipamento para um grupo grande de
pessoas na empresa. E não eram apenas pessoas com as quais trabalhava,
mas toda a nossa família, e outras famílias também. Acho que ele estava
demonstrando uma máquina perfuradora.
Embora eu fosse apenas um menino, meu pai me disse que eu é quem
iria acionar o equipamento e colocá-lo para funcionar. E disse que eu
deveria fazê-lo na hora certa.
Lembro-me de ficar preocupado: afinal, como eu saberia que era a hora
certa? E de pensar: Agora? Agora? Quando devo ligar? Agora? Meu pai
estava ocupado falando e brincando com as famílias dos colegas de
trabalho e que iriam me assistir fazendo aquilo. Então, de repente, senti
que era a hora certa. Não posso explicar por que, mas simplesmente senti
dentro de mim que era a hora certa. Assim, acionei a máquina.
Ouvi muitas risadas e não sabia o motivo. Logo percebi que a havia
acionado muito cedo. Agora que volto a pensar nisso, percebo que essa
pode ter sido a origem de minha timidez, daquela dor de barriga que se
sente por ter medo de falhar quando é preciso falar em público.
Ou talvez tenha sido minha primeira brincadeira, mas com toda
certeza, não foi intencional!

Também recebi de meu pai lições sérias, que me iniciaram


incrivelmente cedo na Engenharia. Essas lições sempre começavam porque
eu lhe perguntava alguma coisa. E eu fazia muitas perguntas.
Pelo fato de meu pai ser engenheiro, sempre havia todo tipo de coisas
interessantes em casa. Quando se está em um lugar que tem resistores por
todos os lados, você pergunta: “O que é isso? O que é um resistor?”. Meu pai
sempre respondia; e dava uma resposta tão boa que até mesmo um menino
de 7 anos conseguia entender. Ele era um professor extremamente bom e
comunicativo.
Meu pai começava a explicar o que era um resistor desde o início,
percorrendo todo o caminho de volta aos átomos, elétrons, nêutrons e
prótons, explicando o que eram e como tudo era constituído por eles.
Nunca dava a definição pronta. Lembro-me de realmente ter passado várias
semanas conversando com ele sobre os diferentes tipos de átomos e de ter
aprendido como os elétrons fluem através de materiais como os fios. E só
então ele me explicou o funcionamento dos resistores – e não o fez através
de cálculos (como isso seria possível, se eu ainda estava no primário?), mas
por meio de quadros e explicações em que usava o bom senso. Como se vê,
ele me deu uma formação eletrônica clássica desde o início. Para os
engenheiros, existe um ponto na vida em que se passa a entender coisas
como o funcionamento dos resistores. Em geral, para as outras pessoas,
isso ocorre muito mais tarde do que ocorreu para mim: ao final do
primário, eu já entendia de assuntos como esse.
Meu pai estava sempre por perto para me ajudar a entender ainda mais
coisas. A luz, por exemplo. Como funciona uma lâmpada? Eu queria saber.
Não eram muitas as crianças de minha idade que sabiam – e provavelmente
muitos adultos também não. Mas ele me explicou, primeiro, como as
lâmpadas eram feitas; depois, como os elétrons percorriam os fios e o
modo pelo qual faziam a lâmpada brilhar. E eu queria saber como elas
brilhavam. Então meu pai voltou no tempo e me explicou como Thomas
Edison inventara as lâmpadas e o que precisou imaginar para conseguir
isso. Edison basicamente percebera que precisávamos criar um vácuo
dentro do bulbo, porque, se houvesse oxigênio, o fio queimaria quando
ficasse quente. Assim, o vácuo (lembre-se de que não existe ar no vácuo)
fica nesse pequeno bulbo, e o objetivo era conseguir calor dentro dele – e
isso através da movimentação de muitos elétrons pelo fio.
Quanto mais elétrons atravessassem o fio – isto é, quanto maior a
corrente –, maior seria o brilho da lâmpada. Legal! Eu tinha cerca de 8 anos
quando compreendi isso, e o fato de possuir tal conhecimento me fez sentir
diferente de todos os demais, diferente de todos os garotos que eu
conhecia. Comecei a sentir como se conhecesse segredos que ninguém mais
conhecia.
Preciso destacar aqui que meu pai, em nenhum momento, viu com
exagero meu progresso em eletrônica. Ele com certeza me ensinou sobre o
assunto, mas sempre agiu como se fosse algo normal para mim. Todos
sabiam que no início do ensino fundamental eu estava realmente avançado
em Matemática e Ciências, e ao fazer o teste de QI, nos contaram que meu
resultado foi acima de 200.* Mas meu pai nunca agiu como se isso fosse
algo que devesse forçar. De tempos em tempos, quando eu fazia muitas
perguntas, ele colocava em uso um minúsculo quadro-negro que
possuíamos em nossa casa na Avenida Edmonton, e respondia a todas elas
desenhando diagramas nesse quadro. Lembro-me de como ele me mostrou
o que acontecia caso se colocasse uma voltagem positiva em um transistor
e assim se obtivesse tensão negativa na outra ponta do transistor, um tipo
de porta lógica. Ensinou--me, até, como fazer uma porta AND (E) e uma
porta OR (OU) com algumas peças que tinha – peças chamadas diodos e
resistores. Meu pai mostrou-me como elas precisavam de um transistor no
meio para amplificar o sinal e conectar a saída de uma porta com a entrada
da outra.
Até hoje, em termos básicos, essa é a forma como funciona cada
dispositivo digital do planeta.
Ele dedicou muito tempo para me mostrar essas pequenas coisas.
Pequenas para ele, embora a Fairchild e a Texas Instruments tivessem
desenvolvido o transistor apenas uma década antes.
De fato, é incrível pensar que meu pai me ensinou sobre transistores
quando quase ninguém via nada além de tubos de vácuo. Mas ele estava na
vanguarda do estado da arte, provavelmente pelo fato de seu emprego
secreto o ter colocado em contato com essa tecnologia avançada. Desse
modo, eu também acabei ficando atualizado com o estado da arte.
Porém, para de fato internalizar e compreender o que está acontecendo
– e não apenas ler em alguma planta ou livro –, meu pai me ensinou que,
em vez de memorizar de forma automática quais peças devem ser
conectadas para criar uma porta, o melhor é aprender onde os elétrons
fluem para que a porta faça seu trabalho.
As lições que ele me ensinou ainda são os fios condutores de minha
inteligência e de meus métodos de trabalho em todos os projetos de
computador que faço hoje.

Mesmo com tudo isso – todas as lições e explicações que um garoto


conseguiria entender –, quero contar sobre a lição mais importante
ensinada por ele, porque a mantenho sempre comigo, mais até que a
questão da honestidade. Meu pai incutiu em mim o significado de ser um
engenheiro de verdade. Um engenheiro sério. Lembro-me tão claramente
dele dizendo que a Engenharia era o maior grau de importância que alguém
poderia alcançar no mundo; o indivíduo que consegue fazer dispositivos
elétricos que beneficiam as outras pessoas eleva a sociedade a um novo
patamar. Meu pai me dizia que, como engenheiro, é possível mudar o
mundo e o modo de viver de milhares de pessoas.
Ainda hoje acredito que os engenheiros estão entre as pessoas mais
importantes no mundo. Acredito também que serei um deles para sempre,
e que dedicarei minha vida toda à Engenharia. Constato que quando os
engenheiros criam algo, em geral há uma discussão envolvida, sobre se essa
criação poderia ser usada para o bem ou para o mal. Como no caso da
bomba atômica. Meu pai era da seguinte opinião: a mudança impulsiona o
mundo adiante, esse é o caminho que estamos percorrendo, e, em um
primeiro momento, toda mudança é boa. Ele acreditava também que
qualquer aparelho que as pessoas desejam é bom e deve ser fabricado, em
vez de ter seu desenvolvimento interrompido por governos ou por
qualquer outra pessoa. Passei a ter esse mesmo ponto de vista ainda muito
jovem, com 10 anos ou talvez menos. Dentro de minha cabeça – e isso é o
que de fato ficou comigo –, passei a ter a opinião de que a tecnologia era
basicamente boa, não ruim.
As pessoas discutem sobre isso o tempo todo, mas não tenho dúvida
alguma a respeito. Acredito que a tecnologia nos leva adiante. Sempre.

No entanto, é preciso entender que, do ponto de vista da eletrônica, o


norte da Califórnia de 1950 era um outro mundo se comparado com a
forma como as coisas estão hoje. Por exemplo, no lugar onde passei minha
infância, todos os que possuíam televisões e rádios precisavam literalmente
trocar os tubos de vácuo ruins de dentro dos aparelhos. Armazéns e
mercearias locais tinham testadores gigantes de tubos que todo mundo –
crianças, pais, todo mundo – sabia usar. Isto é, nós sabíamos que quando a
TV ficava ruim, devíamos abri-la e levar todos os tubos para a mercearia,
onde eram inseridos na tal máquina. Havia um medidor que dizia se o tubo
estava bom, fraco ou ruim. E lá mesmo podia-se comprar novos tubos e
recolocá-los na TV.
Caso você seja muito jovem para se lembrar, essa era uma solução
esquisita, mas que funcionava muito bem. A única parte ruim é que
demandava grande esforço físico: tirar todos os tubos, testar cada um deles,
colocar tudo de volta! Eu costumava olhar para aqueles tubos, tentando
imaginar como seus pequenos filamentos eram feitos – eles ficavam
quentes e podiam queimar como uma lâmpada. Simples assim. Lembro-me
de ficar pensando o que seria necessário para criar um tubo que não
queimasse, ou uma TV que não precisasse de tubo algum. Seria muito mais
fácil para as pessoas.
Eu era desse jeito. Sempre fui assim. E parece que ainda sou. Sempre
tive tanto o lado técnico quanto o lado humano. Por exemplo: lembro-me
de ter dito ao meu pai quando tinha 10 anos de idade que queria ser um
engenheiro como ele, mas também recordo-me de querer ser professor do
ensino fundamental, como a senhora Skrak, de minha escola. Mais tarde, a
combinação dos lados humano e técnico acabou sendo a coisa mais
importante para mim. Isto é, mesmo quando tive a oportunidade de
desenvolver um computador, lembro-me de ficar olhando todos aqueles
geeks,* que só se preocupavam com o lado técnico de juntar chips para
fazer o projeto funcionar.
Na verdade, eu queria reunir chips como um artista, queria fazê-lo
melhor que qualquer outra pessoa – e de uma forma que fosse muito mais
utilizável por seres humanos. Esse foi meu objetivo quando desenvolvi meu
primeiro computador, aquele que mais tarde se tornou o Apple I, o
primeiro a utilizar um teclado para digitação e uma tela de vídeo. A ideia de
tecnologia utilizável foi algo que nasceu em minha mente quando eu ainda
era criança, quando fantasiava que algum dia poderia desenvolver
máquinas que todos pudessem usar. E aconteceu!
Seja como for, caso encontre pessoas que me conheçam, elas dirão que
sou exatamente isto: um engenheiro, mas um engenheiro que se preocupa
muito com as pessoas.
De acordo com minha certidão de nascimento, meu nome completo é
Stephan Gary Wozniak, nascido em 1950, e tendo Francis Jacob Wozniak
(todos o chamavam de Jerry) como pai, e como mãe, Margaret Louise
Wozniak. Minha mãe disse que pretendia me dar o nome de Stephen, com
“e”, mas a certidão saiu errada. Assim, hoje uso Stephen, com “e”.
Meu pai era de Michigan; mamãe era do estado de Washington. Meu pai
e o irmão dele, que mais tarde tornou-se padre, foram criados em uma
família católica rígida e devota. Mas na época em que nasci – sou o mais
velho de três –, meu pai havia se rebelado contra o catolicismo. Dessa
forma, nunca fui exposto à religião. Igreja, missa, comunhão. O que é isso?
Sério, não tenho ideia.
Mas desde pequeno tive muitas conversas com meus pais sobre
políticas sociais e sobre como as coisas funcionam. Em termos de religião,
se eu perguntasse, meu pai dizia que a ciência era sua religião. Discutíamos
sobre ciência, verdade e honestidade; as primeiras discussões entre muitas
que formaram meus valores. Ele me dizia querer apenas que as coisas
fossem testadas. Meu pai pensava que para ver se algo era verdade, a coisa
mais importante a fazer era conduzir experimentos, para assim descobrir a
verdade e depois chamá-la de real. Não se deve acreditar em algo apenas
porque se leu a respeito em um livro ou se ouviu alguém falando; nunca.
No fim, acabei concluindo que acreditava na mesma coisa. Desse modo,
ainda muito jovem, soube que também faria algo ligado à ciência quando
crescesse.

Esqueci de mencionar que meu pai era, de certa maneira, famoso. Ele
foi um jogador de futebol americano de sucesso na Caltech.* As pessoas
costumavam me dizer o tempo todo que iam assistir aos jogos somente
para ver Jerry Wozniak. E minha mãe foi fantástica para mim e para meus
irmãos menores. Ela nos esperava em casa quando chegávamos da escola e
era agradável e interessante; sempre nos dava algo especial para comer – e
era sempre divertida! Penso que foi dela – definitivamente não de meu pai
– que puxei meu senso de humor. As peças que gosto de pregar nas
pessoas; as piadas. Venho aprontando brincadeiras com os outros já há
muitos anos. Penso que se possa agradecer à minha mãe por isso. Ela tinha
um maravilhoso senso de humor.
Em 1962, quando estava no sexto ano, minha mãe defendia totalmente
a política do Partido Republicano. Ela deu enorme apoio a Richard Nixon
quando ele disputou o governo da Califórnia. Certa vez, houve um evento
em San Jose no qual Nixon faria um discurso e ela disse: “Oh, Steve, por que
você não vem junto?”. Minha mãe tinha um plano, uma brincadeira que eu
poderia aprontar. Ela queria que eu me encontrasse com Nixon e lhe
dissesse, abrindo um pedaço de papel, que eu representava os Operadores
de Radioamador da Escola da Serra, e que nosso grupo apoiava
unanimemente a eleição dele para governador. A brincadeira estava no fato
de eu ser o único operador de radioamador do sexto ano da escola, e
provavelmente o mais jovem em todo o estado. Mas fiz isso. Caminhei até
Nixon e apresentei-lhe o papel, que escrevemos com um lápis de cera um
pouco antes de sair de casa.
Eu disse: “Tenho algo para você”. Nixon parecia gentil e sorriu para
mim. Achei-o bastante polido. Ele assinou um de meus cadernos da escola.
Eu ainda o guardo com a caneta que ele me deu depois de assinar. Cerca de
vinte flashes pipocaram e eu acabei aparecendo na primeira página do San
Jose Mercury News. Eu! O único operador de radioamador da escola, e
provavelmente o mais jovem em todo o estado, representando um clube
composto por ninguém mais a não ser eu mesmo, entregando a Nixon um
certificado falso. E todos acreditaram. Nossa!
Foi divertido e tudo, mas algo me incomodou, e digo que continua me
incomodando até hoje. Por que ninguém percebeu a brincadeira? Ninguém
checa os fatos? A chamada do jornal dizia algo como: “Steve Wozniak, aluno
do sexto ano, representa um grupo da escola a favor de Nixon”. Eles não
entenderam que não existia grupo algum da escola, que era tudo uma
brincadeira que minha mãe havia preparado para mim. Isso me fez pensar
ser possível contar qualquer coisa a um jornalista ou a um político que eles
simplesmente acreditariam. Isso me deixou chocado – foi uma brincadeira
que todos consideraram fato sem nem mesmo pensar duas vezes a
respeito. Aprendi com isso que, em geral, as pessoas acreditam no que
contam para elas – tanto brincadeiras quanto histórias malucas.

Nós passamos a maior parte de meus primeiros anos de vida no sul da


Califórnia, onde meu pai atuou como engenheiro em várias empresas antes
do trabalho secreto na Lockheed.
Mas onde realmente cresci foi em Sunnyvale, bem no centro do que
todos chamam hoje Vale do Silício. Naquela época, era chamado Vale Santa
Clara. Mudei para lá quando tinha 7 anos. Era uma região quase totalmente
agrícola e muito diferente do que é hoje. Existiam pomares em todos os
lugares. Nossa rua, Avenida Edmonton, era apenas uma pequena rua de um
quarteirão cercada por pomares em três de seus quatro lados. Assim, para
quase todo lugar que fôssemos de bicicleta, deparávamos com um pomar
de damascos, cerejas ou ameixas. Lembro-me principalmente dos
damascos. Cada casa em meu quarteirão tinha um monte de árvores de
damasco no quintal – nossa casa tinha sete delas –, e no outono todos os
frutos ficavam macios e manchavam com seu sumo os lugares onde caíam.
Dá para imaginar os bons projéteis que eles davam em nossas mãos.
Olhando em retrospecto, quando penso naquela rua, vejo que era o
lugar mais bonito onde alguém poderia crescer. Naquela época, não era
uma região tão lotada, sendo por isso boa de morar. Tinha temperaturas
moderadas como em nenhum outro lugar. De fato, justamente na época em
que mudei para lá – em 1958 –, lembro-me de minha mãe me mostrar um
artigo de jornal que afirmava estar lá o melhor clima dos Estados Unidos. E
como disse antes, dado que a região ainda mal tinha se desenvolvido, havia
enormes pomares espalhados por todos os lados.
A Avenida Edmonton era, de fato, uma pequena subdivisão da Avenida
Eichler – as casas localizadas na Eichler daquele período eram famosas por
ser interessantes tanto do ponto de vista arquitetônico quanto pela faixa de
preço. Até hoje são consideradas casas especiais. E as famílias que
atualmente moram nelas são muito parecidas com a minha: de classe
média, com pais trabalhando nas novas empresas de engenharia e de
equipamentos eletrônicos, e mães donas de casa. Por causa disso, e pelo
fato de eu, assim como vários de meus amigos, podermos conseguir com
facilidade componentes eletrônicos e todo tipo de fios nas garagens de
nossos pais ou nos depósitos das empresas onde eles trabalhavam, penso
em nós como os Garotos Eletrônicos: afinal, crescemos brincando com
rádios, transmissores e antenas de aparência estranha em nossos telhados.
Mas também jogamos beisebol e corremos pela região. E muito.
Lembro-me de que no quinto ano eu era bastante atlético. Sempre me
diziam que eu era o melhor corredor, o maior atleta da escola, o melhor
jogador de beisebol, o que me tornou bastante popular. Mas os objetos
eletrônicos representavam de fato minha vida e eu adorava elaborar todo
tipo de projetos com os Garotos Eletrônicos.
No quarto ano ganhei de meus pais um incrível presente de Natal: um
kit com produtos eletrônicos para montar composto de interruptores, fios e
lâmpadas fantásticos. Aprendi muito brincando com esse kit. E pude fazer
coisas bem legais com os Garotos Eletrônicos. Fui o principal responsável
pelo projeto de interfone residencial conectando cerca de seis casas da rua.
A primeira coisa a fazer era conseguir o equipamento de que
precisávamos. Mas onde um bando de garotos iria conseguir metros e
metros de fios? O modo como conseguimos foi inacreditável: um dos
meninos em meu grupo, Bill Werner, simplesmente aproximou-se de um
funcionário da companhia telefônica e perguntou se ele não teria fio
sobrando. Bill havia visto enormes carretéis de fio no caminhão do
funcionário e apenas pediu um deles. Não sei por que, mas o rapaz da
companhia entregou-o para meu amigo, dizendo: “Pode levar este fio,
menino”.
Bill conseguiu um carretel de fio com cerca de 30 centímetros de
diâmetro. Era muito, mas muito, fio. Na verdade, era um cabo composto de
dois fios, com cobre dentro e isolante de plástico nas cores branca e
marrom, trançados a cada 2 centímetros ou mais para manter os dois fios
juntos e assim diminuir o ruído elétrico quando fossem ligados. Pense nisso
como um fio positivo e um fio negativo. Se tiver alguma forte interferência
elétrica, ela é pega pelos dois fios igualmente, devido ao fato de estarem
trançados. Os fios positivo e negativo servem para cancelar a interferência.
Tem-se neles a mesma quantidade de positivos e negativos. Por isso é que
nunca há um único fio que esteja sempre um pouco mais perto do sinal de
interferência. É dessa maneira que funciona o cabo de telefone, como pude
descobrir naquela época. E é daí que vem também o nome “cabo de par
trançado”.
Naquele momento, fiquei imaginando o que fazer com toda aquela
fiação, desenhando linhas cuidadosamente no papel com minhas canetas
coloridas. Concebi onde ficariam os interruptores e como conectar
microfones de carvão (naquela época os microfones eram assim),
campainhas e luzes para que não acordássemos nossos pais com um
barulho muito alto e assim eles descobrissem o que estávamos fazendo.
Tínhamos de garantir segredo absoluto sobre a execução daquele projeto, e
que pudéssemos desligar a campainha à noite para acordarmos uns aos
outros apenas com as luzes.
Quando terminamos o projeto, um grupo pegou as bicicletas e foi para
Sunnyvale Electronics, a loja local e ponto de encontro de garotos como
nós. Compramos todo o material que faltava: microfones, campainhas,
interruptores, tudo.
O próximo passo foi conectar o cabo entre todas as casas. Como havia
cercas de madeira separando todas as casas em nossa pequena rua, apenas
seguimos ao longo das cercas em plena luz do dia, esticando os cabos e
grampeando-os na madeira. Como é sabido, grampear cabos pode provocar
curto-circuito. Tivemos sorte de isso não acontecer. Nós grampeamos o
cabo por todo quarteirão – das casas de meus amigos até a minha. Depois,
configurei a caixa de interruptores, fiz alguns buracos nela, montei os
interruptores, e quer saber? Funcionou! E foi assim que passamos a ter um
sistema de comunicação secreta entre nossas casas para podermos
conversar no meio da noite.
Tínhamos cerca de 11 ou 12 anos na época, logo, não estou tentando
convencer ninguém de que se tratava de um moderno sistema de
engenharia, mas ele de fato funcionou. O que foi um tremendo sucesso para
mim.
No início utilizávamos o dispositivo simplesmente porque era legal
conversar pelo interfone. Ligávamos uns para os outros para dizer coisas
do tipo: “Puxa, isso é legal! Você está me ouvindo?”. Ou: “Ei, aperta seu
botão de chamada, vamos ver se funciona”. Ou: “Tente a campainha, ligue
para mim”. Isso foi nas primeiras semanas; depois começamos a usar o
interfone para sair furtivamente à noite. Neste caso, nosso sistema de
comunicação não tocava, apenas vibrava silenciosamente, e precisava
funcionar com as luzes. Assim, Bill Werner ou um dos outros garotos
enviava um sinal para mim e tínhamos um código com diferentes
significados. Não consigo dizer quantas noites acordei com a campainha ou
com a luz, pensando: Rapaz! Vamos sair esta noite!
Éramos um grupo de garotos que adorava pular a janela de casa e se
esgueirar pela noite. Podia ser apenas para conversar ou para passear de
bicicleta; ou mesmo, como aconteceu algumas vezes, para jogar papel
higiênico na casa das pessoas. Em geral, na casa das meninas. Ah! Nós
saíamos no meio da noite e dizíamos coisas como: “Alguém sabe de alguma
casa onde devemos jogar papel higiênico hoje?”. Para falar a verdade,
nunca tive a menor ideia de qual casa deveríamos jogar papel higiênico –
nunca pensei dessa forma –, mas os outros garotos, em geral, tinham
alguém em mente.
Daí seguíamos para a loja de conveniência aberta 24 horas para tentar
comprar 25 rolos de papel higiênico. Lembro-me do vendedor dizendo: “Ei,
por que estou com a sensação de que isso não será usado para o propósito
para o qual foi fabricado?”. Eu ria e respondia que todos nós estávamos
com diarreia. Então ele vendia.
* O QI normal para um garoto dessa idade é 100. (N. E.)
* Palavra que na linguagem da computação e da internet designa de forma estereotipada pessoa com
habilidade e interesse acima do normal em tecnologia, novas mídias e programação. (N. T.)
* California Institute of Technology, universidade localizada em Pasadena, Califórnia, com seis
divisões acadêmicas com forte ênfase em Ciências e Engenharia. (N. T.)
2 O jogo da lógica

Eu lia muito à noite quando era criança e uma de minhas leituras


favoritas era, sem dúvida, a série de Tom Swift Jr. Eu gostava de ler esses
livros bem rápido; as novas edições eram lançadas umas duas vezes por
mês e eu as devorava. Acho que não exagero se disser que ele era, de fato,
meu herói.
Tom Swift Jr. era um garoto – na verdade, um adolescente – mais velho
que eu, mas ainda assim era um garoto como eu. Portanto, eu me espelhava
nele. Além disso, ele era também um cientista/engenheiro que criava coisas
em seu laboratório. Tudo que Tom quisesse, ele conseguia fazer, e tinha o
pai para ajudá-lo. Ele entrava no laboratório, conectava alguns fios e fazia
dispositivos para as empresas dele e de seu pai. Tom tinha a própria
empresa e os próprios modos de viajar quando precisava, e tinha Bud
Barclay como melhor amigo. Seja como for, em minha opinião, Tom Swift Jr.
tinha uma vida perfeita. Sempre que havia uma crise na Terra, qualquer
tipo de conflito, ele entrava em ação para ajudar. Digamos que as
autoridades da Terra detectaram uma fonte de energia alienígena e a única
maneira de combatê-la seria com um campo de plasma. Então Tom Swift Jr.
desenvolvia esse campo. Ele podia fabricar um submarino se quisesse. Não
havia limite para o que Tom conseguia fazer. Lembro-me de ele fabricar
certa vez uma espaçonave para vencer uma corrida em torno da Terra a fim
de obter dinheiro para fazer o bem – algo bom para o planeta e para todos
os seus habitantes.
Era isso que eu queria fazer: criar algo que no final me permitisse fazer
coisas realmente boas para as pessoas. Desde o início eu queria ser um bom
samaritano, exatamente como Tom Swift Jr.
Bem, minha mãe estabeleceu 9 horas da noite como horário de dormir.
Mas depois que ela apagava as luzes, eu utilizava a pouca luz da rua que
entrava pela janela para ler. Essa luz atingia o chão em um determinado
canto. Então eu colocava o livro de Tom Swift Jr. naquele pedaço de chão
onde a luz brilhava e apoiava a cabeça no pé da cama para poder ler até
bem tarde da noite. Eu queria ser como Tom Swift Jr.
Da mesma forma que Tom Swift Jr., eu trabalhava com meu pai em
muitos projetos. Na verdade, todo meu primeiro projeto – um rádio com
detector de cristal que montei quando tinha 6 anos – foi desenvolvido por
causa dele. Levei muito tempo para compreender a influência que ele teve
sobre mim. Meu pai começou a me ajudar nesses tipos de projetos quando
eu ainda era muito pequeno.

Meu Herói
Tom Swift Jr. era o herói de toda uma série de histórias de aventuras infantis publicadas
pela mesma editora (Stratemeyer Publishing) que publicava Nancy Drew e Hardy Boys.
James Lawrence, que disse ter profundo interesse em ciência e tecnologia, foi autor da
maioria dos livros. Já mencionei Bud Barclay, melhor amigo de Tom Swift Jr., mas as
histórias tinham outros elementos em comum. Todos que as leram devem se lembrar dos
espiões covardes dos países do Leste Europeu, como “Brungaria”, e um elemento
surpreendentemente capaz chamado “Tomasite”, que conseguia fazer qualquer coisa
movida a energia atômica.
Um enredo famoso – acredito que no volume 22 – envolveu dinossauros regenerados
cientificamente. E isso décadas antes de O parque dos dinossauros.

Minhas relações e as de meu pai sempre giraram muito em torno da


eletrônica. Mais tarde, o foco tornou-se o que fiz como engenheiro ao
trabalhar com calculadoras na Hewlett-Packard; ou os primeiros
computadores que desenvolvi na Apple. Mas no início, por anos a fio, o foco
todo era o que meu pai fazia na Engenharia. Eu olhava, ouvia e trabalhava
com ele. Tratava-se de quão rápido ele conseguia me mostrar coisas e de
quão rápido eu conseguia aprender.
Até onde consigo lembrar, meu pai estava sempre me ajudando a
organizar projetos de ciências. Com o kit de rádio de cristal que mencionei,
realizamos um pequeno projeto no qual uma moeda era raspada e
envolvida por um fio; depois fones de ouvido eram aproximados da moeda.
Como esperado, fizemos isso e ouvimos uma estação de rádio. Qual estação,
eu não saberia dizer, mas ouvimos vozes, vozes de verdade, e foi
extremamente excitante. Lembro-me distintamente de ter tido a sensação
de que algo grande estava acontecendo, que de repente eu estava bem à
frente – muito à frente – de quaisquer outros garotos de minha idade. E
quer saber? Foi essa mesma sensação que tive anos mais tarde, quando
descobri como funcionavam os resistores e as lâmpadas.
Mas, naquele momento, eu tinha de fato criado algo (algo que eles não
tinham); eu havia feito um pequeno dispositivo eletrônico que nenhum dos
outros garotos saberia fazer. Contei meu feito para outros meninos do
primeiro ano: “Fiz um rádio de cristal”, mas nenhum deles parecia saber
sobre o que eu estava falando. Nenhum deles. Então, naquele instante, tive
uma espécie de vislumbre de que dali em diante eu poderia exercer algum
tipo de liderança em assuntos como aquele. Parece maluquice? Mas depois
de desenvolver o pequeno rádio de cristal e de contar para todo mundo, eu
sabia que havia feito algo que a maioria das pessoas acharia difícil e que
poucos garotos de minha idade haviam feito. E então pensei: OK. Está feito.
Que mais posso fazer?
É engraçado porque, a partir do rádio de cristal, passei a gastar muito
tempo tentando explicar meus projetos e invenções para pessoas que não
sabiam do que eu estava falando. Isso aconteceu comigo naquela época e
continua acontecendo repetidas vezes. Mesmo agora.

Durante todo o ensino fundamental até o oitavo ano, fui desenvolvendo


um projeto eletrônico atrás do outro. E em muitos deles trabalhei com meu
pai, minha maior influência.
No quinto ano li um livro chamado SOS at Midnight [SOS à meia-noite].
O herói do livro era um operador de radioamador, assim como todos os
amigos dele. Lembro-me de como enviavam mensagens um para o outro
pelo radioamador e de como, após o principal personagem ser raptado, ele
foi capaz de vencer os sequestradores ao mexer espertamente no sinal de
TV e enviar uma mensagem para seus amigos. A história era legal – era
apenas uma história. Mas o que me interessou de verdade foi o fato de
existir pessoas utilizando radioamador para conversar a longas distâncias –
de uma cidade para outra e até de um estado para outro. Deve-se levar em
conta que naquela época era difícil imaginar até mesmo fazer uma ligação
telefônica de longa distância paga. Assim, o radioamador era a forma mais
eficaz – e barata – de alcançar as pessoas em lugares distantes sem sair de
casa. Muito mais tarde, tal fato levou ao meu sistema phreaking* de
telefone (utilizando tons especiais para fazer ligações a distância de graça),
e depois ao meu uso da ARPANET,* que em seguida evoluiu para a internet
que conhecemos hoje.
Na última página do SOS at Midnight estava a outra coisa – muito
especial – que me interessou nesse livro: explicava como se tornar um
operador de radioamador e que era possível fazê-lo em qualquer idade.
Bastava entrar em contato com a Associação Americana de
Radiotransmissão para obter mais informações.
Fui para a escola no dia seguinte e contei para meus companheiros da
patrulha de segurança que “iria obter uma licença de radioamador!”. Na
verdade, estava só me gabando, porque naquela época ninguém sabia do
que eu estava falando.

O radioamador fazendo a diferença


Até os dias de hoje, o radioamadorismo é popular em todo o mundo. É um passatempo.
Os radioamadores utilizam seus rádios para conversar, trocar informações ou apenas se
divertir.
Mas é mais que um passatempo. Desde o início os radioamadores desempenham um
serviço público ao proteger as ondas contra rádios piratas e sendo extremamente éticos
no uso das ondas de rádio públicas.
Desde seu surgimento, muitos radioamadores passaram a contribuir de maneira
significativa com a sociedade. Há muita aplicabilidade prática na montagem e no uso de
radioamadores. Eu sou um bom exemplo disso.

Os radioamadores são bastante obscuros. Mas o garoto para quem


contei meus planos me disse: “Ah, é mesmo, tem esse sujeito no final da
rua, o senhor Giles, que está dando aulas sobre isso. Você está assistindo?”.
Foi muita sorte descobrir isso. Lembro-me de ter ficado atônito. E o que
aconteceu foi o seguinte: nas noites de quarta-feira, o senhor Giles – que
era um operador de radioamador – dava essas aulas, às quais eu poderia
assistir. Lá aprendi Código Morse e alguns cálculos eletrônicos de que eu
precisaria; aprendi também quais frequências de rádio eram permitidas
para os radioamadores. Basicamente, aprendi tudo que cairia no teste que
era preciso fazer para obter a licença de radioamador. Meu pai viu o que eu
estava fazendo e resolveu obter a licença comigo. Ambos fizemos o teste e
passamos quando eu estava no sexto ano. No Natal daquele ano, ganhei kits
para montar um transmissor e um receptor Hallicrafters.** Na moeda de
hoje, eles provavelmente custaram cerca de 2 mil dólares. Era muito
dinheiro para gastar com alguém que estava no sexto ano. Além disso, dava
muito trabalho montar um transmissor e um receptor de rádio! É preciso
desempacotar centenas de peças. Também tive de aprender a soldar. Na
verdade, tive de soldar o aparelho inteiro. Também foi preciso subir no
telhado para instalar antenas de determinado alcance de acordo com os
sinais que receberíamos. Esse foi o início do aprendizado das várias
informações de que eu precisaria mais tarde para projetar e montar uma
placa de computador como a que se tornou o Apple I.

Um pouco mais sobre o transistor


O transistor provavelmente ficará como uma das maiores invenções da história moderna,
em posição tão destacada quanto a do carro, do telefone e da máquina de impressão de
Gutenberg. William Shockley e sua equipe do Bell Labs inventaram o transistor em 1947.
Explicando de forma simples, o transistor é um pequeno dispositivo eletrônico para
controlar o fluxo de eletricidade. Mas é muito mais que isso; ele tem duas características
principais: a primeira é de ampliar o sinal elétrico; a segunda é de atuar como uma chave
do tipo ligado ou desligado (1 ou 0), permitindo a passagem da corrente ou bloqueando-a
quando necessário.
Os transistores estão em quase todos os modernos equipamentos eletrônicos que usamos
hoje, desde os cartões de aniversário com música até carros e computadores. Desde 1947
– e foi isso que tornou possível a revolução dos computado-res –, a cada ano, foi ficando
mais barato comprimir mais transistores em um chip de computador. (Tal fato é
conhecido como Lei de Moore, que o fundador da Intel, Gordon Moore, estabeleceu nos
anos 1960. Segundo essa lei, a cada ano os fabricantes evoluiriam a ponto de dobrar o
número de transistores em cada chip pelo mesmo preço.)
Uma porta lógica compreende cerca de vinte transistores, enquanto um chip avançado
em um computador moderno (dados de 2006) chega a incluir bilhões de transistores.

Eu adorava meu transmissor e meu receptor. Eles se destacavam em


termos de qualidade de radioamador – hoje, até vejo esses modelos sendo
exibidos em museus de rádio e revistas de colecionadores. Eu realmente
não cheguei a ficar conversando com outros radioamadores – eles eram
muito mais velhos que eu e, para falar a verdade, não tínhamos muita coisa
em comum exceto o próprio radioamador. Assim, depois de terminar de
montá-lo, tenho de admitir que tudo aquilo ficou um pouco chato. Mas essa
experiência foi muito importante. Por um lado, tenho quase certeza de ter
sido um dos mais jovens radioamadores dos Estados Unidos. E isso era algo
importante. Porém, ainda mais importante foi o fato de ter aprendido tudo
sobre o processo de obtenção da licença de radioamador – o que eu tinha
de saber e as peças de que precisava para montar o rádio. Isso me deu
muita confiança para mais tarde executar todos os tipos de projetos.
Assim, meu pai também acabou sendo uma influência importante nesse
ponto. Isto é, ele até obteve sua licença de radioamador comigo –
estudando comigo, fazendo o teste e passando! A questão é que ele nunca
tentou me conduzir para qualquer direção ou me forçou a optar pela
Engenharia Elétrica. Mas todas as vezes que me interessei por algo, ele
estava lá, sempre pronto para me mostrar em seu quadro-negro o
funcionamento das coisas. Meu pai estava sempre disposto a me ensinar
algo.
Minha mãe também sempre me empurrou para a frente. No terceiro
ano, quando comecei a fazer jogos de matemática com cartões na escola, ela
praticou multiplicação comigo na noite anterior à aula. Em função disso, fui
o único garoto da escola que conseguiu vencer as meninas. Lembro-me de
uma professora dizendo: “Nossa! Isso é incrível. Nunca tive um aluno que
conseguisse vencer as meninas no jogo de cartões de matemática”. Mais
uma vez, isso me dava imenso prazer. As meninas pareciam sempre obter
notas melhores que os meninos, então eu pensava: Puxa! Meu Deus! Eu sou
bom em algo – Matemática – e vou trabalhar duro nisso. E trabalhei cada vez
mais duro para tentar ser sempre o melhor, para tentar estar sempre
adiante. Isto é o que de fato me colocou na frente com tão pouca idade: a
vontade de manter-me na liderança.
Tive uma professora no quarto e no quinto anos, a senhora Skrak, que
realmente elogiava meus projetos de ciências como se eu fosse o garoto
mais inteligente da classe por saber Ciências tão bem. Como era de esperar,
mais tarde melhorei ainda mais. No sexto ano eu estava fazendo projetos
de eletrônica que muitos garotos não chegariam a compreender nem
mesmo no ensino médio. Portanto, tive muita sorte com todos meus
professores, principalmente com a senhora Skrak. Ela surgiu no momento
certo de minha vida.

Nessa mesma época, aconteceu outro acidente feliz. Encontrei um


artigo sobre computadores em uma das revistas antigas de Engenharia que
meu pai tinha em casa. Em 1960, não era muito comum escrever sobre
computadores. Mas o que vi foi um artigo sobre o ENIAC que trazia uma
foto dele. De fato, o ENIAC – abreviatura de Electronic Numerical Integrator
and Computer [Integrador Numérico Eletrônico e Computador] – foi,
segundo a definição da maioria das pessoas, o primeiro computador. Ele foi
concebido durante a Segunda Guerra Mundial para calcular a trajetória de
bombas para uso militar. Portanto, foi projetado na década de 1940.
Essa revista tinha todo tipo de fotos de computadores imensos e
artigos descrevendo-os. Esses computadores eram diferentes de tudo que
eu havia visto até aquele momento. Uma foto mostrava um grande tubo
redondo parecido com o de TV. O artigo explicava que esses tubos
arredondados eram onde os computadores armazenavam os dados. Eles
usavam luzes de fósforo e depois conseguiam ler se essas luzes
fosforescentes estavam ligadas ou desligadas – da mesma forma que os
dígitos 1 e 0 dos computadores de hoje podem ser interpretados como
ligado ou desligado – e, em seguida, as zeravam rapidamente. O artigo
também explicava que essa era uma maneira de armazenar dados, e eu
fiquei intrigado com a ideia. Tinha cerca de 11 anos na época.
De repente, percebi que algumas coisas incríveis estavam começando a
acontecer com os computadores naqueles estágios bastante iniciais. Com
certeza, não estávamos nem perto de torná-los utilizáveis ou com preço
acessível para todo mundo. Ainda não se falava sobre o momento em que
qualquer pessoa poderia comprar um computador, colocá-lo em casa e
aprender sozinho a utilizá-lo. Eu pensava que isso poderia ser uma grande
possibilidade, e esse era o sonho – O Sonho; preciso colocar em letras
maiúsculas –, porque foi minha força motivadora por anos dali em diante.
Como fazer O Sonho se tornar realidade? Eu pensava sobre isso
constantemente.
Havia várias coisas incríveis acontecendo com os computadores
naquela época, e eu nunca teria sabido delas se não tivesse sido tão tímido
a ponto de não fazer nada mais a não ser ler revistas em casa. O fantástico é
que nessa fase inicial de minha vida, encontrei essa revista que meu pai
tinha guardado, e com esse tipo de reportagem. Era uma revista que a
maioria das pessoas nunca leria ou pela qual jamais se interessaria, pois
era dirigida a engenheiros de alto nível dentro do governo americano.
Depois disso fiquei viciado. Comecei a ler e a reler essa e outras
revistas que meu pai também tinha em casa. Recordo-me de um dia ter
encontrado um artigo sobre álgebra booleana, o tipo de matemática que os
computadores utilizam. Também aprendi sobre o Teorema de De Morgan,
que é a base da álgebra booleana. Foi dessa forma que, no quinto ano da
escola, a Lógica se tornou o centro de minha existência. Eu estudava essa
fórmula e ficava imaginando como utilizá-la para poder trocar Es e OUs em
equações lógicas. Em Lógica, por exemplo, pode se perguntar se uma
palavra começa e termina com uma vogal. Nesse caso, a fórmula seria um E
– existe uma vogal no início e uma vogal no fim. Esse é o E na álgebra
booleana. Porém, como ficaria no caso de uma palavra que começa mas não
termina com uma vogal; ou o contrário, mas não ambos? Essa é uma
afirmação OU na álgebra booleana.
Da tal revista constavam diagramas de portas AND (E) e portas OR
(OU), então eu os copiei, aprendendo a desenhá-los na forma padrão.
Por exemplo, um formato de meia-lua com um ponto no meio
representa uma porta AND (E). Se ela tiver um sinal de adição no meio em
vez de um ponto, é uma porta OR (OU). Depois, aprendi a desenhar a figura
que representava um inversor – um triângulo apontando para a direita com
um círculo minúsculo bem na ponta. O engraçado é que utilizo esses
mesmos símbolos até hoje, quando faço projetos de eletrônica, e aprendi
tudo isso em meu quarto, na cama, com essas revistas diante de mim – e
quando ainda estava na escola, cursando o quinto ano.
E isso é que foi surpreendente para mim naquela época. Eu pensava:
Puxa! Em meu nível atual de matemática do quinto ano, consigo aprender a
matemática utilizada pelo computador – o Teorema de De Morgan, a
matemática booleana. Isto é, alguém poderia aprender álgebra booleana e
para isso não precisaria de um nível de Matemática muito superior ao que
eu já possuía no quinto ano. Eu havia descoberto que os computadores
eram simples. E isso me surpreendeu. Os computadores – que em minha
opinião eram as máquinas mais incríveis do mundo; a tecnologia mais
avançada que existia, bem acima da compreensão e do entendimento de
quase todas as outras pessoas – eram tão simples que uma pessoa como eu,
no quinto ano escolar, conseguia entendê-los! Adorei isso. E foi assim que
decidi que queria estudar Lógica e fazer computadores por diversão. Mas
não tinha certeza se isso seria possível.
Naqueles dias, dizer que se desejava brincar com computadores era
algo bem remoto. Era como alguém dizer que queria ser astronauta. O ano
era 1961 e ainda não existiam astronautas! Portanto, as chances de ser um
pareciam bem pequenas. Porém, com a Lógica era diferente. Pude ver que
ela veio para mim muito facilmente. E sempre viria.
Portanto, foi dessa forma que os computadores se tornaram o centro
de minha vida. Na realidade, a lógica do computador foi algo em que, no fim
das contas, tornei-me melhor que provavelmente qualquer outro ser
humano vivo. (Claro que não posso ter certeza disso. Talvez existissem
pessoas de alto nível nas faculdades que fossem tão boas quanto eu na
aplicação do Teorema de De Morgan.) Mas quando projetei o primeiro
computador da Apple, a Lógica era minha vida. Sei que isso parece
inacreditável, mas eu simplesmente amava Lógica e tudo que lhe dizia
respeito, mesmo naqueles tempos.

Quando passei pelos ensinos básico e fundamental, os projetos de


ciências eram legais – uma época em que ninguém o achava esquisito por
participar de um e o fato de ganhar um prêmio era motivo de celebração.
Assim, fui bastante celebrado. Meus projetos nas feiras de ciências eram
coisas das quais ainda me orgulho. Estamos falando do terceiro, quarto,
quinto, sexto e oitavo anos aqui (por alguma razão, não apresentei um
projeto no sétimo ano). Esses projetos eram difíceis; mais difíceis do que
muitos garotos vários anos à frente de mim conseguiriam realizar, e eu
sabia disso mesmo naquela época. Eu executava alguns projetos de ciências
que simplesmente fundia a cabeça daquele público de crianças e juízes. Eu
era como um herói e ganhei todo tipo de prêmios, inclusive o de primeiro
colocado na Feira de Ciências da Baía de São Francisco.
As feiras de ciências me deram a percepção de quem eu era e de quem
poderia ser no mundo, só pelo fato de apresentar algo bom. Os professores
logo passaram a reconhecer algo diferente a meu respeito; alguns até
começaram a me chamar de Prodígio da Ciência, por conta de eu
apresentar grandes projetos nas feiras. Provavelmente como resultado
disso, eu estava desenvolvendo projetos de eletrônica no sexto ano que
poucos alunos do ensino médio conseguiriam sequer entender. Tais
reconhecimentos e realizações me fizeram querer continuar trabalhando
com esses assuntos até que eles se tornassem minhas criações no mundo.

Minha primeira competição em uma feira de ciências foi no terceiro


ano e eu a venci. Mas o projeto que apresentei foi de fato bastante simples.
Basicamente criei um pequeno dispositivo com uma lâmpada, duas pilhas e
um pouco de fio – tudo montado sobre um pedaço de madeira. Era uma
lanterna acesa! Muitas pessoas ficaram surpresas com isso e acabei
ganhando. Não era grande coisa, ao que parece, porque sentia dentro de
mim que não era nada assim tão impressionante – eu sabia que poderia
fazer melhor da próxima vez.
Foi no quarto ano que realizei o primeiro projeto que realmente me
ensinou a respeito de assuntos dos quais precisaria mais tarde – Física,
eletrônica e materiais. Tratava-se de um experimento para ver o que
aconteceria ao mergulhar dois bastões de carbono em um líquido qualquer.
Os bastões de carbono estavam conectados por um fio a uma lâmpada e a
uma tomada de corrente alternada. Ao mergulhar os bastões de carbono no
líquido, este se transformava na verdade em um dos fios, podendo atuar
tanto como um fio bom ou como um fio ruim – isto é, ele podia ser um bom
condutor ou um mau condutor de eletricidade. Se a lâmpada brilhasse
muito ou pouco, era possível constatar se o líquido escolhido era ou não um
bom condutor de eletricidade.
Utilizei todos os líquidos que tinha ao meu alcance no momento: água,
Coca-Cola, chá gelado, suco, cerveja. Qual desses líquidos conduz melhor a
eletricidade? (A resposta acabou sendo água salgada.) É extremamente
importante saber disso quando se deseja entender, por exemplo, sobre
equipamento hidroelétrico ou apenas sobre as boas e velhas baterias.

Mas o próximo experimento foi algo realmente grande: fiz um modelo


eletrônico gigante representando como seria cada um dos 92 átomos da
tabela periódica em termos de seus elétrons.
No caso de não se lembrar, os elétrons giram em órbita no centro de
um átomo de forma muito parecida com os planetas, que giram em torno
do Sol. A Terra tem uma órbita diferente da de Netuno, por exemplo.
Meu projeto pretendia demonstrar, com o uso de um interruptor,
quantos elétrons giram na órbita de cada átomo da tabela periódica, e em
que órbita em torno do núcleo eles devem estar. Por exemplo, se eu ligava o
interruptor do hidrogênio, uma luz se acendia na órbita mais próxima do
buraco que representava o núcleo.
Para realizar esse projeto precisei fazer 92 buracos em uma grande
folha de alumínio. Os buracos ficavam localizados na parte de baixo; cada
um receberia um interruptor correspondendo a cada elemento, ou seja, um
interruptor para o hidrogênio, outro para o ouro, um terceiro para o hélio,
e assim por diante.
Depois, pintei uma figura bem grande, parecida com um alvo – círculos
concêntricos em cores diferentes, com um minúsculo alvo no meio
representando o centro do átomo, que é seu núcleo. Precisei fazer outros
92 buracos na grande figura com as órbitas, vários em cada órbita,
correspondendo à posição em que os elétrons podem estar em um átomo.
O resultado final foi este: alguém pedia para ver os elétrons de
qualquer um dos 92 elementos naturais. Digamos o oxigênio. Então eu
acionava o interruptor do oxigênio e as oito luzes representando os oito
elétrons que giravam em torno do átomo de oxigênio se acendiam, cada
uma delas em sua órbita apropriada.
Eu sabia quais eram as órbitas apropriadas porque havia utilizado um
grande livro de referência chamado The Handbook for Chemistry and
Physics [Manual de Física e de Química].
Esse projeto acabou ficando terrivelmente complicado porque, como
estava lidando com todos os 92 elementos, fui forçado a mexer com 92
conjuntos diferentes de interruptores.
Ficou tão difícil que no final acabei utilizando a informação que meu
pai me ensinara a respeito do diodo, que foi a primeira peça eletrônica
sobre a qual aprendi. Diferentemente do resistor, o diodo é uma via de mão
única: pode-se enviar elétrons – isto é, eletricidade – somente em um
sentido. A eletricidade passa através dele mas não pode voltar. Se tentar,
ele colocará tudo em curto. Isso foi um problema porque, quando cheguei
ao ponto em que tentava acender algum elemento de nível intermediário e
seus elétrons, eu acabava com um caminho de retorno que acendia alguns
dos elementos menores e alguns elétrons a mais, que na verdade não
pertenciam àquele lugar. Seja como for, eu precisava de uma solução, e foi
assim que aprendi tudo sobre diodos.
Com esse enorme aparato, também expus uma grande coleção de
elementos. Frascos de berílio, pedaços de cobre, e até mesmo uma garrafa
de mercúrio. Consegui muitas dessas amostras apenas pedindo que um
professor da Universidade San Jose me doasse.
Sim, acabei vencendo. Primeiro lugar. Fita azul. Muito legal.
Mas não foi a coisa mais importante. Olhando agora para trás, vejo que
foi uma fantástica experiência de aprendizado, bastante clássica. Meu pai
me orientou, mas eu fiz todo o trabalho. E meu pai teve a seu favor o fato de
nunca ter tentado me ensinar fórmulas sobre força gravitacional e força
elétrica entre prótons, ou sobre o que seria a força entre prótons e elétrons,
assunto que estaria além do que eu poderia compreender naquele ponto.
Ele nunca tentou me forçar a pular etapas porque eu não teria aprendido.
Eu ainda não estava pronto para esse nível de conhecimento.

No sexto ano, aprendi passo a passo a montar portas AND (E) e portas
OR (OU), elementos básicos da tecnologia da computação. Os circuitos
digitais descobrem tudo – e quero dizer tudo mesmo – com base no que
está ligado (os 1s) e no que está desligado (os 0s).
Eu estava aprendendo Lógica de verdade. Meu pai me ajudou a
entender Lógica utilizando o clássico jogo da velha com caneta e papel. Se
compreender Lógica, você jamais, nunca, perde esse jogo. E foi nisso que
baseei meu próximo projeto: uma máquina de jogo da velha. A máquina
que desenvolvi nunca perderia. O jogo da velha é um jogo totalmente
lógico, mas também é um jogo psicológico, porque pode-se vencer alguém
que pensa ser impossível ser derrotado. Se o X está aqui e o outro X está ali,
qual deve ser o resultado? O tabuleiro de compensado coberto de peças foi
um enorme projeto. Ter um enorme projeto é uma boa parte do
aprendizado de Engenharia – do aprendizado de qualquer coisa,
provavelmente.
Executar trabalhos bastante longos, que não são simples e rápidos de
executar como uma lanterna, mas projetos que levam semanas para ser
realizados, de fato demonstra que a pessoa dominou algo grande. Como,
por exemplo, criar uma máquina computadorizada de jogo da velha que de
fato funcionasse pela Lógica.
Infelizmente, porém, o sistema não venceu. Ele explodiu. Explico: na
noite anterior à competição, alguns dos transistores começaram a soltar
fumaça. Obviamente, algo estava errado. Eu sabia que demoraria muito
para descobrir que pedaço do equipamento havia explodido e que de forma
nenhuma conseguiria consertar a tempo para participar da competição.
Esse episódio foi um grande desapontamento porque gosto de vencer.
Desde que consigo me lembrar, sempre quis ser o melhor em tudo. E fui
muitas vezes, quando tive sorte.
Mas também pensei na época que, para mim, não era fundamental
apenas vencer a feira de ciências, porque eu sabia, assim como meu pai,
que eu de fato criara uma máquina de lógica bastante complicada e que ela
havia funcionado.
O que quero dizer é o seguinte: mesmo sendo criança, era óbvio para
mim, já naquela época, o que deveria ser considerado realmente
importante. Assim, pensei: Veja, mostrar para alguém um prêmio ganho em
uma feira de ciências não é tão importante quanto saber que você já tem o
prêmio em algum lugar de sua casa. E isso, por sua vez, não é tão importante
quanto tê-lo ganho, mesmo que você não tenha o prêmio em casa. E isso não é
tão importante quanto a coisa mais importante de todas: o fato de você ter
aprendido e feito tudo sozinho. Aprendi isso com minha máquina de jogo da
velha e ela chegou muito perto de ser concluída. Ainda tenho orgulho disso.
Para mim, o que mais importa é a Engenharia, não a glória.

Pois bem. Desenvolvi o sistema de jogo da velha basicamente juntando


portas eletrônicas. A ideia era reunir essas portas em um sistema de
circuitos de transistores que nunca deixariam uma pessoa vencer a
máquina. E deduzi as regras jogando todas as alternativas possíveis.
Mas no oitavo ano criei algo diferente de tudo que fizera até ali: uma
máquina que chamei de Soma/Subtração, o mais próximo de um
computador real que eu já havia projetado. Posso dizer isso porque eu a
projetei para somar ou subtrair números, e o resultado aparecia em um
mostrador elétrico, mas também porque ela não era composta apenas de
um conjunto de portas lógicas como a máquina de jogo da velha. A adição e
a subtração são lógicas, como o jogo da velha; e com base na entrada e em
1s e 0s, pode-se calcular quais 1s e 0s devem sair.
O Soma/Subtração não era um projeto mais complicado em termos de
tamanho ou de montagem que a máquina de jogo da velha, mas esse
projeto tinha um objetivo mais próximo ao de um computador real. Além
de um propósito mais importante que o do jogo da velha. Aprendemos a
somar e a subtrair na escola, mas ninguém nos ensina como jogar o jogo da
velha. Ele não é tão importante. Somar números poderia levar o homem à
lua; o jogo da velha, jamais.
Meu projeto tinha uma função real e útil: era possível inserir números,
somar ou subtrair, e ver a resposta.
O Soma/Subtração ocupava uma área com cerca de 30 centímetros
quadrados. Eu tinha uma placa de plástico cheia de buracos e conectores
comprados em loja que eu podia introduzir nos furos para formar pontos
de conexão. Assim sendo, introduzi os conectores onde era necessário e
soldei transistores e outras peças neles.
Eu tinha dez pequenos interruptores representando 0s e 1s, e outro
conjunto de interruptores representando mais que 0s e 1s. Assim, caso
alguém quisesse somar 3 e 2, primeiro teria de acionar em uma linha os
dois interruptores mais à direita (equivalentes a 0000000011, número
binário que representa o 3). Depois, para representar o 2, a pessoa teria de
acionar na linha de baixo o penúltimo interruptor da direita. Em números
binários, esse interruptor corresponde a 0000000010. A resposta
apareceria nas luzes que eu havia instalado. Nesse exemplo, duas lâmpadas
acenderiam – representando 0000000101, que corresponde ao número 5.
Tudo isso assumindo que o Soma/Subtração estivesse no modo “soma” em
vez de no modo “subtração”.
O impressionante nisso tudo é que eu sabia que esse projeto
simplesmente somava meus conhecimentos de eletrônica, Lógica, teoria de
números binários, solda e todas as experiências de vida que eu tivera até
aquele momento. Eu poderia explicar aos juízes como funcionavam os
números binários e de que forma era possível somá-los e subtraí-los;
depois, eu poderia falar sobre de que maneira as portas eram feitas com
diodos e transistores. Dessa forma, eu mostraria a combinação correta de
portas que somava um bit (algo que poderia somar apenas 0 e 1). Em
seguida, eu também poderia mostrar uma modificação simples que fiz para
a máquina ser capaz de subtrair. Além disso, eu contaria aos juízes como
resolvi um problema de funcionamento na eletrônica de uma porta,
substituindo resistores por diodos. Tudo isso requer um conhecimento real
de eletrônica.
Em um lado da placa estavam dez circuitos Soma/Subtração dispostos
lado a lado e manejando o “carregando ou pegando emprestado” (lembre-
se da aritmética), de forma que fosse possível adicionar ou subtrair
números maiores – qualquer número até 1.023.
Mas aqui surgiu o problema. Levei a máquina para a Feira de Ciências
da Baía de São Francisco durante a noite, a fim de instalá-la antes do
julgamento. Algumas pessoas na feira me mostraram onde colocá-la e me
perguntaram se eu gostaria de lhes contar como ela funcionava. Respondi
que não, afinal, lhes contaria toda a história no dia seguinte. Naquele
momento eu me sentia um pouco tímido. Olhando em retrospectiva, penso
que sem saber, eu havia me recusado a fazer uma apresentação para os
juízes.
Quando apareci no dia do julgamento, todos os projetos já estavam
premiados. De alguma maneira, a avaliação já havia acontecido! Recebi uma
menção honrosa, e havia três projetos com prêmios maiores que o meu. Eu
os vi e lembro-me de ter pensado que eram triviais se comparados ao meu.
O que acontecera? Então olhei para o catálogo da feira: todos os três
projetos pertenciam ao distrito escolar onde a feira estava instalada.
Daí pensei: Epa! Fui enganado. Mas naquela mesma noite mostrei a
máquina e conversei com muitas pessoas – incluindo, tenho certeza, os
juízes reais –, e parece que elas realmente compreenderam como meu
projeto era grande. Quer dizer, era grande e eu sabia disso; todo mundo
sabia disso. Pude explicar como utilizei equações e portas lógicas e de que
forma combinei portas e transistores com aritmética de números binários
(1s e 0s) para fazer tudo funcionar.
Depois disso, a Força Aérea Americana me agraciou com o primeiro
prêmio em um projeto de eletrônica da Feira de Ciências da Baía de São
Francisco, embora eu estivesse apenas no oitavo ano e a feira contasse com
participantes até o último ano do ensino médio. Como parte do prêmio eles
me ofereceram um passeio pelas instalações do Comando Aéreo
Estratégico dos Estados Unidos, na Base Aérea de Travis. E me
presentearam com um voo em um avião não comercial, minha primeira vez
dentro de um avião. Acho que foi quando surgiu minha paixão por voar.
Quando olho para trás, esse Soma/Subtração foi um projeto-chave para
me fazer ser o engenheiro que acabou criando o primeiro computador
pessoal. Esse projeto foi o primeiro passo para tal. Foi um grande projeto,
envolvendo mais de 100 transistores, 200 diodos e 200 resistores, mais
relés e interruptores. E ele desempenhava uma função útil: adição e
subtração.
Graças a todos esses projetos de ciências, adquiri uma característica
fundamental, que iria me ajudar ao longo de toda a minha carreira:
paciência. Estou falando sério. Na maioria das vezes, a paciência é muito
desprezada. Quer dizer, em todos esses projetos, do terceiro ao oitavo anos,
aprendi as coisas aos poucos, descobrindo como interligar os dispositivos
eletrônicos sem precisar me acabar de estudar sobre um livro. Algumas
vezes penso: Nossa! Dei muita sorte. Parece que fui feliz em ser colocado
nessa direção em minha vida, de ter aprendido cedo como fazer as coisas
um pequeno passo de cada vez. Aprendi a não me preocupar muito com o
resultado, mas em me concentrar na etapa em que estava e em tentar
realizá-la da forma mais perfeita possível.
Se quer saber, não é todo mundo que consegue isso na comunidade de
Engenharia de hoje. Ao longo de minha carreira na Apple e em outros
lugares, sempre encontro geeks tentando alcançar determinados níveis sem
antes passar pelos níveis intermediários, e isso não funciona. Nunca
funciona. Pois estamos falando aqui de desenvolvimento cognitivo, puro e
simples. Não se pode ensinar a alguém algo que esteja dois passos
cognitivos acima de onde a pessoa está – e saber disso me ajudou com
meus filhos e com meus alunos do quinto ano, para os quais dei aulas mais
tarde. Sempre digo a eles, como um mantra: “Um passo de cada vez”.
* Phreaker é o nome dado aos hackers do sistema de telefonia (phone + freak). Phreaking diz respeito
ao uso de várias frequências de áudio para manipular sistemas telefônicos. (N. T.)
* Rede de computadores de propriedade do governo precursora da internet. (N. T.)
** Empresa fabricante de equipamentos para rádio sediada em Chicago e fundada em 1932. (N. T.)
3 Aprendendo por acidente

Durante a maior parte do ensino básico, fui um pouco tímido, mas pelo
menos tive muitos amigos e era realmente atlético. Eu era o líder de fato
dos Garotos Eletrônicos, porque possuía conhecimentos suficientes sobre
tudo que precisávamos saber para criar o que queríamos. Esse era um
grupo muito unido, formado por garotos da vizinhança, o que era muito
bom. Eu adorava me superar nas mais variadas atividades e ser
reconhecido por isso. Não por ego, mas apenas por um impulso de ser o
melhor.
Eu era bom em natação e em futebol americano e participei do All-
Stars* da liga infantil, onde os outros garotos me disseram que fui o melhor
rebatedor, corredor e arremessador dos times pelos quais passei. No
quinto ano eu era o aluno mais inteligente da classe, pelo menos de acordo
com meus professores, e fui eleito vice--presidente dos representantes de
classe. Parece que estou me exibindo? Sei que parece, mas não é minha
intenção. Simplesmente tenho muito orgulho disso tudo. Todas essas
atividades elevaram minha autoestima e foram parte importante de meu
desenvolvimento como pessoa.
Porém, a situação mudou no sexto ano. Eu não era mais tão popular. De
fato, era como se eu repentinamente tivesse ficado invisível. De uma hora
para outra, os outros garotos deixaram de me valorizar pelos meus
conhecimentos em Matemática e Ciências, o que de fato me incomodou.
Afinal, eu era o melhor justamente nisso. Foi uma época em que muitos
alunos começaram a flertar com as meninas e a se envolver em todo tipo de
conversa fiada que não me interessava. Assim, eu não era incluído. Minha
timidez natural colocou-me para baixo no sexto ano. Parei de gostar tanto
da escola. Do ponto de vista social, fui direto para o fundo do poço.
Penso nos anos seguintes, em especial no sétimo e no oitavo, como
anos terríveis. Foi uma época em que, se antes eu era popular, andava de
bicicleta e tudo mais, de uma ora para outra passei a ser colocado de lado.
Parecia que ninguém mais gastava muito tempo para falar comigo. Eu fazia
parte das classes avançadas e tirava boas notas, mas não via muito prazer
nisso.
A título de exemplo, lembro-me de poucos professores com os quais
tive aula naquela época.
Minha única explicação para isso é que quando garotos dessa idade
começam a se socializar, sua posição no grupo passa a ter importância para
muitas pessoas. Vi isso acontecer com meus filhos e com os meninos para
os quais dou aula. Quem são os que conversam? Quem toma as decisões?
Quem vai para o topo? Pelo fato de ter--me tornado tão tímido ao atingir a
adolescência, eu simplesmente desapareci. O que foi um tremendo choque
para mim. Exceto pelos projetos de ciências, que ainda me traziam
reconhecimento por parte dos professores e dos adultos, eu me sentia
terrivelmente estranho. Não conseguia mais me identificar com os outros
garotos de minha idade. A forma como falavam – sentia como se não
entendesse mais a linguagem deles. E tinha muito medo de falar porque
pensava que iria dizer a coisa errada.
Ao mesmo tempo, comecei a me sentir sempre um passo à frente em
termos de Ciências e de eletrônica, e sentia estar sendo evitado por todos
aqueles garotos, que, de repente e sem nenhum motivo que eu pudesse
compreender, simplesmente não me aceitavam mais. Fiz eletrônica quando
muitos outros começaram a sair, ir a festas, beber – e a namorar.
Tendo começado no sexto ano, de muitas maneiras, essa timidez ainda
está comigo. Mesmo hoje. Tenho amigos que simplesmente conversam com
todo mundo. Eles são agradáveis e fazem amizade com muita facilidade.
Conseguem entabular conversas triviais. Eu não consigo. Dou palestras
porque tenho trinta anos de experiência na minha área de atuação e utilizo
técnicas para tornar minha apresentação mais fácil; técnicas que adquiri
aos poucos, ao longo dos anos, por falar em público. Faço um monte de
piadas para todo mundo rir. Ou crio e mostro algum dispositivo eletrônico
para as pessoas virem falar comigo sobre ele.
Ou – e talvez você saiba disso a meu respeito – simplesmente quebro o
gelo e faço as pessoas rir com as brincadeiras que faço com elas. Com
certeza eu poderia escrever um livro inteiro só com essas brincadeiras.

Aprontei toneladas de brincadeiras nos tempos de escola. Fui pego


muitas vezes no ensino fundamental. A principal coisa que aprendi é que se
contar aos outros sobre uma brincadeira, a notícia se espalha e você é pego
rapidamente. No ensino médio fui mais cuidadoso a respeito. Mantive
minhas brincadeiras em segredo.
Uma vez, para benefício de todos no curso de motorista do último ano
do colégio, desenvolvi uma sirene eletrônica – ela fazia o mesmo barulho de
uma sirene de polícia – que eu podia ligar ou desligar, mantendo o controle
sob minha cadeira durante o filme que passava enquanto dirigíamos em
nossos simuladores. Queria ver se alguém freava e dava passagem. Montei
esse dispositivo com um monte de pilhas para que durasse um mês ou
mais, e coloquei-o na parte de cima da televisão que havia em cada sala de
aula (as televisões eram colocadas no alto, presas por suportes
apropriados, de forma que os professores não conseguiam ver minha
sirene). Os professores pensavam que a TV estava com algum problema. É
difícil detectar de onde vem um som agudo; li isso em algum lugar.
Mais tarde, no último ano do ensino médio, fui pego novamente. Coisa
grande.
Tive a ideia de fazer um pequeno metrônomo eletrônico – aquilo que
faz tic, tic, tic para marcar o tempo em aulas de piano. Depois de pronto,
ouvi o tic-tac como o de um relógio e pensei: Puxa! Parece o barulho de uma
bomba. Então peguei algumas baterias, tirei os rótulos para que
parecessem tubos de metal, e amarrei-as todas juntas. Em seguida escrevi
com letras maiúsculas: EXPLODE AO SER TOCADO.
Daí pensei: Isso vai ser divertido. Vou colocar no armário de Bill
Werner. Como eu sabia o código do cadeado do armário de Bill, que era
próximo ao meu, coloquei o tal metrônomo eletrônico dentro dele. Isso foi
de manhã, antes do início das aulas, e depois de colocá-lo lá, eu mal
conseguia ouvir o tic-tac. Ninguém será enganado por isso se nem mesmo
conseguir ouvir! Lembro-me de pensar: Que chatice e que desperdício se isso
não funcionar. Mas quando saí da última aula naquele dia, o bedel se
aproximou e disse: “Steve, o vice-diretor que ver você na sala dele”. Isso era
um mau sinal. Então de novo pensei que talvez houvesse uma possibilidade
de estar sendo chamado para receber um prêmio de Matemática por conta
de alguma competição de que havia participado recentemente. Portanto,
não tinha certeza se estava em apuros ou não.
Assim, sentei-me na recepção da secretaria da escola e fiquei
esperando pelo vice-diretor. De repente, entra um oficial de polícia
carregando uma caixa com fios saindo pela parte de cima. Na hora pensei:
Meu Deus! Chamaram o esquadrão antibombas! Em seguida fui chamado
para uma sala e um policial disse: “Olhe, seu amigo nos contou tudo”.
Imaginei que esse amigo só poderia ter sido Jerry, a única pessoa para
quem contei meu plano. Mas não foi. Mais tarde descobri que foi um erro de
minha parte que me fez ser pego. Percebi muitos anos mais tarde que eles
queriam dizer ter ouvido diretamente de Bill Werner, em cujo armário foi
encontrado o dispositivo. Acontece que eles o arrastaram para fora da sala
de aula, e quando Bill olhou para o artefato, disse: “Oh, conheço esses
componentes. Foi Woz quem fez”. Bem, foi isso que ganhei por ter usado
algumas das mesmas peças que o senhor Taylor (que morava na casa ao
lado da minha) pagou para os Garotos Eletrônicos, como eu e Bill Werner,
quando trabalhamos em seu quintal.
Logo, eu poderia ter negado tudo naquele momento, quando ainda
pensava que Jerry havia contado para eles, e de fato, todos nós tínhamos
um acordo de que nenhum dos envolvidos em aprontar uma brincadeira
jamais entregaria os demais. Seja como for, eu sabia que estava em uma
grande enrascada quando finalmente me colocaram em uma sala com o
diretor, o vice-diretor, o bedel, o reitor e dois oficiais de polícia. O diretor
começou contando como o professor de inglês, o senhor Stottlemeier,
ouvira o barulho de relógio dentro do armário. O diretor, o senhor Bryld,
contou-me como havia aberto o armário, abraçado o dispositivo,
encostando-o em seu peito, e corrido direto para o campo de futebol, onde
o desmantelara!
Comecei a rir, embora estivesse me controlando, então tentei tossir
para disfarçar. Mas não consegui sequer fazer isso, pois sabia ter equipado
o metrônomo com um resistor alternado para acelerar a batida quando
alguém abrisse a porta do armário.
É óbvio que rir da situação – e como poderia não fazê-lo – não me
ajudaria a consertar o problema. Todos na sala debateram por algum
tempo sobre o que fazer comigo, e decidiram me encaminhar para a
detenção de menores – isso mesmo, a prisão! – por uma noite. Somente por
uma noite.
O diretor ficou muito chateado, pois algumas semanas antes houvera
ameaças reais de bomba na escola. Aquilo não era uma bomba. Era um
metrônomo, uma piada. Mas mesmo assim tive de ir para a detenção
naquela noite, e consegui fazer um bom uso de meu tempo enquanto estive
lá. Pensei: O que sempre dizem sobre prisioneiros nas prisões? Que eles
ensinam crimes uns aos outros. Então fiz minha parte. Mostrei para todos
aqueles sujeitos durões na detenção como remover os fios elétricos do
ventilador de teto. Expliquei: “Puxem esses fios e toquem com eles as
barras quando o carcereiro vier abrir a cela e ele levará um choque!”. Com
certeza, me diverti enquanto estive lá. Todos aqueles caras na detenção me
trataram muito bem. Claro que isso foi muito tempo antes de os nerds*
serem considerados legais.

Mais tarde, muito mais tarde, encontrei um grupo no qual ser nerd era
mais legal. Em meados da década de 1970, alguns anos antes de fundarmos
a Apple, entrei em um clube chamado Homebrew Computer Club [Clube de
Aplicativos Caseiros de Computador]. Eu adorava esse grupo e participei de
quase todas as reuniões, desde a época em que os membros começaram a
se encontrar na garagem de Gordon French, em Menlo Park, todas as
quartas-feiras, de 1975 até 1977 (ano em que fundamos a Apple). Essas
pessoas tinham o mesmo sonho que eu: desenvolver um computador que
todo mundo pudesse comprar e utilizar. Portanto, eram minha turma. O
primeiro foco do grupo foi um aparelho do tipo “faça você mesmo”
chamado Altair (que poderia ser expandido para um computador utilizável
desde que se gastasse uma enorme quantidade de dinheiro) e as coisas que
se podia fazer com ele. O grupo costumava separar uma hora ou mais para
pronunciamentos diversos (chamado “período de acesso aleatório”), tempo
durante o qual qualquer um que tivesse algo a dizer poderia falar, bastava
levantar a mão.
Eu tinha muito a falar, mas não conseguia levantar a mão ou dizer
qualquer coisa. Eu costumava ficar sentado na ponta da cadeira ouvindo os
outros contar todos os rumores da indústria sobre quais seriam as
próximas tecnologias disponíveis. Eu era tímido a esse ponto. Ficava
sentado na última fila, exatamente como no ensino fundamental.
Por fim, acabei tendo de me levantar e mostrar para todos os membros
do Homebrew dois computadores que eu havia desenvolvido (um deles se
tornou a base para os projetos do Apple I). Assim que as pessoas viram o
que eu havia feito, e que era algo realmente impressionante, de repente
todos nós passamos a ter assunto para conversar.
Do ensino fundamental em diante, mesmo até o início da Apple e mais
além, eu utilizava meus projetos engenhosos como um meio mais fácil e
confortável de me comunicar com as pessoas. Acredito que todo ser
humano tenha em si a necessidade de socializar. No meu caso, ela surgiu
principalmente ao fazer algumas coisas impressionantes, como aparelhos
eletrônicos, e outras vistosas e inteligentes, como pregar peças nos outros.
Foi provavelmente a timidez que me colocou, do sexto ano em diante,
na caça de revistas sobre eletrônica. Dessa forma, eu poderia ler sobre esse
assunto sem realmente precisar me dirigir a alguém para fazer perguntas.
Eu era muito tímido até para ir à biblioteca e pedir um livro sobre
computadores chamado Computers [Computadores]. Por ser muito tímido
para aprender da forma normal, acabei obtendo acidentalmente o que para
mim considero o conhecimento mais importante do mundo.

Então, no ensino médio, tudo mudou mais uma vez. Grande parte disso
tem a ver com o senhor McCollum, professor de eletrônica, que exerceu
enorme influência em mim.
O senhor McCollum era um sujeito interessante. Um dos motivos para
tal é que ele havia sido militar antes de ser professor, o que significava que
ele contava um monte de piadas, até mesmo piadas de mau gosto. Portanto,
dava-se muito bem com seus alunos. É preciso ter em mente que, naquela
época, uma classe de eletrônica era composta principalmente por alunos de
menor desempenho escolar. A eletrônica era como um curso técnico. Havia
poucos estudantes de eletrônica, como eu, que eram bons em outras
matérias. Lembre-se de que eu era um prodígio da Matemática, tanto que
ganhei um prêmio quando me graduei no ensino fundamental, além de
alguns prêmios anuais de Matemática durante o ensino médio.
Junte Matemática com eletrônica e o resultado é o que chamamos
Engenharia.
O senhor McCollum ficava lá parado diante de nós fazendo cálculos
com sua grande régua de cálculo amarela. Ele fazia mais cálculos com essa
régua do que costumávamos fazer em Química. Foi um curso bastante
intensivo, que o senhor McCollum idealizou sozinho. Ele escreveu apostilas
que seguiam uma ordem lógica – passo a passo, subindo a escada da
eletrônica. Aprendíamos algo sobre resistores, depois um tema um pouco
mais complicado, em seguida aprendíamos algo mais simples e de forma
mais rápida, e depois tirávamos nossas conclusões. Era uma maneira tão
boa de ensinar eletrônica que a utilizei mais tarde, quando dei aula em meu
próprio curso de informática.
O senhor McCollum tinha uma coleção fantástica de equipamentos
eletrônicos; alguns aparelhos eram realmente avançados. Todos eram
equipamentos de testes que eu nunca poderia comprar sozinho – e
melhores até mesmo que os existentes em muitos laboratórios de colégio
da época. O senhor McCollum era pródigo em obter novos recursos, prova
disso é que fez a escola comprar kits de eletrônica mais baratos nos
primeiros anos do Colégio Homestead de Ensino Médio. À medida que seus
alunos iam aprendendo eletrônica, montavam kits de equipamentos que os
levavam um passo além. Em meu último ano de escola, tínhamos
laboratórios bastante completos.
Assim, tínhamos muitos equipamentos. Era uma aula divertida.
Criávamos coisas que funcionavam. Não parávamos de descobrir coisas que
havíamos esquecido ou feito errado até que nossas criações funcionassem.
Aprendíamos sobre o que acontece quando as coisas dão errado, que é a
primeira coisa que ex-alunos de eletrônica sempre se lembram sobre as
aulas. De vez em quando, todos nós levávamos choques acidentais. Certa
vez, levei um choque de 22 mil volts de um aparelho de televisão que me
fez voar cerca de um metro e meio. Mas juro que quem mexe com vários
tipos de equipamentos eletrônicos como eu mexia na época acaba se
acostumando. Crescemos sem tanto medo de choque como as outras
pessoas.
Hoje tenho uma roleta-russa de choque: quatro pessoas com uma
vareta em seus polegares e, com o acompanhamento de música e luzes
piscando, a roleta vai gradualmente parando de girar até que alguém leve
um choque. O pessoal que trabalha com hardware participa desse jogo, mas
o pessoal de software é muito medroso.
O senhor McCollum me deixava fazer o que eu quisesse – até me
impediu de ficar entediado deixando-me ir trabalhar às sextas-feiras em
uma empresa durante o horário da aula. Essa empresa chamava-se Sylvania
e localizava-se em Sunnyvale. Foi nela que aprendi a programar um
computador. O senhor McCollum dizia que eu sabia tudo do curso dele e
que ficava apenas pregando peças nos outros alunos. A verdade é que não
tínhamos um computador na escola, logo, na Sylvania, foi a primeira vez
que realmente fiquei frente a frente com um computador que pudesse
programar, e depois dessa experiência não havia mais como voltar atrás.
Nunca pensei que ficaria perto de um computador em minha vida.
Pensei: Oh, meu Deus! Computadores! Comprei um livro de programação na
linguagem FORTRAN e disse a mim mesmo que aprenderia como
programar. Um engenheiro da Sylvania me ensinou como utilizar uma
perfuradora de cartões. Lembro-me de digitar meu primeiro pequeno
programa e dele me ajudando a colocá-lo no computador para rodar.
O primeiro programa de verdade que tentei desenvolver chamava-se
Knight’s Tour [Passeio do Cavaleiro]. Nele o cavalo era movido por todo o
tabuleiro de xadrez, mas somente através do movimento válido para o
cavalo, segundo as regras do jogo. O objetivo era fazê-lo ocupar cada uma
das 64 casas do tabuleiro exatamente uma única vez. Não é algo fácil de
fazer. Desenvolvi meu programa para subir duas casas, depois uma para
cada lado, tentando todos os movimentos até o cavalo não poder mais se
mexer. Se o cavalo não atingisse todas as casas quando ficava imobilizado, o
programa voltava e mudava um movimento para tentar novamente a partir
daquele ponto. Ele voltava tantas vezes quantas fossem necessárias e
depois seguia avançando. Aquele computador podia calcular um milhão de
instruções por segundo, portanto, imaginei que seria uma barbada e que o
problema seria resolvido rapidamente.
E lá estava eu com o programa, planejando como ele seria apenas o
início, que depois dele eu iria resolver todos os problemas sofisticados do
mundo, mas adivinhem o que aconteceu? O computador não devolveu
nada. Suas luzes deram uma piscada e depois simplesmente ficaram
paradas. Nada estava acontecendo. Meu amigo engenheiro deixou o
programa rodar um pouco mais e disse: “Bem, provavelmente está em
loop”. Então ele me mostrou o que é um loop infinito – quando um
programa fica preso fazendo a mesma coisa sem parar e sem nunca
terminar (apenas como parênteses, o nome da rua onde atualmente se
localiza a sede da Apple chama-se Infinite Loop, ou seja, Loop Infinito). De
qualquer forma, voltei na semana seguinte e desenvolvi meu programa de
forma que eu pudesse acionar um interruptor para imprimir qualquer que
fosse o arranjo do tabuleiro que ele estivesse trabalhando naquele instante.
Lembro-me de que recolhi os impressos e os estudei naquele mesmo dia,
percebendo algo. O programa estava realmente funcionando da forma
como eu o havia concebido. Eu não tinha feito nada de errado. Mas ele
simplesmente não chegaria a uma solução em 1025 anos. Uma soma de
tempo bem maior que o tempo de existência do universo.
Isso me fez perceber que um milhão de vezes por segundo não resolvia
tudo. Velocidade pura nem sempre é a solução. Muitos problemas
compreensíveis precisam de uma abordagem inteligente e bem pensada
para ter sucesso. A propósito, a abordagem que o computador utiliza para
resolver algo, as regras, os passos e os procedimentos que ele segue
chamam-se algoritmo.

O que é o Passeio do Cavaleiro?


O Passeio do Cavaleiro é mais que apenas um problema matemático no qual é preciso
movimentar o cavalo por todo o tabuleiro de xadrez. Trata-se de um quebra-cabeça
antigo e que as pessoas vêm tentando resolver e fracassando por séculos. O objetivo é
mover o cavalo 64 vezes, de forma que ele pouse somente uma vez em cada uma das
casas do tabuleiro de xadrez, passando por todas elas.
Encontrei duas páginas na internet que os interessados no assunto podem gostar:
<http://www.borderschess.org/KnightTour.htm> é um quebra-cabeça do Passeio do
Cavaleiro que pode ser montado sem um tabuleiro de xadrez e on-line. Outra página no
mesmo site – <http://www.borderschess.org/KTsimple.htm> – é um guia de instruções
reais para que as pessoas possam aprender a fazer e a desafiar a mente de outras
pessoas! Boa sorte.

Naquela época, eu tinha um tremendo respeito pelos professores. Eu


pensava que, ao lado dos engenheiros, eles eram as pessoas mais
inteligentes do mundo. Afinal, os professores eram capazes de ficar lá, de
pé diante da classe, e falar de maneira muito natural, apenas nos
ensinando. Quer dizer, eu sabia que era inteligente, mas pelo fato de os
professores terem a habilidade de ler sobre determinados assuntos e
depois falar a respeito para nós, alunos, com tanta confiança, eu achava que
eles deveriam ser muito mais inteligentes que eu. Na época, eu imaginava
que todos meus professores do colégio eram intelectuais.
Agora sou um pouco mais cínico, depois de ver tantos casos em que a
inteligência dos estudantes é definida como todos lendo a mesma coisa
(inclusive os mesmos artigos de jornais e revistas), tendo a mesma
resposta e concordando com a forma pela qual a matéria é apresentada.
Se uma pessoa lê as mesmas coisas que as outras pessoas e diz as
mesmas coisas que elas, então é considerada inteligente. Por ser um pouco
mais independente e radical, considero a inteligência a habilidade de
pensar individualmente sobre qualquer assunto e fazer com ceticismo
muitas perguntas para chegar à verdade real, não apenas àquela que foi
dita.
Como eu precisava caminhar bastante todos os dias para ir e voltar do
Colégio Homestead, comecei a utilizar esse tempo para realmente pensar
sobre as coisas. E foi assim que passei a analisar minha inteligência:
durante essa caminhada de alguns poucos quilômetros. Eu lutava em minha
cabeça com o fato de ser extremamente inteligente em Matemática e
Ciências e fraco em Inglês e História. Por que isso acontecia? Imaginei que
aquelas eram categorias mais subjetivas, e via como garotas bonitas de fala
macia iam até o professor e conseguiam aumentar suas notas ali mesmo na
aula. Então pensei: Quando se escreve apenas palavras, elas são apenas
palavras – como tudo é subjetivo, é difícil dizer qual é a resposta verdadeira.
O que eu mais gostava na Matemática era o fato de obter uma resposta que
estava certa ou errada. E ponto final. Não há áreas cinzentas. (Uma vez dei
uma resposta que o professor marcou como incorreta e que eu sabia estar
certa. Acabamos descobrindo que o livro estava errado. Às vezes isso
acontece com os livros.) Vamos pegar, por exemplo, um trabalho sobre um
livro ou um ensaio que você precisa escrever no qual existem muitas
interpretações e muitas maneiras de redigir. Quem pode dizer de qual
versão o professor vai gostar? Quem pode dizer que realmente entendeu o
livro, ou que extraiu mais coisas dele?
Assim, em algum momento dessas longas caminhadas, decidi que a
Lógica era superior a outras áreas do conhecimento. Isso confirmava o que
eu já pensava, mas lembro-me de realmente cimentar minhas ideias
durante essas caminhadas. Percebi que isso provavelmente não fazia parte
do pensamento predominante das pessoas e da conduta social. Percebi
também que pensava de forma diferente da maioria dos garotos que
conhecia. Lembro-me de ter pensado naquele momento: As coisas ou são
fatos ou são mentiras. A Matemática é uma verdade porque 2 mais 2 é igual
a 4, e se alguém descobrir algum dia que 2 mais 2 é igual a 5, então nós
simplesmente teremos de encontrar uma nova verdade para lidar com isso.
Para mim, o que estava mais perto da verdade – a principal ética que obtive
de meu pai e a ética que ele incutiu em mim – era a Lógica. A Lógica era
fundamental. Desse modo, decidi que a medida mais importante de uma
pessoa era a verdade, e que os cálculos feitos pelos engenheiros eram
marcos das pessoas que viviam honestamente.

Um dia, na Sylvania, vi um manual intitulado The Small Computer


Handbook [Pequeno Manual de Computador]. Como já disse, eu me
interessava por computadores, mas só acidentalmente descobri mais sobre
eles e como funcionavam. E esse foi um dos acidentes de maior sorte em
minha vida.
Os engenheiros da Sylvania me deixaram levar o manual para casa. Ele
descrevia as entranhas do minicomputador Digital Equipment PDP-8. Esse
computador ficava em uma prateleira alta de equipamentos, tinha
interruptores e luzes, e parecia pertencer a um chão de fábrica ou outro
lugar qualquer. Não podia dizer com certeza porque não tinha visto
computadores reais em nenhum outro lugar a não ser na Sylvania. E o tal
manual encerrava uma busca que eu vinha fazendo desde o quarto ano do
ensino básico para descobrir como era realmente um computador por
dentro.
Eu possuía um bom conhecimento sobre projeto lógico por causa das
vezes que precisei combinar peças para montar circuitos lógicos. Agora eu
tinha uma descrição do que seria um computador real. Assim sendo, fiquei
muitas noites imaginando formas de combinar peças lógicas para montar
um desses computadores PDP-8. Esse meu primeiro projeto no papel de
um computador era enorme e inacabado, e provavelmente cheio de erros.
Mas era apenas um início.
Ao longo dos anos seguintes, começando com meu último ano no
ensino médio, descobri maneiras de obter manuais de quase todos os
minicomputadores que estavam sendo feitos. Naquela época, houve uma
enxurrada de lançamentos desses minicomputadores. E em vez das
imensas máquinas que ocupavam salas inteiras, os novos computadores
eram menores. Um minicomputador típico daqueles anos, com memória
suficiente para programar (em uma linguagem de programação amigável),
era mais ou menos do tamanho de um forno de micro-ondas.
Assim, obtive manuais de minicomputadores de fabricantes como
Varian, Hewlett-Packard, Digital Equipment, Data General, e muitas outras
companhias. Sempre que tinha um fim de semana livre, pegava catálogos
de componentes lógicos (chips), com os quais os computadores eram feitos,
e a descrição específica de um computador existente nesses manuais, então
projetava minha versão dele. Muitas vezes eu refazia o projeto do mesmo
computador uma segunda ou terceira vez, utilizando componentes mais
novos e melhores. Desenvolvi um pequeno jogo pessoal de tentar projetar
esses minicomputadores com o menor número possível de chips. Não sei
por que isso se tornou um passatempo para mim. Fazia tudo sozinho em
meu quarto, com a porta fechada. Era como um hobby pessoal. Por muitos
anos não falei dessa atividade com meus pais, amigos, professores, ou
qualquer outra pessoa. Era pessoal a tal ponto.
Como não tinha dinheiro para comprar peças para desenvolver
qualquer um daqueles projetos de computador, tudo que conseguia fazer
era desenhá-los no papel. Em geral, quando começava um projeto, ficava
acordado até tarde uma ou mais noites em seguida, espalhava papéis por
todo chão de meu quarto e deixava uma lata de Coca-Cola por perto. Já que
nunca conseguiria desenvolver meus computadores, tudo que podia fazer
era tentar superar meus próprios projetos, refazendo-os ainda melhor e
utilizando menos peças. Estava competindo comigo mesmo e
desenvolvendo truques que certamente nunca seriam descritos ou
colocados em livros. Após um ano ou mais, eu tinha o palpite de que
ninguém mais conseguiria fazer os tipos de truques que desenvolvi
naqueles projetos para economizar peças. Eu estava agora projetando
computadores com metade do número de chips que as empresas
normalmente usavam em seus próprios projetos, mas apenas no papel.
* Time regional infantil de beisebol. (N. T.)
* Pessoa com dificuldade de integração social, mas com grande fascínio pelo conhecimento ou pela
tecnologia. (N. T.)
4 O TV Jammer “ético”

Em 1968, um sujeito chamado Rich Zenkere foi escolhido o palhaço da


classe do Colégio Homestead. Ele era um sujeito engraçado que sentava
perto de mim em muitas aulas, porque na maioria delas nos sentávamos
em ordem alfabética. O sobrenome Wozniak é bem perto de Zenkere no
alfabeto. Então Rich, um outro colega que sentava perto de nós chamado
Scott Sampson e eu concordamos que iríamos procurar faculdades juntos.
Planejamos visitar a Caltech e voar até Pomona, na Califórnia, onde
estavam localizadas Scripps, a Faculdade de Pomona e a Politécnica da
Califórnia.
Depois tivemos a grande ideia de visitar a Universidade do Colorado,
em Boulder, onde o pai de Rich estudara.
Foram momentos bastante excitantes para mim. Nunca havia saído da
Califórnia antes. Lembro-me de que pegamos o avião no Aeroporto de San
Jose, na época em que ele possuía apenas dois portões de embarque, e que
subimos em um 707 para Denver. Fomos de Denver para Boulder de táxi e
chegamos tarde da noite – não conseguíamos enxergar nada. Desmaiamos
de exaustão no quarto de hotel. E ao ligarmos a TV de manhã, descobrimos
que havia nevado algo como meio metro na noite anterior. Abrimos as
cortinas e com certeza havia muita neve do lado de fora. Estávamos todos
muito animados.
Nunca tinha visto neve de verdade antes. Onde eu vivia podia nevar um
pouco em determinados anos, mas nunca o suficiente para permanecer no
chão, e definitivamente nunca o bastante para fazer uma bola de neve.
Portanto, foi fantástico! De repente, estávamos lá fora, jogando bolas de
neve uns nos outros. Foi uma aventura completamente nova para mim.
Por alguma razão estranha, chegamos à cidade no fim de semana de
Ação de Graças. Acho que pensamos que existiriam passeios no feriado,
mas claro que não. Então apenas passeamos pelo campus vazio por dois
dias. Em um dado ponto, encontramos o prédio de Engenharia e havia um
estudante lá. Ele nos levou para caminhar pelos corredores e nos mostrou
onde ficavam os diversos departamentos. Ele nos mostrou também as
instalações da faculdade e nos falou sobre os tipos de projetos de
engenharia que estavam sendo conduzidos no Colorado.
Caminhando pela neve naqueles dois dias eu me encantei pelo lugar. Os
tijolos dos prédios eram bonitos. Sua cor avermelhada parecia
impressionante, com as Montanhas Flatiron ao fundo. A Universidade do
Colorado estava no meio do nada, pois ficava a cerca de dois quilômetros
da cidade.
E naquele momento pensei: É tão bonito. É tão maravilhoso caminhar
pelo campus com toda essa neve. Foi a neve que me fez decidir que aquela
era a faculdade na qual eu iria me inscrever. As exigências de matrícula
para aprovação eram pequenas se comparadas com minhas notas e
pontuação no SAT* – eu tinha obtido 800 pontos, a pontuação máxima, em
todos meus exames de admissão de Ciências e Matemática, exceto em
Química, no qual eu tinha obtido somente 770 pontos. Aquela era a
faculdade em que eu iria estudar. A neve me fez decidir. Tomei a decisão
final exatamente naquele momento e naquele lugar.

O único problema é que meu pai disse que seria muito caro. Comparada
a algumas universidades estaduais da Nova Inglaterra, ela cobrava a
segunda maior mensalidade dos Estados Unidos para estudantes de fora do
estado do Colorado.
Mas no final, conseguimos estabelecer um acordo. Ele disse que eu
poderia ir para o Colorado em meu primeiro ano e depois, no segundo ano,
para De Anza, uma faculdade pública que ficava perto de casa. Depois disso,
no terceiro ano, eu me transferiria para a Universidade da Califórnia, em
Berkeley, onde o ensino seria muito mais barato. Também me inscrevi em
Berkeley – meus pais me forçaram – e enviei a documentação no último dia
permitido.
Fui aceito no Colorado e meus pais pagaram tudo adiantado naquele
verão, incluindo as taxas de matrícula e de moradia estudantil. Mas depois
meu pai ficou implorando para que eu fosse para De Anza, muito mais
próxima de casa e bem mais barata. Nesse caso, ele poderia me dar um
carro.
Então fui me inscrever em De Anza e vi que as aulas de Química, Física
e Cálculo estavam todas lotadas. O quê? Não pude acreditar. Lá estava eu –
aluno brilhante de Ciências e Matemática no colégio e todo preparado para
ser um engenheiro –, e os três cursos mais importantes, dos quais eu
precisava, já estavam fechados.
Foi horrível. Liguei para o professor de Química e ele me disse que se
eu aparecesse provavelmente conseguiria entrar, mas não consegui afastar
a sensação de que meu futuro estava sendo ameaçado. Eu podia vê-lo se
fechando bem diante de mim. Senti que toda minha carreira acadêmica
seria uma bagunça desde o começo. E foi nesse momento que mudei de
ideia e decidi ver se ainda seria possível ir para o Colorado.
Lá a escola já havia começado, mas após alguns telefonemas, descobri
que ainda poderia me inscrever. Eu tinha tudo organizado: o horário de voo
e tudo o mais. Comprei as passagens, fui até o Aeroporto de San Jose e voei
para o Colorado no dia seguinte. Bem a tempo para o terceiro dia de aulas.
Lembro-me de quando cheguei ao campus, no outono, e de pensar
como era bonito o Colorado no início de setembro. As folhas eram
amareladas, alaranjadas e douradas, e senti que tivera muita sorte.
Meu colega de quarto chamava-se Mike. A primeira coisa que percebi
quando entrei no dormitório com minhas malas foi que ele havia colado
cerca de vinte pôsteres da Playboy nas paredes. Nossa! Aquilo era
diferente! Mas achei Mike um sujeito legal, e gostava de ficar ouvindo as
histórias de vida dele como filho de militar, sobre o colégio na Alemanha e
todas as experiências que ele tivera até aquele momento. Ele é bem mais
avançado sexualmente, pensei. Em certas noites, Mike me dizia que queria o
quarto só para ele, e eu sabia o motivo. Então eu respondia: “Está bem. Vou
levar meu gravador comigo e algumas fitas” – Simon & Garfunkel eram
meus favoritos na época. “Vou ficar no quarto de Rich Zenkerer e voltarei
bem mais tarde.” Certa vez, eu estava dormindo em nosso quarto e ele
chegou com uma garota mórmon no meio da noite. Mike era realmente
uma figura.
Além de Mike, eu saía com outros amigos que fiz no dormitório. Fui aos
jogos de futebol americano. Nossa mascote era um búfalo chamado Ralphie
(um nome humilhante para qualquer um!), e um bando de estudantes
vestidos de caubóis corriam com ele em volta do campo antes da partida.
Ralphie era um búfalo de verdade. Lembro-me de meu amigo Rich Zenkere
ter-nos contado que vinte anos antes, o principal rival do Colorado na
época, a Academia da Força Aérea americana, havia conseguido sequestrá-
lo. Quando os jogadores da Academia apareceram para a grande partida,
eles tinham cozinhado e comido o pobre Ralphie.
Acreditei na história na época, mas nunca se sabe quando se trata de
Rich. Ele levava a vida de forma leve e fácil, sempre sorrindo e brincando
com os assuntos mais sérios. Porém, era um tanto desonesto. Nós
trabalhávamos juntos lavando louça no dormitório das meninas e ele
acabou sendo despedido por falsificar cartões de ponto e material.
Passei bastante tempo no dormitório de Rich com os dois colegas de
quarto dele, Randy e Bud, jogando copas, pôquer e bridge. Randy era
interessante para mim por ser um cristão sério – um cristão recém-
convertido –, e os outros dois o atormentavam por causa disso. Como se ele
fosse bobo por ter feito tal escolha. Mas eu costumava passar bastante
tempo conversando com ele sobre suas crenças. Eu nunca tinha tido
nenhum tipo de formação religiosa, por isso ficava impressionado quando
ele dizia coisas como “dar a outra face” e sobre o perdão. Definitivamente,
tornei-me seu amigo. Assim, nós geralmente jogávamos cartas até tarde da
noite, e eu me lembro de pensar: Este é o melhor ano de minha vida. Afinal,
aquela era a primeira vez que eu podia decidir o que fazer com meu tempo
– o que comer, o que vestir, a que aulas assistir e quantas.
Eu estava conhecendo todo tipo de pessoas interessantes. A coisa do
bridge acabou se tornando muito importante para mim. Começamos
jogando aos finais de semana e depois ficamos viciados nisso. Jogávamos
sem ter tido nenhuma experiência antes. Não tínhamos livros, mesas ou
qualquer outra coisa que os jogadores normais de bridge utilizavam.
Simplesmente descobríamos por conta própria quais apostas funcionavam
e quais não funcionavam. Quer dizer, na minha cabeça, o bridge é mais
sofisticado que outros jogos.
Muitos jogos de cartas baseiam-se em “vazas”, nas quais uma pessoa
abaixa uma carta e os outros jogadores a seguem com as próprias cartas, e
a carta de maior valor com o mesmo naipe da primeira carta abaixada
vence. Isso é uma vaza. Já em copas, o objetivo é tentar evitar pegar certas
cartas: por exemplo, cada carta do naipe de copas que uma pessoa pega em
uma rodada conta contra ela. Em espadas tem-se uma primeira rodada de
leilão, em que um jogador aposta quantas vazas fará com seu parceiro – a
pessoa do outro lado da mesa em um jogo com quatro jogadores. Se alguém
apostar que fará cinco vazas e conseguir, ganhará 50 pontos. Mas se uma
pessoa apostar em excesso e não conseguir tantas vazas quantas pensou
que poderia, ela perderá essa mesma quantidade de pontos. Em espadas,
todas as cartas do naipe de espadas têm a característica especial de ser
trunfos em relação às demais.
Mas o bridge é o máximo. Você não apenas aposta em quantas vazas
consegue fazer com seu parceiro (cuja mão você não pode ver), como
também que naipe será o trunfo que baterá todos os demais.
O bridge tem um bom equilíbrio entre estratégias de ataque e defesa.
Ao mesmo tempo, um jogador olha para a própria mão e tenta adivinhar o
que os outros podem ter e passar sinais para o leilão. É preciso jogar
considerando muitos aspectos de uma só vez. Como disse, começamos a
jogar bridge sem conhecer nada. Assim, todos se divertiram, pois
jogávamos no mesmo nível.
O engraçado é que pensávamos ser verdadeiros jogadores de bridge,
mas nunca poderíamos competir com os verdadeiros jogadores. Alguns
anos mais tarde, quando estava trabalhando na Hewlett-Packard, tentei me
juntar a um clube de bridge no edifício onde morava e não consegui sequer
começar a jogar com aquelas mulheres. Quer saber: nunca decorei de fato
todas essas regras de quanto se deve apostar quando se tem determinadas
mãos. Assim, tudo que acabei fazendo foi atrapalhar minha parceira.
Hoje, consigo jogar bridge bastante bem, mas somente porque por anos
a fio, todos os dias, eu lia a coluna de bridge no jornal até decorar as
fórmulas.

Durante a faculdade, trabalhei em um de meus projetos favoritos, que


chamei TV Jammer.
O TV Jammer surgiu de algo que vi Elmer, pai de um velho amigo meu,
Allen Baun, fazendo durante um verão, anos atrás. O senhor Baun era
engenheiro e desenhava em um pedaço de papel o projeto de um pequeno
circuito. Esse projeto incluía um transistor, um par de resistores, um
capacitor e uma bobina que podia emitir um sinal dentro da faixa de
frequência da TV. Olhei para ele pensando como seria legal se fosse
possível sintonizá-lo da mesma forma que era possível ajustar o rádio
transistor: apenas girando um botão. Assim, criei alguns desses circuitos –
aparelhos que permitiam interferir na TV desde que fossem ajustados na
frequência correta. Eram bem legais.
Dessa forma, em algum momento durante meu primeiro ano no
Colorado, pensei que era hora de me divertir um pouco com o TV Jammer.
Então fui até a loja Radio Shack e procurei os transistores. Vi que eles
tinham um transistor único graduado de 50 MHz em diante até as
frequências da TV. Comprei esse. E comprei também um transistor de rádio
para poder tirar algumas peças dele, como resistores de certos valores e o
capacitor de sintonia (peça à qual o botão de sintonia se conecta), o que me
daria uma faixa muito grande de sintonia.
Enrolei manualmente uma bobina com um fio grosso que eu já possuía
– cerca de três voltas –, soldei uma pequena tampa na metade inferior de
uma das voltas e coloquei um capacitor lá. O aparelho todo era bem
pequeno, tão pequeno como meu dedo mindinho. Eu o montei sobre a caixa
de uma bateria de 9 volts, com um aspecto bem bonito. Sabe aquele
pequeno clipe em cima da bateria de 9 volts? Eu o tirei, soldei
manualmente aos conectores de meu pequeno circuito TV Jammer, e depois
juntei outra bateria de 9 volts como fonte de energia. Assim, podia carregar
essa caixa de bateria de 9 volts com o TV Jammer totalmente escondido
dentro dela. Exceto por um pequeno fio de 15 centímetros que funcionava
como antena, que eu tinha de colocar de lado para transmitir. Eu o escondi
na manga da camisa.
Procurei um amigo para testar o dispositivo na TV dele – ele tinha uma
pequena TV em preto e branco no quarto – e com certeza fui capaz de
interferir na imagem.
Então fui até o salão principal de nosso dormitório, onde todos estavam
assistindo a uma enorme TV em preto e branco. Sintonizei o TV Jammer e,
pronto, a imagem saiu do ar. Eu pensei: Nossa! Essa brincadeira é divertida.
Um dia mostrei o TV Jammer para Randy Adair, meu amigo cristão, e
ele disse: “Você devia tentar na TV colorida que fica no porão do Libby Hall”
(o dormitório das meninas).
Fui até lá e vi um monte de rapazes e garotas. Parece que eles ficavam o
tempo todo ali, assistindo à TV. Instalei-me no fundo do porão, onde podia
ficar um pouco na penumbra, e liguei o TV Jammer, esperando que tirasse a
imagem do ar. No entanto, ele só a distorceu um pouco.
Sem ter planejado nada, meu amigo Randy, sentado na primeira fileira
de cadeiras, inclinou-se sobre a TV e bateu nela com bastante força.
Instantaneamente, fiz a imagem da TV voltar a ficar boa, o que, é claro, fez
todo mundo ali pensar que bater na TV funcionava. Esperei alguns minutos
e interferi novamente. A imagem ficou distorcida e Randy bateu de novo no
aparelho. Então, mais uma vez, corrigi a imagem. Alguns minutos depois,
interferi de novo, mas deixei Randy bater três ou quatro vezes antes de
seus golpes “funcionarem”.
Assim, todos que estavam naquele porão iriam pensar que bater com
força fazia o aparelho de TV funcionar melhor. Todos pensaram que algo
deveria estar solto dentro da TV, e que se alguém batesse nela com força,
isso a faria funcionar direito. Foi quase como um experimento psicológico –
exceto pelo fato de que, como observei, os humanos aprendem melhor que
os ratos. Mas os ratos aprendem mais rápido.
Mais tarde naquela noite, Randy não se levantou para bater na TV –
outra pessoa o fez. E eu estava esperando isso acontecer! Outra pessoa
golpeou a TV e eu a fiz funcionar. Aha! Toda uma audiência de cobaias. Eu
não podia ter desejado mais. Por quase duas semanas fui lá todas as noites
para ver as pessoas batendo na TV. Quando isso não funcionava, elas
começavam a ajustar a sintonia fina – naquele tempo as TVs vinham com
controle de sintonia –, e eu trabalhava com calma o TV Jammer para que se
sintonizassem corretamente, a TV voltasse a funcionar.
Depois de um tempo, se alguém tocasse o sintonizador e o ajustasse
para consertar a imagem, eu fazia a TV funcionar. Mas quando a pessoa
tirava a mão, a tela ficava ruim novamente. Isto é, até alguém voltar a
colocar a mão no controle de sintonia. Eu era como um manipulador de
fantoches – com bonecos vivos sob meu controle.
Passado algum tempo, as pessoas pegaram essa superstição de que era
importante o lugar onde ficavam na sala. Lembro-me uma vez de que havia
três pessoas tentando consertar a TV. Dessa vez esperei que fizessem
alguma coisa interessante para consertar a imagem, de forma que eu
pudesse fazê-las pensar que elas é que a haviam corrigido. Um dos três
sujeitos estava com uma das mãos no meio da tela da TV e com um dos pés
apoiado em uma cadeira. Ao ver a mão do rapaz tocar acidentalmente o
meio da tela da TV, peguei meu aparelho e consertei a imagem. Daí um
outro rapaz avisou: “Ei! A imagem ficou boa!”. Todos relaxaram. Quando o
rapaz em frente da TV tirou a mão da tela, deixei a imagem ruim
novamente.
O sujeito ajustando os botões na parte de trás da TV disse: “Vamos
tentar ficar na posição em que estávamos antes e talvez a TV volte a
funcionar”.
Então o rapaz da frente colocou mais uma vez uma mão no meio da tela
e eu consertei a imagem. Ele testou tirando a mão – fiz a imagem ficar ruim
– e depois colocando-a de novo na tela – fiz a imagem ficar boa novamente.
E nesse momento observei que ele havia tirado o pé da cadeira. De
novo, interferi na imagem. Quando o rapaz colocou o pé de volta na cadeira,
ele pareceu assustado ao ver que a imagem estava clara novamente. Meu
Deus! Fui bom em conseguir fazer isso durante tanto tempo sem nunca ser
pego!
Em seguida, esse mesmo rapaz se virou para as outras pessoas no
porão e anunciou em voz alta: “Efeito de aterramento”. Ele tinha de ser um
estudante de Engenharia para conhecer uma palavra como aquela.
Cerca de uma dezena ou mais de estudantes ficou no porão naquele dia
para assistir à segunda meia hora de Missão impossível com a mão de um
dos sujeitos no meio da TV! E as TVs da época eram bem pequenas.
O único problema é que fui longe demais. Nas semanas seguintes,
praticamente ninguém apareceu naquela sala de TV. Já tinha sido
suficiente.

Tempos depois, as pessoas voltaram a assistir TV naquela sala. Eu


poderia mais uma vez brincar com elas e me divertir bastante. Algumas
vezes as pessoas teriam de golpear a TV na parte de cima do aparelho o
mais forte que pudessem. Outras vezes, três pessoas precisariam mexer na
TV ao mesmo tempo para tentar consertá-la: uma batendo, outra
sintonizando, e uma terceira mexendo no botão de cor na parte de trás da
TV, que ajustava as quantidades de verde, vermelho e azul que a imagem
deveria ter. Depois disso, eu já não era suficiente para fazer a imagem
voltar. Foi quando resolveram chamar um técnico.
Depois da visita do técnico, ouvi alguém mencionando na sala de TV
que ele dissera ser um problema de antena. Interferi na TV de novo e o que
fizeram? É claro que alguém pegou o fio da antena e o levantou acima da
cabeça. Nesse momento consertei a imagem. Foi só a pessoa abaixar o fio
que fiz a imagem ficar ruim novamente. Para cima, bom; para baixo, ruim.
Passado algum tempo, fiz que a pessoa tivesse de segurar a antena cada vez
mais alto. Ver um sujeito tentando assistir aos últimos cinco minutos de um
programa qualquer e se esticando todo até o teto... foi hilário.
Exceto por Randy, nunca contei sobre isso a mais ninguém naquele
ano. Achei incrível que em nenhum momento alguém tivesse suspeitado
que todos estavam sendo vítimas de uma brincadeira. Nunca perceberam!
Foi muito divertido. Eu jamais conseguiria inventar uma história assim tão
boa. A única vez que me arrependi de usar o TV Jammer na sala de TV foi
assistindo ao Kentucky Derby.* Claro que esperei a reta final para interferir
na TV. As pessoas se revoltaram como animais, jogando cadeiras na TV e
tudo o mais. Se soubessem que aquilo era culpa de alguém, teriam
trucidado a pessoa; estavam suficientemente descontroladas para tanto.
Senti-me horrível porque sabia que se tivessem me descoberto naquele dia,
eu teria acabado no hospital.
Existe um momento em que as brincadeiras atingem um ponto no qual
deixam de ser divertidas – passam de divertidas a assustadoras –, e esse foi
um deles.

Frequentei um curso de informática no Colorado onde levei o conceito


de interferência da TV um pouco mais adiante.
Só o fato de poder ter uma aula de informática já era incrível. Naquela
época, pouquíssimas faculdades ofereciam cursos de informática.
Praticamente não se ouvia falar em cursos assim na graduação, logo, esse
era um curso de pós-graduação. Pelo fato de estar matriculado em
Engenharia no Colorado, mesmo estando no primeiro ano, eu podia
frequentar qualquer curso da Faculdade de Engenharia, até mesmo aulas
de pós-graduação, desde que atendesse aos pré-requisitos. E por sorte não
havia pré-requisito algum para esse curso. As aulas foram incríveis:
ensinava-se tudo sobre computadores, sua arquitetura, suas linguagens de
programação, seus sistemas operacionais, tudo. Era um curso completo.
O único problema era o fato de ele ser ministrado no prédio de
Engenharia, onde as salas de aula eram realmente pequenas. Portanto, só
um terço de nossa classe conseguia ter o professor de fato na sala. Os
outros dois terços tinham de assistir à aula em um circuito fechado de TV,
em uma sala que dispunha de quatro aparelhos afixados às paredes.
Foi nesse momento que pensei: OK. Uma grande oportunidade para o
TV Jammer. Mas primeiro eu precisava fazer um dispositivo ainda menor,
uma versão ainda mais difícil de ser detectada. Então montei um TV
Jammer dentro de uma caneta esferográfica, com bateria e tudo. (Tirei a
carga da caneta e coloquei uma pilha AA. E bem na ponta da caneta instalei
um pequeno parafuso que eu apertaria manualmente para sintonizar o
dispositivo.)
Então levei o novo TV Jammer para a aula de informática. Fui para meu
lugar usual no fundo da classe, à esquerda, peguei meu pequeno
dispositivo-caneta, acionei-o e tentei interferir nas TVs. Não sabia se
conseguiria fazê-lo – não tinha sequer certeza se seria possível interferir
em TVs com antenas via cabo. Afinal, cabos coaxiais não eram comuns
naquela época. O normal eram antenas com dupla alimentação.
Mas a verdade é que todos os aparelhos de TV sofreram interferência.
O que estava mais próximo de mim não ficou com a imagem tão ruim, mas
os demais sim. Quase instantaneamente os três assistentes do professor
começaram a olhar para nós. Um deles disse: “Está bem. Quem quer que
esteja com o transmissor, desligue-o”.
Nossa! Eu nem sabia que existiam assistentes do professor na sala de
aula. Desse modo, enquanto eles estivessem olhando diretamente para nós
dizendo “desligue”, você acha que eu iria fazer qualquer movimento com a
mão e desligar o TV Jammer assim, completamente à vista? De jeito
nenhum.
Meu plano era interferir nas TVs apenas por alguns segundos, mas
agora não poderia desligar minha invenção sem ser pego.
Desse modo, fiquei sentado ali, meio assustado, com medo de me
mover, porque eles estavam observando os alunos de perto. Eu não podia
sequer colocar a mão perto do dispositivo, com medo de fazer as imagens
nas telas tremer. Portanto, também não podia pegar a caneta esferográfica
e desligar o TV Jammer, pois o colega ao meu lado poderia me ouvir. E
então os assistentes saberiam que eu era o responsável pela interferência.
No final, os assistentes se sentaram, mas continuaram nos olhando.
Não havia nada que pudessem fazer. Na verdade, as TVs não estavam com
uma interferência tão grande assim que não pudéssemos ouvir e ver o
professor ou tomar notas. Então a aula simplesmente continuou com todos
nós assistindo às TVs com interferência.
Eu estava com minha caneta esferográfica/TV Jammer repousando
entre os dois anéis de meu fichário quando, de repente, o sujeito sentado
do lado direito da sala, mais perto da TV com a maior interferência, decidiu
juntar suas coisas e sair antes do fim da aula. Foi nesse momento que decidi
fazer as TVs voltar a funcionar quando ele estivesse saindo. Senti que
poderia escapar dessa forma. Não pude resistir.
Enquanto o rapaz saía, a imagem da TV no fundo da sala, do lado
direito, ficou perfeita. Um dos assistentes apontou para ele e disse: “Lá está
ele”.
As brincadeiras são um entretenimento, uma diversão. E eu não apenas
consegui pregar a peça como a manobrei de forma a parecer que outra
pessoa estava por trás dela. O que é um passo além da velha regra: “Não
seja pego”. Aprendi a utilizar essa técnica muitas vezes durante minha
carreira de pregador de peças. Se estiver chocado com o fato de eu
conseguir enganar as pessoas com minhas brincadeiras e não me sentir
culpado, lembre-se de que a forma básica de entretenimento é inventar
histórias. Isso é comédia.
Não sei se chegaram a fazer algo com aquele rapaz, mas duvido. Espero
que não. Afinal, eles não poderiam pegá-lo com um TV Jammer. Até onde
sei, eu possuía o único.

Mas acabei tendo alguns problemas naquele ano.


Comecei desenvolvendo programas que faziam os computadores
cuspir papel e mais papel das impressoras que todos precisavam usar no
Centro de Computação da Universidade do Colorado, o que não era grande
coisa. Mas lembro-me de ter pensado: OK, para que servem os
computadores? Para calcular números. Os cálculos sempre foram
fundamentais em minha associação com os computadores. Então tentei
pensar em algo realmente engenhoso.
Desenvolvi sete programas, todos muito simples, mas extremamente
interessantes em termos matemáticos. Um deles lidava com o que chamei
“números mágicos do computador”. Eles seriam as potências de dois. Assim
21 é igual a 2; 22 é igual a 4; 23 é igual a 8; e 24 é igual a 16. Esses são os
números binários com os quais todos os computadores trabalham, logo, são
os mais especiais entre todos os números usados em computação.
Preparei para que a impressora gerasse os resultados formatados de
uma forma que fosse legível. Por exemplo, uma linha diria: 1, 2. Isso
significava que 2 elevado à primeira potência é igual a 2. A linha seguinte
diria 2, 4, ou seja, 2 elevado à segunda potência é igual a 4. Como é possível
imaginar, os números ficam bem grandes muito rapidamente. Por exemplo,
2 elevado à oitava potência é igual a 256; 2 elevado à 16a potência é igual a
65.536. Portanto, em pouco tempo, eu estava preenchendo páginas e mais
páginas com esses números muito longos! Após uma determinada
quantidade de páginas, as potências de 2 tomariam quase uma linha inteira.
Depois expandiriam para duas ou três linhas. No final, chegaria a um ponto
em que cada número poderia preencher uma página inteira ou mais!
Outro programa trabalhava com os números de Fibonacci: números
que se apresentam em sequências como 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, ... Cada
número de Fibonacci é a soma dos dois números que o precedem. Portanto,
é uma sequência que nunca termina. Todos meus programas faziam isso:
calculavam números nessas ridiculamente longas sequências.
Alguns programas possuem loops e não param de rodar porque existe
um bug, isto é, um problema, com eles. Isso chama-se loop infinito, sobre o
qual já falei aqui. Seja como for, o Centro de Computação automaticamente
expulsava qualquer programa que rodasse por mais de 64 segundos. Assim,
imaginei que todos meus programas conseguiriam imprimir 60 páginas em
menos de 64 segundos, por isso escrevi cada um deles para imprimir
somente 60 páginas, todas numeradas (página 1, página 2 etc). Desse
modo, da próxima vez que eu rodasse um programa, ele imprimiria as 60
páginas seguintes começando na página 61, e assim por diante. Desenvolvi
todos meus programas de forma que perfurassem alguns cartões que eu
pudesse utilizar da próxima vez, para que os programas pudessem
continuar de onde haviam parado.
Todas as manhãs, eu ia ao Centro de Computação e colocava meus sete
programas para funcionar. Por volta do meio-dia eu pegava as impressões e
voltava a rodar os programas. Depois, à tarde, eu os rodava de novo. Nesse
esquema, eu obtinha três rodadas por dia vezes 60 páginas vezes sete
programas – tudo isso acumulando em meu quarto no dormitório. Mike,
meu colega de quarto, começou a ficar um pouco aborrecido com todo o
espaço que eu estava tomando: eram resmas e resmas, metros e metros de
papel de computador, tudo empilhando em meu quarto.
Então, certa tarde, fui ao Centro de Computação para a rodada da tarde
e meus programas não estavam lá. Havia uma nota dizendo que eu deveria
procurar meu professor imediatamente.
Fui vê-lo em seu escritório. Ele me disse: “Muito bem, sente-se”. Então
ligou um gravador e começou a gravar nossa conversa. Lembro-me de ter
ficado um pouco amedrontado.
– Você tem rodado seus programas – ele disse.
– Sim – eu respondi. – Estamos em uma aula de programação. Estou
aprendendo a programar. Rodei os programas com minha senha de
estudante. Não tentei esconder o fato de que os estava rodando.
– Isso não tem nada a ver com nosso curso – ele continou.
– Isso é FORTRAN – eu respondi.
– Isso não é o FORTRAN que nós ensinamos – ele retrucou.
E estava certo. Porque fui direto aos manuais para encontrar alguns
pequenos truques de símbolos matemáticos. Eu tinha ido muito além da
programação simples, e ambos sabíamos disso.

O que é FORTRAN?
FORTRAN é uma linguagem de computador desenvolvida nos anos 1950 e ainda bastante
utilizada em computação científica e computação numérica meio século depois. O nome
vem do termo Formula Translation [Tradução de Fórmulas]. Por ser uma linguagem
compilada, é normalmente mais rápida e mais eficiente que uma linguagem interpretada
como o BASIC.

Meu professor disse que precisou de um bom tempo estudando meus


programas para descobrir o que eles faziam, até que finalmente entendeu.
– Você está tentando me pegar? – ele perguntou.
Pegá-lo? Não sabia o que ele queria dizer com aquilo. Imagino que se
sentiu ameaçado pela agitação que estava acontecendo em torno da Guerra
do Vietnã. O grupo Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS, na
sigla em inglês) era grande naquele campus. Mas eu era totalmente
apolítico, exceto por ter me registrado uma vez no Clube dos Universitários
Republicanos! Quer dizer, eu era apenas um estudante de Engenharia
moderado e obediente que nunca se envolveria em algo politicamente
subversivo.
– Querendo pegá-lo? – eu questionei.
Não tinha a menor ideia sobre o que ele estava falando.
Então meu professor pegou o telefone e ligou para alguém no Centro de
Computação.
– Esses programas... O senhor Wozniak deve ser cobrado pelo tempo de
uso do computador.
Somente naquele momento descobri o que havia feito. Eu havia usado
cinco vezes mais do tempo de computador orçado para minha classe. Eu
nem sabia que existiam orçamentos. Apenas pensava que em um curso de
informática os alunos tinham o computador à disposição. Uma suposição
lógica. Então percebi que havia rodado toda aquela quantia de dinheiro na
conta dele, e meu palpite era que ele estava me usando para se livrar disso.
Não pensei que ele iria realmente cobrar de mim, um estudante. Do
primeiro ano. Mas estava assustado porque a quantia da qual ele falava era
de milhares de dólares – várias vezes o valor da mensalidade para alunos
vindos de outros estados.
Portanto, foi assim que ficou bastante claro para mim, no final daquele
ano escolar, que eu não iria criar um problema para meus pais e tentar
voltar para o Colorado. Meu caso sobre abuso no uso do computador estava
em análise. Não deixaria meus pais descobrir. Não queria que eles fossem
cobrados e tivesse de pagar uma quantia enorme de dinheiro. Foi assim
que decidi ir para De Anza no ano seguinte em vez de retomar meus
estudos no Colorado.
O que realmente me incomoda quando penso nisso agora é que eles
não deveriam ter me cobrado, mas me elogiado por fazer sozinho todos
aqueles programas brilhantes.
E eu deveria ter tirado um A+ naquele curso.

Então lá estava eu, de volta em casa, e frequentando a faculdade De


Anza. Passei bastante tempo projetando e refazendo computadores no
papel, que era o que eu fazia na época do colégio. Trabalhava nisso da
mesma forma que pegava manuais de minicomputadores populares da
época (computadores do tamanho de uma caixa de pizza montados em
prateleiras da Varian, Hewlett-Packard, Digital Equipment e outras
companhias em 1969 e 1970) e os redesenhava várias vezes no papel para
que utilizassem menos chips e rodassem programas de forma mais
eficiente.
Quando concluí meus estudos na De Anza, tinha literalmente projetado
e refeito alguns dos computadores mais conhecidos do mundo. Sem dúvida,
tornei-me um especialista em projetá-los, porque refiz seus protótipos
dezenas de vezes. Fiz tudo menos montá-los de fato. Não tinha dúvidas de
que se algum dia assim o fizesse, eles funcionariam. Eu era uma espécie de
especialista virtual – e digo isso no sentido que se usa a palavra “virtual”
em informática. Nunca montei esses computadores, mas estava tão
familiarizado com seus componentes internos que poderia desmontar
facilmente qualquer um deles e reconstruí-los de forma que ficassem mais
baratos, melhor e mais eficientes.
Nunca tive coragem de pedir amostras grátis para as fábricas de chips,
pois na época eram muito caros. Mas um ano mais tarde conheceria Steve
Jobs, que me mostrou como era corajoso ao conseguir chips grátis somente
chamando representantes de vendas. Eu nunca conseguiria fazer isso. O
fato de nossas personalidades serem introvertida e extrovertida (adivinhe
quem é quem) realmente nos ajudou naquela época. O que um achava
difícil, o outro muitas vezes realizava com bastante facilidade. Exemplos
desse trabalho em equipe estão por toda parte desta história.

Certa vez, na De Anza, meu professor de Física Quântica disse:


“Wozniak. Esse não é um nome comum. Conheci um Wozniak uma vez. Um
Wozniak que foi para a Caltech”.
– Meu pai – eu disse. – Ele foi para a Caltech.
– Bem, ele foi um grande jogador de futebol americano.
– Isso mesmo, meu pai – eu disse – Ele foi quarterback* do time.
– Sim – o professor concluiu. – Nós nunca íamos aos jogos de futebol
americano, mas na Caltech íamos só para ver Jerry Wozniak jogar. Ele era
famoso.
Sabe, acho que meu pai foi um dos melhores quarterback da Caltech.
Ele até foi sondado pelo Los Angeles Rams, embora não se deva pensar que
ele era bom o suficiente para jogar como profissional. Ainda assim, era legal
ouvir de meu professor de Física que ele se lembrava de meu pai por seu
futebol. Isso me fez sentir que compartilhava uma história com ele. Esse
professor até me levou um jornal da Caltech daquela época com uma foto
de meu pai em seu uniforme de jogador.
Porém, eu não me dava bem com todos os professores. Eu estava
frequentando um curso de Matemática em nível avançado e o professor me
pegou não prestando atenção ao que dizia (eu estava tentando imaginar
como desenvolver um compilador FORTRAN em linguagem de máquina
para o Data General Nova).
Eu estava apenas na primeira linha, quando se deve inserir algo e
guardá-lo na memória, quando ele disse: “Você tinha tanto potencial,
Wozniak. Bastava dar um pouco de si nesta matéria”.
Doeu-me a forma como ele disse aquilo na frente de toda a classe. Não
era necessário. Eu apenas queria ficar sentado na classe e fazer o que tinha
vontade de fazer. Talvez estivesse entediado, não sei. Eu era o tipo de
pessoa que lia o livro, fazia a prova e tirava boas notas em matérias como
Matemática.

Também foi em De Anza que sofri uma reviravolta mental em assuntos


políticos. Comecei a pensar seriamente sobre se a Guerra do Vietnã era
certa ou errada. A quem ela estava ajudando? Será que tínhamos de estar
lá?
No tempo do colégio, fui favorável à guerra. Meu pai me disse que
nosso país era o maior do mundo e meu pensamento era igual ao dele:
devíamos nos levantar e defender a democracia contra a ameaça do
comunismo; e as razões disso residem na Constituição dos Estados Unidos.
Nunca havia pensado profundamente sobre questões políticas além disso, e
estava realmente do lado de meu país, estando ele certo ou errado. Quer
dizer, eu defendia meu país da mesma forma que defendemos o time da
escola, estando ele certo ou errado. Na Universidade do Colorado, o Clube
dos Universitários Republicanos foi o segundo clube ao qual me filiei (o
primeiro foi o Clube de Radioamador). Não me associei a mais nada depois
disso.
Mas comecei a pensar na razão pela qual tantas pessoas protestavam
contra a guerra de forma tão visível. Muitos acadêmicos e jornalistas
falavam sobre a história do povo vietnamita e tinham explicações sobre o
porquê de a posição dos Estados Unidos estar errada. Tratava-se de uma
guerra civil envolvendo tratados, acordos e uma história que não afetava
nem um pouco os Estados Unidos. O problema é que eu não conseguia
encontrar uma explicação acadêmica convincente vinda do lado a favor da
guerra além do constante refrão de que estávamos fazendo o bem. A única
coisa que diziam era que estávamos lá protegendo a democracia.
Um de meus maiores problemas era que o Vietnã do Sul, que
supostamente estávamos protegendo, não chegava nem perto de ser uma
democracia. Estava mais para uma ditadura corrupta. Como podíamos nos
levantar e defender uma ditadura? Comecei a ver que havia muito mais
verdade no lado das pessoas contrárias à guerra.
Os que se opunham à guerra também falavam sobre como a paz era boa
em comparação com a guerra. Certamente o mundo não consegue viver em
perfeita paz e harmonia, mas é um bom ideal. Eu tinha aprendido sobre
Jesus com meu amigo Randy Adair, da faculdade; aprendido que Jesus
sempre tentou encontrar caminhos para a paz. Embora não seja cristão
nem pertença a nenhuma religião, o que a figura histórica de Jesus defendia
são coisas que eu também defendo, e as histórias que Randy me contou
sobre ele me atingiram emocionalmente. Não acredito em violência ou em
ferir as pessoas.
Em De Anza pensei profundamente sobre a guerra. Eu me considerava
atlético e corajoso. Mas atiraria em outro ser humano? Lembro-me de estar
sozinho, sentado à mesa de fórmica branca de meu dormitório, chegando à
conclusão de que poderia deixar alguém atirar em mim, mas que eu não
conseguiria atirar de volta.
Pensei: E se eu estivesse no Vietnã atirando em algum sujeito? Ele é
exatamente como eu, esse sujeito. Ele senta exatamente como eu. Joga cartas
e come pizza, ou algo parecido, exatamente como as pessoas normais que
conheço. Ele tem uma família. Por que eu iria querer machucar essa pessoa?
Ele deve ter suas razões para estar onde está no mundo. E o Vietnã tinha
suas razões – mas nenhuma delas nunca me tocou na Califórnia.
Desse ponto de vista, pude ver como aquela guerra poderia ser
bastante perigosa para mim. Porque eu era moral e verdadeiramente
contrário a ela em todos os sentidos (eu era um pacifista). Mas os militares
só consideram alguém um pacifista se essa pessoa fizer parte de alguma
igreja (que a exime dos deveres em conflitos), e eu não pertencia a
nenhuma. Não tinha religião. Tinha somente minha lógica.
Logo, eu não era um opositor consciencioso. Eu apenas contestava o
fato de precisar matar ou ferir alguém pessoalmente.
* Exame educacional realizado em todos os Estados Unidos e aplicado a alunos do ensino médio
como critério para admissão em universidades. (N. T.)
* Competição anual de turfe disputada em Churchill Downs Racecourse, Louisville, Kentucky, nos
Estados Unidos. (N. T.)
* Um dos principais jogadores da equipe ofensiva de um time de futebol americano; ele é
responsável por lançar a bola para os corredores e atacantes. (N. T.)
5 Os dias do Cream Soda

Quando estava com cerca de 19 anos, li os Papéis do Pentágono* e


entendi o que realmente estava acontecendo no Vietnã. Em consequência
disso, comecei a ter alguns sentimentos conflitantes e brigas desagradáveis
com meu pai.
Na época ele estava bebendo muito e não era a melhor pessoa para
travar uma discussão. Mas àquela altura eu tinha para mim uma nova
verdade que substituía minhas antigas crenças com uma força ainda maior.
Passei a acreditar na paz. E comecei a perceber até onde podem ir os
governos para fazer o povo acreditar neles.
Os Papéis do Pentágono mostraram o que as pessoas realmente sabiam
sobre a CIA e o Pentágono, e que o presidente dos Estados Unidos estava
sendo cuidadosamente orientado a fim de utilizar as palavras corretas e
mentir para o povo americano. Ele estava ocultando a verdade para
enganar os americanos, fazendo-os pensar que deveriam realmente apoiar
o conflito. Por exemplo, esse relatório tratava do incidente no Golfo de
Tonkin – que nunca ocorreu da forma como o governo americano disse que
ocorreu. E também afirmava como, em cada batalha, sempre era informado
à população que haviam morrido dez vezes mais vietnamitas que
americanos, apesar de ser impossível contar os corpos. A maioria dos
americanos acreditava nessa porcaria. E os Papéis do Pentágono
documentaram essa trapaça deliberada.
Descobrir isso foi uma das coisas mais difíceis com as quais precisei
lidar em toda minha vida. Na verdade, não fui criado para acreditar que
uma democracia como a nossa espalharia esse tipo de mentiras. Por que o
governo dos Estados Unidos tratava o povo americano como inimigo e o
enganava propositadamente? Eu não via sentido nisso.
Depois desse episódio, o pior, para mim, não foi a Guerra do Vietnã em
si, mas a dor e o sofrimento que ela causou às pessoas. É por isso que
enquanto me tornava adulto, comecei a adquirir uma nova ética: uma
profunda preocupação com a felicidade e o bem-estar das pessoas. Eu
estava apenas começando a entender que o segredo da vida – e isso ainda é
verdade para mim – reside em encontrar uma maneira de ser feliz e de se
sentir satisfeito com a própria vida, e também de fazer as outras pessoas
felizes e satisfeitas com a vida delas.

O Golfo de Tonkin
Nem todos que lerem isto vão se lembrar desse incidente, mas o fato de ele ter vindo à
tona foi fundamental na mudança de meus sentimentos em relação à Guerra do Vietnã.
O incidente do Golfo de Tonkin ocorreu em agosto de 1964. Trata-se do alegado ataque,
realizado por barcos de guerra do Vietnã do Norte, contra dois destróieres americanos (o
USS Maddox e o USS C. Turner Joy). Uma investigação posterior indicou que a maior parte
desses supostos ataques de fato não ocorreu.
De acordo com os Papéis do Pentágono e vários outros relatos, tais ataques foram em
grande parte inventados pela administração do presidente americano Lyndon B. Johnson.
A Marinha dos Estados Unidos apoiava o regime sul-vietnamita, que vinha atacando
instalações de processamento de petróleo no Vietnã do Norte, mas foi a CIA que ajudou a
planejar e a apoiar esse episódio, dando assim, ao governo americano, um bom motivo
para envolver os Estados Unidos no conflito.

Mesmo no colégio, quando acreditava na verdade com V maiúsculo, eu


estava disposto a mudar minhas crenças se alguém me mostrasse uma
alternativa melhor. E foi exatamente isso que os Papéis do Pentágono
fizeram por mim: eles me revelaram que até o presidente dos Estados
Unidos estava sujeito às pressões do complexo industrial-militar, a maior
instituição americana. Após tomar conhecimento disso, decidi não votar,
pois qualquer que fosse meu voto, ele não teria importância. Entendi que
teria praticamente a mesma vida, independentemente de quem fosse eleito.
Concluí, então, que o melhor era sequer me dirigir à cabine de votação.
Mas eu votei algumas vezes. Votei em um sujeito chamado George
McGovern, que prometeu encontrar uma maneira de acabar com a guerra.
Votei também em Jimmy Carter, porque as palavras ditas por ele pareciam
vir do mesmo ponto de vista filosófico que o meu. Ele acreditava, da mesma
forma que eu, que a guerra era a última alternativa, não a primeira.
Votei em George W. Bush em 2000, porque pensei que seria bom ter
uma pessoa de nível mediano na Casa Branca em vez de alguém esperto e
bem-educado. Uma pessoa que só conseguisse falar usando palavras
bastante simples. OK, estou brincando. O fato é que votei em Ralph Nader,
mas como todos os especialistas da época diziam que um voto em Nader
era um voto em Bush, agora conto para as pessoas que votei em Bush só
para ver a cara de espanto delas.
Falando sério, ainda penso naquela época com muita dor, pois meu pai
me criou dizendo que tínhamos o melhor governo do mundo; ele me
ensinou que o governo americano era o melhor que podia existir, mesmo
com suas falhas, e essa visão acabou desmoronando. Quando era criança,
meu pai me contou que o propósito do governo era cuidar da população e
melhorar a condição de vida das pessoas.
Claro que durante a Guerra do Vietnã havia um alistamento
obrigatório. Quando os rapazes atingiam 18 anos de idade, tinham de se
alistar. Estudantes universitários recebiam o que era chamado de
adiamento 2S; os outros eram classificados como 1A. Isso significava que a
qualquer momento os militares poderiam chamá-los e enviá-los para um
campo de treinamento.
O governo tinha um ano para convocar os rapazes classificados como
1A. Depois desse período, quem não fosse convocado era dispensado. Por
isso, nem todos os 1A serviram.
Submeti meu histórico escolar ao conselho de alistamento de San Jose a
fim de obter meu adiamento 2S, mas não o apresentei com o formulário
apropriado exigido pelo governo, por meio do qual constatariam que eu era
estudante universitário. Por engano, enviei somente o histórico.
Alguns meses depois, com grande atraso, recebi uma notificação
dizendo que o conselho de alistamento de San Jose havia votado por 5 a 3
pela minha classificação como 1A. O quê? Mas eu era estudante.
Foi quando decidi que iria para a prisão, ou para o Canadá, ou, mais
provavelmente, tentaria ser dispensado por um juiz em vez de ir para o
Vietnã. De fato, um juiz em San Jose, de nome Peckham, havia dispensado
alguns jovens como pacifistas, apesar de eles não serem membros de uma
igreja.
E um dos dispensados foi Allen Stein, um dos mais brilhantes alunos de
Matemática do meu colégio. Que coincidência! Diante disso, eu tinha bons
motivos para esperar que o mesmo ocorresse comigo.
Portanto, como de qualquer maneira eu já era um 1A, fiquei um ano
sem estudar, apenas programando computadores para ganhar dinheiro a
fim de pagar o terceiro ano da faculdade e comprar um carro.
Mas foi nesse momento que algo incrível aconteceu. O Congresso dos
Estados Unidos decidiu criar um tipo de loteria de alistamento, através da
qual os classificados como 1A saberiam a probabilidade de ser chamados.
Achei isso ótimo, afinal, me ajudou a planejar minha vida.
A loteria de alistamento seguia o seguinte critério: a ordem de
convocação era estabelecida pela data de nascimento das pessoas, assim,
um número de 1 a 366 seria atribuído a cada data de nascimento. Por
exemplo, 1º de janeiro poderia ser sorteado com o número 66; 2 de janeiro
poderia ser sorteado com o número 12; era algo totalmente aleatório.
Durante a semana anterior ao anúncio dos resultados da loteria, tive
uma sensação que nunca havia sentido antes – e que nunca mais senti. Uma
sensação de calor físico, como se eu estivesse para ser protegido porque
iria obter um número alto na loteria. Naquele momento, eu tinha um grau
de certeza mais forte do que jamais havia me permitido ter diante do
desconhecido. Não consigo explicar. Não sou, absolutamente, uma pessoa
supersticiosa. Sempre acreditei na realidade, na verdade, no que pode ser
provado. Mas aquilo estava tão certo em minha cabeça, que fiquei
passeando de bicicleta pelas ruas só sorrindo, sorrindo cada vez mais
acerca daquela certeza. Não conseguia parar. Foi um sentimento positivo e
fantástico que eu não poderia ignorar ou fingir que não existia.
Assim sendo, li nos jornais que no dia da loteria do alistamento eu
havia sido sorteado com o número 325. Um excelente número! Isso
significava ser praticamente certo que eu não seria convocado. É tão
estranho. Obtive um excelente número, mas não fiquei nem surpreso ou
exultante, pois sentia como se já soubesse. A sensação que tive naqueles
dias foi realmente forte.
Mas então algo terrível e inesperado aconteceu.
Cerca de uma semana depois de saber qual era meu número na loteria,
recebi uma carta do conselho de alistamento de San Jose. Ela dizia – em
uma frase – que eles me concederiam o adiamento por ser estudante
universitário.
Isso, meses depois de receber a notificação de que haviam votado por 5
a 3 para não me conceder o adiamento quando na verdade eu o merecia, já
foi bastante ruim. Mas o pior é que também significava que um ano depois
eles poderiam me classificar como 1A pela segunda vez.
Fiquei lá parado com a carta nas mãos, atônito. Estavam brincando com
minha vida. E faziam uma brincadeira de mau gosto. O requerimento que
eu enviara tempos antes para obter um adiamento estudantil estava sendo
usado como desculpa para concedê-lo naquele momento, quando já era
sabido que eu havia sido sorteado com um número 1A elevado.

Depois disso, percebi que o governo faria o que pudesse para obter
vantagem sobre o cidadão, que tudo não passava de um jogo. E isso era
exatamente o oposto da imagem que até aquele momento eu sempre tivera
do governo americano. Esse episódio ensinou-me uma importante lição
sobre governo, autoridade, e até mesmo sobre a polícia: não se pode
confiar que farão a coisa certa.
Então tive de voltar ao conselho de alistamento e solicitar que
mantivessem meu 1A – o que eu seria de qualquer forma, naquele
momento ou mais tarde – e o mesmo número sorteado. Felizmente eles
concordaram.
Não consigo sequer descrever o choque e o desgosto que senti em
relação ao governo dos Estados Unidos: que eles jogariam esse tipo de jogo
com minha vida, que eles não se preocupavam com as pessoas da forma
que meu pai havia me ensinado. Eu pensava que o governo existia para
proteger as pessoas, mas estava enganado. A partir daquele momento,
passei a acreditar que o governo estava disposto a fazer o bem somente
para ele próprio, e que mentiria sobre qualquer coisa que pudesse a fim de
conseguir o que queria. Eles não estavam lá para tomar atitudes sensatas, e
haviam brincado com minha vida da pior maneira possível.
Dali em diante, meu pai e eu entramos em completo desacordo. Nunca
mais confiei em autoridade alguma depois disso. O que é ruim, porque
desde a fundação da Apple e tudo mais, encontrei muitas pessoas boas no
governo americano. Mas ainda assim, essa sensação de desconfiança paira
sobre mim. Dificilmente acredito em algo que leio.
Portanto, entre o tempo em que era criança, quando meu pai me
ensinou uma ética extrema, e o tempo em que percebi o que estava
acontecendo com a Guerra do Vietnã, mudei profundamente; uma mudança
de 180 graus. Tornei-me cético. Parei de acreditar cegamente nas coisas.
Foi um importante ponto de ruptura. Perdi a confiança que sempre tivera
nas instituições, uma confiança que nunca mais voltou.
Jurei a mim mesmo empenhar minha vida para não deixar que algo
como a Guerra do Vietnã algum dia voltasse a acontecer com os jovens.
Talvez você já tenha visto algumas fotos minhas dos tempos de
juventude e achado que eu parecia um hippie. Talvez um pouco. Mas deixe-
me dizer uma coisa: nunca fui, de fato, um hippie.
Até tentei, mas jamais consegui ser o que eles eram – nem nos últimos
anos do colégio nem na faculdade, onde inúmeros protestos estavam
acontecendo. Tentei me entrosar com os hippies porque tínhamos os
mesmos pontos de vista políticos, mas como não usava drogas, eles
normalmente me pediam para ir embora. Mas mesmo assim eu queria ficar
perto deles, pois sentia que minha mente era muito aberta – tão aberta
quanto a deles – e que tinha dentro de mim tudo o que defendiam. Queria
que fossem abertos comigo, mas as drogas ficavam no caminho. Os hippies
não confiavam em mim porque eu não usava drogas com eles.
Eu acreditava em quase tudo que eles estavam tentando fazer. Sabia
que tudo o que lia sobre os hippies e suas crenças no final dos anos 1960 –
movimento do amor livre, pôr flores nas armas e tal – tinha a ver com quem
eu era e com quem eu queria ser. Acreditava (da mesma forma que os
hippies) que todos deveriam ser capazes de se dar bem uns com os outros e
ajudar uns aos outros a viver qualquer que fosse o tipo de vida que
desejassem. Acreditava também ser possível um mundo sem estruturas,
leis, organização ou política.
As pessoas deveriam simplesmente concordar em viver juntas e ser
boas. Eu acreditava nisso de verdade. Fui tremendamente influenciado
pelos pensamentos e filosofias hippies.
Na época, eu usava um tipo de faixa indígena na cabeça, tinha o cabelo
bastante comprido e havia deixado a barba crescer. Do pescoço para cima
eu parecia Jesus Cristo, mas do pescoço para baixo ainda usava roupas de
jovens normais, roupas de um jovem engenheiro: calças compridas e
camisa com colarinho. Nunca usei as roupas estranhas dos hippies. Eu ainda
estava no meio-termo; ainda me portava do jeito que havia sido criado. Não
importava quanto tentasse, era como se não conseguisse sair do normal.
Hippie era um modo de vida, não apenas uma questão de roupas ou cabelo,
e eu não levava aquele tipo de vida. Não morava em lugares estranhos, sem
dinheiro, e com estranhas cortinas nas janelas. E não usava drogas. Não
queria.
Naqueles tempos, o fato de não usar drogas e de não beber tornou-me
realmente um sujeito diferente. Isto é, na época, em especial durante meu
segundo ano na De Anza e nos anos seguintes, as pessoas diziam coisas
como: “Oh, usar LSD pode expandir sua mente”. Lembro-me de um sujeito –
chamava-se John – que afirmava que todos os As que tirara na escola ele os
havia conseguido quando estava drogado.
Pensei comigo: Bem, se as drogas forem realmente boas para a mente e
puderem fazer as pessoas pensar melhor, então espere um minuto! Quando se
usa drogas, é a pessoa mais as drogas que estão funcionando, certo? Não é
apenas a pessoa. E eu realmente queria ser bem-sucedido na vida apenas
por mim e por minha mente (sozinha). Eu sabia que era brilhante e que
meu cérebro me levaria longe. Não queria conseguir as coisas com um
cérebro “aditivado”. Queria ser julgado pela minha capacidade, pelo que fiz
ou pensei sozinho. Essa era minha opinião sobre as drogas, e repito: nunca
usei nenhuma.
O mesmo valia para as bebidas: nunca fiquei bêbado até 1980, quando
tinha 30 anos de idade. E isso aconteceu em meu primeiro voo
internacional, com destino ao Sri Lanka. Como estava extremamente
apavorado, comecei a beber. E como não tinha certeza se deixavam
passageiros embriagados sair do avião, procurei desembarcar sem ajuda, e
acabei contando uma piada horrível para um funcionário da alfândega:
“Uma moça que nunca havia visto um elefante antes viu um perdido no
quintal dela. Gritando, ela chamou a polícia. ‘Tem um animal enorme no
meu quintal’, ela disse. ‘Ele está pegando os legumes com o rabo! E você
não vai acreditar onde ele os está colocando!’”.
Não me lembro se ele riu ou não. Acho que não. Não é uma piada que
eu normalmente contaria. É boba e um pouco grosseira.
Seja como for, nunca gostei de álcool. Ele faz as pessoas agir de maneira
ruidosa e descontrolada. Meu pai, por exemplo, costumava beber martínis.
E sempre notei como ele raciocinava de forma diferente quando ficava
bêbado. Principalmente quando ficou mais velho, achei que o tanto que ele
bebia e depois gritava com minha mãe havia saído do controle, afinal, meu
pai não era assim quando não estava sob efeito do álcool.
Portanto, eu não bebia nem consumia drogas, e, como já disse, isso era
um pouco esquisito para os hippies com quem queria fazer amizade
(pessoas que pensavam como eu em todos os outros assuntos). Uma coisa
triste. Durante o segundo ano na De Anza, lembro-me de quando dirigi meu
primeiro carro até Santa Cruz. Isso foi na época em que havia gente
pedindo carona em todos os lugares (o carro que eu dirigia era um
conversível de cor violeta que denominei Hubbs, em homenagem a um
professor de Química esquisito que eu tinha, mas essa piada não teve lá
muita graça, pois nem o carro nem o professor eram de fato tão esquisitos
assim).
Seja como for, parei e dei carona para um grupo de pessoas.
Definitivamente, eram todos hippies. Levei-os até Santa Cruz. Lá, passamos
algum tempo juntos, caminhando pelas passarelas de madeira, quando
percebi que uma das moças, sentada em um banco, estava amamentando.
Amamentando! Nunca tinha visto aquilo antes! Virei o rosto bem
rapidamente, mas a visão de tal cena causou uma forte impressão em mim.
Comecei a conversar com ela e imediatamente me apaixonei tanto por ela
quanto por seu bebê. Acontece que ela, o bebê e um bando de gente viviam
todos juntos em uma comunidade próxima à minha casa em Sunnyvale.
Assim, passei a ir muitas vezes de bicicleta a essa comunidade, onde parava
em um parque perto da casa deles e lia meus livros. Eu ia até lá e ficava com
eles. Nós comíamos e entoávamos mantras de ioga e coisas parecidas. Eles
me levavam aos seus encontros com professores de filosofia oriental,
realmente me expondo aos pensamentos orientais sobre paz e quietude. Eu
ouvia os princípios de meditação e ficava ali sentado, tentando levar
sozinho minha cabeça para um lugar tranquilo.
O triste dessa história é que, no final, até mesmo eles não quiseram
mais andar comigo: eu os deixava incomodados pelo fato de não usar
drogas.
Sem dúvida, foi uma época muito difícil para mim em termos sociais.
Lembro-me de uma ocasião em que estava tendo aulas noturnas na
Universidade San Jose e uma linda garota se aproximou de minha mesa na
lanchonete e disse: “Olá!”. Então simplesmente começou a falar comigo, e
eu estava tão nervoso que a única coisa que consegui pensar em perguntar
foi qual o curso que ela estava fazendo. Ela respondeu: “Cientologia”. Nunca
tinha ouvido falar naquilo, mas ela me assegurou que era uma profissão, e
eu acreditei.
Ela me convidou para ir a uma reunião sobre Cientologia e, é claro, fui.
Acabei por ficar na plateia assistindo a um sujeito fazer uma incrível
apresentação sobre como é possível ter um melhor controle sobre si
mesmo e, com isso, ser realmente feliz.
Após a reunião, a garota que conheci na lanchonete sentou comigo em
um pequeno escritório por uma hora, tentando me vender vários cursos
para ser uma pessoa melhor. Eu teria de pagar por eles.
Então disse a ela: “Já sou feliz. Tenho minhas próprias chaves para a
felicidade. Não preciso de nada. Não estou procurando esse tipo de coisa”. E
era verdade. A única coisa que eu poderia querer àquela altura era uma
namorada, isso com certeza; mas o resto, eu já possuía. Eu tinha senso de
humor e uma atitude em relação à vida que me deixava espaço para ser
feliz. Eu sabia que se desejasse ser feliz, o seria sempre por minha escolha,
somente por minha escolha.
Além disso, eu tinha os valores com os quais cresci. E já possuía uma
sensação de paz dentro de minha cabeça. Até hoje, sou daquelas pessoas
cuja cabeça simplesmente flutua. De fato, sentia-me feliz na maior parte do
tempo. E ainda me sinto.
A conclusão, claro, é que ela não me vendeu curso algum ou qualquer
outra coisa. Na verdade, ela simplesmente se afastou e nunca mais
apareceu. Quando eu disse que não estava interessado em comprar curso
algum, ela saiu andando e me deixou lá sentado, sozinho. Fiquei esperando
ela voltar. Quando percebi que isso não ia acontecer, fui embora também.
Pensei: Puxa, que coisa chata. Ela só estava querendo vender cursos; só isso.

Ao fim daquele ano na De Anza, decidi que o negócio era conseguir um


emprego onde de fato pudesse programar computadores. Pensei em
trancar minha matrícula na faculdade por um ano a fim de ganhar dinheiro
suficiente para um terceiro ano em Berkeley, talvez.
Por um tempo fiquei falando para meu pai que algum dia eu
certamente teria um Data General Nova de 4 Kbytes, afinal, esses eram
exatamente os Kbytes necessários para programar. Naquela época, era um
enorme e poderoso computador. Eu adorava sua arquitetura interna e tudo
que lhe dizia respeito. Tinha até um pôster dele em meu quarto. Então ouvi
que havia um lugar em Sunnyvale que vendia computadores Data General.
Eu e meu amigo Allen Baum fomos até lá.
O escritório era bonito e bem no meio do salão havia uma vitrine de
vidro expondo um grande computador. Ele não era do tamanho de uma
sala, como os computadores de grande porte, mas apesar de ser quase tão
grande quanto uma geladeira, era uma máquina de médio porte. E outros
equipamentos estavam acoplados a ele, como grandes impressoras e
unidades de leitura de discos do tamanho de lava-louças. Havia alguns fios
soltos nos quais os engenheiros trabalhavam. Lembro-me de ter pensado:
Nossa! Estão realmente projetando e montando um computador. Para mim,
aquilo foi um choque.
Outro choque acabou sendo o fato de ter entrado na porta errada: eu
não estava nos escritórios da Data General, mas em uma empresa menor
chamada Tenet. Allen e eu preenchemos fichas de solicitação de emprego
como programadores – e fomos chamados.
Tínhamos de programar nas linguagens FORTRAN e de máquina, que é
o mais perto da linguagem de menor nível (1s e 0s) que um computador
consegue entender. Naquele verão, ficamos conhecendo profundamente o
computador Tenet. De fato, fomos a fundo em sua arquitetura.
Pessoalmente, não pensei muito na arquitetura interna, embora tivessem
desenvolvido algo bastante bom – um computador funcional, rápido e de
baixo custo para a finalidade que tinha. Quer dizer, ele custava mais de 100
mil dólares, e isso em 1970. Fiquei impressionado. Além disso, tinha um
sistema operacional que funcionava bem e usava várias linguagens de
computador.
Claro que de forma nenhuma esse computador Tenet era parecido com
os computadores de hoje: não tinha monitor nem teclado no qual se
pudesse digitar. Possuía luzes que precisavam ser lidas em um painel
frontal e recebia informações de cartões perfurados. Mas para aquela
época, sem dúvida, era uma máquina muito legal.

Na realidade, a Tenet saiu dos negócios no verão seguinte – permaneci


na empresa por todo o período, afinal, havia decidido não voltar para a
faculdade aquele ano –, mas meu tempo lá acabou sendo realmente muito
bom.
Por exemplo, durante o verão, lembro-me de ter comentado com um
executivo da Tenet como havia passado os últimos anos projetando e
refazendo no papel computadores que já existiam, mas que nunca tinha
podido montá-los por não ter as peças.
Certa vez, na casa de meu velho amigo Bill Werner, pedi a ele que
ligasse para uma fábrica de chips, mas Bill nunca conseguiu que nos
fornecessem peças grátis. Então, na Tenet, pedi o mesmo para um
executivo, que disse: “Claro, posso conseguir as peças para você”. Acho que
ele tinha acesso a peças de amostra, e era exatamente disso que eu
precisava.
Para que ele não tivesse de me conseguir toneladas e mais toneladas de
peças – peças de que precisaria para fabricar algum tipo de
minicomputador já existente no mercado –, decidi que montaria um
computador bem pequeno, com pouquíssimos chips.
Falo de algo como 20 chips – que é muito pouco comparado com as
centenas de chips que seriam necessárias para fabricar um computador
normal daquela época.
Bem, eu tinha este outro amigo, Bill Fernandez, que morava no final do
quarteirão. Comecei a passar na casa dele e decidimos montar aos poucos,
peça por peça, um pequeno computador que eu havia projetado (no papel,
claro). Ele me ajudou com todo tipo de coisas – como soldar, por exemplo.
Seja como for, fazíamos isso na garagem dele, e depois íamos de
bicicleta até a Sunnyvale Safeway, onde comprávamos refrigerante
Craigmont, que bebíamos enquanto trabalhávamos na máquina. Por isso
começamos a nos referir a ele como Computador Cream Soda.* Na verdade,
o Computador Cream Soda era uma pequena placa de circuito que permitia
plugar conectores e soldar os chips que eu tinha para esses conectores. Era
uma placa bem pequena – diria que tinha apenas de 10 a 15 centímetros,
não mais que isso.
Da mesma forma que todos os computadores da época, não tinha
monitor ou teclado. Ninguém havia pensado nisso ainda. Em vez disso,
desenvolvia-se um programa, perfurava-se os cartões, inseria-se os cartões
na máquina, e obtinha-se a resposta ao ler as luzes piscando no painel
frontal. Ou, por exemplo, era possível desenvolver um programa para o
computador emitir um bip a cada três segundos. Se ele fizesse isso, então
sabia que estava funcionando. Acontece que eu o havia projetado com
poucos chips porque não queria pedir muitas amostras grátis para aquele
executivo. Assim sendo, ele era apenas o menor equipamento que se
poderia chamar de computador. O que quero dizer com isso é que ele
conseguia rodar um programa. E dar resultados.
Outro aspecto significativo sobre ele era o fato de possuir 256 bytes de
RAM (mais ou menos o tamanho de memória que um processador de texto
precisaria hoje para armazenar esta frase).
Quase não se ouvia falar de chips RAM naquele tempo. Na época, quase
todos os computadores tinham um tipo de memória chamada magnetic
core memories [memória de núcleo magnético]. Ao lidar com elas, era
preciso mexer com uma confusão de voltagens para gerar as correntes
corretas nos fios, que tinham de ir para dentro de núcleos magnéticos
redondos que pareciam donuts. Tão minúsculos que eram necessárias
lentes de aumento até mesmo para enxergá-los. Aquele certamente não era
o tipo de equipamento eletrônico que eu tinha em mente. Com chips RAM,
porém, só era possível plugá-los e conectá-los com a CPU, o cérebro do
computador. Em seguida, eles eram conectados com fios ao processador e
pronto. Dessa forma, como se pode ver, tive muita sorte em conseguir 8
chips que somavam mais de 256 bytes. E como eu disse, mesmo assim, não
era possível fazer muita coisa em um espaço tão pequeno.

O que é RAM?
RAM, abreviatura de random access memory [memória de acesso aleatório], era um novo
tipo de armazenamento de dados em computador em 1970. Eram chips cujos conteúdos
podiam ser acessados em qualquer ordem (isto é, aleatório). Hoje, todos os
computadores possuem chips RAM dentro deles para armazenar dados – não
permanentemente, mas enquanto seu computador estiver ligado com você trabalhando.
Quando o computador é desligado, o conteúdo da memória RAM é apagado. Por isso é
que você precisa salvar seus programas no disco.

Um dia minha mãe ligou para o jornal Peninsula Times e contou para
eles sobre o Computador Cream Soda. Um repórter veio até em casa, fez
algumas perguntas e tirou fotos. Mas assim que terminou, pisou
acidentalmente no cabo de fornecimento de energia e explodiu o
computador. O Cream Soda de fato soltou fumaça! Mas o artigo foi
publicado mesmo assim, o que foi muito legal.
Mas bem no fundo eu sabia que não importava o fato de haver montado
aquele computador. Não importava porque ele não fazia nada de útil. Não
rodava jogos e não resolvia problemas de Matemática. Afinal, tinha
pouquíssima memória. O único aspecto importante da experiência é que eu
havia podido, finalmente, montar um computador de verdade. Meu
primeiro computador. Foi um marco extraordinário nesse sentido.
Cinco anos mais tarde, as empresas estariam fabricando e vendendo
kits de computador quase do mesmo nível do Computador Cream Soda:
tinham a mesma quantidade de memória e o mesmo painel frontal
esquisito cheio de luzes e interruptores.
Olhando para trás, vejo-o como uma espécie de ponto de partida para
mim. E cheguei lá cedo.

Outra coisa: o Computador Cream Soda foi a maneira de me encontrar


pela primeira vez com Steve Jobs. No colégio, eu estava quatro anos à frente
dele, portanto, não o conhecia; ele tinha mais ou menos a mesma idade de
Bill Fernandez. Mas um dia Bill me disse: “Ei! Tem uma pessoa que você
precisa conhecer. O nome dele é Steve. Ele gosta de aprontar brincadeiras
com os outros e também gosta de criar equipamentos eletrônicos – como
você”.
Então, um dia – era de dia, eu me lembro –, Bill convidou Steve para vir
em sua casa. Lembro-me de ficar sentado com Steve por um longo tempo
na calçada em frente da casa de Bill, apenas conversando – a maior parte do
assunto girou em torno das brincadeiras que havíamos aprontado e dos
tipos de projetos eletrônicos que havíamos feito até então. No geral, era
realmente muito difícil explicar para as pessoas o tipo de projeto em que eu
estava trabalhando, mas Steve logo entendia. Gostei dele. Ele era magro,
forte e cheio de energia.
Então Steve entrou na garagem de Bill, viu o computador (isso foi antes
de ele explodir) e ouviu nossas descrições a respeito. Posso dizer que ele
ficou impressionado. Quer dizer, nós havíamos de fato fabricado um
computador do zero e provado que era possível – ou estava caminhando
para ser – as pessoas ter computadores em casa, em espaços pequenos.
Steve e eu logo ficamos bastante próximos, embora ele ainda estivesse
no colégio (como você se lembra) e morasse a cerca de dois quilômetros de
distância, em Los Altos. Eu vivia em Sunnyvale. Bill estava certo: nós, os
dois Steves, tínhamos muito em comum. Falávamos sobre eletrônica, das
músicas de que gostávamos, e trocávamos histórias sobre as brincadeiras
que aprontávamos. E até aprontamos algumas juntos.

Quando conheci Steve Jobs, eu ainda saía com um outro amigo que
conhecia desde o ensino médio, Allen Baum.
Quando o vi pela primeira vez no colégio, Allen era um tipo magro,
nerd, e que usava óculos. Pertencíamos à superelite dos estudantes não
apenas por estarmos nas classes mais difíceis, mas por sermos alunos com
desempenho muito superior ao de todos os demais. Éramos selecionados
pelos professores para participar de competições de Matemática ou fazer
apresentações e palestras, esse tipo de coisa. Assim, nos conhecíamos bem.
Os outros garotos nos consideravam uma espécie de outsiders,* e Allen era
ainda menor, esquelético e mais estranho que eu. Era até mais nerd.
Mais tarde, ele se envolveu muito com coisas dos hippies e com músicas
do tipo “São Francisco”, como Grateful Dead e Jefferson Airplane, mas no
começo ele era completamente – muito mesmo – estranho.
Desde os tempos do colégio eu gostava de ir à casa de Allen. Gostava
dos pais dele, um casal de judeus cujos parentes haviam morrido em
campos de concentração nazistas; um fato chocante e muito novo para
mim. O pai de Allen, Elmer, era um engenheiro com muito bom humor – ele
era incrivelmente engraçado – e um ativista pelos direitos civis. A mãe de
Allen, Charlotte, também era assim. Eu via Elmer e Charlotte como sendo
muito parecidos comigo – apenas pessoas simples e divertidas.
Assim, como disse, eu estava andando muito com Allen quando Steve
Jobs, que àquela altura estava no primeiro ano do ensino médio no Colégio
Homestead, teve uma ideia. Ele queria fazer em um lençol imenso uma faixa
com o desenho gigante de um gesto obsceno – a famosa saudação com o
dedo do meio –, para aparecer exatamente durante a cerimônia de
graduação. Ele imaginou que na faixa poderia estar escrito “Muitas
Felicidades”.
Então fomos direto ao trabalho. Conseguimos um lençol bem grande –
que havia sido tingido, porque Allen e seus irmãos tingiam tudo na época –
e o abrimos no quintal de Allen. Assim, começamos a esboçar nosso
desenho com giz – uma mão enorme com o dedo do meio esticado. A mãe
de Allen até nos ajudou a desenhar – ela mostrou como fazer sombra para
que ficasse mais parecido com uma mão de verdade e menos com uma
caricatura. Lembro-me de como ela percebeu o que a mão estava fazendo
quando ainda estava parcialmente pronta, mas apenas riu e disse: “Eu sei o
que é isso”. Ela não nos impediu. Acho que não sabia exatamente o que
planejávamos fazer.
No lençol assinamos SWAB JOB [TRABALHO LIMPO]. O “S” e o “W”
eram de Steve Wozniak; o “A” e o “B”, de Allen Baum; e o “JOB”, de Steve
Jobs. Terminamos o lençol e o enrolamos. Já bem tarde naquela noite,
subimos até o topo do edifício C, onde planejávamos abri-lo. A ideia era
amarrá-lo com uma linha de pesca para 20 quilos e desenrolá-lo quando os
formandos do Colégio Homestead passassem.
Praticamos e descobrimos que não se pode simplesmente desenrolar
um lençol de um telhado e fazê-lo ficar bem aberto e esticado. Ele não desce
fácil, carrega um monte de sujeira do telhado à medida que abre, e depois
de aberto, fica esticado de uma maneira estranha.
Assim, na noite seguinte, tentamos fazer um pequeno carrinho com um
eixo e duas rodas que podíamos puxar. A ideia era fazer o lençol descer aos
poucos. O eixo tinha quase 20 centímetros de largura. Mas descobrimos
que uma das rodas ficava sempre presa em seu pequeno trilho. Não
conseguíamos fazer com que funcionasse corretamente.
Lá pela quarta noite de tentativa, Allen e eu estávamos trabalhando
sozinhos. Steve simplesmente não tinha resistência para ficar acordado e
trabalhar a noite toda. Foi quando tivemos outra ideia. Sem usar o eixo,
mas mantendo as rodas. Montamos um pequeno mecanismo no telhado,
instalando-o em um local ainda mais alto de onde o lençol ficaria, e
amarramos nele a linha de pesca e um par de esqueites. Então testamos: do
telhado, soltamos a linha de pesca e vimos os pequenos esqueites rolar em
suas rampas e puxar juntos os lados direito e esquerdo do lençol. Os dois
lados. Funcionou perfeitamente.
A propósito, quase fomos pegos naquela noite. Tentamos testar o
mecanismo mais uma vez, mas um zelador apareceu. Escondemo-nos no
próprio telhado, procurando ficar o mais abaixados que podíamos. Lembro-
me do zelador apontando a lanterna para todos os lados e da luz passando
pela minha mão. Mas antes que ele pudesse chamar alguém, saímos
correndo de lá feito loucos.
A formatura seria alguns dias depois. Acordei na manhã do evento com
o telefone tocando. Era Steve ligando da escola com más notícias. Acontece
que alguém, provavelmente um outro estudante, tinha cortado a linha de
pesca e desenrolado o lençol. Então Steve ficou em apuros – acho que
SWAB JOB nos entregou e nunca chegamos a fazer nossa brincadeira.
Mais tarde, pensei bastante sobre o ocorrido, e finalmente cheguei à
conclusão que, embora nossa faixa não tivesse funcionado, ela não foi um
fracasso. Alguns projetos valem pela energia e valem que se gaste bastante
tempo neles, mesmo que não funcionem perfeitamente.
Com essa brincadeira aprendi sobre trabalho em equipe, dificuldade e
paciência – e aprendi a nunca fazer alarde de minhas brincadeiras, porque
um ano depois descobri que Steve Jobs havia mostrado nossa brincadeira
para alguns estudantes, gabando-se. E o sujeito que me contou isto – que
Steve Jobs havia-lhe mostrado a faixa – disse que foi ele mesmo quem
desenrolou o lençol.

Steve e eu estávamos ouvindo Bob Dylan e suas letras, tentando


descobrir quem era melhor, Dylan ou os Beatles. Ambos éramos a favor de
Dylan, porque suas canções falavam sobre a vida, sobre como viver, sobre
os valores que se deve ter na vida e sobre o que era realmente importante.
Em grande parte, os Beatles fizeram músicas agradáveis e felizes – canções
do tipo “que bom te conhecer”, “que bom estar com você”, “que bom estar
apaixonado por você”. Eram canções simples – mesmo depois de lançar
álbuns como Rubber Soul. Porém, as músicas que os Beatles fizeram não
eram tão profundas nem afetaram nossa alma e nossas emoções como as
de Dylan. Eram mais como canções pop. Para nós, o trabalho de Dylan
tocava em um sentimento moral. Fazia as pessoas pensar sobre o que
estava certo e errado no mundo, e sobre como elas seriam e viveriam.
De qualquer maneira, nunca esquecemos da primeira vez que nos
conhecemos, e dali em diante, Steve e eu estivemos realmente ligados.
Ligados para sempre.
* Documento ultrassecreto do governo dos Estados Unidos sobre a Guerra do Vietnã, que teve
algumas de suas partes publicadas em 1971 pelos jornais The New York Times e The Washington
Post. (N. T.)
* Um tipo de refrigerante. (N. T.)
* Indivíduo à margem de um grupo ou sociedade; rebelde. (N. E.)
6 Hackers de telefone

Em 1971, um dia antes de começar no terceiro ano da faculdade em


Berkeley, eu estava sentado à mesa da cozinha de minha mãe e havia um
exemplar da Esquire por ali. Embora eu normalmente nunca lesse essa
revista, por alguma razão comecei a folheá-la naquele dia.
Reparei em um artigo intitulado “Secrets of the Little Blue Box”
[Segredos da pequena caixa azul], palavras suficientemente interessantes
para eu parar de folhear a revista e ler o artigo do começo ao fim.
Ele estava classificado como artigo de ficção, e eu não tinha ideia
alguma do que poderia ser uma “Caixa Azul” até começar a lê-lo. Mas assim
que comecei, simplesmente não pude parar. Sabe quando alguns artigos
prendem a atenção desde o primeiro parágrafo? Bem, era o caso desse;
provavelmente porque a história era sobre pessoas da área de tecnologia –
como eu. Naquela época, nunca eram publicadas matérias sobre pessoas
ligadas à tecnologia – nunca –, logo, quando comecei a ler um texto assim,
não pude parar. Basicamente, o texto era sobre como alguns garotos com
conhecimentos de tecnologia e jovens engenheiros por todo os Estados
Unidos descobriram uma forma de quebrar os códigos do sistema de
telefonia usado no país. O artigo chamava esses jovens “hackers de
telefone”. Os tais hackers tinham descoberto que, dentro do sistema de
telefonia da Bell, o simples ato de assobiar certos tons no bocal do aparelho
de telefone possibilitava fazer ligações de graça.
Essencialmente, o que faziam era, primeiro, discar qualquer número de
ligação grátis* e depois emitir através do telefone um determinado tom de
assobio para capturar a linha. Se o tom funcionasse, eles obtinham em
resposta um certo som e, a partir de então, tinham controle sobre o
tandem, uma peça do equipamento de circuito telefônico (um tandem
simplesmente espera o surgimento de tons especiais para direcionar as
ligações pelo sistema telefônico). Os hackers de telefone podiam então
emitir os tons de que o sistema necessitava para discar quaisquer números
com sete ou dez dígitos, apenas utilizando um conjunto de sons que
correspondesse aos sons que os números tinham em um telefone da Bell.
De certa forma, isso me pareceu plausível. Eu já possuía noções básicas
sobre como o sistema de tons funcionava nos telefones. As pessoas citadas
no artigo – na história classificada como “ficção” – afirmavam que ao fazer
isso descobriam aspectos do sistema de telefonia que ninguém mais
conhecia: coisas como bugs, buracos e fraquezas inerentes ao sistema, e,
certamente, maneiras de tirar vantagem de tudo isso. Portanto, como disse,
com um simples assobiar de tons nas linhas telefônicas através do bocal de
qualquer aparelho telefônico, os hackers estavam conseguindo enganar as
operadoras ao recuperar ligações dos satélites e enviá-las para outros
países. Embora fosse uma história de ficção, li a matéria inúmeras vezes, e
quanto mais eu lia, mais possível e real tudo nela me parecia.
A outra questão que me intrigou na tal matéria foi o fato de ela
descrever toda uma rede de pessoas que faziam isso: os hackers de
telefone. Indivíduos anônimos espalhados por todos os lugares, com
conhecimento técnico e que apareciam sob nomes falsos. Alguns viviam no
Nordeste dos Estados Unidos, alguns no Sudeste, e outros no Oeste. Eles
estavam em todos os lugares. O artigo contava a história de alguns sujeitos
que foram ao Arizona, isolaram o fio de um telefone público e, de alguma
forma, literalmente dominaram toda a rede de telefonia do país. E também
mencionava que essas mesmas pessoas conseguiram estabelecer ligações
simultâneas com dez usuários.
Os personagens que o autor inventou pareciam perfeitos demais para
ser falsos. Lembro-me de como ele falava de alguns garotos cegos que só
queriam alguém para conversar. E que estavam utilizando informações
sigilosas, obtidas de alguma maneira com os funcionários das companhias
telefônicas, para conversar entre si. Isso também fazia sentido para mim.
O artigo falava, ainda, sobre a ética que esses hackers supostamente
tinham: não era apenas uma questão de fazer ligações de graça, afinal, um
dos sujeitos mencionados na matéria disse que estava tentando fazer algo
bom, como descobrir as falhas do sistema e informar a companhia
telefônica a respeito. Isso atraiu minha atenção.
Essa matéria da Esquire também mencionava um dos segredos que
esses hackers haviam descoberto. Na verdade, eu já o conhecia, assim, acho
que foi mais um tipo de redescoberta. Estou falando sobre a técnica de
pegar qualquer aparelho telefônico – até hoje é possível fazer isso com
qualquer aparelho – e bater os números do telefone para o qual se deseja
ligar no interruptor da linha (o “gancho”). Isto é, utilizar o interruptor do
telefone, que diz para a companhia telefônica se aquele aparelho está fora
do gancho ou não. O esquema é este: quando se tira um telefone fixo do
gancho ouve-se um sinal de discar, certo? Então, quando se bate uma vez
no interruptor do telefone, é como se o “1” tivesse sido discado. Bater duas
vezes com certa rapidez é como discar o “2”. Bater dez vezes em seguida é o
mesmo que discar o “0” (o motivo para isso funcionar remonta aos velhos
tempos dos telefones com discagem rotativa, nos quais, ao girar até o “5”,
por exemplo, o disco voltava cinco vezes – clic clic clic clic clic). Como eu
disse, o sistema funciona assim ainda hoje. Tente.
Mas esse truque era conhecido por poucas pessoas naquela época.
Portanto, eu podia afirmar com segurança que os ditos personagens de
ficção descritos no artigo eram na verdade pessoas muito parecidas
comigo, ligadas à tecnologia, e, portanto, pessoas que gostavam de projetar
coisas apenas para ver se seriam possíveis (e realmente por nenhum outro
motivo). Como eu conhecia esse negócio do interruptor do telefone,
imediatamente comecei a suspeitar.
No artigo da Esquire havia um hacker de telefone chamado Joe. Ele era
deficiente visual. De acordo com a matéria, Joe havia descoberto algo muito
interessante: se um “mi” bastante alto fosse tocado – duas oitavas acima do
“mi” maior da guitarra, por exemplo, que corresponde exatamente a 2.600
hertz (Hz) –, ele era o tom exato que capturava o tandem e dava controle
sobre o sistema telefônico. Isso provavelmente funciona até hoje, caso você
também queira tentar. Seja como for, Joe conseguia assobiar nesse tom!
Ele tinha um ouvido perfeito – provavelmente por conta de sua
deficiência, não tenho certeza. Seu primeiro assobio capturava a linha,
depois ele conseguia emitir uma série de pequenos assobios para discar os
números. Não podia acreditar que tal coisa era possível, mas o artigo
afirmava ser, e, puxa vida, isso fez minha imaginação correr solta, pois
apenas assobiando esse “mi” mais alto Joe conseguia fazer uma ligação a
longa distância de graça – e para a companhia telefônica pareceria que ele
estava fazendo uma ligação tipo 0800 de longa distância. E tudo isso
apenas com a boca!
O artigo também descrevia um sujeito que atendia pela alcunha de
Capitão Crunch, por causa do cereal matinal (Cap’n Crunch), que costumava
trazer na caixa um apito de brinquedo. O Capitão Crunch usou o assobio
emitido pelo apito e descobriu a mesma coisa que Joe: ao soprar o apito do
jeito certo, um “mi” mais alto (o som de 2.600 Hz) era emitido, e com esse
tom era possível capturar a linha telefônica e usá-la para qualquer coisa
que se quisesse.
Para fazer uma ligação depois de capturar a linha, o Capitão Crunch
utilizava um dispositivo que o artigo chamou de “Caixa Azul”. Ele inseria
pares de tons na linha telefônica pelo bocal do telefone, semelhante à forma
de funcionamento dos telefones por tom, não por pulso. Esse método
funcionava em todos os lugares dos Estados Unidos que possuíam o
sistema de multifrequência (MF), enquanto os assobios de Joe e do apito da
caixa de cereais funcionavam somente em alguns lugares com o velho
equipamento de frequência única.
Na história, o sujeito que desenvolveu a Caixa Azul supostamente
roubou ou conseguiu emprestado um manual padrão da companhia
telefônica que listava todas as frequências de que precisaria para montar o
dispositivo. O artigo mencionava também que a companhia telefônica
descobriu e começou a recolher todos os manuais de todas as bibliotecas
do país. Em outras palavras, eles o tornaram secreto. Não deixariam mais
que fosse divulgado. Mas quer saber? O segredo já tinha sido revelado. Já
estava bem longe. Muito tarde para a companhia telefônica, ou assim dizia
o artigo.
Essa ideia da Caixa Azul me deixou impressionado. Com ela era
possível discar um número “grátis” qualquer e utilizar essa chamada para
fazer uma ligação atrás da outra, para o mundo todo. Era algo muito
simples: soprar um som no bocal do telefone. E embora fosse incrivelmente
fácil, somente algo como mil pessoas em todo os Estados Unidos ligadas à
tecnologia da mesma forma que eu poderiam, algum dia, montar e utilizar
algo parecido.

Uma das primeiras coisas que fiz após ler o artigo foi chamar meu
amigo Steve Jobs. Ele estava para começar o último ano do ensino médio no
Colégio Homestead, o mesmo que eu frequentara. Comecei a lhe contar
sobre o artigo incrível da Esquire e como ele, realmente, fazia sentido em
termos tecnológicos. Contei a Steve que, de acordo com a história
supostamente de ficção, todo o sistema telefônico podia ser capturado.
Atacado, até. E comentei também como os engenheiros espertos retratados
na matéria conseguiram se apropriar do sistema e utilizá-lo.
Aparentemente, eles sabiam mais sobre o sistema telefônico que os
próprios engenheiros da companhia telefônica. Se o artigo era real, e eu
achava que poderia ser, isso significava que todos os segredos da
companhia telefônica estavam por aí. E significava também que pessoas
como nós haviam começado a criar pequenas redes para explorá-los.
Isso era simplesmente a coisa mais excitante para dois jovens como
nós conversar a respeito. Na época, eu tinha 20 anos de idade; Steve estava
provavelmente com 17 anos.
Enquanto eu falava ao telefone com Steve naquela tarde, lembro-me de
parar no meio de uma frase e fazer uma observação: “Espera aí, Steve, esse
artigo é muito real. Eles colocaram frequências reais, como 700 Hz e 900
Hz. Artigos de ficção não fazem isso. Eles mostram a maneira de discar ‘1’,
‘2’ e ‘3’. E até dão o código para fazer uma ligação para a Inglaterra”.
“Textos de fato fictícios não fornecem informações como essas, que
podem ser verificadas e reconhecidas”, completei. Então delineamos um
plano para descobrir o que havia realmente de verdade naquilo tudo.

Uma hora depois, peguei Steve e fomos para o Centro do Acelerador


Linear de Stanford (mais conhecido como SLAC, isto é, Stanford Linear
Accelerator Center), onde havia uma grande e simplesmente fantástica
biblioteca de livros técnicos com todo tipo de livros de informática e
técnicos em geral, além de revistas que não poderiam ser encontradas em
bibliotecas tradicionais ou em qualquer outro lugar que eu conhecesse. Se
um manual telefônico listando frequências de tons pudesse ser encontrado
– o manual que a companhia telefônica estava tentando tirar de circulação
–, o SLAC seria o lugar.
Seja como for, esgueirei-me para dentro daquela biblioteca em muitos
domingos durante meus dias de colégio e por causa dos primeiros projetos
de informática que desenvolvi na faculdade. Nunca senti que estivesse, de
fato, entrando furtivamente, porque eles sempre deixavam as portas
abertas. Ao longo da vida, descobri que pessoas inteligentes, em geral,
deixam as portas abertas. Talvez porque tenham outras coisas em mente.
Assim, eu e Steve Jobs entramos sorrateiramente na biblioteca naquele
domingo de 1971, e começamos a procurar livros com informações sobre
telefonia. Como disse antes, o artigo da Esquire pareceu-me muito real para
ser considerado mera ficção. Um texto ficcional poderia dizer que tons são
utilizados para discar números, mas aquele artigo em especial explicava
que os tons eram usados em pares. Por exemplo, ele mencionava que os
tons de 700 Hz e 900 Hz, juntos, equivaliam ao número “1”; que o tom de
700 Hz com o de 1.100 Hz equivalia ao número “2”; que o de 700 Hz com o
de 1.300 Hz equivalia ao número “3”; e assim por diante. Havia ainda mais
detalhes; detalhes que, imaginei, poderíamos verificar diretamente na
biblioteca do SLAC. Assim, lá estávamos nós, eu e Steve, buscando a
confirmação de que a tal Caixa Azul era real – queríamos a lista completa de
tons que, teoricamente, poderiam gerar todos os dígitos, porque isso
significaria que poderíamos montar um dispositivo como aquele.
Estávamos folheando vários livros e eu tinha um azul nas mãos, de
talvez 5 centímetros de espessura, que trazia algumas referências a
sistemas telefônicos, como o Manual CCITT. Caso esteja se perguntando,
CCITT é uma sigla há muito tempo esquecida para Comité Consultatif
International de Télégraphique et Téléphonique, nome francês para um
grupo internacional de fixação de padrões para sistemas de telégrafo e,
mais tarde, de telefonia.
Ao folhear esse livro, de repente parei em uma página. Lá estava: uma
lista completa de frequências para equipamentos multifrequência de
comutação telefônica. Sem dúvida, exatamente como o artigo da Esquire
dizia: o número “1” era composto pelos tons 700 Hz e 900 Hz juntos. O
número “2”, pelos tons 700 Hz e 1.100 Hz juntos. O “3”, por 700 Hz e 1.300
Hz.
Espantado, agarrei Steve e quase gritei de felicidade por haver
encontrado o que procurávamos. Ficamos ambos olhando para a lista com a
adrenalina a mil. Falávamos coisas como: “Meu Deus!”; “Nossa! Isso tudo é
real!”. Eu estava quase tremendo, tendo arrepios e tudo mais. Era como se
estivéssemos tendo um momento Eureka. Durante todo o caminho de volta
para casa, não conseguíamos parar de falar. Estávamos muito excitados,
pois sabíamos ser possível montar a tal caixa. Tínhamos a fórmula de que
precisávamos! Definitivamente, o artigo era real.
Naquela noite, fui à Sunnyvale Electronics e comprei algumas peças
padrão para montar geradores de tons como os mencionados na matéria da
revista. Logo encontrei um kit para geradores de tons e levei-o para a casa
de Steve. Lá mesmo soldei juntos dois geradores de tons. Felizmente, Steve
montara um contador de frequência antes disso; então, logo pudemos
montá-los com um dispositivo que permitisse girar um botão e medir o tom
produzido. Por exemplo, eu podia girar um botão até obter um tom com
frequência aproximada de 700 Hz. Então podia girar outro botão até obter
900 Hz. Por fim, eu produzia ambos os tons de uma só vez e gravava o som
obtido por cerca de 1 segundo em um gravador comum de fita cassete. Vale
lembrar que esses dois tons juntos correspondiam ao número “1”. Depois,
fiz as combinações corretas para os outros dígitos. No final, tínhamos
gravado os sons correspondentes a um número de telefone de sete dígitos e
a outro de dez dígitos.
Por último, fixamos um tom de 2.600 Hz, ou seja, a nota em “mi” mais
alto que, como mencionado no artigo, supostamente capturava a linha e
nos permitiria fazer ligações gratuitas. Funcionou!
Após discar um número grátis de informações, ouvimos o tal som
característico que o artigo havia mencionado. Então presumimos que o
sistema telefônico estava esperando pelos tons que lhe diriam onde se
conectar. Mas, opa! Tocamos os tons que havíamos gravado, mas não
conseguimos que a ligação se completasse.
Isso foi muito frustrante! Não importa quanto tentássemos obter as
frequências certas, elas oscilavam. Eu não conseguia fazê-las precisas.
Tentei várias vezes, mas não consegui aperfeiçoar a coisa. Foi então que
percebi que não tinha um gerador de tons suficientemente bom para
provar se o artigo era verdadeiro ou falso.
Mas eu ainda não pensava em desistir.

O dia seguinte ao experimento foi meu primeiro dia em Berkeley.


Apesar de envolvido nos cursos – achei-os excelentes –, continuava
pensando no projeto da Caixa Azul. Levei o artigo da Esquire comigo e
comecei a reunir todos os artigos de jornais e revistas que consegui
encontrar sobre hackers de telefone. Então colei-os na parede de meu
quarto no dormitório estudantil. Comecei a contar para meus amigos a
respeito dos tais hackers, como eles deveriam ser inteligentes e como eu
tinha certeza de que eles estavam começando a assumir o sistema
telefônico por todo o país.
Assim, lá estava eu em Berkeley, vivendo em meu pequeno quarto no
primeiro andar de Norton Hall, nome do prédio de dormitórios da
universidade, no melhor ano que eu já tivera desde que entrara na
faculdade. Eu poderia hipnotizar uma plateia de garotos contando histórias
tiradas do tal artigo e sobre o que eu e Steve Jobs vínhamos tentando fazer.
Passei a ganhar a reputação de hacker de telefone do dormitório, o que era
bastante adequado, afinal, certo dia, explorando o dormitório, encontrei
destrancada uma caixa de acesso às linhas telefônicas de nosso andar. Ao
ver que algumas linhas de telefone subiam para os andares mais altos –
naquele prédio de dormitórios, acima da área comum, havia um total de
oito andares somente de quartos, inclusive o meu –, pincei pares de fios e
conectei aparelhos neles. A ideia era determinar que linhas iam para quais
quartos. Assim, acabei sendo capaz de brincar e encontrar qualquer linha
telefônica específica que quisesse.
Embora eu normalmente fosse tímido e passasse despercebido, de
repente esse negócio de hacker de telefone me colocou em uma posição de
proeminência no dormitório, onde todos buscavam algum tipo de festa e
diversão.
Mais ou menos nesse mesmo período, descobri um outro tipo de caixa
de hacker de telefone chamada “Caixa Preta”: em vez de permitir a você
fazer ligações gratuitas, como a Caixa Azul, a Caixa Preta impedia que todos
que ligassem para você fossem cobrados pelo telefonema.
Encontrei o esquema da Caixa Preta no Steal This Book [Roube este
livro], de Abbie Hoffman, um livro underground que, de alguma forma,
consegui comprar em uma livraria normal (mas ele era mantido sob o
balcão, para que ninguém seguisse a orientação do título!).
Naquele mesmo ano, uma edição da revista Ramparts trouxe um artigo
bem explicado e ricamente ilustrado sobre como construir uma Caixa Preta
com cerca de dois dólares em peças compradas na Radio Shack, como um
capacitor, um resistor e algum tipo de interruptor ou botão.
Eis como funcionava: ao receber um telefonema de longa distância,
você apertava o botão da Caixa Preta para informar a companhia telefônica
local que você estava atendendo a chamada. Isso conectava a linha distante
com a sua. Porém, como você não respondia no tempo mínimo de dois
segundos, a companhia telefônica local não enviava de volta um sinal de
cobrança. Mas você ainda estava conectado com quem ligou, e o capacitor
da Caixa Preta permitia que a voz dessa pessoa alcançasse seu aparelho de
telefone (e vice-versa), e isso sem que a companhia telefônica percebesse
qualquer tipo de conexão. Esse dispositivo funcionou muito bem. De fato,
um atleta de salto com vara de meu dormitório recebeu um dia uma carta
dos pais perguntando por que eles não haviam recebido a cobrança de dois
telefonemas que fizeram da Flórida.
A propósito, a companhia telefônica acionou judicialmente a Ramparts
depois que o artigo foi publicado e tirou-a dos negócios em 1975.

Assim, enquanto brincava com as Caixas Pretas e espalhava notícias


sobre as Caixas Azuis, comecei a trabalhar seriamente em meu projeto. Só
que dessa vez tentei projetar uma Caixa Azul digital, pois sabia que assim
ela seria capaz de produzir tons confiáveis e precisos. Olhando para trás,
vejo que foi uma ideia radical. De fato, nunca vi nem ouvi falar de outra
Caixa Azul digital. O aspecto digital do processo significava fazê-la
extremamente pequena e com um mecanismo baseado em um relógio de
cristal, que a mantinha precisa.
Àquela altura, eu já possuía algumas habilidades de projeto bastante
boas. Quer dizer, eu vinha projetando e refazendo computadores no papel
desde os tempos do colégio. Além disso, sabia muito sobre projeto de
circuitos; provavelmente mais que qualquer outra pessoa que eu conhecia.
Então um dia eu fiz. Projetei minha própria Caixa Azul digital.
E foi ótimo. Juro que até hoje nunca projetei um circuito que me desse
orgulho maior: um conjunto de peças que conseguia realizar três trabalhos
ao mesmo tempo em vez de dois. Ainda penso que foi incrível.
O circuito, que gerava códigos correspondentes ao botão pressionado,
utilizava os chips de uma forma pouco usual.
Todos os equipamentos eletrônicos, inclusive os chips, funcionam da
seguinte forma: alguns sinais são enviados aos equipamentos eletrônicos
para dar entrada (inputs). Os sinais resultantes saem dos chips em
conexões chamadas saídas (outputs). Porém, pelo fato de estar
familiarizado com os circuitos internos dos chips, eu sabia que sinais
minúsculos eram emitidos pelas entradas (inputs). E após esses sinais
minúsculos passarem pelo circuito codificador dos botões, eu os
direcionava para um transistor amplificador, que fornecia energia para
manter os chips ligados. Então, podia-se ver uma coisa fantástica em
funcionamento (pelo menos para um engenheiro): os chips precisavam
fornecer um sinal para ficar ligados, e eles o faziam. Esse sinal veio de um
lado da bateria que estava conectada, mas não do outro lado.
Nunca mais consegui fazer nada assim tão criativo em qualquer um dos
projetos em minha carreira na Hewlett-Packard ou na Apple. E isso é muito
significativo, pois meus projetos sempre se destacaram por ser criativos.
Mas o projeto daquela caixa era mais inteligente que qualquer outra coisa.

Não vou dizer que chegar a uma Caixa Azul que de fato funcionasse
tenha sido algo instantâneo. Não é assim que acontece em Engenharia. E
além disso, eu estava na faculdade, tendo aulas. Mas quando finalmente
projetei todo o dispositivo, a montagem levou apenas um dia.
Depois de pronto, levei-o para a casa de Steve a fim de testá-lo no
telefone dele. Realmente funcionou. Nossa primeira ligação da Caixa Azul
foi para um número em Orange County, na Califórnia – um número
qualquer.
Steve ficou gritando: “Estamos ligando da Califórnia! Da Califórnia!
Com uma Caixa Azul!”. Ele não percebeu que o código de área era da
própria Califórnia!
Então entramos em meu carro e fomos para meu dormitório em
Berkeley. Havíamos prometido aos nossos pais, que sabiam de nosso
projeto, que nunca o usaríamos em casa. A ligação feita para Orange County
seria a única ilegal feita da casa de um deles.
Eu queria fazer a coisa certa. Não queria roubar da companhia
telefônica, mas fazer o que o artigo da Esquire disse que os hackers de
telefone fizeram: utilizar a Caixa Azul para descobrir falhas no sistema de
telefonia. Naqueles dias, os hackers de telefone evitavam os que só
desejavam roubar.
Além disso, eu adoraria encontrar o Capitão Crunch, que foi realmente
o centro de tudo. Ou qualquer outro hacker de telefone: mas isso parecia
impossível, afinal, nunca encontrei alguém com uma Caixa Azul.

Um dia Steve Jobs me telefonou e disse que o Capitão Crunch havia


dado uma entrevista para a estação de rádio KTAO, em Los Gatos.
Eu disse: “Meu Deus! Será que não haveria uma forma de entrar em
contato com ele?”. Steve disse que já tinha deixado uma mensagem na
estação, mas que o Capitão Crunch não retornou a ligação.
Sabíamos que precisávamos entrar em contato com o mais famoso –
infame, na verdade – e brilhante engenheiro criminoso do mundo. Afinal,
foi por ele que ficamos obcecados durante meses; foi sobre ele que ficamos
lendo a respeito e contando histórias para os outros. Deixamos mensagens
na KTAO, mas nunca tivemos resposta do Capitão Crunch. Parecia ser um
ponto final.
Mas então uma grande coincidência aconteceu. Um amigo meu do
ensino médio, David Hurd, me telefonou dizendo que queria se encontrar
comigo. Quando ele foi me visitar, comecei a contar várias histórias
incríveis sobre o Capitão Crunch e a Caixa Azul, e ele disse: “Bem, não
comente com ninguém, mas eu sei quem é o Capitão Crunch”. Olhei para ele
abismado. Como é que um amigo meu dos tempos do colégio poderia saber
quem era o Capitão Crunch?
– O quê? – eu disse.
– É verdade – ele respondeu. – Eu sei quem ele é. O nome dele é John
Draper e ele trabalha na estação de rádio KKUP, em Cupertino.
No final de semana seguinte eu estava na casa de Steve e contei-lhe o
que havia descoberto. Steve ligou imediatamente para a estação e
perguntou por John Draper para o sujeito que atendeu. Ele nem chegou a
mencionar Capitão Crunch.
A resposta do sujeito foi esta: “Não está. Ele sumiu de vista após o
artigo da Esquire”.
Quando ouvimos isso tivemos certeza de ter encontrado o verdadeiro
Capitão Crunch. Então deixamos nosso número de telefone e pedimos ao tal
sujeito da rádio que, caso John Draper aparecesse, pedisse-lhe que nos
ligasse de volta. E em cerca de cinco minutos o Capitão Crunch realmente
ligou!
Ele imediatamente nos contou quem era, mas disse que não queria
conversar muito pelo telefone (lembro-me de como, no artigo da Esquire,
ele parecia bastante paranoico, certo de que a linha de telefone da qual
falava com o repórter estava grampeada).
Então contamos para ele o tipo de equipamento que havíamos
projetado e fabricado: uma Caixa Azul digital – e criada por mim. E
novamente ele disse: “Não posso falar sobre isso pelo telefone, mas irei vê-
lo em seu dormitório”.
Fui para Berkeley, mas tremi o caminho todo. Quando cheguei lá, contei
para quem quisesse ouvir: “O Capitão Crunch está vindo aqui!”. O sujeito
que eu havia transformado em super-herói – o herói dos bandidos
tecnológicos, ou qualquer outra coisa que queira chamá-lo –, o cara
“cabeça”, o cara mais conhecido, estava para chegar e falaria comigo no
meu quarto no dormitório! E todos perguntavam: “Posso ir também?”.
Respondi: “Não, não, ele não iria gostar”. Então ficamos esperando no
meu quarto somente eu, meu colega de quarto, John Gott e Steve Jobs.
Bem, por algum motivo, eu estava esperando um refinado conquistador
de mulheres adentrar a porta. Acho que era por causa do artigo da Esquire,
em que ele mencionou ter grampeado o telefone da namorada e ouvido ela
conversar com um outro sujeito; então telefonou para ela e disse: “Acabou”.
Para mim, apenas o fato de ele ter uma namorada já o fazia um
conquistador. Afinal, até aquele momento, eu ainda não tinha tido uma
namorada.
Mas não, o Capitão Crunch que entrou no meu quarto era um sujeito de
aparência bem estranha. Pensei: Eis um sujeito com aparência e atitude bem
diferentes da de qualquer engenheiro no mundo. Mas lá estava ele, com
aparência desleixada e o cabelo caindo todo para um lado. E cheirava como
se não tomasse banho já há duas semanas, o que era verdade. Também lhe
faltavam alguns dentes na boca. (Com os anos, a piada que eu contava é que
ele não tinha dentes porque estava descascando linhas de telefone com eles
quando um telefone tocou. Engenheiros sabem que o sinal de toque do
telefone tem uma voltagem alta o suficiente para dar um belo choque.)
Em resumo: quando finalmente o vi, ele não correspondeu às minhas
expectativas. Então perguntei: “Você é o Capitão Crunch?”. Ele respondeu:
“Eu sou ele”, e entrou majestosamente em meu quarto. Que tipo de
resposta era aquela: “Eu sou ele”? E lá, enfim, estava ele.
Acontece que John Draper era um sujeito engraçado, de fato bastante
estranho, e que simplesmente transbordava energia. Ele sentou em uma
das camas, olhando para todos os artigos sobre hackers de telefone que eu
havia pregado na parede, todos os circuitos e revistas, e também coisas
estranhas, como dez quilos de bolachas tipo água e sal que eu pegava no
refeitório da faculdade a cada refeição.
Ele olhou em volta e viu fios saindo dos telefones; podia dizer que ele
estava surpreso. Fiquei sentado lá pensando: Puxa, esta é a noite mais
fantástica de minha vida e está apenas começando!
Então o Capitão Crunch começou a conversar conosco. Notei que ele
era uma dessas pessoas aceleradas, que pulam de um assunto para outro,
falam de várias épocas de sua vida ao mesmo tempo e sobre as coisas
diferentes que fizeram. Eu ficava tentando impressioná-lo com minha Caixa
Azul. Vangloriava-me de como ela era pequena, de como tinha poucas
peças, e do fato de ser digital – para mim, esse era o aspecto mais
importante. Contei que havia apenas um problema: ainda não tinha
conseguido fazer ligações internacionais. Ele me mostrou o procedimento
na hora. O estranho é que era exatamente o mesmo procedimento que
havíamos lido no artigo da Esquire mas que não tinha funcionado; não me
pergunte por quê.
Então, de repente, o Capitão Crunch disse: “Espere, espere um minuto.
Vou até meu carro pegar minha Caixa Azul automática”.
Soubemos na hora que deveria ser um equipamento incrível e especial,
como a Caixa Azul digital que eu havia projetado. A forma como ele disse
aquilo – automática – dava a sensação de ser algo diferente.
Eu tinha uma imagem de como seria a van dele: repleta de tudo de que
ele necessitaria para capturar sistemas telefônicos, além de outros
materiais. Com base no que havia lido no artigo da revista, eu imaginava
várias prateleiras com equipamentos de engenharia e de telefonia.
Então perguntei: “Posso ir junto?”. Eu tinha de ver aquilo. Era como se
eu estivesse vivendo a história, como uma das Sete Maravilhas do Mundo.
Acompanhei-o até o estacionamento, onde sua van estava parada. Ela
estava completamente vazia. Era uma van totalmente vazia, exceto pela
pequena Caixa Azul no chão e por uma coisa estranha em forma de cruz.
(Na verdade, era uma antena que ele utilizava para transmitir a San Jose
Free Radio, uma estação de rádio pirata. Ele disse que transmitia da van
para que a fiscalização não conseguisse localizá-lo. Brilhante!)
Aquilo foi um ponto a favor, mas ainda assim, todo o equipamento que
eu esperava ver não estava lá; além disso, havia a aparência dele e a van
estranhamente vazia. De repente, as coisas não estavam mais se somando.
Minhas ideias anteriores sobre como os hackers de telefone deveriam ser
não combinavam com a pessoa para a qual eu estava olhando. Ele era um
impostor.
Então voltamos ao dormitório, onde ele mostrou algumas das
características especiais da Caixa Azul automática. Ela tinha interruptores –
dez deles – que permitiam configurar cada um dos dez dígitos de um
número de telefone. Além disso, era possível apenas apertar um botão no
topo da caixa – bip bip bip – e discar todo o número para o qual se queria
ligar, sem a necessidade de assobiar ou de emitir sinais de tons
previamente gravados! Fiquei muito impressionado com aquele
dispositivo; era simplesmente muito bom.

Mais tarde, nós quatro – Steve Jobs, Capitão Crunch, um sujeito


chamado Alan McKittrick (que nós chamávamos de Groucho) e eu –
seguimos para a pizzaria Kips. Ficamos trocando códigos para telefonar
para vários lugares e técnicas de como utilizar Caixas Azuis de telefones
públicos.
Por volta da meia-noite nos despedimos. Capitão Crunch queria ir
primeiro à casa de Groucho e depois seguir com sua van para o local onde
vivia em Los Gatos. Então eu e Steve Jobs pegamos o carro de Steve e
voltamos para a casa dele em Los Altos, onde meu carro estava
estacionado.
Steve mencionou que seu carro vinha tendo problemas. Quando
perguntei o que isso significava ele disse: “Praticamente todo carro pode,
em algum momento, parar de funcionar de repente”.
Lá pela metade do caminho, em Hayward, onde na época era a Highway
17, se bem me lembro, isso realmente aconteceu. O carro todo parou de
funcionar: luzes e motor. Steve conseguiu manobrá-lo para a direita, perto
de uma saída, e nós caminhamos até um posto de gasolina, onde havia um
telefone público. Pensamos em ligar para Groucho – uma chamada de longa
distância de Hayward – e pedir que Draper nos pegasse quando estivesse
voltando para o Sul.
Steve colocou uma moeda no telefone público e ligou para a operadora.
Ele disse que iria fazer uma “ligação de transmissão de dados”, a fim de
evitar que ela pensasse que nosso telefone estava fora do gancho pelo
breve período em que usaríamos a Caixa Azul. Steve pediu-lhe, então, que
nos conectasse com uma linha grátis ou com o auxílio à lista telefônica –
enfim, com alguma ligação sem custo. Então nós “nos livramos dela”
(capturamos a linha com um tom de 2.600 Hz) e Steve passou a usar a
Caixa Azul para ligar para Groucho. Mas a operadora voltou a acessar a
linha, e então Steve rapidamente desligou o telefone. Aquilo não era nada
bom!
Tentei de novo, dizendo para a nova operadora que atendeu que estava
fazendo uma transmissão de dados e que ela deveria ignorar qualquer luz
estranha que pudesse ver. Mas a mesma coisa aconteceu. A operadora
voltou para a linha exatamente antes de fazermos a conexão. De novo,
Steve desligou de imediato. Pensamos que estávamos em apuros e que de
alguma maneira nossa Caixa Azul havia sido detectada.
Por fim, decidimos utilizar mais moedas e ligar para Groucho da forma
legal. Fizemos a ligação e pedimos para o Capitão Crunch nos pegar. De
repente, uma viatura da polícia entrou no posto de gasolina e um guarda
saltou rapidamente do carro. Steve ainda estava segurando a Caixa Azul
quando isso aconteceu. Foi tudo muito rápido. Não tivemos tempo sequer
de esconder o aparelho. Tínhamos certeza de que a operadora havia
chamado a polícia para nos pegar e que aquele era o fim. O policial era um
tipo corpulento e, por algum motivo, passou por mim iluminando com a
lanterna algumas plantas que estavam cerca de três metros à minha frente.
Naquela época, eu usava cabelos compridos e uma fita no cabelo, logo,
imaginei que ele estivesse procurando por drogas que eu poderia ter
escondido. Depois o policial começou a examinar os arbustos no escuro,
vasculhando-os com as mãos.
Enquanto isso, tremendo de medo, Steve me passou a Caixa Azul. Ele
estava sem casaco, mas eu estava usando um e a coloquei no bolso.
Mas então o policial voltou-se para nós e nos revistou. Ele percebeu a
Caixa Azul, tirou-a de meu bolso e a analisou. Sabíamos que tínhamos sido
pegos. O policial me perguntou o que era aquilo. Eu não ia dizer: “Ah, isso é
uma Caixa Azul para fazer ligações telefônicas de graça”. Então, por algum
motivo, eu disse que era um sintetizador de música eletrônico. O
sintetizador Moog tinha acabado de ser lançado, então foi uma boa
explicação para dar. Apertei alguns botões da Caixa Azul para demonstrar
os tons. Na época, aquilo era bastante raro, assim como os telefones de
teclas, em especial naquela parte do país.
O policial perguntou, então, para que servia o botão laranja (na
verdade, era o botão que emitia o belo tom puro de 2.600 Hz para capturar
a linha de telefone), e Steve respondeu que era para “calibrar”. Ótima saída!
Um segundo policial se aproximou. Acho que no começo ele tinha
ficado para trás, dentro do carro de polícia. Ele pegou a Caixa Azul do
primeiro policial. Claramente, o aparelho era o foco de interesse deles, e
com certeza sabiam do que se tratava, pois teriam sido chamados pela
operadora do telefone público. O segundo policial perguntou o que era
aquilo. Eu disse que era um sintetizador de música eletrônico. Ele também
perguntou para que servia o botão laranja, e Steve novamente respondeu
que era para calibrar. Àquela altura éramos dois jovens assustados, com
frio e tremendo. Bem, pelo menos Steve estava tremendo. Eu tinha um
casaco.
O segundo policial examinava minuciosamente a Caixa Azul. Perguntou
como funcionava, e Steve disse que era controlada por computador. Ele
examinou um pouco mais o aparelho por todos os ângulos e perguntou
onde o computador era conectado. Steve disse que “ele se conectava
internamente”.
Sabíamos que os dois oficiais estavam fazendo um jogo conosco.
Os policiais perguntaram o que fazíamos ali, e nós respondemos que
nosso carro havia quebrado na estrada. Eles perguntaram onde o carro
estava parado e nós apontamos. Então os policiais, ainda segurando a Caixa
Azul, nos pediram que esperássemos no banco de trás da viatura enquanto
checavam a história do carro. Sentado no banco de trás de uma viatura
policial, você sabe para onde pode acabar indo: para a prisão.

Como a Bell nos ajudou a projetar a Caixa Azul.


Em 1955, o Bell System Technical Journal publicou um artigo intitulado “In Band Signal
Frequency Signaling” [Sinalização na faixa de frequência do sinal], que descrevia o
processo utilizado para encaminhar chamadas telefônicas através de linhas tronco com o
sistema de sinalização da época. A matéria apresentava todas as informações necessárias
para desenvolver um sistema telefônico entre escritórios, mas não incluía os tons
multifrequência necessários para acessar o sistema e fazer a discagem.
Mas nove anos depois, em 1964, a Bell revelou a outra metade da equação ao publicar as
frequências utilizadas e necessárias para os códigos reais de encaminhamento de uma
ligação telefônica.
A partir daquele momento, todos que quisessem ludibriar a Bell teriam condições de
fazê-lo. A fórmula estava ali para ser utilizada. Precisava-se, apenas, dos dois pedaços de
informações encontrados nos dois artigos. Quem conseguisse montar o equipamento
para emitir as frequências necessárias poderia fazer as próprias ligações de graça,
escapando da cobrança da Bell e monitorando completamente o sistema.
Famosos “hackers de telefone” do início dos anos 1970 incluíam Joe Engressia (vulgo
Joybubbles), que conseguia assobiar o tom “mi” mais alto necessário para capturar a
linha. John Draper (vulgo Capitão Crunch) fazia o mesmo com os sons tirados dos apitos
que vinham de brinde nas caixas de cereal Cap’n Crunch. Toda uma subcultura nasceu
então. No final, Steve Jobs (vulgo Oaf Tobar) e eu (vulgo Berkeley Blue) nos juntamos ao
grupo, fazendo e vendendo nossas versões de Caixas Azuis. E realmente ganhamos um
bom dinheiro com isso.

Os policiais foram na frente. Eu estava sentado atrás do motorista. O


policial sentado no assento do passageiro estava com a Caixa Azul. Um
pouco antes de o carro começar a se mover, ou talvez logo depois, ele se
voltou para mim e me passou o aparelho comentando: “Um sujeito
chamado Moog fez um melhor que o seu”.
* Prefixos tipo 0800. (N. R.)
7 Aventuras com Steve

A felicidade que senti quando o policial acreditou em nossa história


sobre a Caixa Azul ser algo parecido com o sintetizador Moog foi quase
indescritível.
Nós não só não fomos presos por fazer telefonemas ilegais com a Caixa
Azul, ou por possuí-la, como aqueles supostamente inteligentes policiais
caíram totalmente em nosso papo furado. Meu Deus, eu queria rir bem alto.
Nosso humor mudou instantaneamente.
Quer dizer: em um momento pensávamos que íamos para a cadeia e, no
segundo seguinte, percebemos que havíamos enganado a polícia.
Bagunçamos o coreto! Sem dúvida, tínhamos aprendido uma importante
lição de vida, algo que se tornou um tema recorrente em meus
pensamentos: algumas pessoas simplesmente acreditarão nas coisas mais
estranhas, coisas que não têm nada a ver com a realidade.
Depois que os policiais nos deixaram de volta no posto de gasolina,
esperamos até que finalmente o Capitão Crunch apareceu com sua van, um
automóvel que, sem dúvida, dava medo de andar. Ela parecia que ia se
desmanchar de tão frágil. Não me sentia nem um pouco seguro. Devia ser
por volta de 2 horas da manhã quando chegamos na casa de Steve em Los
Altos. Peguei meu carro – na época eu tinha um velho Ford marrom – e
segui de volta para Berkeley.
Eu não devia ter pego a estrada, estava cansado. Sabe o que aconteceu?
Dormi no volante em algum lugar próximo de Oakland, na Highway 17. Não
sei quanto tempo meus olhos ficaram fechados, mas de repente os abri e
me pareceu que a mureta de metal na lateral da estrada estava sobre meu
para-brisa. Foi uma sensação tão estranha, como um sonho. Agarrei o
volante, virei-o o mais forte que pude para a direita e o carro começou a
girar sem parar.
A única coisa que me segurava era o cinto de segurança.
Enquanto o carro girava, fiquei pensando: É isso aí; vou morrer. E, de
fato, eu poderia ter morrido. Mas então o carro escorregou um pouco e
parou de lado contra a mureta central, o que danificou irreparavelmente
uma das laterais do carro. Perda total.

O fato de perder meu carro mudou completamente minha vida. Uma


das partes mais importantes de minha existência em Berkeley era levar
grupos de pessoas até o sul da Califórnia, ou mesmo até bem mais longe,
como a Tijuana, no México, nos fins de semana. De fato, meu primeiro
pensamento depois de bater o carro não foi Graças a Deus estou vivo, mas:
Agora não vou poder mais levar meus amigos para loucas aventuras.
A batida foi o principal motivo para, terminadas as aulas de meu
terceiro ano em Berkeley, eu voltar a trabalhar em vez de retomar os
estudos depois das férias. Eu precisava ganhar dinheiro não só para pagar o
quarto ano da faculdade, mas também para comprar outro carro.
Se não fosse pelo acidente, eu não teria deixado a faculdade e talvez
nunca tivesse fundado a Apple. É estranho como as coisas acontecem.

Mas pelo resto daquele ano em Berkeley, continuei brincando com


minha Caixa Azul. O projeto do Capitão Crunch havia me dado uma ideia:
adicionar um pequeno botão no qual pudesse deixar pré-programado um
número de dez dígitos.
O número escolhido era de Los Angeles, uma bizarra linha de piadas
chamada Happy Ben. Quando alguém ligava, um sujeito esquisito – pelo
menos assim parecia pela voz – respondia com uma voz áspera de velho:
“Ei, sou eu, o Happy Ben”. Então cantava fora de tom e sem música: “Dias
felizes estão aqui novamente/ dias felizes estão aqui novamente/ dias
felizes estão aqui novamente/ dias felizes estão aqui novamente”. E por
fim: “Sim, sou eu de novo. É o Ben”.
Não me pergunte por que, mas de todas as linhas de piada do mundo às
quais eu agora tinha acesso livre com minha Caixa Azul, a Happy Ben
sempre me divertiu. Devia ser pelo fato daquele velho, que parecia ser um
sujeito mal-humorado, cantar aquela música de maneira tão alegre. De
alguma forma, esse tipo de humor me fazia rir. Espero algum dia fazer a
mesma coisa. Talvez eu consiga cantar o Hino Nacional dos Estados Unidos
em uma linha de piada. Ainda posso fazer isso.

Agora que eu possuía uma Caixa Azul, através da qual podia fazer
ligações para qualquer lugar, mesmo internacionais, eu me divertia
bastante ligando para linhas de piada em todo o mundo. Eu me dirigia até
um telefone público, discava algum número de ligação gratuita, capturava a
linha com a Caixa Azul, apertava o botão automático – bip bip bip –, e lá
estava ele de novo: Happy Ben, cantando “Dias felizes estão aqui
novamente”. Era um dos meus passatempos favoritos.
Mas não havia me esquecido de qual deveria ser a verdadeira missão
do hacker de telefone: não bagunçar o sistema, mas encontrar falhas,
aspectos curiosos e segredos que a companhia telefônica nunca contou a
ninguém. Eu realmente me mantinha firme nessa questão de honestidade:
quando fazia ligações para amigos, parentes, pessoas para as quais de fato
precisava telefonar, eu fazia questão de pagar. Não usava a Caixa Azul. Para
mim, isso seria roubar, e essa não era minha praia.
Porém, gostava de usar a Caixa Azul para ver até onde conseguiria
chegar. Por exemplo, eu fazia uma ligação para uma operadora e fingia ser
um operador de Nova York tentando estender a linha para medição de fase,
e ela me conectava com Londres. Depois eu pedia para a operadora me
conectar com Tóquio. Ocasionalmente, eu viajava ao redor do mundo
assim, três vezes ou mais.
Quando isso acontecia, eu ficava ótimo em parecer oficial, ou em
utilizar sotaques, apenas para enganar operadoras em todo o mundo.
Lembro-me de uma vez, bem tarde da noite, quando decidi telefonar para o
papa. Por que o papa? Não sei. Por que não? Então comecei usando a Caixa
Azul para ligar para o interior da Itália (código de país 121), depois pedi
por Roma, e então cheguei ao Vaticano. Com forte sotaque, anunciei que era
Henry Kissinger telefonando em nome do presidente Nixon e disse:
“Estamos em uma reunião de cúpula em Moscou e precisamos falar com o
papa”.
Uma mulher disse: “Aqui são 5 e meia da manhã. O papa está
dormindo”. Ela me manteve na linha por um instante e depois disse que
estavam mandando alguém para acordá-lo, então perguntou se eu podia
ligar novamente. Eu disse que sim, em uma hora.
Bem, uma hora depois, liguei novamente e ela disse: “OK, vou colocar o
bispo na linha. Ele será o tradutor”. Então falei com o tal bispo, ainda com
um forte sotaque: “Aqui é o senhor Kissinger”. E ele respondeu: “Escute
aqui, acabei de falar com o senhor Kissinger uma hora atrás”. Veja só: eles
verificaram minha história e telefonaram para o verdadeiro Kissinger em
Moscou.
Ah! Mas eu não desliguei. Apenas disse: “Você pode verificar meu
número e me ligar de volta”. Então dei ao bispo um número nos Estados
Unidos, que chamaria de volta um outro número, de forma que não seria
possível descobrir de onde eu, de fato, estava ligando. Mas eles nunca
ligaram de volta, o que foi muito chato.
Anos mais tarde, porém, não consegui parar de rir quando li uma
entrevista com o Capitão Crunch no qual ele falava de mim. Ele disse que eu
estava ligando para o papa para me confessar!
Por muito tempo, sempre falei para as pessoas que eu era um hacker de
telefone ético, pois sempre paguei pelas minhas ligações pessoais e estava
apenas investigando o sistema. E isso era verdade. Eu costumava receber
contas de telefone enormes, embora tivesse minha Caixa Azul, que me
permitia fazer qualquer ligação de graça.
Mas um dia Steve Jobs me procurou e disse: “Ei, vamos vender isso”.
Então, ao vender o aparelho, nós realmente estávamos repassando a
tecnologia para pessoas que a usariam para telefonar para as namoradas,
ou algo parecido, e economizar dinheiro com as ligações. Assim, olhando
para trás, acho que na verdade fui cúmplice nesse crime.
Nós tínhamos uma forma bem interessante de vender a Caixa Azul.
Primeiro, eu e Steve buscávamos grupos de pessoas em vários dormitórios
em Berkeley. Eu era sempre o chefe, posição que não era muito comum
para mim. Era eu quem conduzia toda a conversa. E quer saber: eu achava
que ia ficar famoso fazendo isso, mas o engraçado é que eu não sabia que
para ter meu apelido de hacker de telefone (o meu era Berkeley Blue)
publicado em artigos era preciso conversar com um repórter.
Seja como for, a maneira que escolhemos para vender nossa invenção
foi simplesmente bater na porta das pessoas. Como sabíamos que não
estávamos abordando alguém que iria nos entregar para a polícia? Alguém
que pudesse ver aquilo como um crime? Na verdade, batíamos na porta
(geralmente uma porta do dormitório masculino) e perguntávamos por
alguém que não existia, como: “O Charlie Johnson está?”. Então a pessoa à
porta respondia: “Quem é Charlie Johnson?”.
E eu dizia: “Você sabe, o sujeito que faz todos aqueles telefonemas
grátis”. Se a pessoa parecesse legal – e dava para saber, a julgar pela cara
que fazia, se ela denunciaria algo tão ilícito quanto fazer telefonemas
gratuitamente –, eu acrescentava: “Você sabe, ele tem a Caixa Azul”.
Às vezes alguém dizia: “Ah, meu Deus, já ouvi falar sobre esse negócio”.
Se a pessoa de fato parecesse ser suficientemente legal, e às vezes era,
então Steve Jobs ou eu tirava uma Caixa Azul do bolso. Daí ouvíamos
comentários como: “Nossa! Ela é assim? É de verdade?”.
Dessa forma, sabíamos que estávamos com o sujeito certo e que ele não
nos entregaria. Então um de nós propunha: “Quer saber, voltaremos às 7
horas da noite; se algum de vocês conhecer alguém de um país estrangeiro,
nós faremos uma demonstração”.
Então voltávamos às 7 horas da noite. Passávamos um fio pelo quarto
da pessoa interessada no aparelho e o ligávamos a um gravador. Dessa
forma, tudo era gravado – cada venda que fizemos foi gravada. Só para
evitar riscos.
Ganhamos um pouco de dinheiro vendendo Caixas Azuis. Na época era
o suficiente. A princípio, eu comprava as peças para montar manualmente
cada uma por 80 dólares. O distribuidor em Mountain View, de quem eu
comprava os chips (nenhuma loja de produtos eletrônicos vendia chips),
cobrava caro por pequenas quantidades. No final, montamos placas de
circuito impresso e, fazendo dez ou vinte de cada vez, reduzimos o custo
para talvez 40 dólares. Assim, vendíamos as caixas por 150 dólares e
dividíamos o lucro.
Portanto, era uma proposta de negócio bastante boa, exceto por um
detalhe. As Caixas Azuis eram ilegais e nós estávamos sempre preocupados
em ser pegos.

Uma vez, eu e Steve tínhamos uma Caixa Azul pronta para vender.
Steve precisava de algum dinheiro extra e queria muito que vendêssemos a
caixa naquele dia. Era um domingo. Antes de seguirmos para Berkeley para
vender a Caixa Azul, paramos em uma pizzaria em Sunnyvale. Enquanto
comíamos nossa pizza, notamos alguns sujeitos na mesa ao lado. Eles
pareciam legais e começamos e conversar com eles. Passado algum tempo,
ficaram interessados em ver o aparelho e em comprá-lo.
Fomos então para um corredor no fundo da pizzaria onde havia um
telefone público. Steve pegou a Caixa Azul. Eles nos deram um número em
Chicago (código de área 312) para testá-la. A linha capturada começou a
chamar, mas ninguém respondeu.
Os três sujeitos ficaram realmente animados e nos disseram que
queriam a Caixa Azul, mas que não poderiam pagar. Eu e Steve saímos da
pizzaria e fomos direto para o estacionamento. Mas assim que entramos no
carro de Steve, antes que ele pudesse dar a partida no motor, um dos
sujeitos se aproximou do vidro do lado do motorista com uma grande
pistola negra apontada diretamente para nós.
Ele pediu a Caixa Azul.
Steve, muito nervoso, entregou-a para ele. O ladrão se afastou.
Enquanto estávamos lá sentados, atônitos, uma coisa incrível aconteceu.
Um dos sujeitos voltou até nosso carro e explicou que ainda não tinha o
dinheiro, mas que queria a Caixa Azul. Disse ainda que, mais tarde, nos
pagaria, e escreveu em um pedaço de papel um nome e um número de
telefone para o qual poderíamos ligar. Seu nome era Charles.
Após alguns dias, Steve ligou para o tal número. Alguém atendeu, e
quando perguntamos pelo Charles, a pessoa nos deu um número de
telefone público – sabíamos disso por causa dos quatro últimos dígitos.
Steve ligou para o novo número e Charles atendeu. Ele disse que mais
tarde nos pagaria pela Caixa Azul, mas que naquele momento precisava
descobrir como usá-la.
Steve tentou convencer o sujeito a nos devolver o aparelho. Então
Charles disse que queria nos encontrar em algum lugar. Estávamos com
muito medo de encontrá-lo novamente, mesmo em um lugar público. Então
pensei em explicar para ele um método de uso que o faria ser cobrado por
cada ligação. Também pensei em ensinar ao tal Charles uma maneira de
usá-la que o faria ser pego. Algo como ligar para telefones de informações,
o que pareceria suspeito se um mesmo telefonema durasse horas.
Se eu fosse mais sacana, poderia ensiná-lo a capturar uma linha
discando de início um número da central de polícia.
Mas não recomendei nada disso, e no final, Steve desligou. Estávamos
com muito medo para fazer algo a respeito, e certamente Charles e os
outros sujeitos nunca aprenderam como usar a Caixa Azul.
8 HP e fazendo bicos como Polaco Maluco

Disto eu sei com certeza: estava predestinado a ser um engenheiro que


projetava computadores, um engenheiro que desenvolvia softwares, um
engenheiro que contava piadas, e um engenheiro que ensinava coisas para
os outros.
Finalmente, logo após meu terceiro ano em Berkeley, consegui o
emprego de meus sonhos. Mas não era desenvolvendo computadores. Era
um emprego projetando calculadoras na Hewlett-Packard. Realmente
pensei que passaria o resto da vida lá, afinal, era simplesmente a empresa
mais perfeita do mundo.
Isso foi em janeiro de 1973, e para um engenheiro como eu, não havia
no mundo lugar melhor para trabalhar. Diferentemente de muitas
companhias de tecnologia, a Hewlett-Packard não era totalmente
administrada por pessoas de marketing. Ela de fato respeitava seus
engenheiros. Na verdade, isso fazia sentido porque era uma empresa que
por muitos anos vinha desenvolvendo ferramentas para engenheiros –
medidores, osciloscópios, fontes de alimentação, aparelhos para testes de
todos os tipos, e até equipamento médico. Ela criava todos esses produtos,
que os engenheiros realmente utilizavam, e era uma empresa dirigida por
engenheiros, tendo como medida o que os engenheiros precisavam. Eu
adorava isso.
Por alguns poucos meses antes de entrar na HP, logo depois que
concluí o ano na Berkeley, em junho, trabalhei em uma companhia muito
menor chamada Electroglas, que na época foi um estouro também.
Conseguir emprego na Electroglas foi muito fácil: eu estava olhando os
classificados de emprego no jornal e o primeiro anúncio que vi foi uma
vaga para técnico em eletrônica por 600 dólares por mês, ou perto disso.
Liguei para o telefone do anúncio e me disseram: “Venha aqui para uma
entrevista”. Fui até lá e eles me passaram um teste por escrito
incrivelmente fácil: com fórmulas de eletrônica e tudo o mais. Claro que eu
sabia sobre o assunto. Eu o conhecia desde sempre. Fui entrevistado e
imediatamente contratado: tinha um emprego. Eles me pagaram o
suficiente para que eu conseguisse comprar meu primeiro apartamento,
que ficava em Cupertino, distante apenas um quilômetro e meio da casa de
meus pais. Isso foi simplesmente o máximo.
Porém, seis meses mais tarde, tive notícias de meu velho amigo Allen
Baum, que na época estava trabalhando como estagiário na Hewlett-
Packard. Ele estava muito animado, e contou-me que tinha feito amizade
com os projetistas da calculadora HP 35, que, para mim, foi a maior
invenção de todos os tempos.
Eu tinha sido um gênio da régua de cálculo no colégio, logo, quando
descobri a calculadora, foi simplesmente fantástico. Na régua de cálculo era
preciso olhar com precisão para ler os valores. O número com maior
precisão que se conseguia obter na régua possuía apenas três dígitos;
entretanto, mesmo esse resultado era sempre questionável. Porém, com a
calculadora, era possível obter os dígitos que se quisesse de maneira
precisa. Não era necessário alinhar um cursor em uma tela: apenas com o
digitar dos números e o apertar de um botão obtinha-se a resposta de
imediato. E era possível obter um número com até dez dígitos. Por
exemplo, a resposta correta poderia ser 3,158723623. Uma resposta como
essa tinha muito maior precisão que qualquer coisa que os engenheiros já
tivessem obtido antes.
A HP 35 foi a primeira calculadora científica, e foi a primeira da história
que podia ser segurada nas mãos. Ela calculava senos, cossenos e
tangentes, ou seja, todas as funções trigonométricas e
exponenciais/logarítmicas que os engenheiros utilizavam em seus cálculos
e projetos. Isso foi em 1973, e naquela época as calculadoras
(especialmente as portáteis) representavam um negócio muito grande.
Assim, Allen estagiava no departamento de calculadoras. Ele me disse
que falaria com os gerentes sobre mim, que lhes diria que eu era um grande
projetista e que projetara vários computadores e aparelhos semelhantes.
Pouco tempo depois, me vi sendo entrevistado pelo vice-presidente de
Engenharia, pelas pessoas sob suas ordens, e pelas pessoas sob as ordens
daquelas. Acho que ficaram impressionados comigo, pois me fizeram uma
proposta de imediato para eu trabalhar lá. Eles me disseram que eu poderia
ajudar a projetar calculadoras científicas na HP. Então pensei: Oh, meu
Deus!
Eu adorava meu trabalho na Electroglas. Todo dia tinha um novo
desafio, o que eu gosto, como ajudar a testar ou consertar circuitos (muitos
dos chips da empresa apresentavam problemas porque, em vez de
soquetes, eles utilizavam o método de solda lógica resistor-transistor [RTL,
na sigla em inglês] para a fixação dos chips). Eu gostava de todos meus
colegas de trabalho e fiz muitos bons amigos lá. Assim, quando lhes contei
sobre a oferta de emprego na HP, eles fizeram todo o possível para me
manter na empresa. Disseram que me contratariam como engenheiro
pleno, que aumentariam meu salário acima da oferta da HP, e eu me senti
mal com isso, porque realmente adorava aquela empresa.
Embora levasse em consideração possuir um grande emprego na
Electroglas, ele não era nada se comparado com o que eu acreditava ser o
emprego ideal: trabalhar com calculadoras científicas portáteis na única
empresa do mundo que poderia fabricar um produto como esse. O que
poderia ganhar disso?
Eu já era um grande fã da Hewlett-Packard. Quando estava em
Berkeley, tinha até economizado 400 dólares (hoje, isso equivale a cerca de
2 mil dólares) para comprar uma HP 35.
Eu não tinha dúvidas de que as calculadoras iriam substituir
totalmente as réguas de cálculo. (De fato, dois anos depois, não se
conseguia mais comprar uma régua de cálculo. Ela tinha sido extinta.) E de
repente, daquele momento em diante, eu tinha um emprego em que
ajudaria a projetar a próxima geração de calculadoras científicas. Era como
fazer parte da História.
A HP era a empresa ideal para mim porque, como disse anteriormente,
eu já havia decidido que queria ser na vida: um engenheiro. Assim, a
proposta da HP era perfeita porque me possibilitaria trabalhar em um
produto que, na época, era destaque no mundo – a calculadora científica.
Para mim, era o melhor emprego que eu poderia ter.
Para dar um exemplo de como a HP era uma grande empresa,
considere o seguinte. Durante o início dos anos 1970, a recessão avançava e
todos estavam perdendo seus empregos. Mesmo a HP precisou cortar 10%
de seus custos. Porém, em vez de despedir os funcionários, ela optou por
cortar os salários de todos em 10%. Dessa forma, ninguém ficaria
desempregado.
Meu pai sempre me dizia que o emprego de uma pessoa é a coisa mais
importante que se pode ter e a pior coisa a se perder.
Ainda penso assim. Acho que empresa é como uma família, uma
comunidade, onde todos tomam conta uns dos outros. Nunca concordei
com o pensamento corrente de que a empresa deva ser gerida de forma
competitiva e que os trabalhadores piores, mais jovens ou mais
recentemente contratados devam ser os primeiros a ser demitidos no caso
de uma crise financeira.
A propósito, eu tinha 22 anos quando comecei a trabalhar na Hewlett--
Packard.

Quando entrei na HP, conheci muitas pessoas lá e me tornei amigo de


engenheiros, técnicos, e mesmo de alguns funcionários do marketing. Eu
adorava o ambiente de trabalho. Era muito livre. Eu ainda usava barba e
cabelo comprido, e ninguém parecia se importar com isso. Na HP, a pessoa
era respeitada por suas habilidades. A aparência não tinha a menor
importância.
Lembro-me de que trabalhávamos em cubículos. Pela primeira vez eu
me sentava em um cubículo de trabalho e podia caminhar pelo escritório e
conversar com outras pessoas. Durante o expediente era possível lançar
ideias sobre produtos e debatê-las. A HP facilitava esse tipo de iniciativa.
Todos os dias, às 10 da manhã e às 2 da tarde, passava um carrinho com
rosquinhas e café. Uma atitude muito legal. E inteligente, pois a razão disso
era manter todos reunidos em um único lugar para que pudessem
conversar, socializar e trocar ideias.

Mais sobre a HP
A Hewlett-Packard foi fundada em 1939, na garagem de dois graduados de Stanford: Bill
Hewlett e Dave Packard. Muitas pessoas confundem essa história com a história da
fundação da Apple, dizendo que nós a começamos em uma garagem. Não é verdade. A HP
é que começou em uma garagem. No caso da Apple, eu trabalhava no quarto, em meu
apartamento, e Steve trabalhava no quarto dele na casa dos pais. Somente a última parte
da montagem dos computadores é que fazíamos na garagem de Steve.
Mas é assim que acontece com as histórias.
O primeiro produto da HP foi um oscilador de áudio de precisão chamado Model 200A.
Ele media ondas de som e custava menos de 50 dólares (que era um quarto do preço de
osciladores menos confiáveis fabricados por outras empresas). Eis um fato legal: um dos
primeiros clientes da HP foi a Walt Disney Productions, que utilizou oito osciladores de
áudio Model 200B para testar o sistema de som para o filme Fantasia.

Alguns anos antes, durante aquelas longas caminhadas que eu fazia na


época do colégio, decidi que eu era pela verdade, pelos fatos e pelos
cálculos. Eu sabia que nunca iria querer participar de jogos sociais. A
Guerra do Vietnã apenas solidificou tal atitude. Por isso eu tinha certeza,
mesmo com 22 anos de idade, que nunca trocaria a Engenharia pela
Administração. Eu não queria ocupar cargos de gestão e precisar participar
de batalhas políticas, tomar partido, pisar no calo das pessoas e todo esse
tipo de coisas.
E eu sabia que conseguiria isso na HP – isto é, ter uma longa carreira
sem nunca precisar migrar para a área administrativa. Sabia disso porque
conheci alguns engenheiros bem mais velhos que eu que também não
tinham desejo algum de trabalhar na administração. Portanto, após
conhecê-los, eu sabia que isso seria possível.
Trabalhei na HP por um bom tempo – cerca de quatro anos. Ainda não
tinha concluído a graduação na faculdade, mas prometi aos meus gerentes
que resolveria isso fazendo um curso noturno na Universidade San Jose,
que era lá perto.
Não podia imaginar deixar meu emprego e voltar para a faculdade em
tempo integral, porque o que eu estava fazendo era muito importante.

Na HP, trabalhei em circuitos de calculadora e em como eles eram


projetados. Eu analisava os esquemas dos engenheiros que haviam criado o
processador de cálculo e conseguia fazer modificações nos chips.
Porém, quanto mais eu trabalhava na HP, mais me distanciava de meus
computadores do passado: computadores e processadores, registros, chips,
entradas; a elaboração de todas essas coisas que costumavam me deixar
fascinado. Naqueles tempos, tudo estava indo tão bem em minha vida, que
simplesmente deixei de lado minhas ambições em relação aos
computadores.
Na época, eu estava perdendo várias mudanças e avanços no universo
dos computadores, como o fato de os microprocessadores – o cérebro de
qualquer computador atual – estarem ficando cada vez mais poderosos e
compactos; os novos chips que estavam sendo lançados; e o fato de
estarmos, àquela altura, perto de conseguir que todo o centro principal de
computação da máquina – sua unidade central de processamento (ou CPU)
– fosse colocado em apenas um pequeno chip.
Parei de seguir tão de perto a evolução na área da computação. Sequer
pensava em nossas calculadoras como computadores, embora certamente
o fossem. Elas tinham um par de chips que se somavam a um pequeno
microprocessador – algo bastante estranho, admito, mas naqueles dias, era
preciso projetar coisas de modo esquisito e inventar técnicas estranhas.
Esses chips só faziam uma coisa de cada vez. Naquela época, os chips eram
mais simples: não cabia mais que uma centena de transistores em um chip,
enquanto hoje cabem mais de um bilhão.
Logo, tudo era mais estranho na época. Assim, pelo fato de estar tão
feliz em meu emprego, não sabia o que estava perdendo.

O que é uma CPU?


Ouvimos bastante o termo “CPU”, mas o que essas letras realmente significam? O que sua
invenção mudou em termos da revolução dos computadores de hoje?
CPU, sigla de Central Processing Unit [Unidade central de processamento], é um termo
normalmente utilizado de forma intercambiável com “microprocessador”. Mas isso só é
válido se a CPU estiver em um único chip. Quando comecei a montar
computadores, como o Computador Cream Soda, não havia essa coisa de CPU em um chip
– isto é, um microprocessador.
A Intel produziu o primeiro microprocessador de verdade em meados dos anos 1970. Ele
era chamado de 4004.
O propósito de uma CPU, que realmente é o cérebro de um computador, é buscar e
executar todas as instruções que alguém armazenou no computador por meio de um
programa. Digamos que uma pessoa desenvolva um programa que verifica a ortografia de
um documento. A CPU é capaz de encontrar esse programa (que é representado dentro
da máquina com os números binários 1 e 0) e se comunicar com outros componentes do
computador para fazê-lo funcionar.

Às vezes, alguns engenheiros da HP embarcavam em pequenos aviões e


voavam para almoçar em algum lugar. Muitos tinham brevês de aviação.
Meu primeiro voo acabou sendo na aeronave de Myron Tuttle, um
projetista como eu. Nós trabalhávamos juntos em meu cubículo. Naquele
dia, ele me deixou sentar na cadeira de copiloto, o que foi muito legal.
Lembro-me de que havia mais duas pessoas na parte de trás que
faziam parte de nosso grupo. Lá estávamos nós, voando para almoçar em
Rio Vista, perto de Sacramento.
Quando Myron pousou, começamos a sacudir – sem parar. Nunca
estivera em um pequeno avião antes, então pensei: Oh, isso é interessante!
Então um avião pequeno é assim. Bastante instável na hora de pousar.
Durante o almoço, os outros membros de nosso grupo conversaram em
particular (descobri mais tarde que eles estavam decidindo se deixariam
Myron nos levar de volta!) e acabaram decidindo que tudo bem, que era
apenas um voo e que a pista em San Jose tinha entre 3 mil e 4 mil metros de
comprimento. Eles pensaram que talvez Myron pudesse se sair melhor na
viagem de volta.
Então voamos de volta após o almoço – e novamente tivemos outro
daqueles pousos saltitantes. E outra vez pensei que era daquela forma que
se pousava aviões pequenos. Havia um primeiro salto, depois um segundo
salto bastante alto, depois o som de algo raspando, em seguida um salto,
outro salto, outro salto, e mais um, que parecia ser o milionésimo salto na
pista.
Eu devia estar branco como um lençol; acho que todos estavam.
Nenhum de nós conseguia emitir uma palavra sequer. Taxiamos na pista
por alguns minutos, e ainda assim nenhum dos três comentava nada com
Myron. Nem uma palavra.
O silêncio estava desconfortável. Finalmente, achei que devia dizer
algo, alguma coisa técnica, afinal, Myron era um engenheiro. Assim, após
sairmos do avião, eu disse para ele: “Ei, é interessante que eles dobrem a
hélice dessa forma – é por causa da aerodinâmica?”.
E Myron respondeu: “Não”. Foi tudo o que ele disse.
Percebi então que eu havia dito a pior coisa possível.
Myron havia entortado a hélice ao pousar.
Para ser justo com ele, não é impossível que eu tenha feito algo no
assento do copiloto que tenha piorado a batida no chão. Talvez em meu
medo eu tenha tocado em algo que não devia.
De qualquer forma, ouvi dizer que Myron nunca mais voou depois
daquilo. Quanto à hélice que ele entortou, foi preciso comprar outra. Ele
pendurou a quebrada na parede do laboratório, algo para que pudéssemos
olhar sempre e nos lembrar. Como se fosse uma piada.
Penso que a maioria das pessoas que trabalha o dia todo gosta de fazer
algo totalmente diferente quando volta para casa. Algumas pessoas gostam
de assistir à televisão. Mas meu negócio eram projetos de eletrônica. Eram
minha paixão e meu passatempo.
Trabalhar em projetos era algo que eu fazia em meu tempo livre como
uma recompensa a mim mesmo, embora não estivesse sendo
recompensado com dinheiro ou com outros sinais visíveis de sucesso.
Um dos projetos em que trabalhava na época era o Dial-a-Joke [Disque-
Piada]. Eu o iniciei cerca de duas semanas antes de começar a trabalhar na
HP e ele durou alguns anos depois disso.
Muitas pessoas fundam empresas e sei que provavelmente muitos
lerão este livro somente porque fundei a Apple. Mas o que eu queria que
mais pessoas soubessem a meu respeito é o motivo pelo qual penso que
realmente deveria ser famoso: pela criação do primeiro Dial-a-Joke de São
Francisco, que, aliás, foi um dos primeiros do mundo.
Esse serviço era algo que eu queria fazer já há algum tempo,
principalmente porque eu vinha ligando para números de disque-piada
(lembram-se de Happy Ben?) em todo o mundo através da Caixa Azul.
Assim, eu sabia que existiam linhas de disque-piada em lugares como
Sydney, na Austrália, e em Los Angeles, mas que não havia nenhuma na
região da Baía de São Francisco. Como assim? Eu não podia acreditar. E
como sabem, gosto de estar sempre na vanguarda. Então decidi que seria o
primeiro a fazê-lo.
Em pouco tempo eu tinha o primeiro disque-piada da região da Baía de
São Francisco e ele era incrivelmente popular. De fato, recebia tantas
ligações que continuei com ele por alguns poucos anos, pois, perto do
encerramento das atividades, eu recebia milhares de ligações por dia. No
final, eu não conseguia mais pagar.
Para criar um sistema de disque-piada, o primeiro passo era conseguir
uma secretária eletrônica. Mas eu não podia simplesmente comprar uma.
Naqueles dias, era ilegal conectar um aparelho assim à sua linha sem alugá-
lo de uma companhia telefônica. É preciso ter em mente que naquela época
não havia tomada de telefone nas paredes. Apenas fios conectados a
parafusos.
Porém, eu sabia que os cinemas tinham secretárias eletrônicas porque
deixavam gravadas nelas informações sobre filmes e sessões. De alguma
maneira, consegui alugar uma por cerca de 50 dólares por mês, valor
bastante alto para um jovem como eu. Mas eu queria fazer o disque-piada
por pura diversão e dinheiro não iria me impedir. Pelo menos não no
começo.
Em seguida, eu precisava de piadas. E as consegui no The Official Polish-
-Italian Joke Book [Livro Oficial de Piadas sobre Polacos e Italianos], escrito
por Larry Wilde. Esse foi o livro de piadas mais vendido de todos os
tempos.
Então, liguei a secretária eletrônica e gravei uma piada. Utilizando meu
melhor sotaque eslavo, falei: “Alô. Obrrigada porr ligarr parra Dial-a-Joke”.
Então: “A piada do hoje é: Qvando um polaco morre de beberr leite?
Qvando a vaca se senta! Ah, ah, ah. Obrrigada porr terr ligado parra Dial-a-
Joke”.
No primeiro dia, dei o número para poucas pessoas no trabalho e pedi
que deixassem seus filhos telefonar.
No dia seguinte, gravei uma nova piada. E a cada dia gravava uma nova
piada de polonês na secretária eletrônica.
Não dá para acreditar como o Dial-a-Joke cresceu rápido. No primeiro
dia foram apenas algumas poucas ligações. Depois foram dez. No dia
seguinte talvez quinze. De repente, pulou para cem ligações, e em seguida,
para duzentos telefonemas por dia. Em duas semanas, a linha ficava
ocupada o dia todo. Eu tentava ligar do trabalho e não conseguia. Após o
período de férias escolares daquele ano, eram feitas algo como 2 mil
ligações por dia para um único número de telefone. Fiz questão de manter
minhas piadas bem curtas – menos de 15 segundos – para poder receber
muitas ligações por dia. Não podia acreditar como aquilo tinha ficado
popular!
A coisa começou realmente a explodir. De vez em quando, apenas por
diversão, eu atendia as ligações ao vivo quando chegava do trabalho e dizia:
“Alô. Obrrigada porr ligarr parra Dial-a-Joke”. Comecei a conversar com um
monte de pessoas e ouvir coisas estranhas sobre suas escolas, professores e
outros alunos. Tomei nota de tudo. Dessa forma, se eu perguntasse para
alguém (com meu sotaque polonês, claro) em que colégio estudava e a
pessoa respondesse “Oak Grove”, eu podia dizer: “Ei, o senhor Wilson ainda
usa aquelas estranhas calças vermelhas?”.
Então as pessoas ficaram encantadas comigo. Elas ouviam as gravações
e sabiam que às vezes eu realmente atendia ao telefone – e pensavam que
aquele velho polonês sabia tudo sobre elas! Eu lhes dizia que meu nome era
Stanley Zebrazutsknitski.
Em dado momento, comprei dois livros de insultos – 2.001 Insults
[2.001 Insultos], volumes 1 e 2. Muitos dos insultos eram realmente
engraçados. Às vezes eu criticava quem estava ligando só para provocar.
Algo do tipo: “Você não é muito brilhante, não é?”. Em geral, as pessoas
retrucavam me chamando de algo desagradável, como velhote. Era minha
deixa para começar a ler os insultos do livro; alguns tão engenhosos que
ninguém conseguia revidar com algo bom. Embora tentassem, eu sempre
vencia a batalha de insultos.
Mais ou menos nessa mesma época, recebi reclamações da
Congregação Polaco-Americana, dizendo que as piadas difamavam pessoas
de descendência polonesa. Sendo Wozniak um polonês que conta e ri de
piadas de poloneses, perguntei se eles se importariam se eu trocasse para
piadas de italianos. Eles disseram que isso seria bom.
Como pode ver, a noção de politicamente correto não existia na época.
Os polaco-americanos não se preocupavam com o fato de eu contar piadas
étnicas, desde que não fossem sobre poloneses!

Quer ouvir um Disque-Piada?


Há rumores de que o primeiro serviço de disque-piada foi criado pela Bell de Nova York
no início da década de 1970. Quer ouvir algumas das piadas? É possível ouvir arquivos de
gravações no site <http://www.dialajoke.com>.

Doze anos depois, essa mesma Congregação Polaco-Americana


concedeu-me o Prêmio Tradição, a maior honraria oferecida por eles pelas
realizações de um polaco-americano.

A maior parte das ligações provinha de adolescentes. Adultos não têm


tempo ou paciência de discar várias vezes para um número ocupado até
conseguir completar a ligação.
Mas as crianças, por ficarem ligando várias vezes em seguida,
frequentemente erravam o número. Uma vez, em um fim de semana, recebi
a ligação de uma mulher que disse: “Por favor, você tem que parar essa
máquina. Meu marido trabalha à noite e precisa dormir durante o dia, e
recebemos centenas de telefonemas por dia que seriam para você”. No dia
seguinte, liguei para a companhia telefônica e pedi que trocassem o
número. Fiz isso apenas por ela.
Não ouvi mais reclamações no mês seguinte, então presumi que a troca
dos números tinha funcionado. Mas um gerente da companhia telefônica
me ligou dizendo que muitas outras pessoas estavam reclamando.
Isso foi frustrante para mim, porque eu não queria causar problemas
para ninguém. Então comecei a pensar em conseguir um número fácil de
discar. Eu estava em Cupertino, onde um dos prefixos era 255, então
pensei: Que tal 255-5555? Seria fácil discar sempre o mesmo número. Tentei
ligar para esse número e descobri que ninguém o possuía. Também
descobri que ninguém tinha o 255-6666.
Liguei para o gerente da companhia telefônica – agora o negócio Dial-a-
Joke era tão grande que mesmo o tímido Steve Wozniak podia falar com
gerentes da companhia telefônica. Sugeri que a solução para todos os
enganos seria um número fácil de discar. Primeiro pedi o número 255-
5555, mas eles não estavam fornecendo números na faixa 5000. Então
disse: “Que tal 255-6666?”. Ele verificou e respondeu: “Está bem”. Fiquei
com esse número.
Acabei imprimindo alguns cartões que diziam: “O Polaco Maluco. Já
ouviu a última? Ligue para 255-6666”.
Imaginei que isso seria o fim dos problemas com ligações erradas, mas
não foi. Um dia, estava voltando para casa em Cupertino, depois de sair da
Hewlett-Packard, e ao chegar, havia três pessoas me esperando. Elas
disseram que trabalhavam na Any Mountain, que era e ainda é uma grande
loja de equipamentos para esqui na Califórnia. O telefone deles era 255-
6667 (um único dígito diferente). Eles disseram estar recebendo tantos
telefonemas estranhos, de pessoas esquisitas e crianças, que passaram a ter
medo de atender ao próprio telefone! Fiquei um pouco orgulhoso com o
fato de minha pequena operação ser capaz de afetar uma empresa tão
grande, mas mudei novamente o número para protegê-los. Mudei para um
prefixo 575 (575-1625), que na verdade era utilizado para grandes
volumes de ligações, como promoções de estações de rádio e coisas
parecidas.
Porém, àquela altura, o Dial-a-Joke estava ferido pela falta de dinheiro.
Só o custo da secretária eletrônica estava me quebrando.
Em dado momento, pensei em talvez conseguir dinheiro das pessoas
que ligavam para ajudar a pagar o Dial-a-Joke. Acrescentei à mensagem:
“Por favor, enviem dinheiro para a caixa postal P.O. Box 67 em Cupertino,
Califórnia”. Em três meses recebi somente 11 dólares. Normalmente
recebia moedas embrulhadas em um pedaço de papel. Só uma vez consegui
uma nota de 1 dólar.

O maior problema com o Dial-a-Joke, como disse anteriormente, eram


as despesas. Não apenas o aluguel da secretária eletrônica era caro, mas eu
precisava alugar constantemente novas secretárias da companhia
telefônica.
Para ter uma ideia, nos cinemas, essas máquinas duravam anos.
Comigo elas estavam durando no máximo um mês. Todo mês eu precisava
ligar para a companhia telefônica e dizer: “Vocês precisam vir consertar a
secretária eletrônica. Ela quebrou”.
Eu gostava dessa parte porque eles cobravam muito caro o aluguel;
então me parecia justo que eu não ficasse quieto quando ela quebrava.
Gostava de vê-los perder dinheiro também. Então um sujeito vinha às 5
horas da tarde, quando eu estava voltando para casa do trabalho, e trazia
com ele uma secretária eletrônica inteiramente nova. Eu me encontrava
com o sujeito, deixava que ele entrasse no apartamento, instalasse a
máquina e pronto.
Em determinado mês, quando cheguei em casa naquele dia depois das
5 horas da tarde para me encontrar com o técnico, que já deveria estar me
esperando, havia um bilhete dele pregado na porta do meu apartamento
dizendo que ele havia passado às 2 horas da tarde.
Duas horas da tarde? Liguei para a companhia telefônica. “Ele deveria
ter vindo após as 5 horas. É melhor que você faça com que ele venha
amanhã após as 5 horas da tarde”. No dia seguinte, encontrei outro bilhete
dizendo que ele havia estado lá às 3 horas da tarde. Dessa vez liguei para a
companhia telefônica lívido de raiva – algo realmente pouco comum em
mim – e disse-lhes algo como: “É melhor você dizer a ele para desta vez
estar aqui às 5 horas”. Mas novamente, no dia seguinte, havia um bilhete
dizendo que ele havia passado lá às 2 horas da tarde. O que estava
acontecendo? Não tinha a menor ideia.
Mas já fazia três dias que eu vinha pagando por uma máquina que não
estava funcionando e isso não era piada para mim.
Então decidi jogar o jogo de maneira diferente. Liguei para a
companhia telefônica e pedi, de forma bastante polida, que o técnico viesse
às 5 horas da tarde. Instalei uma secretária eletrônica ilegal (mas que
estava funcionando) em meu telefone Dial-a--Joke e deixei uma mensagem
com minha voz eslava contando para todas as crianças que a máquina
estava quebrada por causa da companhia telefônica, e que se eles
quisessem o Dial-a-Joke de volta, deveriam ligar para o 611 e reclamar (o
número para solicitar reparos de telefone). Falei para eles pedirem que
seus amigos também ligassem.
No dia seguinte tive reuniões o dia todo na Hewlett-Packard, mas
cheguei em casa pouco antes das 5 horas da tarde, bem na hora de
desconectar a secretária eletrônica ilegal para que o técnico não a visse.
Então liguei para o 611 e disse: “Tenho uma reclamação”.
– Eu sei. Dial-a-Joke – a atendente respondeu.
– Como você sabia? – perguntei.

É difícil achar um bom número


Já falei sobre o 255-6666. Ele foi o primeiro bom número de telefone em minha vida.
Muitos anos depois, consegui o número de casa 996-9999, com seis dígitos iguais. Isso foi
um marco para mim. Quando vivi em Los Gatos, peguei números como 353-3333, 354-
4444, 356-6666 e 358-8888.
Meu principal objetivo com números de telefone era conseguir, algum dia, um número
com todos os sete dígitos iguais. Da forma como a companhia telefônica dividia os
números de telefone entre San Jose e São Francisco, todos esses números iam para São
Francisco. Por exemplo, 777-7777 era do San Francisco Examiner. Mas à medida que os
códigos de área começaram a ficar sem números de telefone, eles passaram a duplicar os
prefixos, permitindo que algum dia o código de área de San Jose tivesse números que
começassem com 222, 333, 444, ou algo parecido.
Nos primeiros dias dos celulares, eu tinha um escâner que permitia escutar as ligações
feitas dos celulares. Ele me mostrava os números das pessoas que estavam ligando. Um
dia, meu amigo Dan avistou um número em nosso código de área 408 começando com
999. Imediatamente liguei para a companhia telefônica para conseguir o número 999-
9999. Infelizmente, isso não era possível, me informaram, porque esse número pertencia
a um grupo maior de números que alguém já havia reservado.
Algumas semanas depois, Dan avistou um número começando com 888. Entrei em
contato com a companhia telefônica e tive sorte.
Consegui os números 888-8800, 888-8801, até 888-8899. Assim, por volta de 1992,
alcancei meu objetivo de vida de possuir meu número de telefone definitivo, como todos
os dígitos iguais.
Coloquei o número 888-8888 em meu celular, mas algo deu errado. Recebia uma centena
de ligações por dia, sem ninguém na linha em nenhuma delas. Às vezes,
eu ouvia sons confusos ao fundo. Eu gritava, assobiava, mas não conseguia que ninguém
falasse comigo.
Com frequência, eu ouvia um tom se repetindo várias vezes, e então me ocorreu. Era um
bebê pressionando repetidamente o botão 8. Fiz um cálculo concluindo que talvez um
terço dos bebês nascidos no código de área 408 de San Jose estariam eventualmente
ligando para meu número, o que, basicamente, o tornava um número inutilizável.
Agora, sobre um último número: o 221-1111. Esse número tem uma pureza matemática
como nenhum outro. Todos os números são binários – números mágicos de computador.
Potências de 2. Mas a verdadeira pureza era o fato de os dígitos serem pequenos – 1s e 2s.
Pelas regras de atribuição de números de telefone nos Estados Unidos, nenhum outro
número de telefone poderia ter somente dois 2s e o restante de 1s. Nesse sentido, era o
menor número que alguém poderia conseguir.
Era também a menor distância para discar que seu dedo precisaria se mover em um
telefone de discagem rotativa.
Da mesma forma que no caso do 888-8888, todo os dias eu recebia muitas ligações por
engano. Certa vez, eu estava comprando uma passagem aérea e percebi que a Pan
American Airlines tinha o número 800-221-1111.
Na próxima ligação que recebi, ouvi alguém começar a desligar após eu dizer alô. Então
gritei: “Você está ligando para a Pan Am?”. E uma mulher respondeu: “Sim”. Perguntei o
que ela queria e agendei meu primeiro voo para um passageiro da Pan Am naquele dia.
Ao longo das duas semanas seguintes, agendei dezenas de voos. Comecei um jogo para
ver quão louco eu poderia tornar os preços e os horários dos voos e ainda assim ter
pessoas reservando. Após algumas semanas, comecei a me sentir culpado. E vulnerável.
Não queria ser preso. Assim, pelos próximos dois anos, eu atendia cada ligação com “Pan
Am, Recepção Internacional, Greg falando”. Quando ligavam, meus amigos tinham de
gritar: “Ei, Steve, sou eu”. Eu brincava com as pessoas reservando as coisas mais malucas,
mas sempre dizia no final que era uma brincadeira e que eu não era de fato a Pan Am.
Por exemplo, eu podia dizer que seus voos partiriam de San Jose às 3 horas da manhã, de
forma que muitas vezes ficavam realmente aliviadas. Comecei a marcar passagens no que
chamei de “Oferta Gafanhoto”. Se voassem através de nossos aeroportos menos
utilizados, isso reduziria o preço da passagem. Quase sempre eu falava para as pessoas
voar até Billings, Montana, depois voltar para Amarillo, Texas, subir para Moscow, Idaho,
depois para Lexington, Kentucky, e finalmente para seu destino, Boston.
Centenas de pessoas caíram nessa. Centenas, talvez milhares, ao longo de dois anos.
Todos que me conhecem me viram constantemente agendando voos naquela época.
Também reservei voos Gafanhoto para outros países, dizendo às pessoas que elas
precisariam parar em Hong Kong, Bancoc, Tóquio e Singapura para chegar a Sydney.
Eu dizia para os que telefonavam que eles poderiam voar no compartimento de “carga”.
Mas teriam de vestir roupas quentes.
Eu ficava sério porque todos sempre aceitavam qualquer coisa em troca de um menor
preço da passagem. Em algum momento, comecei a falar para as pessoas que seria mais
barato voar em aviões com hélice do que em jatos. Na primeira vez que fiz isso, tentei
marcar para um sujeito um voo de 30 horas para Londres. Mas ele não queria de jeito
nenhum. Consegui algumas pessoas que comprariam voos mais baratos de 20 horas de
duração entre San Jose e Nova York.
A história mais maluca – e ainda me divirto quando penso nisso – foi a que chamei de
“Oferta do Jogador”. Eu dizia que o primeiro trecho do voo teria de ser para Las Vegas. De
lá, os passageiros deveriam seguir até nosso balcão no aeroporto. Se acertassem um “7”
na roleta, o próximo trecho seria grátis.

– Uma em cada duas ligações de hoje foram para reclamar sobre o Dial-
a-Joke – ela disse parecendo realmente frustrada. Então abri um grande
sorriso. Senti como se tivesse tido meu grande momento.
Sim, o tal técnico apareceu naquele dia às 5 horas da tarde – com seu
supervisor. Permiti que o sujeito entrasse para substituir a secretária
eletrônica, mas deixei o supervisor lá fora, na chuva, com um livro para ler
chamado I’m Sorry, the Monopoly You Have Reached Is Not in Service
[Desculpe, o Monopólio para o Qual Você Ligou Não Está em Serviço], de K.
Aubrey Stone. Um livro realmente ruim, mas acho que ele mereceu.
No final das contas, porém, precisei desistir do Dial-a-Joke porque não
conseguia mantê-lo com meu pequeno salário de engenheiro na HP.
Embora gostasse demais dele.

Existe algo importante a respeito do Dial-a-Joke que ainda não contei.


Foi como conheci minha primeira esposa, Alice. Ela ligou um dia para o
serviço de piadas quando resolvi atender pessoalmente, como já comentei
que às vezes fazia. Ouvi uma voz de menina e não sei por que eu disse:
“Aposto que consigo desligar mais rápido que você!”. E desliguei. Ela ligou
novamente e comecei a falar com ela com voz normal; em pouco tempo
estávamos namorando. Ela era muito jovem; tinha apenas 19 anos na
época.
Encontramo-nos pessoalmente, e quanto mais conversávamos, mais eu
gostava dela. E ela era apenas uma menina. Eu só tinha beijado duas
meninas até então, logo, era muito raro até mesmo conseguir falar com
uma garota.
Alice e eu nos casamos dois anos depois. Nosso casamento durou
somente um pouco mais que minha carreira na Hewlett-Packard, o que é
tristemente engraçado, porque pensei que tanto meu casamento quanto
meu emprego na HP durariam para sempre.
9 Projetos incríveis

Durante os quatro anos que fiquei na HP, dos 22 aos 26 anos de idade,
sempre desenvolvi à parte meus projetos de equipamentos eletrônicos.
Isso sem falar no Dial-a-Joke. E alguns desses projetos foram realmente
incríveis.
Quando olho para trás, vejo que todas aquelas ideias, além dos projetos
de ciência que fiz quando criança e tudo que meu pai me ensinou, foram na
verdade tópicos de conhecimento que convergiram para meu projeto do
primeiro e do segundo computadores da Apple.
Depois do Dial-a-Joke eu ainda estava namorando a Alice, ainda morava
no mesmo apartamento em Cupertino (meu primeiro apartamento), e
ainda voltava para casa todas as noites para assistir a Jornada nas Estrelas
na TV e trabalhar em meus projetos. Quase sempre havia algo do tipo para
trabalhar porque, depois de um tempo, o pessoal da HP começou a
comentar com amigos sobre minhas habilidades como projetista, assim,
passei a receber encomendas dessas pessoas. Coisas do tipo: poderia ir à
casa de fulano e projetar um equipamento eletrônico para ele? Engenhocas,
coisas assim. Eu sempre aceitava e nunca cobrava. Eu dizia: “Apenas me
ponha em um voo para Los Angeles que eu trago o projeto e faço-o
funcionar”. Nunca cobrei por esse tipo de serviço porque, afinal, era meu
objetivo de vida – projetar equipamentos – e o que eu adorava fazer. Como
disse antes, era minha paixão.
Uma vez meu chefe, Stan Mintz, me procurou com um projeto para
fazer um jogo de pinball em casa. Os amigos dele queriam desenvolver um
pequeno jogo de pinball com guias para as bolinhas, botões e paletas,
igualzinho às utilizadas em fliperamas. Então eu basicamente projetei um
aparelho digital que pudesse orientar o sistema, monitorar os sinais,
mostrar a pontuação, acionar as campainhas e tudo o mais. Mas havia um
circuito bastante complicado que deixou Stan confuso. Lembro-me dele
falando: “Não, está errado. Não vai funcionar”. Mas mostrei a ele por que
funcionaria, e eu estava certo.
Eu simplesmente adorava toda vez que outros engenheiros,
principalmente meu chefe, se surpreendiam com meus projetos. Isso
sempre me deixava feliz.

Foi dessa forma que me envolvi com um dos projetos mais incríveis de
que tinha tido oportunidade de participar até então. Alguém me pediu para
ajudar a projetar a parte digital do primeiro sistema interno de filmes em
hotel, sistema baseado nos primeiríssimos videocassetes. Claro que
ninguém ainda tinha videocassete na época. Eu pensava: Meu Deus! Isso vai
ser incrível – projetar sistemas de filmes para hotéis! Eu estava muito
animado.
O esquema no tal hotel era o seguinte. Foram alinhados cerca de seis
videocassetes. Como o hotel tinha um método para enviar canais especiais
de TV para todos os quartos, podiam ser passados filmes nesses canais.
Havia um filtro em cada quarto para bloquear esses canais, mas a recepção
do hotel podia enviar um sinal e desbloquear o filtro em um quarto
específico. Assim, o hóspede conseguia assistir ao filme que havia solicitado
em sua TV. Alguém na sala dos videocassetes precisava literalmente iniciar
o filme, mas ainda assim era um sistema legal.
Outro projeto que fiz foi para uma empresa que lançou o primeiro
videocassete de uso doméstico, antes ainda do Betamax. A empresa
chamava-se Cartrivision, e o videocassete tinha um fantástico motor dentro
dele com uma placa de circuito própria, que girava enquanto fazia o motor
funcionar. Em outras palavras, a placa de circuito de giro era de fato o
dispositivo eletrônico que fazia o motor funcionar! Era muito estranho.
Na HP, ouvi um rumor de que a Cartrivision estava falindo e que eles
possuíam cerca de 8 mil videocassetes em cores para vender por um bom
preço. Quer dizer, na época, um videocassete em preto e branco custava
quase mil dólares. Mas a Cartrivision os estava vendendo a um preço muito
baixo. Então eu e meus amigos fomos até a fábrica em San Jose.
Caminhamos pelo edifício, simplesmente espantados com as centenas de
videocassetes coloridos ainda nas caixas. Eles não vinham em gabinetes
como estamos acostumados a ver hoje os equipamentos eletrônicos, mas
meio abertos, por isso dava para ver todos os circuitos internos. Seja como
for, levamos vários engenheiros até a fábrica e compramos cada aparelho
por 60 dólares cada.
Isso se tornou imediatamente uma enorme parte de minha vida.
Estudei os tipos de circuitos que o videocassete utilizava, como ele
funcionava, e analisei todos os manuais. Tentei entender como eles
processavam as cores, de que modo a cor ficava registrada na fita, como
funcionava o suprimento de energia. Todas essas informações foram
realmente muito úteis quando fizemos os computadores coloridos da
Apple. Depois, comprei caixas de madeira para colocar os videocassetes
coloridos dentro delas. Veja bem: eu tinha um videocassete colorido
funcionando em meu apartamento em Cupertino quando ninguém,
absolutamente ninguém no mundo tinha um videocassete em casa.
Havia poucos filmes disponíveis na época. O primeiro a que assisti em
casa foi Os produtores. Assisti diretamente em meu Cartrivision. Para tanto,
abri minha TV, olhei no esquema para identificar onde estava o sinal de
vídeo, e descobri uma forma de compatibilizá-lo com o Cartrivision. Assim
eu poderia gravar programas também. Uma das coisas que gravei foi a
renúncia de Nixon. Portanto, devo ser uma das únicas pessoas no mundo a
ter uma fita de vídeo com essas imagens, porque em 1974, quando se deu a
renúncia, não havia absolutamente nenhum videocassete disponível no
mercado para consumo residencial.

Agora, deixe-me contar sobre o Pong. Você se lembra dele? Foi o


primeiro videogame de sucesso (primeiro nos fliperamas; depois nas
residências) lançado por uma empresa chamada Atari. Lembro-me de que
estava no boliche Homestead Lanes, em Sunnyvale, com Alice, que na época
era minha noiva. E lá estava ele: Pong. Fiquei simplesmente hipnotizado.
O Pong realmente chamou minha atenção porque era um jogo de
videogame de grande porte bem ali em um boliche. Naquela época, os
boliches tinham máquinas de pinball por toda parte, mas jamais algo
eletrônico. O Pong era muito diferente dos outros. Ele tinha uma pequena
tela de TV em preto e branco com som digital vindo de dentro dela – pong,
pong, pong. Os botões do aparelho serviam para movimentar as raquetes
para cima e para baixo, de modo a atingir uma pequena bola branca e
rebatê-la para a raquete do outro jogador. Era muito simples, mas muito
divertido.
Tudo o que eu podia fazer era ficar olhando com admiração. Notei que
enquanto os jogos de pinball custavam 10 centavos e requeriam somente
uma pessoa para jogar, o Pong custava 25 centavos e precisava de duas
pessoas.
Para mim, o mais incrível não era o conceito do jogo – isto é, ele era
muito parecido com o pingue-pongue, o tênis ou algo assim –, mas o fato de
que alguém teve a ideia de que controlando os pontos brancos e pretos
(pixels) de uma tela de TV era possível, de fato, criar um jogo. Uau!
Apesar de ser um jogo bastante diferente do pinball, o Pong era, ainda,
muito atraente. Na verdade, achei-o ainda mais atraente que as máquinas
de pinball cheias de luzes. Talvez porque fosse novidade. Peguei algumas
moedas e joguei algumas partidas com Alice; depois fiquei parado ali um
pouco, olhando para a máquina. Alice disse: “Que foi? Em que você está
pensando?”.
“Que eu poderia fazer uma dessas”, eu respondi.
No instante em que comecei a pensar sobre aquela máquina, percebi
que poderia projetá-la, pois sabia como a lógica digital era capaz de gerar
sinais nos momentos certos. E conhecia como a televisão funcionava
baseada nesse princípio. Sabia isso tudo por causa de todas as experiências
que adquirira até então: da época do colégio, de quando trabalhei na
Sylvania, do sistema interno de filmes no hotel, da Cartrivision.
Assim, exatamente ali, naquela pista de boliche, eu de repente tinha um
novo objetivo, algo muito legal a que me dedicar: meu primeiro projeto que
realmente colocaria caracteres em um aparelho de TV. Lembro-me da
época do colégio, em que ficava imaginando isso: se um dia fizesse um
computador, como poderia projetar um que exibisse caracteres em uma
tela? Isso era inconcebível nos meus tempos de criança. Mas ali, naquele
boliche, eu sabia que algo estava diferente.
Tudo havia mudado.

Imediatamente decidi que construiria meu próprio Pong, para jogar em


casa, e que isso significava que teria de projetá-lo do zero.
Para entender como fiz isso, é preciso saber um pouco mais sobre
como funciona um aparelho de TV. Ele desenha em um padrão regular,
através de pequenos pontos, linhas por toda a tela. Da esquerda para a
direita na linha de cima, da esquerda para a direita na seguinte, da
esquerda para a direita uma linha mais para baixo, e assim por diante.
Quando termina de fazer isso em todas as 575 linhas, ele começa
novamente. Existe também um intervalo preciso entre o desenho de cada
linha. Tudo isso faz parte do que se conhece como padrão do National
Television Systems Committee [Comitê Nacional de Sistemas de Televisão],
cuja sigla comumente usada é NTSC, que é o padrão que todas as televisões
dos Estados Unidos seguem.
Eu compreendia perfeitamente quais eram os tempos corretos. Assim,
imaginei com exatidão como poderia utilizar chips para atrasar o período
de tempo em que as linhas eram escaneadas na TV e geravam um ponto na
tela no momento certo. Também mantive o controle de onde desenharia
pontos em qualquer instante de tempo.
Observando-se um aparelho de televisão NTSC, existe um total de 300
mil posições de pontos possíveis, cada uma correspondendo a onde a linha
está em qualquer instante. Lembre-se de que cada uma dessas posições de
pontos é atingida quando a TV desenha muito rapidamente a imagem linha
por linha, da esquerda para a direita, de cima para baixo. Isso ocorre cerca
de 60 vezes por segundo. Então imaginei que poderia projetar um circuito
capaz de dar conta do tempo e gerar sinais de TV para desenhar pontos em
outros lugares da tela.
Uma de minhas habilidades era eu ser verdadeiramente bom em
projetar coisas com a quantidade mínima de chips necessários. Isso
remonta à época do Computador Cream Soda. Assim, imaginei como
montar apenas alguns chips e utilizar um chip de relógio de cristal (como o
de minha Caixa Azul ou o que mantém a precisão das horas em seu relógio)
para controlar o tempo e dar conta do que estiver acontecendo.
As TVs daquele tempo não possuíam quaisquer conexões para entrada
de vídeo. Não havia o “video-in” como existe hoje. Dessa forma, eu
precisaria de um video-in para projetar um jogo que permitisse exibir
imagens na tela. Mas como eu descobriria o local na TV que recebia o sinal
de vídeo vindo das antenas?
Todas as TVs vêm com seu esquema na parte de trás. Se souber ler os
esquemas e conhecer um pouco de eletrônica, é possível estudar os
transistores, os filtros, as bobinas e as voltagens, bem como rastrear o
caminho através do circuito e descobrir onde está, de fato, a entrada de
vídeo da TV.
Assim, é de lá que o sinal vai para os circuitos de exibição do aparelho
de televisão, que carregam a imagem da televisão conforme os padrões
NTSC. Pesquisei com um osciloscópio e, com alguns poucos resistores e
pontos de teste, pude descobrir o ponto exato do sinal de vídeo dentro da
TV. Assim, apenas inseri meu sinal de vídeo naquele ponto e dali em diante
pude gerar tudo na tela.
Também acabei conseguindo colocar meu próprio sinal de TV em um
canal de TV através do que é chamado de modulador. É o mesmo raciocínio
de um videocassete que coloca, por exemplo, uma imagem de TV no canal
3. Mas meu outro método era mais eficiente – melhor e mais fácil – para
mim naquele momento.
Portanto, o jogo Pong que fiz não era comercial, claro. Fiz por minha
conta em casa. Eu não tinha nada a ver com a Atari, mas fiz isso pelo menos
um ano antes de a Atari surgir com um jogo Pong residencial que
funcionava na TV.
No final, acabei utilizando 28 chips para o projeto Pong. Algo fantástico
naqueles dias, em que ainda não existiam microprocessadores. Cada
pedaço do jogo tinha de ser implantado em fios e pequenas portas – em
outras palavras, no equipamento. Não havia um programa para o jogo –,
isto é, um jogo na forma de software que alguém podia carregar em uma
máquina. Ele ficava todo embutido no próprio equipamento.
Eu queria que o meu jogo fosse ainda mais especial; assim, além de
mostrar a pontuação na tela, programei alguns chips pequenos (chamados
PROMs, de programmable read-only memory [memória programável
somente para leitura]) para escrever palavras curtas toda vez que uma bola
era perdida. Palavras como PERDEU ou FORA. Não exatamente essas
palavras, mas com o mesmo sentido. Seja como for, eu podia habilitar ou
desabilitar a utilização dessas palavras através de um interruptor.
Certa vez, visitando Steve Jobs, que estava trabalhando na Atari na
época, mostrei meu jogo para um grupo de engenheiros e eles adoraram.
Logo depois, mostrei-o para Al Alcorn, um dos chefões da Atari
(cofundador com Nolan Bushnell), e ele ficou realmente impressionado!
Todos o acharam divertido, com as palavras e tudo.
Então ofereceram-me um emprego naquele mesmo instante, mas eu
disse: “De jeito nenhum!”. Expliquei que não poderia sair nunca da Hewlett-
Packard. Simplesmente não era possível. Contei-lhes que meu plano era
trabalhar a vida toda na HP, a melhor empresa para um engenheiro como
eu.

Alguns meses depois – e eu certamente ainda estava na Hewlett-


Packard –, recebi um telefonema de meu amigo Steve Jobs. Ele estava
excitado com os trabalhos bastante interessantes que conduzia na Atari,
uma empresa que recebia todo tipo de atenção na época por haver iniciado
a revolução do videogame com jogos como o Pong. O chefe de Steve
naquele momento, Bushnell, tinha uma aura de grandeza. Steve disse que
era o máximo trabalhar para ele.
Assim, Steve tinha este emprego na Atari: depois que as pessoas
projetavam os jogos na unidade de projetos da empresa em Grass Valley,
elas os enviavam para Steve em Los Gatos. Ele analisava os jogos e tentava
fazer alguns ajustes finais, promovendo qualquer incremento que pudesse
torná-los um pouco melhor. Ou, como às vezes acontecia, poderia encontrar
bugs.
Um dia Steve me telefonou da Atari dizendo que Nolan queria fazer
outro jogo como o Pong. Nolan queria que eu o fizesse porque sabia que eu
era bom em conceber projetos com o mínimo possível de chips: ele vinha
reclamando que os jogos da Atari estavam utilizando uma quantidade cada
vez maior de chips, chegando a 200 em um único jogo. Ele queria que os
projetos fossem mais simples. E já tinha tido a oportunidade de ver que eu
era bom nisso.
Steve disse que Nolan queria uma versão do Pong para um único
jogador, mas com uma parede de tijolos que devolveria a bola para a
raquete.
“Você precisa trabalhar aqui”, Steve me disse. “Eles estão certos. Você
seria perfeito para isso.”
Fiquei imediatamente animado com a proposta porque percebi que se
só um jogador pudesse jogar em vez de dois, o jogo seria muito mais
divertido. Afinal, quando a bola quebrasse tijolos suficientes – lembra-se
desse jogo? –, ela podia ficar atrás da parede de tijolos e começar a rebater
pela parte de trás, quebrando ainda mais tijolos. Assim o jogo ficava um
pouco mais complicado e não seria necessário mais ninguém para jogar.
Portanto, sem nem mesmo pensar a respeito, eu disse: “Claro que vou”.
Então Steve colocou: “Bem, existe um problema. Ele precisa ser feito
em quatro dias”. Nossa! Naquela época, nenhum jogo podia ser feito em
quatro dias. Além disso, o jogo era todo embutido no equipamento. E era no
equipamento que cada fio tinha importância, e que cada conexão precisava
determinar quando os sinais apareceriam na tela. E havia também milhares
de pequenas conexões entre os chips, todas elas tendo sua importância. Foi
então que percebi que o prazo era ridículo. Um jogo como aquele exigiria
vários engenheiros trabalhando em um prazo normal de alguns meses para
ser concluído.
Eu achava que provavelmente poderia fazê-lo em um tempo mais curto
que qualquer outra pessoa, mas ainda pensava ser insano construir um
jogo todo embutido no equipamento em apenas quatro dias.
Mas estava disposto a enfrentar o desafio.

Foi assim que projetei o Breakout.


Comecei desenhando o esquema para que a TV pudesse exibir a luz na
tela – linha por linha. Não dormi por quatro dias e quatro noites durante
esse projeto. Ao longo do dia, eu desenhava o projeto no papel; e o fazia de
forma bem clara, para que um técnico pudesse pegar o projeto e ligar os
chips. À noite, Steve montava os chips utilizando uma técnica chamada
wire-wrapping [solda a frio]. Esse tipo de solda conecta chips a fios que não
exigem solda. Pessoalmente, prefiro soldar, porque sempre fica mais limpo
e ocupa menos espaço. Mas o wire-wrapping é a maneira como a maioria
dos técnicos trabalha. Não me pergunte por quê.
Com essa solda fria é possível ouvir o zunido de um pequeno motor
elétrico: o som dele enrolando um fio em torno de um pequeno polo de
metal. Em aproximadamente um segundo, a pistola de solda enrola o fio
cerca de dez vezes em torno do polo de metal. Depois o comprime com
outro fio. Então o comprime de novo com mais um fio. E faz isso repetidas
vezes. O aspecto final é realmente meio bagunçado, com fios pendurados
por todos os lados entre os polos de metal. Mas como eu disse, é dessa
forma que as coisas são feitas – muitos engenheiros ainda utilizam essa
técnica. E eu ainda não consigo entender por que, mas é assim.
Depois Steve preparou uma placa de teste – isto é, uma placa protótipo
em que todos os componentes, fios, chips e outros itens são colocados – e
iniciou o wire-wrapping.
É engraçado como a mente alcança lugares criativos quando ficamos
muito tempo acordados até tarde da noite; o tipo de lugar criativo que
surge quando se está a meio caminho entre o sono e a vigília.
Por exemplo, lembro-me de Steve dizendo algo sobre a Atari estar
planejando utilizar em breve um microprocessador em um jogo.
Eu ainda não sabia exatamente o que era um microprocessador, mas
tinha conhecimento suficiente para saber que estávamos falando de algo
com um pequeno computador inteiro dentro de um chip. Então pensei:
Puxa! Assim seria possível ter um pequeno computador dentro de um jogo, e
isso tanto poderia significar que o computador tomaria todas as decisões no
jogo quanto que o jogo teria um programa que utilizaria o microprocessador
para ficar mais poderoso.
Imaginei como seria o dia em que os microprocessadores pudessem
controlar os jogos. Meu cérebro deu um pulo lá adiante. Haveria tantas
maneiras de evoluir!
Durante o desenvolvimento do Breakout, houve uma noite em que
alguns sujeitos que apareceram para nos ajudar colocaram papel celofane
de várias cores sobre a tela da TV para que o jogo parecesse ser colorido. À
medida que os elementos do jogo movimentavam-se da esquerda para a
direita, as cores poderiam mudar. Então pensei: Meu Deus! Seria tão legal
usar cores em jogos de computador; ficaria incrível!
Eu costumava sentar em um banco com Steve sentado do meu lado
esquerdo, trabalhando na placa de teste. E ficava pensando em como eu
meio que já sabia de que forma apareceriam as ondas de cor em um
osciloscópio. Eu podia imaginar. Por exemplo, uma boa onda pura é
chamada de “mudança de fase”. Assim, a TV em cores é projetada de forma
a ter essa onda específica de certa frequência, um certo número de vezes
por segundo, que é aproximadamente 3,7593 ciclos por segundo. Perfeito.
De acordo com a teoria do atraso de fase, no aparelho de TV americano,
esse sinal específico aparecerá como uma cor. Existe uma matemática
complicada e circuitos que conseguem introduzir o atraso de fase correto
para obter a cor desejada. (Além disso, o próprio sinal que chega ao
aparelho de TV pode ter uma voltagem maior ou menor. Maior voltagem
significa mais claro – mais em direção ao branco –, enquanto menor
voltagem significa mais escuro – mais em direção ao preto.)
Assim, de alguma forma, surgiu em minha mente a ideia de pegar um
chip digital normal – um chip que trabalha com 1s e 0s em vez de ondas – e
fazê-lo girar com quatro bits pequenos – que chamaremos de 1, 0, 1, 0 (alta
e baixa voltagens alternadas) –, obtendo-se, ao final, quatro 0s. Esses
quatro 0s serão como preto na TV. Agora, se quatro 1s forem inseridos,
então tem-se o branco. Mas digamos que 1, 0, 1, 0 sejam inseridos; o
resultado será algo intermediário, como cinza. Assim, se continuássemos
girando esse registro no ritmo correto, ele sairia da frequência da TV em
cores dos Estados Unidos e apareceria como uma única cor na maioria dos
aparelhos de TV. Daí seria possível até inseri-lo em um pequeno filtro e
formatá-lo conforme as ondas reais dos aparelhos de TV em cores que
funcionam. O conceito que me ocorreu é que se eu continuasse mudando
esse registro, ele simplesmente resultaria em violeta, ou em vermelho, se
fosse desviado ligeiramente de outra maneira.
É incrível que esse pequeno chip digital, fazendo nada além de 1s e 0s,
pudesse realizar o que as TVs coloridas fazem com ondas! Seria muito mais
simples e bem mais preciso.
E isso seria fantástico, pois, naquela época, as TVs coloridas operavam
com circuitos bem mais complicados que os utilizados em qualquer
computador. O engraçado é que tive tal ideia no meio da noite, durante o
trabalho para a Atari. Não cheguei a testá-la, mas arquivei-a na memória, e
no final, essa foi exatamente a maneira pela qual os monitores coloridos
acabaram fazendo parte de todos os computadores pessoais. Por causa
dessa minha ideia maluca daquela noite.

Além de pensar enquanto esperava que Steve terminasse de montar a


placa teste, também passei bastante tempo jogando o que achava ser o
melhor jogo de todos: Gran Trak 10, um jogo de corrida que eu amava. Em
apenas duas noites fiquei tão bom no jogo que anos mais tarde, quando
encontrei um deles em uma pizzaria, consegui atingir a pontuação
necessária para ganhar uma pizza grátis. Quando pontuei pela segunda vez,
a pizzaria se livrou da máquina.
Talvez você esteja se perguntando por que não utilizei o tempo que
gastei jogando Gran Trak 10 para dormir. Porque a qualquer momento
Steve poderia me chamar e dizer: “OK. Já tenho a placa protótipo. Vamos
testá-la”. E eu precisaria estar presente durante o teste, afinal, era eu quem
entendia do circuito que projetei.
O resultado dessa história é que de alguma forma realmente
terminamos o projeto para a Atari em quatro dias e quatro noites, e ele
funcionou.
Eu e Steve acabamos infectados por mononucleose. O projeto todo
utilizou 45 chips e Steve me deu metade dos 700 dólares que, segundo ele
me disse, a empresa pagou pelo projeto (eles estavam pagando com base
na menor quantidade de chips que utilizássemos). Depois descobri que
Steve recebeu um pouco mais pelo trabalho – algo como alguns milhares de
dólares – do que disse na época, mas éramos jovens. Ele recebeu uma
quantia mas me disse que recebeu outra. Steve não foi honesto comigo e
isso me feriu. Mas não fiz grande alarde a respeito.
Ética sempre foi importante para mim, e ainda não entendo por que ele
recebeu determinado valor e me disse ter recebido outro. Mas as pessoas
são diferentes. De forma alguma me arrependo da experiência na Atari com
Steve Jobs. Ele era meu melhor amigo e ainda me sinto extremamente
ligado a ele. Desejo tudo de bom para Steve. Trabalhamos juntos em um
grande projeto e isso foi bastante divertido. Seja como for, falando de
dinheiro a longo prazo, esse episódio certamente não representou muito –
eu e Steve acabamos ficando muito confortáveis em termos de dinheiro a
partir da fundação da Apple apenas alguns anos depois.
Eu e Steve Jobs fomos melhores amigos por muitos e muitos anos. Por
algum tempo tivemos os mesmos objetivos. E conseguimos realizá-los
perfeitamente ao fundarmos a Apple. Mas sempre fomos pessoas diferentes
– desde o início.
É estranho, mas quando comecei a trabalhar no que mais tarde se
tornou a placa do Apple I, tive uma ideia sobre dois sujeitos que morrem no
mesmo dia. Um deles é realmente bem-sucedido e passou a vida toda
dirigindo companhias, gerenciando-as, garantindo que fossem lucrativas e
estabelecendo metas de vendas a toda hora. Já o outro sujeito, tudo que fez
foi ficar preguiçosamente por aí, sem muito dinheiro, contando piadas,
acompanhando as novas tecnologias, engenhocas e outras coisas que
achava interessantes no mundo, e simplesmente passou a vida rindo.
Em minha cabeça, o sujeito que prefere rir a controlar coisas é o que
terá a vida mais feliz. Essa é minha opinião. Imagino que a felicidade é a
coisa mais importante na vida, na proporção de quanto se ri. O sujeito que
tem uma cabeça que parece flutuar é muito feliz. Esse sujeito sou eu. A
pessoa que eu sempre quis ser.
Por isso nunca deixei que episódios como o do Breakout me
incomodassem. Embora possa até discordar – e até mesmo romper um
relacionamento –, não é necessário guardar mágoas. As pessoas
simplesmente são diferentes. Essa é a melhor maneira de viver a vida e de
ser feliz.
E pensei nisso tudo antes mesmo de Steve e eu começarmos a Apple.
10 Minha grande ideia

Posso dizer quase o dia exato em que começou a revolução da


informática da forma como a vejo, a revolução que hoje mudou a vida de
todos.
Ela começou em março de 1975, na primeira reunião de um grupo
estranho, formado por pessoas apaixonadas por computadores, chamado
Homebrew Computer Club. Um grupo de pessoas fascinadas por tecnologia
e pelas coisas que ela poderia realizar. A maior parte dos membros do
clube era constituído por jovens, alguns eram mais velhos, e todos
pareciam engenheiros; nenhum realmente tinha uma boa aparência.
Lembre-se de que estamos falando de engenheiros. Nós nos reuníamos na
garagem de um engenheiro desempregado chamado Gordon French.
Após minha primeira reunião, comecei a projetar o computador que
mais tarde ficaria conhecido como Apple I. Os encontros do grupo eram
inspiradores a esse ponto.
Quase desde o início, o Homebrew tinha um objetivo: tornar a
tecnologia da informática compreensível para a pessoa comum; incentivar
as pessoas a se dar ao luxo de ter um computador e realizar coisas com ele.
E esse também era meu objetivo já há alguns anos. Portanto, sentia-me em
casa naquele ambiente.
No final, os objetivos do Homebrew simplesmente foram se
expandindo cada vez mais. Não demorou muito para que conversássemos
sobre um mundo – um mundo possível – em que os computadores
pudessem ser comprados por qualquer pessoa, utilizados por qualquer
pessoa, independentemente de quem fosse e de quanto dinheiro tivesse.
Queríamos que os computadores tivessem preços acessíveis e que
mudassem a vida das pessoas.
Todos no Homebrew viam os computadores como um benefício para a
humanidade – uma ferramenta que promoveria a justiça social.
Imaginávamos que os computadores de baixo custo permitiriam às pessoas
fazer coisas que elas nunca puderam fazer antes. Naquela época, somente
as grandes empresas tinham condições de comprar computadores. E isso
significava que elas conseguiam fazer coisas que empresas menores e
pessoas comuns não conseguiam. Nosso propósito era mudar tal cenário.
Nessa questão nós éramos revolucionários. Grandes companhias como
IBM e Digital Equipment não deram ouvidos à nossa mensagem social. Elas
não faziam ideia da força poderosa que os pequenos computadores
poderiam representar. Elas olhavam para o que estávamos fazendo –
pequenos computadores, computadores para entretenimento – e diziam
que as máquinas que projetávamos permaneceriam sendo brinquedos. E
um negócio relativamente menor. As grandes empresas de informática não
imaginavam como os pequenos computadores poderiam evoluir.
Houve muita conversa sobre como fazíamos parte de uma revolução.
Que a forma como as pessoas viviam e se comunicavam seria mudada por
nós, e para sempre, mudada mais do que qualquer pessoa pudesse prever
com exatidão.
Claro que também havia muita conversa sobre componentes
específicos que acelerariam os computadores e sobre soluções técnicas
para os próprios computadores e seus acessórios. Falávamos a respeito dos
usos futuros dos computadores pelos seres humanos. Pensávamos que os
computadores seriam utilizados para desempenhar funções estranhas,
tecnológicas, como controlar as luzes de casa, o que acabou não sendo o
caso. Porém, todos sentiam que a mudança estava a caminho. Uma
revolução total. Nem sempre conseguíamos descrevê-la, mas
acreditávamos nela.
Como disse antes, quase todas as grandes companhias de computação
da época vinham a público para dizer que o que fazíamos era insignificante.
Acontece que a história provou que elas estavam erradas e nós, certos –
certos em tudo. Mas olhando para trás, mesmo nós não tínhamos ideia de
quão certos estávamos e das proporções que aquilo tudo tomaria.

É engraçada e talvez um pouco irônica a forma como começou meu


envolvimento com o Homebrew. O culpado foi Allen Baum! Ele apareceu
em vários momentos importantes de minha vida: foi o amigo que algumas
vezes trabalhou comigo na Sylvania durante os tempos de colégio; cujo pai
projetou o TV Jammer; que participou da brincadeira no Colégio
Homestead com Steve Jobs e eu; e quem me ajudou a conseguir meu
emprego dos sonhos na Hewlett-Packard.
Um dia – eu ainda estava na HP na época – recebi um telefonema de
Allen no trabalho, um telefonema que novamente mudaria minha vida, pois
através dele eu ficaria sabendo sobre o Homebrew.
Allen me ligou e disse algo como: “Escuta. Encontrei um folheto na HP
sobre uma reunião com algumas pessoas que estão projetando TVs,
terminais de vídeo e coisas assim”.
Eu já conhecia um pouco sobre terminais para TV. Àquela altura, em
1975, já tinha feito alguns projetos paralelos e aprendido o bastante sobre
colocar dados dos computadores nas TVs. Naquele momento, eu não
apenas já tinha feito minha versão do Pong e aquele projeto na Atari, o
Breakout, como também havia criado um terminal que conseguia acessar a
ARPANET e exibir algumas letras, até 60 caracteres por segundo. Sei que
hoje parece devagar, mas isso era seis vezes mais rápido que a maioria dos
sistemas de teletipo da época, e muito mais barato. Os sistemas de teletipo
custavam milhares de dólares, bem mais que alguém com salário de
engenheiro poderia pagar, mas desenvolvi um sistema utilizando uma TV
da Sears e um teclado barato (60 dólares) de teletipo.
Mais sobre o Homebrew
O clube Homebrew, ao qual pertenci desde a primeira reunião, em março de 1975, gerou
outras empresas de computadores além da Apple. Foi uma iniciativa incrivelmente
revolucionária. Outros membros do grupo que fundaram empresas de informática
incluem Bob Marsh e Lee Felsenstein (Processor Technology), Adam Osborne (Osborne
Computers), e, claro, eu e Steve Jobs, que mais tarde convenci a participar comigo das
reuniões. Uma vez escrevi um artigo sobre a importância do Homebrew. Esse texto pode
ser encontrado no site:
<http://www.atariarchives.org/deli/homebrew_and_how_the_apple.php>.

Da mesma forma que meu Pong e o videocassete Cartrivision, em casa,


conectei meu sinal de vídeo ao pino de teste de minha TV (aquele que
encontrei nos diagramas esquemáticos).
Mas se Allen tivesse dito que a reunião do Homebrew seria sobre
microprocessadores, eu provavelmente não teria ido. Sei que não teria ido.
Eu era tímido e sentia que sabia muito pouco sobre os novos avanços na
área. Naqueles tempos, eu estava totalmente por fora do universo dos
computadores. Estava profundamente imerso em meu fantástico trabalho
com calculadoras na HP. E sequer acompanhava mais os computadores.
Isto é, eu nem sabia o que diabos era um microprocessador.
Porém, como disse, achei que seria uma reunião sobre terminais de TV.
Então pensei: É isso aí! Posso participar dessa reunião e acrescentar alguma
coisa.
Eu estava com um pouco de receio, mas fui mesmo assim. E quer saber?
Essa decisão mudou tudo. Aquela acabou sendo a noite mais importante de
minha vida.

Cerca de 30 pessoas apareceram na primeira reunião na garagem de


Menlo Park. Estava frio e chuviscando lá fora, mas a porta da garagem foi
deixada aberta e algumas cadeiras estavam espalhadas do lado de dentro.
Assim, fiquei sentado lá, ouvindo a grande discussão que se desenrolava.
Eles falavam sobre o fato de algum kit de microprocessador de
computador estar à venda. Todos pareciam muito excitados com a
novidade. Alguém estava mostrando a revista Popular Electronics, que
trazia uma foto da frente de um computador. Ele se chamava Altair,
pertencia a uma empresa do Novo México denominada MITS, e funcionava
da seguinte forma: as pessoas compravam as peças, montavam tudo em
casa, e assim tinham o próprio computador.
Foi então que percebi que todos naquela reunião eram na verdade
admiradores do computador Altair, não pessoas que trabalhavam com
terminais de TV como eu havia pensado. Além disso, usavam expressões e
termos que eu nunca tinha ouvido – chips microprocessadores como Intel
8080, Intel 8008, e o 4004. Eu não tinha a mínima ideia do que eram
aquelas coisas. Como disse antes, eu passara os últimos três anos
projetando calculadoras.
Eu me sentia totalmente por fora e pensava: Não, não, não faço parte
deste mundo. Bem baixinho, eu xingava Allen Baum. Não pertenço a este
lugar. Quando cada um na sala começou a se apresentar, eu disse: “Meu
nome é Steve Wozniak, trabalho com calculadoras na Hewlett-Packard e
projeto terminais de vídeo”. Eu poderia ter dado outras informações, mas
estava tão nervoso por falar em público que, mais tarde, não me lembrava
do que havia dito. Depois disso, todo mundo assinou uma folha de papel na
qual deveríamos colocar nosso nome e os interesses ou talentos que
estávamos trazendo para o grupo (essa folha de papel tornou-se pública e
pode ser encontrada on-line). Então escrevi naquele papel: “Tenho muito
pouco tempo livre”.
Não é engraçado? Hoje em dia estou sempre tão ocupado, com as
pessoas o tempo todo me pedindo para assinar papéis, mas naquela época
eu também estava ocupado: sempre trabalhando em projetos, exercendo a
Engenharia no trabalho e depois em casa. Não sinto que tenha mudado
muito desde aquele tempo, e acho que tal episódio na primeira reunião do
Homebrew de certa forma prova isso.
Seja como for, eu estava apavorado, sentindo que não pertencia àquele
lugar, mas, então, um lance de sorte: um sujeito começou a passar um
folheto com especificações técnicas de um microprocessador chamado
8008 de uma empresa do Canadá (que havia desenvolvido uma cópia
bastante próxima, ou até mesmo um clone, pode-se dizer, do
microprocessador 8008 da Intel daquela época). Levei um daqueles
folhetos para casa, pensando: Bem, pelo menos posso aprender algo.

À noite, analisei o folheto com os dados sobre o tal microprocessador e


observei que ele trazia uma instrução para adicionar um local na memória
para o registro A. Então pensei: Espera aí. Mais à frente, outra instrução,
que poderia ser utilizada para subtrair memória do registro A. Talvez isso
não signifique nada para a maioria das pessoas, mas eu sabia exatamente o
que significavam aquelas instruções, e o fato de ter percebido foi
extremamente excitante. Constatei que todas aquelas instruções eram
muito parecidas com as que eu utilizava para projetar e refazer no papel
todos aqueles minicomputadores da época do colégio e da faculdade. Ou
seja, todos os minicomputadores que eu projetara no papel eram muito
parecidos com aquele do folheto.
A diferença era que, no equipamento descrito no folheto, todas as
partes da CPU estavam armazenadas em um único chip em vez de em um
conjunto de chips, e esse chip único se chamava microprocessador. Os
pinos que saíam dele eram usados para conectar outros componentes,
como chips de memória.
Por fim, percebi o que era o Altair, o tal computador sobre o qual todos
estavam tão animados na reunião: ele era exatamente igual ao Computador
Cream Soda que eu havia projetado cinco anos antes! Quase igual. A
diferença era que o Altair tinha um microprocessador (ou seja, uma CPU
armazenada dentro de um único chip) e o meu computador tinha a CPU
armazenada em vários chips. A outra diferença é que o Altair estava sendo
comercializado – era vendido por 379 dólares, se me lembro bem. Tirando
isso, basicamente não havia mais diferença alguma entre as duas máquinas.
E eu projetei o Cream Soda cinco anos antes de haver posto os olhos em um
Altair.
Foi como se durante toda a minha vida eu estivesse sendo conduzido
para aquele ponto. Fiz e refiz todos aqueles projetos de minicomputadores,
tinha colocado dados na tela com o Pong e o Breakout, e já havia projetado
um terminal de TV. Por causa da experiência com o Computador Cream
Soda e outros aparelhos do gênero, eu sabia como conectar uma memória e
desenvolver um sistema operacional. Percebi que só precisava daquele
processador canadense, ou de outro processador como ele, e de alguns
chips de memória. Então teria, finalmente, o computador que sempre quis!
Meu Deus! Eu podia montar meu próprio computador; um computador
projetado por mim para fazer todas as coisas que eu quisesse – pelo resto
da vida.
Eu não precisava gastar 400 dólares para ter um Altair – que na
verdade era apenas um gabinete de metal em volta de um admirável
conjunto de chips e algumas luzes. Seria o mesmo que jogar meu salário
fora! E para montar um Altair que não faz nada de interessante, eu
precisaria gastar bem mais. Provavelmente centenas, ou até mesmo
milhares de dólares. Além disso, eu já tinha feito algo similar com o
Computador Cream Soda. E já tinha ficado entediado com ele na época.
Nunca se deve voltar para trás. Deve-se sempre seguir adiante. Assim, o
Computador Cream Soda poderia ser meu ponto de partida.
Percebi naquele momento que estava diante da oportunidade de
montar o computador completo que sempre quis ter. Afinal, precisava
apenas de qualquer um daqueles microprocessadores para montar um
computador extremamente pequeno – e para o qual eu poderia
desenvolver programas de jogos e de simulação como os que criara na HP.
As possibilidades eram muitas. E eu não precisaria comprar um Altair e
gastar uma quantia absurda de dinheiro. Eu iria projetá-lo inteirinho
sozinho.
Naquela noite, na noite da primeira reunião do Homebrew, foi
exatamente assim que a visão de um computador pessoal simplesmente
surgiu em minha mente: completa.

E foi naquela mesma noite que comecei a esboçar no papel o que mais
tarde seria conhecido como Apple I. Olhando para trás, foi um projeto
rápido. Desenhar no papel levou poucas horas, embora eu tenha levado
alguns meses para obter as peças necessárias e estudar suas especificações.
Trabalhei nesse projeto por muitos motivos. Por um lado, para mostrar
às pessoas no Homebrew que era possível montar um computador
bastante acessível – um computador real que poderia ser programado pelo
preço do Altair – com apenas alguns chips. Nesse sentido, era uma
excelente forma de mostrar meu verdadeiro talento, meu talento em
desenvolver projetos inteligentes, eficientes e acessíveis, isto é, projetos
que utilizariam a menor quantidade possível de componentes.
Também projetei o Apple I porque queria dá-lo gratuitamente a outras
pessoas, como aos participantes do Homebrew, para os quais forneci os
diagramas esquemáticos para a montagem de meu computador na próxima
reunião do clube de que participei.
Essa era minha maneira de me socializar e de obter reconhecimento.
Eu precisava criar algo para mostrar aos outros. Eu queria que os
engenheiros do Homebrew montassem sozinhos os próprios
computadores, não que apenas admirassem equipamentos como o Altair.
Queria também que eles soubessem que não dependiam de um
computador como aquele, com todas aquelas luzes e interruptores “difíceis
de entender”. Naquela época, todo os computadores pareciam um painel de
controle de avião, como o Computador Cream Soda: com interruptores e
luzes que precisavam ser acionados e lidos.
Em vez disso, eles poderiam montar sozinhos algo que funcionasse com
uma TV e um teclado de verdade, como uma máquina de escrever. Um
computador como o que eu tinha em mente.
Àquela altura, eu já tinha desenvolvido um terminal que permitia
digitar palavras e frases e enviá-las para um computador remoto, que
poderia reenviar tais palavras de volta para a TV. Assim, apenas decidi
inserir o computador – meu microprocessador com memória – dentro
dessa mesma caixa, como esse terminal que eu já havia montado.
Então pensei: Por que não fazer o computador remoto ser um pequeno
microprocessador dentro da caixa?
Percebi que com o uso de um teclado, o painel frontal seria
desnecessário. As informações poderiam ser introduzidas por meio de
digitação e visualizadas na tela. Afinal, tinha-se o computador, a tela e o
teclado.
Hoje, as pessoas dizem que tal ideia foi vanguardista – combinar meu
terminal com um microprocessador –, mas para mim, foi apenas o próximo
passo lógico.
O primeiro computador Apple que projetei – embora ainda não o
tivesse chamado de Apple ou de qualquer outra coisa – só foi possível
quando tudo isso se encaixou. E digo mais. Antes do Apple I, todos os
computadores possuíam um painel frontal difícil de entender, e nada de
telas ou teclados. Depois do Apple I, todos passaram a ter tela e teclado.

Deixe-me falar um pouco sobre esse primeiro computador – que é


agora chamado de Apple I – e sobre como eu o projetei.
Primeiro comecei esboçando no papel a maneira como eu achava que
ele funcionaria. Da mesma forma que fazia para projetar
minicomputadores no papel nos tempos do colégio e da faculdade, embora
estes nunca tivessem sido fabricados. A primeira questão a resolver era
decidir qual CPU utilizar. Eu achava que a CPU do Altair – o Intel 8080 –
custava quase um pouco mais que minha renda mensal. E que uma pessoa
normal não conseguiria comprar sequer uma unidade, quanto mais
quantidades pequenas. Seria necessário ser uma empresa de verdade e
provavelmente preencher todo tipo de formulários de crédito para tal.
Entretanto, por pura sorte, comentei com meus colegas da HP sobre o
clube Homebrew e o que eu estava planejando fazer, e Myron Tuttle teve
uma ideia (o sujeito cujo avião quase sofreu um desastre comigo dentro
dele). Myron me contou sobre um acordo entre a Motorola e a HP: por ser
funcionário da HP, eu poderia comprar por cerca de 40 dólares um
microprocessador Motorola 6800 e alguns outros chips. Então pensei: Isso
sim é barato! E foi assim que decidi qual processador usaria.
Outra coisa que logo percebi – e isso foi importante – foi que as
calculadoras da HP eram de fato computadores. Elas eram tão reais como o
Altair, o Computador Cream Soda ou qualquer outro. Isto é, uma
calculadora possui um processador e uma memória. Mas tem também algo
mais, uma característica que os computadores não tinham na época: assim
que se ligava uma calculadora, ela estava pronta para funcionar, pois havia
um programa dentro dela que inicializava automaticamente o
equipamento. Digamos que alguém digitasse o número 5. O processador
dentro da calculadora “via” que um botão foi pressionado e então “dizia”:
“Isto é um 1? Não. Um 2? Não. Um 3, 4... É um 5”. Então o número 5 era
exibido na pequena tela da calculadora. E o programa que fazia isso estava
em três pequenos chips ROM – chips que guardam as informações mesmo
quando o aparelho é desligado.
Dessa forma, eu sabia que precisaria de um chip ROM e do mesmo tipo
de programa; isto é, um programa que permitisse o computador ligar
automaticamente (um Altair, e mesmo meu Computador Cream Soda, não
faziam nada por cerca de meia hora depois de ligados). Com o Apple I eu
queria tornar mais fácil o trabalho de inserir um programa na memória. E
para tanto precisaria desenvolver um pequeno programa que rodaria
assim que o computador fosse ligado. Esse programa diria ao computador
como ler o teclado, permitiria ao usuário entrar com dados na memória,
bem como ver que dados já haviam sido inseridos, e fazer o processador
rodar o programa em um ponto específico da memória.
Se levava cerca de meia hora para carregar um programa no Altair,
levaria menos de um minuto com o teclado do Apple I.

O que é ROM?
Read-only memory [memória apenas para leitura], ou ROM, como é mais comumente
utilizado, é um termo que mencionarei muito neste livro a partir daqui. Um chip ROM só
pode ser programado uma vez e mantém a informação que foi inserida nele mesmo
depois de o equipamento ter sido desligado. Em geral, um chip ROM contém programas
que são importantes para um computador funcionar, por exemplo: o que fazer quando se
liga a máquina, o que exibir, como reconhecer aparelhos conectados ao computador,
como teclados, impressoras ou monitores. No projeto de meu Apple I, tirei a ideia de
utilizar chips ROM das calculadoras HP (que funcionavam com dois desses chips). Então
pude desenvolver um programa “monitor” para que o computador pudesse controlar que
botões haviam sido pressionados, e assim por diante.

Se o usuário quisesse ver o que estava na memória de um Altair,


poderia levar cerca de meia hora somente analisando as pequenas luzes.
Mas no Apple I, levaria apenas um segundo para olhar na tela de TV.
Acabei chamando meu pequeno programa de “monitor”, pois o
principal trabalho dele era justamente monitorar, ou olhar, o que foi
digitado no teclado. Esse foi um ponto de partida – afinal, todo o propósito
de meu computador era permitir desenvolver programas. Especificamente,
eu queria que ele rodasse o FORTRAN, uma linguagem popular na época.
Assim, a ideia que eu tinha em mente envolvia um pequeno programa
de memória apenas para leitura (ROM) em vez de um painel frontal de
computador cheio de luzes e interruptores. Era possível inserir dados
através de um teclado de verdade e observar os resultados em uma tela
também de verdade. Desse modo, eu poderia dar adeus definitivamente
àquele painel frontal parecido com o painel de controle de um avião.
Todos os computadores anteriores ao Apple I tinham os famigerados
painéis frontais com luzes e interruptores. E todos os computadores a
partir do Apple I possuem um teclado e uma tela. Só esse fato demonstra
como minha ideia foi importante.

Meu estilo ao criar projetos sempre foi gastar bastante tempo em sua
concepção até deixá-los prontos para ser montados. Então, quando percebi
que meu próprio computador poderia se tornar realidade, comecei a reunir
informações sobre todos os componentes e chips que pudessem ser
aplicados em tal projeto.
Eu me dirigia de manhã bem cedo para o trabalho – algumas vezes bem
cedo mesmo, como 6h30 da manhã – e lá, sozinho, lia rapidamente revistas
de Engenharia e manuais de chips. Estudei as especificações e os diagramas
dos chips nos quais estava interessado, como o Motorola 6800 de 40
dólares que o Myron havia me contado a respeito. Enquanto isso, ia
delineando mentalmente o projeto.
O Motorola 6800 tinha 40 pinos – conectores – e eu precisava saber
precisamente como cada um daqueles pinos funcionava. Pelo fato de
trabalhar em tal projeto somente parte do tempo, todo o processo foi
bastante longo e lento. Várias semanas se passaram sem que qualquer
desenvolvimento real de fato acontecesse. Por fim, certa noite, resolvi
colocar o projeto no papel. Antes eu o havia esboçado de forma mais
grosseira. Mas naquela noite estava decidido, então desenhei-o
cuidadosamente em minha prancheta de projeto na Hewlett-Packard.
Depois, para a montagem do computador, foi preciso somente um
pequeno passo. Afinal, a partir daquele momento, eu só precisaria das
peças.

Mais tarde, comecei a reparar em artigos dizendo que um novo


processador de qualidade superior estava para ser lançado na WESCON,
uma feira de informática e eletrônica que ocorreria em São Francisco dali a
pouco tempo. O que me chamou a atenção foi o fato de que o tal
microprocessador – o 6502 da MOS Technologies, empresa localizada na
Pensilvânia – seria pino a pino e eletricamente compatível com o Motorola
6800 que eu utilizara em meu projeto. Ou seja, bastaria colocá-lo no lugar
do outro, sem precisar refazer nada.
Outra coisa que descobri é que ele seria vendido na própria WESCON,
no estande da MOS Technologies. Pelo fato de ter sido tão fácil de obter, o
6502 acabou sendo o microprocessador do Apple I.
E a melhor parte é que ele custava metade do preço (20 dólares) que o
chip da Motorola me custaria pelo acordo firmado com a HP.
A WESCON foi montada no famoso Cow Palace de São Francisco e
ocorreu de 16 a 18 de junho de 1975. Chegando lá, esperei na fila diante do
estande da MOS Technologies, onde um sujeito chamado Chuck Peddle
estava vendendo os chips. Comprei diretamente dele alguns chips por 20
dólares cada, além de um manual de instruções por 5 dólares.
Já tinha em mãos todas as peças de que precisava para começar a
montar meu computador.

Poucos dias depois, em uma reunião ordinária do Homebrew, alguns


dos participantes, eu inclusive, mostraram animadamente os
microprocessadores 6502 que haviam comprado. Mais pessoas do que
nunca em nosso clube tinham agora os próprios microprocessadores.
Eu não tinha ideia do que os outros fariam com seus 6502s, mas eu
sabia exatamente o que faria com o meu.
Então reuni todas as peças para de fato começar a montar meu
computador. E executei esse trabalho em meu cubículo na HP. Em um dia
típico, depois do trabalho, eu ia para casa jantar diante da TV e depois
dirigia os 5 minutos de volta para o escritório, onde ficava trabalhando até
tarde da noite. Eu gostava de trabalhar em meu projeto na HP porque era
uma espécie de ambiente de Engenharia. Além disso, quando precisasse
testar ou soldar o equipamento, todo o material já estaria lá.
Primeiro eu olhava meu projeto no papel e decidia exatamente onde
colocaria os chips sobre uma placa plana para que o fio entre os chips
ficasse curto e com boa aparência. Em outras palavras: primeiro organizei e
agrupei as peças da maneira como elas ficariam na placa.
A maioria dos chips vinha de meu terminal de vídeo – o terminal que
eu já havia montado para acessar a ARPANET. Além disso, eu tinha o
microprocessador, um soquete para colocar outra placa com chips de
memória de acesso aleatório (RAM) e dois chips adaptadores de interface
periférica para conectar o 6502 ao meu terminal.
Eu utilizava soquetes em todos meus chips porque adorava soquetes. E
isso desde os tempos em que trabalhei na Electroglas, onde os chips
soldados que ficavam ruins podiam ser facilmente trocados por causa dos
soquetes. Assim, da mesma forma naquele projeto, eu queria poder
remover os chips ruins e substituí-los com facilidade.
Eu também tinha mais dois soquetes onde podia colocar um par de
chips ROM, que, como já expliquei aqui, mantinham dados como um
pequeno programa e não os perdiam quando o equipamento era desligado.
Dois desses chips ROM que estavam disponíveis para mim no
laboratório conseguiam manter 256 bytes de dados – suficientes para um
programa bem pequeno (hoje, muitos programas são milhões de vezes
maiores do que isso). Para dar uma ideia de como essa quantidade de
memória era pequena, hoje, um processador de texto precisa desses
mesmos 256 bytes para armazenar uma única frase.
Então decidi que esses chips carregariam meu programa monitor (o
pequeno programa que desenvolvi para que o computador pudesse usar
um teclado em vez de um painel frontal).

O que era a ARPANET?


Sigla para Advanced Research Projects Agency Network [Rede de Agências de Projetos de
Pesquisa Avançados] e desenvolvida pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, a
ARPANET foi a primeira rede operacional de comutação de pacotes que conseguia
interligar computadores por todo o mundo. E mais tarde evoluiu para o que todos
conhecem hoje como internet.
A ARPANET e a internet baseiam-se em um tipo de comunicação de dados chamado
“comutação de pacote”, isto é, um computador pode quebrar uma informação em vários
pacotes que podem ser enviados de maneira independente por diversos fios e depois
reunidos na outra ponta. Antes disso, a comutação de circuitos era o método
predominante – pense nos velhos sistemas telefônicos do início do século XX. Para cada
ligação era designado um circuito real e esse mesmo circuito ficava ocupado durante toda
a ligação.
O fato de a ARPANET utilizar comutação de pacote em vez de comutação de circuito foi
um avanço fenomenal que tornou possível a internet.

A conexão do computador – na verdade, soldar tudo junto – levou uma


noite para ser feita. Nas noites seguintes, desenvolvi em papel o pequeno
programa monitor de 256 bytes. Eu era bom em fazer programas
pequenos, mas aquilo era um desafio até para mim.
O programa monitor acabou sendo o primeiro programa que
desenvolvi para o microprocessador 6502. E o fiz em papel, o que não era
normal mesmo naquela época. A forma normal de desenvolver um
programa na época era pagar pelo uso de um computador, isto é, alugar o
tempo de uso de um terminal de compartilhamento que estava conectado a
um grande e caro computador que ficava alocado em outro lugar. E esse
computador imprimia uma versão do programa que havia sido digitado em
1s e 0s, ou seja, em uma linguagem que um microprocessador poderia
entender.
Dessa forma, o programa em 1s e 0s podia ser inserido nas memórias
RAM ou ROM e, assim, rodar como um programa de computador. O
problema é que eu não poderia pagar pelo tempo de uso de um
computador. Mas por sorte, o manual do 6502 descrevia quais 1s e 0s eram
gerados para cada instrução, em cada passo do programa. A MOS
Technologies forneceu até mesmo um pequeno cartão que incluía todos os
1s e 0s para cada uma das muitas instruções de que o usuário necessitava –
e ele podia carregar todas essas informações no bolso.
Assim, desenvolvi meu programa no lado esquerdo da página em
linguagem de máquina. Por exemplo, eu precisava escrever “LDA#44”, que
significa carregar dados correspondentes ao 44 (em número hexadecimal)
no registro A do microprocessador.
Do lado direito da página eu desenvolvia essa instrução em
hexadecimal utilizando meu cartão. Dessa forma, a instrução seria
traduzida em A9 44, que representava 2 bytes de dados, equivalentes, por
sua vez, aos 1s e 0s que o computador conseguia entender: 10101001
01000100.
Para desenvolver o programa dessa forma foi necessário utilizar todas
as linhas de duas ou três folhas de papel.
Mal consegui espremer o que eu precisava naquele minúsculo espaço
de 256 bytes, mas o fiz mesmo assim. E desenvolvi duas versões dele: uma
que deixava uma chave interromper qualquer programa que estivesse
rodando, e outra que só deixava um programa verificar se a chave estava
sendo pressionada. O segundo método chama-se polling [interrogação].
Durante o dia, levei meus dois programas monitores e alguns chips
ROM para outro edifício da HP, onde havia equipamentos para gravar
permanentemente nos chips os 1s e 0s de ambos os programas.
Mas eu ainda não poderia completar – ou mesmo testar – aqueles chips
sem memória. Quero dizer, memória de computador, claro. Afinal, os
computadores não conseguem rodar sem memória, pois é nela que fazem
todos os cálculos e a manutenção dos registros.
O tipo mais comum de memória de computador naqueles dias
chamava-se static RAM (SRAM). Meu Computador Cream Soda, o Altair e
todos os outros computadores da época utilizavam esse tipo de memória.
Assim, peguei emprestados 32 chips SRAM – cada um podia guardar 1.024
bits – de Myron Tuttle. Tudo isso junto correspondia a 4 Kbytes, que era 16
vezes mais que os 256 bytes que vinham no Altair.
Preparei uma placa SRAM em separado com os chips dentro de seus
soquetes e liguei tudo ao conector de minha placa.
Com todos os chips no lugar, eu estava pronto para ver se meu
computador funcionava.

O primeiro passo era fornecer energia ao equipamento. Utilizando as


fontes de energia perto de meu cubículo, liguei e analisei os sinais com um
osciloscópio. Por cerca de uma hora identifiquei problemas que estavam
obviamente impedindo o microprocessador de funcionar. Em um ponto eu
tinha dois pinos do microprocessador acidentalmente em curto, o que
tornava ambos os sinais inúteis. Em outro ponto um pino entortou
enquanto eu o colocava em seu respectivo soquete.
Mas continuei meu trabalho. Toda vez que eu resolvia um problema em
um aparelho eletrônico que estava montando, era como se ele fosse sempre
o maior. E isso me mantinha em frente, embora ficasse frustrado, irritado,
deprimido e cansado por ter de fazer a mesma coisa repetidas vezes. Afinal,
em algum ponto do caminho surge o momento Eureka. E o problema é
finalmente resolvido.
Por fim, o momento Eureka surgiu. Meu microprocessador estava
funcionando e eu seguia bem em meu caminho.
Mas ainda havia outras coisas para consertar. Eu conseguia resolver
rapidamente os bugs – isto é, encontrar os erros e corrigi-los – da porção
terminal do computador porque já possuía bastante experiência com meu
projeto de terminal. E podia dizer que o terminal estava funcionando
quando ele colocava um único cursor na pequena TV em preto e branco de
9 polegadas que eu tinha na HP.
O próximo passo foi tirar os bugs do programa monitor de 256 bytes
nas memórias ROM. Levei horas tentando fazer funcionar a versão
interruptor dele, mas nunca conseguia. E não poderia desenvolver um novo
programa dentro das memórias ROM, pois, para fazer isso, precisaria ir
novamente até o outro prédio apenas para gravar o programa no chip.
Estudei as especificações dos chips para ver o que havia feito de errado,
mas até hoje nunca descobri. Como é do conhecimento de qualquer
engenheiro, os interruptores são assim: eles são ótimos quando funcionam,
mas difíceis de fazer funcionar.
Finalmente desisti e apenas usei os outros dois chips ROMs, os com a
versão polling do programa monitor. Digitei algumas teclas do teclado e
fiquei chocado! As letras estavam sendo exibidas na tela!
É tão difícil descrever esse sentimento, de quando se consegue fazer
algo funcionar na primeira tentativa. É como atingir um buraco de golfe em
uma única tacada a 40 metros de distância.
Ainda era por volta de 10 horas da noite – chequei em meu relógio. Nas
duas horas seguintes, pratiquei inserir dados na memória e exibi-los na tela
para ter certeza de que estavam realmente ali. Digitei também alguns
programas bem curtos em número hexadecimal e rodei-os no computador:
programas como imprimir caracteres aleatórios na tela. Coisas simples.
Não percebi na época, mas aquele dia, domingo, 29 de junho de 1975,
foi muito importante. Foi a primeira vez na história que uma pessoa digitou
um caractere em um teclado e o viu aparecer em uma tela de vídeo bem
diante dela.
11 O Apple I

Nunca fui o tipo de pessoa que tivesse coragem de erguer a mão


durante a principal reunião do Homebrew e dizer: “Ei, vejam este grande
avanço na computação que criei”. Não, nunca conseguiria dizer isso diante
de uma garagem lotada de pessoas.
Mas após todas as reuniões de quarta-feira, eu instalava meu material
em uma mesa e quem quisesse era bem-vindo para se aproximar e fazer
qualquer pergunta. Eu respondia a todos.
Mostrei o computador que mais tarde ficou conhecido como Apple I em
todas as reuniões após conseguir fazê-lo funcionar. Nunca planejei
antecipadamente o que iria dizer. Apenas começava a demonstração e
deixava as pessoas fazerem as perguntas que eu sabia que fariam, ou seja,
as questões que eu queria responder.
Eu estava tão orgulhoso de meu projeto – e acreditava tanto na missão
do clube em relação ao avanço da informática – que tirei talvez uma
centena de cópias xerox de todo ele (inclusive do programa monitor) e as
distribuí para quem quisesse. Eu esperava que, a partir de meu projeto, os
membros do Homebrew pudessem montar os próprios computadores.
Queria que todos vissem pessoalmente meu grande projeto: um
computador com apenas 30 chips dentro dele, fato que chocava a todos. É
certo que tinha a mesma quantidade de chips do Altair, exceto que este não
conseguia fazer nada a menos que um monte de outros equipamentos caros
fosse comprado e conectado ao computador. Meu computador, porém, era
barato desde o início. Além disso, o fato de as pessoas poderem usar a TV
de casa como tela em vez de pagar milhares de dólares por um teletipo*
colocava-o em outra categoria.
Eu não ficaria satisfeito apenas digitando 1s e 0s dentro dele. Meu
objetivo desde o colégio era ter um computador que eu pudesse programar,
embora sempre tivesse assumido que a linguagem a ser utilizada seria a
FORTRAN.
O computador que eu havia montado ainda não tinha uma linguagem.
Naquela época, em 1975, um jovem rapaz chamado Bill Gates estava
começando a ter um pouco mais de fama em nossos círculos ao
desenvolver um intérprete em linguagem BASIC para o Altair. Nosso clube
tinha uma cópia de tal programa em uma fita que podia ser lida com um
teletipo, tarefa que levava cerca de 30 minutos para ser concluída. Além
disso, por volta da mesma época, foi lançado um livro chamado 101 Basic
Computer Games [101 Jogos de Computador em Basic]. Eu podia sentir o
cheiro de algo no ar.
Por isso decidi que o BASIC seria a linguagem correta a desenvolver
para o Apple I e o microprocessador 6502. Isso significava que se eu
desenvolvesse um programa BASIC para ele, o meu poderia ser o primeiro.
E eu poderia até ficar famoso por isso. As pessoas diriam: “Ah, Steve
Wozniak, ele fez o BASIC para o 6502”.
Seja como for, as pessoas que viram meu computador puderam
vislumbrar o futuro. Estávamos diante de uma via de mão única: uma vez
nela, não se poderia mais voltar atrás.

A primeira vez que mostrei meu projeto foi com o static RAM (SRAM) –
o tipo de memória que estava em meu Computador Cream Soda. Mas as
revistas sobre eletrônica que eu lia vinham falando sobre um novo chip de
memória chamado dynamic RAM (DRAM), que teria 4 Kbytes por chip.
Essas revistas vinham anunciando a DRAM como a primeira vez que
uma memória de chip de silício seria mais barata que uma memória de
núcleo magnético, pois, até então, todos os principais computadores, como
os sistemas da IBM e da Data General, ainda utilizavam memória de núcleo
(core).
Percebi que os 4 Kbytes da DRAM – que eu precisava como mínimo –
utilizariam somente 8 chips, em vez dos 32 chips SRAM que eu havia pego
emprestado de Myron. Meu objetivo desde o colégio foi sempre utilizar a
menor quantidade de chips possível, então aquele seria o caminho a seguir.
A maior diferença entre a SRAM e a DRAM é que esta precisava ser
continuamente atualizada ou perderia seu conteúdo; ou seja, o
microprocessador teria de atualizar eletricamente cerca de 128 endereços
diferentes da DRAM a cada dois milésimos de segundo para evitar que seus
dados fossem esquecidos.
Assim, adicionei DRAM desenvolvendo as especificações na tela –
segurei o sinal de relógio (clock) do microprocessador estável, mantendo as
transições desligadas, durante um período de tempo chamado de
“atualização horizontal”.
Você sabe como a TV rastreia uma linha de cada vez em seu aparelho,
de cima para baixo? Ela leva cerca de 65 microssegundos (milionésimos de
segundo) para varrer cada uma. Acontece que cerca de 40 desses
microssegundos são visíveis e os outros 25 não o são. Durante esse tempo
de 25 microssegundos, o chamado período de atualização, inseri 16
endereços exclusivos para a DRAM (obtive esses endereços de graça,
utilizando os contadores do terminal, que estavam gerando sinais de
vídeo).
Eu tinha chips de seleção que selecionavam os endereços que vinham
dos chips contadores horizontais e verticais do terminal durante esse
período. Surpreendentemente, foram precisos somente dois desses chips
de seleção e talvez mais um ou dois chips em termos de lógica para fazer
todo o processo. Assim, na verdade, roubei alguns ciclos do
microprocessador para atualizar a DRAM.
Não tinha ideia alguma de como obter um chip DRAM, mas por sorte,
bem naquela época, alguém do clube que trabalhava na AMI estava
vendendo alguns chips DRAM de 4 Kytes por um preço razoável. Isso foi
antes sequer de eles chegarem ao mercado. Vejo agora que alguém deve tê-
los roubado da AMI, mas não perguntei nada a respeito.
Comprei 8 deles do sujeito da AMI por cerca de 5 dólares cada e
modifiquei meu projeto. Acrescentei alguns fios ao conector de memória na
placa do Apple I para que ela pudesse acomodar tanto uma placa SRAM
como uma placa DRAM. Instalei a nova placa DRAM e ela funcionou desde o
primeiro instante.

Eu vinha mostrando meu excitante projeto para Steve Jobs. Ele me


acompanhou algumas vezes ao Homebrew, ajudando-me a carregar minha
TV. E ficou me perguntando se eu conseguiria montar um computador que
pudesse ser utilizado para compartilhamento de tempo – como o
minicomputador usado por uma empresa local chamada Call Computer,
localizada em Mountain View.
No ano anterior, eu e Steve havíamos vendido meu terminal ARPANET
para a Call Computer, dando-lhe o direito de fabricação e venda.
“Claro”, eu disse. “Algum dia.” Podia ser feito, pensei, mas então já seria
antiquado.
Depois ele perguntou se algum dia eu poderia acrescentar um disco
para armazenamento. Novamente eu disse: “Claro. Algum dia”. E isso
também parecia ser antiquado.
Então, alguns dias depois de conseguir colocar as memórias DRAM da
AMI para funcionar, Steve me telefonou de seu trabalho e me perguntou se
eu tinha chegado a pensar em utilizar memórias DRAM da Intel em vez das
memórias da AMI.
“As da Intel são melhores, claro, mas nunca conseguiria comprá-las”,
respondi.
Steve me pediu para esperar um minuto.
Ele deu alguns telefonemas e como por um milagre conseguiu algumas
memórias DRAM de graça da Intel – inacreditável, considerando seu preço
e raridade na época. Steve é esse tipo de pessoa. Quer dizer, ele sabia como
conversar com um representante de vendas. Eu nunca conseguiria fazer
algo assim; era muito tímido.
Mas ele conseguiu os chips DRAM da Intel. E com eles em mãos, refiz o
projeto em torno deles. Fiquei muito orgulhoso porque meu computador
pareceu ainda menor. Precisei adicionar um par de chips ao meu
computador para fazê-lo funcionar com as novas memórias, mas os chips
da Intel eram fisicamente muito menores que os da AMI.
Tenho de interromper aqui e explicar por que era interessante ter um
chip de tamanho menor. Lembra-se de quando eu disse que meu objetivo
desde o colégio sempre foi ter o menor número possível de chips? Bem,
essa não é a história toda. Certa vez, no colégio, eu estava tentando
conseguir chips para um computador que havia projetado. Meu pai me
levou à Fairchild Semiconductor, empresa que inventou o semicondutor, e
me apresentou um engenheiro que ele conhecia. Então contei ao tal
engenheiro que havia pegado um minicomputador já existente no mercado
e o projetado de duas maneiras. Achei que se utilizasse os chips da
Sygnetics (concorrente da Fairchilds), o computador teria menos chips do
que se utilizasse os da Fairchild.
O engenheiro me perguntou que chips da Sygnatics eu tinha utilizado.
Então lhe passei a marca e o número do modelo.
Ele ressaltou que os chips da Sygnetics que eu utilizara no projeto eram
muito maiores em termos de tamanho físico, com muito mais pinos e muito
mais fios para conectar que os chips equivalentes da Fairchild, o que
adicionava complexidade à montagem.
Fiquei aturdido. Essa colocação do engenheiro me fez perceber naquele
instante que o projeto mais simples de computador deveria ter, de fato,
menos conexões, e não simplesmente menos chips. Portanto, meu objetivo
mudou: em vez de projetar buscando somente usar menos chips, eu
tentaria a partir dali ter a menor placa possível também em termos de
tamanho.
Geralmente menos chips significam menos conexões, mas não sempre.
Voltando ao projeto da DRAM da Intel para o Apple I, a troca das
memórias significava que eu poderia reduzir o tamanho total da placa,
embora tivesse de adicionar alguns chips para fazê-lo.
Olhando em retrospectiva, seguir o projeto daquele computador com
chips da Intel foi uma decisão de muita sorte, porque, no final, aquele
projeto de chip se tornou padrão para todos os chips de memória usados
até hoje.

Por volta do Dia de Ação de Graças de 1975, Steve já tinha me


acompanhado em algumas reuniões do Homebrew. Então ele me disse ter
observado algo: as pessoas no clube estão estudando os diagramas
esquemáticos, mas elas não possuem tempo ou habilidade suficientes para
montar o computador descrito nos esquemas.
Então ele propôs: “Por que não fabricamos e depois vendemos as
placas de circuito impresso para elas? Assim, as pessoas poderiam soldar
todos os chips que já possuíam em uma placa de circuito impresso (printed
circuit – PC) e ter um computador em poucos dias em vez de em algumas
semanas”. A maior parte do trabalho mais difícil já estaria feita. A ideia de
Steve era que gastássemos 20 dólares para confeccionar as placas de
circuitos pré-impressos e as vendêssemos por 40 dólares. As pessoas
achariam isso um grande negócio, pois, afinal, estavam obtendo chips
quase de graça.
Francamente, eu não conseguia ver como poderíamos recuperar o
dinheiro gasto. Imaginei que precisaríamos investir cerca de mil dólares
para que uma empresa de computadores imprimisse as placas. E para obter
o dinheiro de volta, teríamos de vender a placa de 40 dólares para 50
pessoas. Eu não achava que existiriam 50 pessoas no Homebrew
interessadas em comprar a placa. Afinal, àquela altura, o clube possuía
cerca de 500 membros apenas, e a maioria era de admiradores do Altair.
Mas Steve teve um bom argumento. Estávamos no carro dele e ele disse
– e posso me lembrar dele dizendo isto como se fosse ontem: “Bem, mesmo
que percamos nosso dinheiro, teremos uma empresa. Pelo menos uma vez
em nossas vidas teremos uma empresa”.
Pelo menos uma vez em nossas vidas teríamos uma empresa. Aquilo
me convenceu. Fiquei muito animado em pensar sobre nós daquela forma:
dois grandes amigos começando uma empresa. Soube naquele momento
que faria isso. Como poderia não fazer?
* Aparelho telegráfico utilizado sobretudo em agências de notícias, jornais, revistas etc., que
transmite diretamente um texto, por meio de um teclado datilográfico, registrando a mensagem,
no posto receptor, sob a forma de letras impressas. (N. E.)
12 Nossa própria empresa

A fim de conseguir os mil dólares que acreditávamos ser necessários


para fabricar e comercializar placas de circuitos impressos já prontas,
vendi minha calculadora HP 65 por 500 dólares. Porém, o sujeito que a
comprou me pagou somente a metade, e nunca me pagou o resto. Não me
senti muito mal porque sabia que a próxima geração de calculadoras da HP,
a HP 67, seria lançada dali a um mês e me custaria somente 370 dólares
com o desconto de funcionário.
Steve vendeu sua kombi da VW por outras tantas centenas de dólares.
Ele imaginou que poderia andar de bicicleta se precisasse. Era isso.
Estávamos prontos para os negócios.
Acredite ou não, somente algumas semanas depois é que pensamos em
um nome para a sociedade. Lembro-me de que tinha ido buscar Steve no
aeroporto e de que estávamos na Highway 85. Steve estava voltando de
uma visita a um lugar no Oregon que ele chamou de apple orchard [pomar
de macieiras]. Na verdade, era algum tipo de comunidade.
Steve sugeriu um nome: Apple Computer.
O primeiro comentário que saiu de minha boca foi: “E como fica a Apple
Records?”. Ela era (e ainda é) a gravadora de discos dos Beatles.
Ambos tentamos pensar em outros nomes, que soassem mais
tecnológicos e fossem melhores, mas não conseguimos achar nenhuma boa
alternativa. Apple era tão melhor; melhor que qualquer outro nome em que
pudéssemos pensar.
Steve acreditava que a Apple Records não seria problema
provavelmente por ser um negócio completamente diferente. Eu não tinha
a menor ideia.
Portanto, ficou Apple. Tinha de ser Apple.
Logo depois, encontramos um amigo de Steve que trabalhou na Atari.
Ele disse que conseguiria desenhar o layout básico de minha placa de
circuito impresso, com base em meu projeto original, por cerca de 600
dólares. E precisávamos de tal layout para poder levar a um fabricante que
produzisse em massa nossas placas.
Também encontramos outro sujeito da Atari, Ron Wayne, que Steve
pensou poder ser um sócio. Lembro-me de pensar, ao vê-lo pela primeira
vez: Nossa! Esse cara é incrível. Ele podia sentar em uma máquina de
escrever e simplesmente datilografar todo nosso contrato social como se
fosse um advogado, o que ele não era, apesar de conhecer todos os termos
jurídicos. Além disso, era bom de papo e parecia muito inteligente – era
daquele gênero de pessoas que possuem uma resposta rápida para tudo.
Parecia saber fazer tudo o que não sabíamos.
Ron acabou desempenhando um enorme papel naqueles primeiros dias
da Apple – isso antes de termos financiamento ou de termos feito muita
coisa. Pensando bem, ele era realmente o terceiro sócio. E fez muito pela
empresa. Por exemplo: escreveu e deu acabamento ao primeiro manual de
operação. Afinal, ele sabia datilografar e desenhar. Foi ele quem fez o
detalhe de Newton sob a macieira que vinha no manual do computador.
Sob tal detalhe havia a citação de um poema de William Wordsworth
descrevendo Newton que dizia: “Uma mente viajando para sempre através
de estranhos mares de pensamento... sozinha”.
No fim das contas, Steve, Ron e eu concebemos um contrato de
sociedade que deu início à Apple e que incluía nós três. Steve tinha 45%, eu
tinha 45%, e Ron ficou com 10%. Ambos confiamos nele como alguém que
poderia intermediar as discussões. Então Ron começou a trabalhar com a
papelada.

De onde veio essa citação estranha?


Essa eu tive de procurar. Ela consta do volume 3 do livro The Prelude [O Prelúdio], de
William Wordsworth. A Mind Forever Voyaging é também o nome de um videogame de
1985. Quem ia saber?
O verso na íntegra era o seguinte:
A antecâmara onde ficava a estátua
De Newton com seu prisma e seu rosto silencioso,
O símbolo de mármore de uma mente para sempre
Viajando através de estranhos mares de pensamento, sozinha.*

Antes de o contrato social ser firmado, percebi algo e falei para Steve.
Disse-lhe que pelo fato de eu ter trabalhado na HP, tudo que havia
projetado durante a vigência de meu vínculo empregatício com eles
pertencia à HP.
Se isso aborreceu Steve ou não, não saberia dizer. Mas não me
importava, pois acreditava que era minha obrigação contar para a HP sobre
o que eu havia projetado enquanto trabalhava para eles. Seria a atitude
mais eticamente correta a tomar. Além do mais, eu realmente gostava
daquela empresa e acreditava que eles poderiam fabricar meu computador.
Afinal, sabia que um sujeito chamado Miles Judd, hierarquicamente três
níveis acima do meu na estrutura da empresa, havia gerido um grupo de
Engenharia na divisão da HP em Colorado Springs responsável pelo
desenvolvimento de um computador de mesa.
Não era nem um pouco parecido com o nosso – destinava-se a
engenheiros e cientistas e era muito caro –, mas utilizava o BASIC como
linguagem de programação.
Contei para meu chefe, Pete Dickinson, que eu havia projetado um
computador de mesa barato, que poderia ser vendido por um preço abaixo
de 800 dólares, e que rodaria o BASIC. Ele concordou em agendar uma
reunião para eu falar com Miles a respeito.
Lembro-me de quando me dirigi à grande sala de reuniões para
encontrar Pete, o chefe dele, Ed Heinsen, e o chefe de Ed, Miles. Fiz minha
apresentação e mostrei-lhes meu projeto.
“OK”, disse Miles após pensar alguns minutos sobre o que tinha
acabado de ver. “Existe um possível problema quando você diz que tem
saída para a TV. O que acontece se ela não for compatível com todas as
TVs? Quer dizer, se falhar em uma TV da RCA, da Sears ou em um produto
da HP?”
Ele me disse que acompanhava de perto o controle de qualidade. Se a
HP não pode controlar em que TV o cliente está usando o computador,
como garantir que o cliente tenha uma boa experiência? Indo mais
diretamente ao ponto: a divisão de Miles não tinha pessoas ou dinheiro
para executar um projeto como o meu. Portanto, ele rejeitou o produto.
Fiquei desapontado e saí da reunião logo depois. A partir daquele
momento, eu estava livre para entrar na sociedade com Steve e Ron na
Apple. Mantive meu emprego, mas depois do episódio com Miles, eu estava
oficialmente fazendo um bico, afinal, todos na HP sabiam sobre a placa de
computador que iríamos vender.
Ao longo dos meses seguintes, Miles continuou mantendo contato
comigo. Ele conhecia sobre computadores programáveis em BASIC por
causa da divisão que comandava em Colorado Springs, e embora não
quisesse meu projeto, afirmou estar intrigado com a ideia de existir o
projeto de uma máquina tão barata que qualquer um poderia comprar e
programar. Ele ficava me dizendo que havia perdido o sono desde que
ouvira minha ideia.
Mas olhando para trás, vejo que Miles estava certo. Como a HP poderia
fabricar aquele computador? Ela não poderia. Ele estava longe de ser um
produto científico completo e acabado para engenheiros. Todos sabiam que
computadores menores e mais baratos seriam a próxima novidade, mas a
HP não poderia justificá-los como um produto. Ainda não. Mesmo se
tivessem concordado, vejo agora que a HP o teria feito da maneira errada.
Isto é, quando finalmente fabricaram um computador, em 1979, fizeram da
maneira errada. Aquela máquina da HP não foi a lugar algum.
Algumas semanas após a reunião, a placa PC estava concluída e
funcionando. E eu estava na HP mostrando-a para alguns engenheiros
quando o telefone tocou na bancada do laboratório.
Era Steve.
– Você está sentado?
– Não – respondi.
– Bem, você não vai acreditar. Recebi um pedido de 50 mil dólares.
– O quê?
Steve então explicou que o dono de uma loja de computadores da
região havia me visto em uma reunião do Homebrew e queria comprar 100
computadores nossos. Totalmente montados, por 500 dólares cada.
Fiquei chocado com aquilo, simplesmente chocado. Cinquenta mil
dólares era mais que o dobro de meu salário anual. Jamais poderia prever
algo parecido.
Foi o primeiro e mais impressionante sucesso da Apple. Nunca
esquecerei daquele momento.

Decidi que deveria consultar a coisa toda com a HP mais uma vez. Falei
novamente com Pete. Ele me disse para consultar o departamento jurídico,
que por sua vez consultou todas as outras divisões da empresa. O processo
todo levou cerca de duas semanas.
Mas a HP continuava não interessada, então recebi um documento do
departamento jurídico dizendo que a empresa abria mão de quaisquer
direitos sobre meu projeto.

Àquela altura, um sujeito chamado Paul Terrell estava inaugurando


uma nova loja de computadores, a Byte Shop, em Mountain View.
Como disse antes, Terrell me viu demonstrando o computador em uma
das reuniões do Homebrew e disse para Steve “manter contato”. Então
Steve apareceu no escritório dele no dia seguinte dizendo: “Oi. Estou
mantendo contato”.
O que Steve não sabia era que Paul estava procurando um produto
exatamente igual ao nosso. Terrell queria vender para seus clientes um
computador completo, totalmente montado. Algo que nunca havia sido
feito antes. Antes de nós, Paul vinha comprando Altairs ou kits como o do
Altair e contratando técnicos para soldar as peças no fundo da loja. Toda
vez que montava um deles, conseguia vender. Mas ele achava que havia
muito mais interesse, muito mais clientes em potencial. Steve contou-lhe
então sobre o Apple I que eu havia projetado e Paul percebeu que se
tratava de uma placa totalmente montada e que, portanto, seria um ótimo
produto para ele.
Assim, de repente, com o pedido de Terrell, pude ver que alguém mais
se interessava pelo Apple I. E foi algo tão inesperado quanto excitante –
além de fácil. Isto é, já tínhamos uma pequena empresa que estava
preparada para produzir em massa nossas placas em Santa Clara. Tudo de
que precisávamos a partir daquele momento era fornecer as peças
adicionais e eles soldariam tudo.
Mas como conseguiríamos as peças? Elas custariam um dinheiro que
não tínhamos. Allen Baum e seu pai, Elmer, nos emprestaram 1.200 dólares
para comprar algumas peças. Mas acabamos achando um distribuidor de
chips (Cramer Electronics) que faturaria as peças para pagarmos em 30
dias. O distribuidor de chips teve de ligar para Paul Terrell para confirmar
se ele realmente nos pagaria.
O acordo que Steve negociou com Paul Terrell era que ele nos pagaria
em dinheiro contra a entrega dos computadores. Assim, no final das contas,
Paul Terrell estava financiando todo o projeto. Quando ele nos pagasse,
teríamos condições de pagar pelos chips.
O distribuidor nos fornecia as peças e elas iam direto para um armário
trancado na empresa de Santa Clara que fabricava as placas. Somente
quando as placas ficavam prontas é que as peças saíam do armário, eram
contabilizadas e soldadas; e a partir de então tínhamos 30 dias para pagar
por elas.
Nosso primeiro lote de placas ficou pronto em janeiro de 1976.
Existiam kits como o Altair por lá, mas nada como o que estávamos fazendo.
Esperando por elas, lembro-me de como era simplesmente a pessoa mais
feliz do mundo. Eu estava tão feliz naquela época! Nunca havia pensado de
verdade que iríamos ganhar dinheiro com o Apple. Aquilo nunca me
passara pela cabeça. A única coisa em que pensava era: Agora que descobri
o que um microprocessador pode fazer, há muitos equipamentos em que
posso colocá-lo. Eu sabia que pelo resto da vida teria uma ferramenta de
computação para mim mesmo.
O potencial do Apple I estava me deixando muito animado. Quer dizer,
estava sempre próximo a videogames e de repente percebi que meu
pequeno computador poderia rodar jogos. Imaginei programas
processadores de texto substituindo algum dia as máquinas de escrever. Eu
datilografava rápido e podia ver que estávamos ainda muito longe de onde
precisaríamos estar para um computador substituir uma máquina de
escrever, mas eu já podia imaginá-lo. Imaginei como o computador poderia
me ajudar em meus projetos na HP. Tudo aquilo simplesmente havia me
deixado muito empolgado. Cada coisa que eu pensava sobre o computador
mostrava-se muito valiosa. Podia ver tudo muito claramente. E não
conseguia pensar em outra coisa.
Depois que as placas ficaram prontas, reunimos o amigo de Steve, Dan
Kottke, e a irmã de Steve, Patty, para nos ajudar a colocar os chips nos
soquetes por 1 dólar a placa. Steve nos traria do fabricante talvez 10 ou 20
placas montadas de cada vez; então nos sentaríamos em um banco de
laboratório na garagem dos pais de Steve na 11161 Crist Avenue e eu
conectaria cada placa montada à TV e ao teclado que tínhamos lá e os
testaria para ver se funcionavam.
Se funcionassem, eu as colocava em uma caixa. Se não funcionassem, eu
procurava qual pino não estava colocado corretamente no soquete ou qual
circuito estava em curto. Daí consertava os ruins e as colocava finalmente
na caixa. Depois que uma ou duas dezenas de placas estavam na caixa,
Steve as levava para a loja de Paul Terrell e era pago em dinheiro.
Não se tratava de computadores completos como os conhecemos hoje.
Paul Terrell acabava precisando fornecer monitores, transformadores,
teclados e até mesmo os gabinetes para colocar os computadores dentro.
Eu não tinha certeza se era isso que ele esperava. Acho que ele havia
pensado, com base no que Steve Jobs lhe contara, que receberia um
computador totalmente montado.
Naquela época, não tínhamos volume suficiente para montar uma
máquina em plástico. Então Paul as colocava em gabinetes de madeira –
geralmente uma madeira da Polinésia chamada koa –, o que dava um certo
estilo ao produto.
Precisávamos definir um preço de varejo para nossos manuais. Afinal,
não iríamos vendê-los apenas para Paul.
Decidimos colocar o valor de 666,66 dólares cada – pensei nesse preço
porque gostava de dígitos repetidos (eram os 500 dólares mais uma
margem de 30%).
Quer saber de uma coisa? Nenhum de nós sabia das conexões satânicas
de tal número até Steve começar a receber cartas a respeito. Do que estou
falando? Do número da Besta. Verdade, eu não tinha ideia. Não havia visto o
filme O exorcista. E o Apple I não era nenhum demônio para mim.

Até aquele momento, desenvolver o intérprete BASIC estava se


tornando o projeto mais longo e mais complicado que eu já fizera para o
Apple I.
Suei em cima do BASIC naqueles dias. Comparado com o FORTRAN, era
uma linguagem fraca e pouco importante. Achei que ninguém jamais a
usaria, por exemplo, para criar o tipo de programas sofisticados que
engenheiros e cientistas utilizam. Eu podia ver para onde as coisas estavam
caminhando. Aquele livro que já mencionei, 101 Basic Computer Games,
afirmava que seria possível simplesmente digitar os programas e obter
jogos.
Desenvolvi um intérprete BASIC para rodar no Apple I que se baseou
no processador MOS 6502. Eu imaginava que se desenvolvesse essa
linguagem bem rapidamente – se trabalhasse nela dia e noite e
transformasse minhas ideias em algo que funcionasse em poucos meses –,
então ficaria quase famoso. As pessoas diriam que Steve Wozniak
desenvolveu o primeiro BASIC para o 6502, da mesma forma que
conheciam Bill Gates por desenvolver o BASIC para o Altair. Eu seria a
fonte, o que era um pouco excitante.
Nunca tive uma aula sequer sobre como desenvolver em linguagem de
computador. Em meus primeiros anos de faculdade, Allen Baum tirou
cópias de livros-texto do MIT, onde estudava, e as enviou para mim.
Aprendi um pouco dessa forma.
Assim, compreendi que as linguagens de computador possuem uma
sintaxe gramatical, exatamente como qualquer outra linguagem, e eu sabia
como elas eram organizadas.
Não sabia que os intérpretes BASIC que existiam para diferentes
computadores, como os do DEC e da HP, eram totalmente diferentes. Eu
achava que eram todos iguais e que o de Bill Gates era igual a eles.
Assim, de volta ao trabalho, reuni alguns manuais BASIC da HP e os
estudei. Comecei desenvolvendo no papel uma tabela de sintaxe, que
descreve a gramática da linguagem de computador. Ela define quais
comandos o programador pode inserir.
Por exemplo, se o português tivesse uma tabela de sintaxe, ela
explicaria que pronomes pessoais como “ele” e “ela” são substantivos e
normalmente sujeitos em uma frase como “Ele atirou a bola”. Tal tabela
listaria todos os verbos possíveis, na qual “atirar” seria um deles. Além
disso, diria também quais seriam todos os “objetos” possíveis, como “bola”.
Em português, existem milhões de possibilidades para sujeitos, verbos e
objetos, mas na linguagem BASIC, pode-se limitá-las a um certo número de
itens.
Depois existem as regras que precisam ser seguidas. Peguemos a
equação 5 + 3 x 7 como exemplo. Quando alguém escreve isso sem
parênteses, um matemático sabe que se executa primeiro a multiplicação
ou a divisão, depois a soma ou a subtração. Então, na verdade, essa equação
seria 5 + 21. Portanto, essa regra sobre quais termos executar primeiro é
um exemplo de algo que precisa ser definido na tabela de sintaxe.
Eu não tinha ideia do que as outras pessoas faziam em suas linguagens
de computador, mas senti que precisaria de uma pilha de substantivos para
incluir coisas como números, uma pilha de verbos (que incluiriam ações
como multiplicação ou adição) e um conjunto de prioridades para cada
verbo que fosse digitado.
Levei cerca de quatro meses para estabelecer o núcleo de meu
intérprete BASIC. E acabei deixando de fora a capacidade de digitar
números decimais (chamada “aritmética de ponto flutuante”) – em vez
disso, tratei tudo com números inteiros. Acho que agir assim me
economizou cerca de um mês de trabalho. Decidi que para jogos e
simulações de computador – os dois principais assuntos para os quais
estava desenvolvendo o BASIC – eu avançaria somente com números
inteiros.
Muitos dos principais programas de minha vida, incluindo os da época
da Universidade do Colorado, utilizavam somente números inteiros. Assim,
concebi meu BASIC para trabalhar apenas com números de – 32.768 a +
32.787.
Desenvolvi todo o programa no papel – com instruções de máquina à
esquerda e o equivalente em hexadecimal (equivalente aos 1s e 0s) à
direita. Precisei fazer isso manualmente, porque não podia pagar para
utilizar um programa para converter instruções (assembler), que seria a
forma mais comum de proceder. Acabei trabalhando da mesma forma que
trabalhara ao desenvolver meu pequeno programa monitor.
Então pensei: Puxa! Consigo desenvolver o programa com a codificação
sozinho, manualmente. Para que vou precisar de um computador para fazer
isso?
A propósito, ainda tenho o livro de anotações em que desenvolvi meu
intérprete BASIC. Não tenho certeza, mas acho que hoje ele seria valioso
para algum museu!
Seja como for, o resultado de tudo isso foi que quando meu BASIC 6502
estava no computador, eu podia digitar pequenos programas com o teclado.
Por exemplo, o computador poderia perguntar ao usuário: “Qual é o seu
nome?”, e se ele o digitasse, o computador faria o nome dele voar por toda a
tela do monitor. Parece algo simples hoje, mas naquela época, ninguém
nunca tinha visto um pequeno computador no qual programas podiam ser
digitados em um teclado normal e executados.
Mesmo com máquinas como o Altair, era muito caro adicionar uma
perfuradora de cartões e um cabo enorme que o conectaria a um
igualmente enorme e feio teletipo com um teclado para digitar.
Mostrei algumas vezes meu computador rodando o BASIC nas reuniões
do Homebrew e as pessoas ficavam simplesmente encantadas com ele.
Mas havia um problema. O Apple I não possuía um armazenamento
permanente – nenhum hard disk, disco magnético ou drive de CD como os
que conhecemos hoje. Estávamos muito longe disso naqueles dias. Então,
toda vez que eu quisesse rodar o BASIC, precisava ligar o computador e
literalmente digitar todo meu programa do livro de anotações, um
programa de 4 Kbytes – o que levava quase 40 minutos. Quando o
computador era desligado, pelo fato de não existir um armazenamento
permanente – somente a memória RAM –, todo o programa era perdido.
Por conta disso, acabei tendo de optar por deixar meu computador
permanentemente ligado – o que significava que não poderia transportá-lo.
Ou teria de descobrir uma solução.

O básico sobre o BASIC


A linguagem de computador BASIC, aquela sobre a qual disse que fiquei suando em cima,
foi concebida desde o início para ser uma linguagem “fácil de programar” ao desenvolver
programas de computador. Criada em 1963 por John Kennedy e Thomas Kurtz,
professores do Dartmouth College, a sigla BASIC era uma abreviação de Begginer’s All-
purpose Symbolic Instruction Code [Codificação de Instruções Simbólicas para Todos os
Fins para Iniciantes]. Não há dúvida de que o BASIC é uma linguagem bem mais fácil de
aprender que linguagens como Pascal ou C. Ela também é menor e mais lenta. Mas
funcionou perfeitamente com meus primeiros computadores Apple.

Foi assim que desenvolvi a interface de fita cassete para o Apple I. Além
de mudar o tipo de RAM de estática para dinâmica, essa foi a única
mudança em meu projeto original desde as primeiras reuniões no
Homebrew, na primavera de 1975. Projetei um circuito para que uma fita
cassete normal pudesse guardar o BASIC, e quando eu ligasse o
computador, esse BASIC seria automaticamente carregado na memória
para ser utilizado.
Quando o BASIC estava pronto e já havia sido facilmente inserido a
partir de uma fita cassete, descobri algo terrível. Eu havia cometido um
erro: pensei que todas as versões do BASIC eram mais ou menos iguais, e
que todos os 101 jogos em BASIC que eu possuía naquele livro rodariam
automaticamente se eu os digitasse. Não foi o que aconteceu. O tipo de
BASIC que desenvolvi – assim como o BASIC HP que originalmente estudei
– era totalmente diferente do BASIC Microsoft de Bill Gates, que era
baseado no BASIC DEC da época. Que furada!
Conclusão: quem quisesse inserir jogos do 101 Basic Computer Games
no Apple I teria de fazer mudanças no programa para conseguir.
Mas consegui fazer alguns jogos funcionar no Apple I. Havia um jogo
popular em BASIC chamado Star Trek, como o seriado Jornada nas estrelas.
Eu o adaptei para meu BASIC e ele rodou muito bem.

Após começarmos a vender as placas para Paul Terrell – trabalhando


dia e noite para cumprir os prazos –, tivemos lucros como eu nunca poderia
ter imaginado. De repente, nossa pequena empresa estava gerando mais do
que eu ganhava na HP. Admito que não era muito. Mas ainda assim era uma
soma considerável. Estávamos montando as caixas por 220 dólares e
vendendo-as no atacado para Paul Terrell por 500 dólares.
Claro que não precisávamos de uma tonelada de dinheiro para operar.
Eu tinha um emprego fixo, portanto, olhava para tudo aquilo como algo
bacana. Um dinheiro extra para a pizza! O mesmo valia para Steve, que
vivia na casa dos pais. Na época, eu tinha 25 anos de idade, e ele, apenas 21;
portanto, que despesas poderíamos ter? A Apple não precisava gerar muito
para se sustentar e avançar. Afinal, não estávamos pagando salários para
nós mesmos nem aluguel. Não precisávamos pagar patentes ou advogados.
Era um negócio de importância menor e não estávamos muito
preocupados.
Meu pai, vendo aquilo, disse que não estávamos realmente ganhando
dinheiro porque não estávamos nos remunerando pelo trabalho que
tínhamos. Mas nada disso importava porque estávamos nos divertindo
muito.
Logo depois de fazermos a entrega do pedido de Paul Terrell, Steve
agendou uma apresentação minha da placa PC do Apple I durante a reunião
principal do Homebrew, por volta de março de 1976. Na época, eu vinha
mostrando já há vários meses meu computador após as reuniões, mas
nunca havia falado formalmente sobre ele para todo o grupo.
Eu nunca havia falado diante de um grupo tão grande de pessoas.
Aquela seria a maior exposição que eu já havia enfrentado, pois, na época, o
Homebrew havia crescido e possuía cerca de 500 membros ou mais. A
reunião vinha ocorrendo no auditório do SLAC, na Universidade de
Stanford. Então, após caminhar pelo corredor com a placa de circuito
impresso nas mãos, me ative estritamente aos fatos. Aquela foi a primeira
de apenas duas vezes que falei diante de uma reunião do clube (a outra foi
quando apresentei o Apple II).
Eu sabia que muitas pessoas do clube haviam me visto rodando o
protótipo. Então fiquei parado diante de todos e descrevi os chips da placa
– o que eram e tudo mais – e falei sobre as especificações e a arquitetura do
projeto. Contei-lhes como o havia montado. E falei sobre o aspecto
principal, uma vez que era uma preocupação minha: ter um teclado que
pudesse ser digitado por seres humanos em vez de um estúpido e
indecifrável painel frontal com um monte de luzes e interruptores.
Expliquei que utilizara memórias RAM dinâmica em vez de estática e
por que o fizera. Destaquei que minha placa tinha 8 Kbytes de memória
RAM e comparei-a com a placa-mãe do Altair, que possuía apenas 256
bytes. Falei também sobre o pequeno programa BASIC – aquele que
movimentava o nome do usuário por toda a tela quando ele o digitava.
Descrevi os circuitos de vídeo, os conectores, as voltagens necessárias,
tudo. E por fim, tive de dizer o preço para todos – 666,66 dólares.
Não tenho certeza se foi uma grande apresentação ou não. Seria
preciso perguntar para alguém que a assistiu. Afinal, naquela época, muitos
membros do Homebrew estavam começando na área ou trabalhavam em
pequenas empresas de computadores. Desse modo, talvez não
conseguissem perceber quão especial o Apple I era.
Mas eu conseguia. E Steve também. Estávamos muito orgulhosos.
Então pensei: Estamos participando da maior revolução que já
aconteceu. E eu estava muito feliz por fazer parte dela. A Apple não
precisaria ser uma grande empresa. Eu estava apenas me divertindo.
Porém, acho que o terceiro sócio, Ron Wayne, não estava se divertindo
muito. Ele estava acostumado a grandes empresas e a grandes salários.
Assim sendo, compramos a parte dele por 800 dólares depois de entregar
algumas das primeiras placas para Paul Terrell e bem antes de
conseguirmos nosso primeiro investimento de fora.
* “The antechapel where the statue stood/ Of Newton with his prism and silent face,/ The marble
index of a mind for ever/ Voyaging through strange seas of Thought, alone.” (N. T.)
13 O Apple II

No início de 1976, tínhamos vendido cerca de 150 computadores. Não


apenas pela Byte Shop, mas através de outras pequenas lojas que vinham
surgindo por todo o país. Steve e eu dirigíamos pela Califórnia, entrávamos
em uma loja e perguntávamos se eles queriam ter o Apple I. Vendemos
alguns dessa forma.
Mas isso não era nada, porque outras companhias estavam surgindo na
região do Vale do Silício naquela época. Uma delas, chamada Processor
Technology, supostamente vendia mais de mil unidades por mês de seu
computador SOL-20, um sucesso no mundo da computação de uso
doméstico. Além disso, era um computador que tinha um teclado (que era a
forma como eles passaram a ser concebidos após eu mostrar o Apple I em
uma reunião do Homebrew). O Apple I deu início a essa tendência.
Lee Felsenstein, o mediador dos encontros no Homebrew, projetou o
SOL. E Gordon French trabalhava na Processor Technology. Então
estávamos sempre a par das últimas novidades na área.
Para mim, o computador SOL, da Processor Technology, não era tão
impressionante assim. Steve e eu tínhamos certeza de poder vender mais
do que eles. Na época, tínhamos o protótipo do próximo computador da
Apple, o Apple II, que era dez vezes melhor que o Apple I.
Com o novo computador, tínhamos certeza de que se tivéssemos o
dinheiro necessário para fabricá-lo, poderíamos facilmente vender tantos
computadores quanto a Processor Technology.
O Apple II, no qual comecei a trabalhar quase ao mesmo tempo em que
o Apple I foi concluído, foi um fantástico aperfeiçoamento de meu projeto
anterior. Eu queria um computador que processasse cores. E embora
tivesse concebido o Apple I para poder adicionar cores a ele, pois tinha
usado chips que trabalhavam nas frequências necessárias para gerar cores
em uma televisão americana, decidi que em vez disso seria melhor projetar
um novo computador.
Adicionar cores não era apenas uma questão de comprar mais chips,
mas de eficiência e de elegância de projeto. Eu queria projetar as cores
desde o início, não apenas acrescentá-las em um computador já existente.
Dessa forma, o Apple II seria concebido desde o início com tal
característica.
Outro aperfeiçoamento que pensei em inserir no Apple II foi projetar
todo o novo computador em torno de textos e gráficos, com tudo vindo da
própria memória do sistema.
Portanto, em vez de ter todo um terminal em separado para fazer
coisas na tela e outra memória para as outras computações, decidi
combinar toda a memória em um único banco de dados – uma seção da
DRAM. Assim, uma porção da DRAM que o microprocessador utilizava
poderia também ser continuamente aproveitada para qualquer coisa que
fosse preciso exibir na tela.
Trabalhando dessa forma, eu sabia que economizaria alguns chips. De
fato, no final, o Apple II acabou ficando com metade dos chips utilizados
pelo Apple I. Além de ser bem mais rápido.
Lembra-se de que mencionei como o Apple I precisava constantemente
manter os conteúdos da memória DRAM vivos através de atualizações?
Bem, na época do Apple II, eu tinha chips DRAM bem mais rápidos para
utilizar. Dessa forma, em vez de o microprocessador ser capaz de acessar
(desenvolver ou ler) a RAM a cada milionésimo de segundo, os novos chips
que eu estava utilizando na época podiam fazê-lo duas vezes a cada
microssegundo.
De fato, o Apple II até conseguia que o microprocessador acessasse a
memória RAM na metade de um microssegundo (milionésimo de segundo),
enquanto os circuitos que atualizavam a RAM podiam acessá-la na outra
metade do tempo. É por isso que ele rodava mais rápido. Além de ser
menor e mais barato. O que sempre foi um objetivo meu.
O Apple II possuía inúmeros aperfeiçoamentos em relação ao Apple I.
Algumas pessoas consideram o Apple II um segundo projeto elaborado a
partir do Apple I, mas quero frisar que não é assim. De jeito nenhum.
O Apple I não foi um computador projetado do zero, mas uma ligeira
extensão de meu terminal ARPANET para um microprocessador, com
praticamente nenhuma inovação eletrônica com exceção da memória
DRAM.
O Apple II, por sua vez, foi projetado e teve sua engenharia concebida a
partir do zero. Também somente por mim.
Olhando para trás, eu poderia ter projetado o Apple II primeiro – com
cores e tudo –, mas escolhi avançar com um projeto que eu pudesse
desenvolver mais rapidamente.
É verdade que ambas as máquinas trouxeram incríveis avanços para o
mundo da informática. O Apple I fez história ao ser o primeiro computador
pessoal a trabalhar com um teclado e uma tela. Mas o Apple II trouxe cores,
gráficos em alta resolução, som, e a possibilidade de anexar controles de
jogos. Foi o primeiro computador que, ao ser ligado, já estava pronto para
uso, com o BASIC inserido na memória ROM.
Outros computadores chegaram perto do Apple II, mas levaram anos
para se equiparar ao que eu tinha feito. No final, cada um deles precisaria
fornecer a mesma lista de características.
O Apple II foi o primeiro computador de baixo custo que, de forma
notável, podia ser usado por pessoas comuns – ninguém precisava ser um
geek para utilizá-lo.

Mas àquela altura, ninguém havia visto o Apple II. Eu ainda estava
finalizando-o, e naquele momento, ainda trabalhávamos em nossas casas:
eu trabalhava em meu apartamento e Steve trabalhava pelo telefone de seu
dormitório na faculdade. Ainda testávamos computadores na garagem da
casa dos pais dele. E eu ainda estava montando calculadoras na HP e
pensando que a Apple era apenas um hobby. Eu ainda planejava trabalhar
na HP para sempre.
Mas não demorou muito para eu ter um Apple II funcionando logo após
a entrega das placas do Apple I para Paul Terrell. E como eu disse antes: o
Apple II não era apenas duas vezes melhor. Era algo como dez vezes
melhor.
Concluí a placa, que era o núcleo do Apple II, em agosto de 1976.
Lembro--me disso muito bem porque foi nesse mesmo mês que Steve e eu
viajamos para a mostra PC’ 76, em Atlantic City.

Pegamos o avião em San Jose e sentamos juntos, levando o Apple I e o


Apple II conosco a bordo. O aspecto engraçado dessa viagem foi que um
bando de pessoas que conhecíamos do Homebrew e que agora trabalhavam
nas várias pequenas empresas de informática concorrentes da Apple
estavam naquele mesmo voo. Pudemos ouvi-las falando sobre o avanço dos
negócios: falavam sobre propostas e utilizavam terminologias que nunca
havíamos escutado antes. Sentimo-nos muito distantes de todas aquelas
discussões.
Mas dentro de nós sabíamos que tínhamos um segredo. Um grande
segredo. Talvez não fizéssemos parte daqueles grupos de empresários, mas
sabíamos que possuíamos um computador melhor. Na verdade,
possuíamos os dois melhores computadores disponíveis no mercado da
época. O Apple I e o Apple II. E ninguém no mundo sabia ainda do Apple II.
Quando a exposição começou em Atlantic City, tive sorte porque não
precisei empurrar o Apple I em nosso estande. Não tenho perfil de
vendedor. Steve Jobs e Dan Kottke é que fizeram isso. Fiquei no andar de
cima terminando as últimas sequências do BASIC.
A exposição estava cheia de empresas jovens e mal financiadas como a
Apple. Os proprietários eram parecidos conosco. Isto é, não eram
executivos bem vestidos, empresários ou gerentes de empresa
participando da mostra. Mas um grupo de pessoas bastante desleixado.
Eles atuavam no mesmo ramo de negócio que o nosso, e muitos eram
nossos concorrentes diretos. Apesar de sermos todos amigos, ainda assim
éramos concorrentes.
Embora não tenhamos mostrado o Apple II para ninguém durante a
exposição em Atlantic City, um sujeito que não estava associado a nenhuma
companhia ou negócio de informática o viu. Ele estava lá preparando um
projetor de TV para as palestras. Eu e Steve nos apresentamos na primeira
noite, e depois que todos haviam ido embora, nos encontramos com o tal
técnico do projetor. Acho que tínhamos pedido para ele ficar. Era
provavelmente 9 horas da noite. Com o Apple II eu tinha criado um método
diferente de gerar cores e ainda estava espantado com a quantidade de TVs
em que ele funcionava. Mas então imaginei que um projetor pudesse ter
circuitos diferentes para cores capazes de obstruir meu método. Assim,
queria ver se o Apple II funcionaria com ele.
Então conectei o protótipo do Apple II ao projetor daquele sujeito e ele
funcionou perfeitamente. O técnico, que estava vendo todos os
computadores de baixo custo do mundo à medida que preparava o
equipamento para as palestras, me disse que de todos os computadores
que ele vira na exposição, o Apple II seria o único que ele compraria.
Apenas sorri. O Apple II não tinha sido sequer anunciado ainda.

Depois da exposição, o maior e mais sensacional momento Eureka que


já tive foi o dia em que fiz o Breakout (o jogo da Atari) funcionar no Apple
II.
Eu tinha inserido capacidade suficiente no BASIC para que o
computador pudesse ler onde estavam as raquetes do jogo. Ele podia soar
nos alto-falantes quando necessário e organizar as cores na tela. Portanto,
eu estava pronto.
Sentei um dia com aquela pequena placa em branco com chips na parte
de cima e todos os pequenos fios enrolados em azul e vermelho soldados
por baixo e a conectei, através de alguns fios e transformadores, à minha
TV colorida.
Sentei-me e comecei a digitar comandos em BASIC. Eu precisava criar
uma fileira de tijolos – exatamente como no jogo da Atari – e funcionou! Eu
tinha uma fileira de tijolos. Experimentei várias combinações de cores até
chegar à cor de tijolo que ficasse melhor.
Dispus lado a lado oito fileiras de tijolos. Equacionei as cores corretas e
estabeleci como os tijolos deveriam aparecer para ficar mais real. Fileiras
pares e ímpares. Depois comecei a programar a raquete. Fiz a raquete subir
e descer na tela com o botão de controle do jogo. Depois coloquei a bola.
Então comecei a dar movimento à bola. Em seguida, passei a dizer para a
bola quando ela batia nos tijolos como ela deveria se livrar deles, bater e
voltar. Quando ela atingia a raquete, programei como ela rebateria e
mudaria de direção na vertical e na horizontal.
Depois brinquei com todos esses parâmetros, e isso tudo levou apenas
meia hora. Testei dezenas e dezenas de variações diferentes dos
componentes até o Breakout funcionar por completo no Apple II,
mostrando a pontuação e tudo mais.
Chamei Steve Jobs para ver. Não podia acreditar que havia conseguido
fazer aquilo tudo; foi fantástico. Pedi a Steve que sentasse e mostrei a ele
como o jogo aparecia com a raquete e os tijolos. Depois disse: “Veja isto”. E
digitei alguns comandos BASIC e mudei a cor da raquete, a cor dos tijolos e
local onde ficava a pontuação na tela.
Então disse: “Se tivesse feito toda essa variedade de opções embutidas
no equipamento da forma que sempre foi feito, eu teria levado dez anos.
Agora que os jogos estão no software, o mundo inteiro vai mudar”.
E naquele exato momento foi que me dei conta. Os jogos em software
serão incrivelmente avançados se comparados com os jogos em hardware –
isto é, jogos que estão embutidos nos equipamentos tipo fliperama e em
sistemas semelhantes.
Atualmente, os gráficos nos jogos são excelentes. Eles ficaram
incrivelmente complicados e grandes. Se precisassem ser feitos em
hardware, não haveria tempo suficiente no universo para concebê-los.
Pensei: Nossa! Ninguém no clube vai acreditar que um jogo de fliperama
pôde ser escrito em BASIC. O Breakout foi o primeiro no mundo. Inseri
também um segredo naquele jogo para o Apple II: ao digitar CTRL + Z no
teclado, o jogo passava para um modo em que a raquete iria sempre se
movimentar, mas nunca erraria a bola.
Que recurso fantástico! Ele enganava as pessoas fazendo-as pensar que
tinham muita sorte em atingir a bola. A raquete ficava tão instável e
movimentava-se tanto que uma pessoa nunca poderia dizer que tal feito
não era por sua habilidade e que seus próprios movimentos é que estavam
acertando a bola.
Um dia me sentei com John Draper (o Capitão Crunch, lembra?).
Estávamos no Homebrew logo depois do principal segmento da reunião,
quando as pessoas podiam fazer suas demonstrações.
John nunca havia brincado em um jogo de fliperama antes.
Eu disse: “Veja, jogue este”. Então mostrei a ele como virar o botão para
que a raquete se movimentasse para cima e para baixo. Ele sentou e
começou a jogar. Todos na sala ficaram olhando para ele por
aproximadamente 15 minutos. A bola estava muito rápida, e ele, embora
não soubesse realmente o que fazer com o controle, continuava acertando.
As pessoas simplesmente pensaram que John era um jogador excepcional.
Passados cerca de 15 minutos, ele finalmente venceu o jogo. E todos o
cumprimentaram como se ele fosse o melhor jogador do mundo. Acho que
John nunca soube que o jogo já estava configurado para ganhar.

Na primavera de 1976, quando ainda estava trabalhando no Apple II,


Steve e eu tivemos nossa primeira discussão. Ele não achava que o Apple II
devesse ter 8 slots, ou seja, conectores para encaixar novas placas de
circuito no caso de o usuário querer expandir a funcionalidade do
computador. Steve queria somente 2 slots – um para a impressora e outro
para um modem. Ele achava que assim seria possível fabricar uma máquina
menor e mais barata – e que fosse boa o suficiente para as tarefas diárias.
Mas eu queria mais slots; 8 deles. Porque tinha na cabeça a ideia de que
as pessoas iriam querer muitas coisas no futuro, e que de forma alguma
deveríamos limitá-las.
Normalmente, sou uma pessoa fácil de se relacionar, mas daquela vez
disse para Steve: “Se é o que quer, vá conseguir outro computador para
você”. Eu não conseguiria economizar um único chip reduzindo o número
de slots de 8 para 2, e eu sabia que pessoas iguais a mim poderiam
eventualmente descobrir coisas para adicionar a qualquer computador.
Na época, eu estava em posição de agir assim. O que não aconteceria
sempre. Alguns anos mais tarde, a Apple prosseguiu com o projeto do
Apple III, que foi simplesmente um desastre – e a máquina tinha menos
slots.
Mas em 1976, ganhei a discussão, e o Apple II foi fabricado e no final
saiu da maneira que eu queria.

Lembro-me de um dia chegar à HP – onde ainda estava trabalhando – e


mostrar o Apple II para os outros engenheiros. Demonstrei-o fazendo um
redemoinho de cores. E os outros engenheiros se aproximavam para dizer
que aquele era o melhor produto que já tinham visto. E a HP ainda não
havia encontrado uma maneira de executar corretamente aquele tipo de
projeto.
Um dia, meu chefe, Pete Dickinson, disse que algumas pessoas em
minha divisão de calculadoras haviam criado um novo projeto, que seguiu
para a aprovação da diretoria, um projeto para desenvolver uma pequena
máquina de mesa com um microprocessador, memória DRAM, uma
pequena tela de vídeo e um teclado. E até já tinham designado cinco
pessoas para desenvolver o BASIC para ela.
O horrível de tudo aquilo é que eles sabiam o que eu havia feito com o
Apple I – e mesmo com o Apple II. Mas mesmo assim começaram o tal
projeto sem mim! Por quê? Não sei. Acho que perceberam que o projeto
deles era igual ao que eu já havia feito.
Mas mesmo assim fui falar com o gerente do projeto, Kent Stockwell.
Embora tivesse criado computadores como o Apple I e o Apple II, eu queria
tanto trabalhar em um computador na HP que faria qualquer coisa para
isso. Eu poderia ser um mero engenheiro da interface da impressora. Algo
pequeno.
Então disse a Kent: “Todo meu interesse na vida tem sido os
computadores. Não as calculadoras”.
Após alguns dias, fui recusado novamente.
Ainda acho que a HP cometeu um enorme erro em não me deixar
participar do projeto de computadores. Eu era muito leal à empresa. Queria
trabalhar lá para sempre. Quando se tem um funcionário que diz que está
cansado de calculadoras e que é realmente produtivo em computadores,
deve-se colocá-lo onde ele é produtivo. Onde ele trabalha feliz. A única
explicação que posso imaginar é que havia gerentes e subgerentes naquele
projeto de computador que se sentiram ameaçados. Eu já havia feito um
computador inteiro sozinho. Talvez por isso eles tenham me ignorado. Não
sei dizer o que estavam pensando.
Mas deveriam ter dito para si mesmos: “Como fazer para trazer Steve
Wozniak a bordo? Vamos colocá-lo como engenheiro da pequena interface
com a impressora”. Eu teria ficado muito feliz se isso tivesse acontecido,
mas ninguém se preocupou em me colocar onde eu mais gostava.

Como disse antes, precisávamos de dinheiro.


Assim, no verão de 1976, começamos a falar sobre a Apple com pessoas
potencialmente endinheiradas, mostrando-lhes o Apple II funcionando com
cores na garagem de Steve.
Uma das primeiras pessoas para quem mostramos o novo computador
foi Chuck Peddle. Lembra-se dele? O sujeito da MOS Technologies que me
vendeu na mostra da WESCON o processador 6502, em torno do qual
projetei o Apple I no ano anterior.
Naquele momento, Chuck estava trabalhando na Commodore, empresa
de eletroeletrônicos que dizia estar em busca de um computador pessoal
para vender em suas lojas. Lembro-me de que estava muito emocionado
em encontrá-lo depois do papel que seu chip (MOS 6502) desempenhara
no Apple I. Então abrimos a garagem de Steve naquele dia e, contra a luz do
sol, Chuck veio caminhando até nós vestindo um terno e um chapéu de
caubói. Eu estava muito feliz em vê-lo e não podia esperar para mostrar o
Apple II para ele. Em minha cabeça, Chuck era uma pessoa muito
importante.
Digitei alguns programas em BASIC, mostrei-lhe algumas espirais
coloridas na tela, o total de chips que o computador possuía e como
funcionavam, e todos os outros detalhes técnicos. Apenas para mostrar a
ele o que estávamos fazendo. Durante toda a reunião Chuck ria e sorria,
demonstrando estar de bom humor. Então nos disse para elaborarmos uma
apresentação para os figurões da empresa, o que fizemos algumas semanas
mais tarde.
Nunca esquecerei como naquela sala de reuniões Steve Jobs fez o que
eu achava ser uma afirmação das mais ridículas. Ele disse: “Vocês poderão
comprar este produto por apenas algumas centenas de milhares de
dólares”.
Eu estava quase envergonhado. Quer dizer: lá estávamos nós, sem
dinheiro, tendo ainda de provar para alguém que era possível faturar com
aquele produto. Então Steve acrescentou: “Algumas centenas de milhares
de dólares mais os empregos para trabalhar neste projeto”.
Fomos embora e recebemos a resposta da Commodore algumas
semanas depois: eles haviam decidido montar a própria máquina, pois
seria mais barato. E não precisavam de coisas extravagantes como cor, som
e gráficos (todos os recursos legais que possuíamos). Na garagem, Chuck
Peddle nos disse que pensava ser possível que eles tivessem o próprio
computador em quatro meses. Eu não via como alguém conseguiria aquilo,
mas acho que após ver o Apple II, seria muito mais fácil projetar algo como
o que eles queriam.
A propósito, vi o PET da Commodore (o computador que eles lançaram
tão rapidamente) alguns meses depois na West Coast Computer, uma feira
de informática e tecnologia. Ele me deixou um pouco doente, pois estavam
tentando fazer algo parecido com o que havíamos mostrado para Chuck na
garagem de Steve, com um monitor, programação e teclado, mas
terminaram com um produto muito ruim ao projetá-lo tão rápido. Eles
poderiam ter tido o Apple, sabe? Poderiam ter tido ele todo, se tivessem
tido a visão correta. Péssima decisão.
É engraçado. Pensando novamente sobre tudo isso agora, o Apple II
acabou sendo um dos produtos de maior sucesso de todos os tempos. Mas
não tínhamos direitos de propriedade ou patentes naquela época. Sem
segredos. Estávamos simplesmente mostrando-o para todo mundo.

Após a recusa da Commodore, fomos à casa de Al Alcorn, um dos


fundadores da Atari com Nolan Bushnell, e quem contratou Steve Jobs para
fazer videogames lá dois anos antes.
Eu sabia que Al me conhecia. E ele sabia que eu havia projetado o
Breakout, a versão do Pong para um único jogador. Lembro-me de que
quando fomos à casa dele fiquei impressionado porque ele tinha um
projetor de TV colorido. Em 1976, ele deve ter sido uma das primeiras
pessoas a possuir um projetor daqueles. Muito legal.
Mas Al nos disse depois que a Atari estava muito ocupada com o
mercado de videogames para embarcar em um projeto de computador.
Alguns dias depois, começaram a aparecer alguns investidores que
Steve havia contatado. Um deles foi Don Valentine, da Sequoia, que
ridicularizou a maneira como conversamos sobre a fabricação do Apple II.
– Qual é o mercado? – ele perguntou.
– Cerca de um milhão – eu respondi.
– Como você sabe?
Então disse a ele que o mercado de radioamador tinha um milhão de
usuários e que o nosso poderia ser pelo menos desse tamanho.
Bem, ele também recusou, mas nos colocou em contato com um sujeito
chamado Mike Markulla. Don nos disse que Mike tinha apenas 30 anos de
idade, mas que já havia se aposentado pela Intel. Ele nos contou também
que Mike se interessava por equipamentos eletrônicos. E que por isso
talvez soubesse o que fazer conosco.

A primeira vez que encontrei Mike, achei-o a pessoa mais legal que já
tinha conhecido. Era um rapaz jovem com uma bela casa nas colinas com
vista para as luzes de Cupertino. Ele tinha uma vista deslumbrante, uma
esposa maravilhosa, todo o pacote.
E ainda melhor: ele realmente adorou nosso computador! E não
conversou conosco como se estivesse escondendo coisas e pensando em
como nos enganar. Ele foi verdadeiro, o que ficou óbvio desde o início. E
que, de fato, fazíamos algo muito importante.
Mike estava verdadeiramente interessado no Apple II. Ele nos
perguntou quem éramos, qual era nossa formação, quais eram nossos
objetivos com a Apple, e até onde achávamos que ela poderia chegar. Ele
deu indicações de que teria algum interesse em nos financiar: falava em
cerca de 250 mil dólares ou algo assim para fabricar mil unidades.
Mike demonstrava bom senso, falando normalmente em termos de
qual poderia ser o futuro de uma nova indústria de computadores de uso
doméstico. Porém, eu sempre pensara que o Apple II seria algo como o
hobby de pessoas que quisessem simular uma situação do trabalho ou jogar
videogame.
Mas Mike falava de algo diferente. Ele falava em introduzir o
computador na vida de pessoas normais, em casas normais, fazendo em
casa atividades como procurar a receita favorita ou conferir o saldo
bancário. “Isso é o que vem vindo”, ele disse. Ele tinha a visão do Apple II
como um verdadeiro computador residencial.
Claro que Steve e eu já vínhamos atuando um pouco em torno de tal
ideia. Isto é, Paul Terrell da Byte Shop já tinha nos pedido algo inovador e
pronto para usar. E nós planejávamos seguir naquela direção, além de
utilizar gabinetes de plástico. Tínhamos até planejado contratar um amigo
de Steve, Rod Holt, para criar uma fonte de alimentação com comutação
muito mais eficiente que a fonte anteriormente disponível – e sabíamos que
isso geraria menos calor, fator necessário para colocarmos a placa e nossa
fonte de alimentação em um gabinete de plástico.
Mas quando Mike concordou em assinar ele nos disse: “Seremos uma
empresa da Fortune 500* em dois anos. Este é o início de uma indústria. E
acontece uma vez em cada década”.
Quer saber? Acreditei nele somente por causa de sua reputação e
posição na vida. Ele era o tipo de pessoa que, se fazia tal afirmação – e era
possível ver sinceridade nele –, era porque realmente acreditava no que
estava dizendo. Porém, achei que a Fortune 500 estaria fora de nosso
alcance. Quer dizer: uma empresa de 5 milhões de dólares seria imensa e
inacreditável.
Se alguém sabe fazer certos julgamentos melhor que eu, não tento usar
minha lógica e meu raciocínio para desafiá-lo. Posso ser cético, mas se
alguém realmente sabe sobre o que está falando, então deve receber um
voto de confiança.
Acontece que mesmo Mike estava subestimando nosso sucesso. Mas
estou me adiantando nos acontecimentos.

Depois que Mike concordou em fazer nosso plano de negócios – depois


de começar a trabalhar nele –, ele pediu para conversar comigo. Ele disse:
“OK, Steve. Você sabe que precisa sair da Hewlett-Packard”.
Então perguntei: “Por quê?”. Afinal, o tempo inteiro em que projetei o
Apple I e o Apple II trabalhei na HP. E durante todo o tempo que trabalhei
nas duas coisas montei as interfaces, criei as cores e os gráficos, desenvolvi
o BASIC, simplesmente fiz tudo. Perguntei novamente: “Por que não posso
continuar fazendo isso em paralelo e ter a HP como meu emprego seguro
para a vida toda?”.
E Mike respondeu: “Não, você precisa deixar a HP”. Não me deu
nenhum motivo. Disse-me apenas que eu precisava decidir até terça-feira.
Então pensei, pensei e pensei. Percebi que me divertia muito
projetando computadores e mostrando-os nas reuniões do Homebrew.
Divertia-me desenvolvendo os softwares e jogando com o computador.
Percebi que poderia fazer tudo aquilo pelo resto da vida. Não precisava ter
minha própria empresa.
Além disso, sentia-me muito inseguro em começar uma empresa onde
haveria a expectativa de que eu ficasse forçando as pessoas, dirigisse suas
tarefas e controlasse o que faziam. Não tenho um perfil administrativo. Já
disse isso antes: decidi há muito tempo que nunca me tornaria um chefe
autoritário.
Então decidi que, afinal, não ficaria somente na Apple. Ficaria na HP,
em meu emprego de tempo integral, e projetaria computadores por
diversão.
Fui até a cabana – Mike tinha uma cabana em sua propriedade – e disse
para Mike e Steve o que havia decidido. Disse-lhes que minha resposta era
não. Pensei a respeito e cheguei à conclusão de que não sairia da HP.
Lembro-me de que Mike reagiu friamente ao meu comunicado. Ele
apenas deu de ombros e disse: “OK. Tudo bem”. Ele realmente foi muito
conciso. Como se estivesse pensando: “OK, tudo bem, vou procurar alguma
outra pessoa para dar à Apple o que ela precisa”.
Mas Steve ficou chateado. Ele estava convencido de que o Apple II era o
computador com o qual deveriam seguir adiante.

Em poucos dias, meu telefone começou a tocar. Passei a receber


telefonemas no trabalho e em casa de meu pai, minha mãe, meu irmão e de
vários amigos. Um telefonema após outro. Todos dizendo que eu estava
tomando a decisão errada. Que eu deveria seguir com a Apple porque,
afinal, 250 mil dólares era muito dinheiro.
Foi Steve quem pediu a todos eles que me telefonassem.
Aparentemente, ele achou que alguém precisava intervir.
Mas não adiantou nada; eu ainda continuaria na HP.
Então Allen Baum ligou e disse: “Sabe, Steve, você realmente precisa
seguir adiante e fazer isso. Pense a respeito. Você pode ser um engenheiro,
se tornar um administrador e ficar rico, ou você pode ser um engenheiro,
permanecer um engenheiro e ficar rico”. Ele me disse que achava ser
perfeitamente possível começar uma empresa e permanecer um
engenheiro. Também mencionou que eu poderia fazê-lo sem nunca
precisar lidar com aspectos da administração da empresa.
Aquilo era exatamente o que eu precisava ouvir: alguém me dizendo
que eu poderia permanecer na parte inferior do organograma da empresa,
como engenheiro, e não virar um administrador. Telefonei imediatamente
para Steve Jobs para contar-lhe as novidades. Ele ficou emocionado.
No dia seguinte, cheguei cedo à HP, caminhei em direção a alguns
amigos e lhes disse: “É isso aí. Vou sair da HP e começar a trabalhar na
Apple”.
Depois me dei conta: Ih, é sempre melhor falar com o chefe primeiro.
Então fui rapidamente falar com ele, mas ele não estava em sua mesa.
Esperei, esperei, e às 4 horas da tarde ele ainda não havia aparecido.
Enquanto eu esperava, todos chegavam perto de mim e diziam: “Ei, ouvi
falar que você está saindo”, e eu não queria que meu chefe ouvisse aquilo
de outra pessoa.
Por fim, meu chefe apareceu quase no fim do dia. Então disse a ele que
estava saindo para começar meu próprio negócio. Ele me perguntou
quando eu gostaria de ir. Respondi: “Imediatamente”. Então ele me levou
até o departamento de recursos humanos, eles me entrevistaram e, de
repente, eu estava fora. Foi tudo muito rápido.
Nunca duvidei de minha decisão. Isto é, eu havia tomado minha
decisão. A Apple seria a principal coisa para mim dali em diante.

Um pouco antes de conhecer Mike, Steve e eu havíamos planejado


mudar a Apple da casa dele e de meu apartamento para um escritório de
verdade. Possuíamos algo como 10 mil dólares no banco pelas vendas do
Apple I, portanto, poderíamos fazer tal mudança. O escritório ficava na
Stevens Creek Boulevard, em Cupertino, poucas quadras distante de onde,
no final, acabaria se localizando o enorme campus da Apple em Bandley
Drive.
Mais tarde, quando Mike se incorporou ao projeto, passamos a ter
ainda mais dinheiro em conta. Então mudamos para nosso pequeno
escritório, com cinco ou seis mesas ao redor e uma pequena sala para
instalar uma bancada de laboratório para testes e consertos de bugs. Na
verdade, era uma grande bancada de laboratório. Toda nossa equipe
principal estava a postos. Steve, eu, Mike Markulla, Rod Holt e, agora, um
sujeito chamado Mike Scott.
Contratamos Mike Scott para ser presidente um pouco antes de Mike
Markulla chegar (portanto, agora tínhamos dois Steves e dois Mikes). Mike,
ou “Scotty”, como o chamávamos, era um sujeito com experiência em
administração. Ele veio da National Semiconductor, onde havia sido
diretor.
Acho que muitas pessoas se esqueceram dele, mas Mike foi presidente
e líder da Apple por quatro anos – ele abriu nosso capital para o mercado
quatro anos mais tarde.
Àquela altura, tínhamos a ideia de anunciar e mostrar o Apple II na
West Coast Computer, feira de informática que ocorreria dali a quatro
meses. Essa feira, criada por Jim Warren (outro membro do Homebrew),
aconteceria em São Francisco, em janeiro de 1977.
Portanto, eu teria quatro meses para finalizar o projeto do Apple II.
Naquele momento, eu estava completando a codificação de 8 Kbytes que
precisávamos liberar para a Synertek, empresa que faria os chips de
memória ROM para nós. Tais chips seriam os responsáveis por fazer o
Apple II rodar o BASIC.
Depois havia o projeto em torno do gabinete de plástico. Seríamos o
primeiro computador da época a ter um gabinete assim. Graças a Deus, eu
não tinha nada a ver com aquilo. Foi um projeto difícil. Steve Jobs, Rod Holt
e Mike Scott cuidaram de tudo. Eles contrataram um sujeito em Palo Alto
para fazer os tais gabinetes. O processo todo foi laborioso e consumiu
muito tempo – além do quê, havia um limite para o que o sujeito em Palo
Alto conseguiria fazer. Ele estava usando um determinado processo para
fabricar os gabinetes, mas só conseguia fazer um número realmente
pequeno por dia.
Estávamos a apenas três dias do início da West Coast Computer
quando recebemos nossos três primeiros gabinetes de plástico como
amostra. Então montamos o computador completo com a placa dentro. Ele
ficou com a cara do que viria a ser o Apple II e agora poderíamos mostrá-lo
na feira.
Finalmente, no dias anteriores à feira, Mike Markulla explicou como
deveríamos nos vestir, como deveria ser nossa aparência e como
deveríamos agir. Ele coordenou até mesmo a maneira como deveríamos
falar com as pessoas e mostrar-lhes o equipamento.
Claro que, paralelamente, comecei a pensar em como poderia aprontar
uma brincadeira na exposição. Primeiro escrevi um pequeno programa de
piadas no qual contaria piadas sobre a etnia das pessoas. Depois pensei em
uma enorme brincadeira que exigiria um pouco mais de esforço que apenas
uma piada normal. Pensei em brincar com a grande empresa que começou
tudo para mim. A companhia que criou o Altair: a MITS Corporation.

Tínhamos uma lista de todos os expositores de computadores e


equipamentos na West Coast Computer e achei muito estranho o fato de a
MITS não participar.
Pensei: Que grande oportunidade para aprontar uma brincadeira com
eles!
Minha ideia tinha a ver com algo que li nos Papéis do Pentágono sobre
fraudes políticas e um sujeito chamado Dick Tuck, que executou truques
sujos (pequenos truques psicológicos), como divulgar falsos memorandos e
notícias falsas para alarmar as pessoas, escritos de tal maneira que não
poderiam ser vistos como mentirosos. Então decidi divulgar um falso
memorando preparado por mim – um anúncio falso, como um folheto, para
um produto falso da MITS. Depois de ouvir Mike Markulla dizer que
distribuiríamos 20 mil brochuras sobre o Apple II, percebi que seria
possível conseguir milhares e milhares de anúncios falsos por fora.
A primeira coisa que fiz foi chamar Adam Schoolski, um hacker de
telefone que conheci alguns anos antes, quando ele tinha 13 anos de idade.
Ele agia sob o nome Johnny Bagel. Contei-lhe que queria pregar uma peça,
mas que não poderia ser perto da região da Baía de São Francisco. Na
época, eu já tinha uma boa experiência em aprontar brincadeiras como
aquela, e sabia que não seria pego se tomasse algumas precauções, como
não fazer as coisas perto de minha casa ou trabalho, e manter um certo
nível de sigilo. Eu disse para Adam que a tal brincadeira seria enorme,
porque queria imprimir 8 mil folhetos para distribuição. Consegui juntar os
400 dólares de que precisava para imprimir as tais 8 mil cópias em
diferentes cores de papel.
Adam e eu fizemos tudo juntos. Batizamos o produto que inventamos
de Zaltair. Havia uma nova empresa na época, chamada Zilog, que estava
fabricando um chip compatível com o Intel 8080. Era o Z-80, e na época
havia muitos computadores de uso exclusivamente recreativo sendo
lançados com aquele chip. Eram os chamados Z-isso ou Z-aquilo. Todas
aquelas empresas estavam sempre utilizando palavras com Z. Então criei o
Zaltair, um computador que também usaria o Z-80.
Inventei também todo tipo de palavras tolas de computação com Z.
Como Bazic. E Perzonalidade. Em seguida, eu precisava de um modelo para
o folheto. Procurei em uma revista de informática, chamada Byte, um
anúncio que fosse o pior possível. E encontrei. Era de uma empresa
chamada Sphere. Dizia coisas idiotas como: “Imagine isso. Imagine aquilo.
Imagine alguma outra coisa”. Então copiei a estrutura do anúncio com estes
dizeres: “Imagine um carro de corrida com cinco rodas”. Inventei as coisas
mais estúpidas das quais qualquer imbecil riria, mas se fossem vistas em
um folheto benfeito, com letras bonitas, todos iriam pensar se tratar de
algo real. Imagine algo mais rápido que a velocidade da luz. Imagine um
banjo com seis cordas. Pensei nas coisas mais estúpidas para colocar no
anúncio.
Também brinquei com o que era chamado de barramento S-100,
conexão que o Altair utilizava para conectar placas de expansão. Dei o
nome Z-150 para o equivalente de barramento no Zaltair. Escrevi: “Nós
temos 150 slots. Nós o chamamos de barramento Z-150”. Disse ainda que
ele era compatível com o barramento S-100, mas com 50 pinos a mais. Se
pensar a respeito, verá que são afirmações idiotas, mas eu sabia que as
pessoas leriam aquelas coisas como se fossem avanços fantásticos, apenas
porque nosso folheto pareceria ter sido criado de forma bastante
profissional.
Então decidi fazer que a brincadeira com a MITS Corporation parecesse
ter sido preparada pela Processor Technology. Afinal, eles desenvolveram
um computador concorrente do Altair, o SOL. Tive essa ideia ao me lembrar
do que fizera na Universidade do Colorado, quando consegui fazer parecer
que outro sujeito havia causado interferência nas TVs da classe. Duas
brincadeiras pelo preço de uma! E a maneira que encontrei para fazê-lo foi
criar uma citação totalmente falsa, que faria todos se espantar. As pessoas
diriam: “Nossa! Que diabos ele está dizendo?”. E eu a atribuí ao presidente
da MITS, Ed Roberts, e coloquei-a no alto do folheto, em itálico.
A citação não tinha sentido algum: “Previsível refinamento ou
computador estável sempre sugere outros recursos. Toda elite
computacional hoje necessita ostentar lógica opção garantidora. Yes!”.*
Percebeu? A primeira letra de cada palavra nas duas frases forma
Processor Technology!
Em seguida, na parte de trás do papel, coloquei um quadro
comparativo, igual aos quadros que revistas como a Byte usavam para
comparar computadores. Qual é sua rapidez? Qual é o seu tamanho?
Quanto eles possuem de memória RAM? Que processador utilizam? Em
meu quadro, inventei as categorias mais estúpidas. Por exemplo: eu tinha
uma categoria simplesmente chamada genericamente “hardware”. Um
computador poderia ter pontuação de 1 a 10. Depois, “software”. Avaliei os
computadores em termos de exclusividade, personalidade, e em outros
termos genéricos e estúpidos nos quais ninguém jamais viu um
computador sendo avaliado. Para o Zaltair, coloquei 1 em todas as
categorias, claro, e sempre fiz o Altair vir em segundo lugar. Depois, todos
os computadores que na verdade eram melhores que o Altair vinham
avaliados abaixo dele. Dessa forma, parecia que eles não valiam nada em
comparação, embora todos naquela feira provavelmente soubessem que os
concorrentes eram muito melhores. É óbvio que incluí o Apple II.
Seja como for, eu esperava que parecesse que a MITS estava mentindo
em seu quadro comparativo.
Então percebi que tudo aquilo era muito grande e que não havia jeito
de eu ser pego. Não deixaria isso acontecer. Eu tinha dois jovens amigos,
Chris Espinoza e Randy Wiggington, que sabiam sobre o que eu estava
fazendo – eles eram adolescentes na época. Disse a cada um deles que não
importava o que acontecesse: eles não poderiam contar nada daquilo para
ninguém. Mesmo se fossem chamados pela polícia e esta lhes dissesse que
o parceiro deles contou tudo, ainda assim deveriam continuar negando.
“Nós vamos esconder isso”, disse a eles, “e nunca admitir para ninguém”.
Adam Schoolski vivia em Los Angeles, mas veio para a feira. Quando
nós quatro chegamos com os 8 mil folhetos, vimos aquelas mesas enormes
onde todas as empresas estavam colocando suas brochuras e propagandas.
Trouxemos 2 mil de início e simplesmente colocamos em uma das mesas
como se estivéssemos fazendo algo normal. Depois fomos dar uma volta
pela feira e gargalhar um pouco.
Mas Adam me procurou uma hora depois dizendo que todos os folhetos
haviam sumido. Com a caixa de papelão e tudo.
Fomos então para nosso hotel e pegamos outra caixa com 2 mil
folhetos e os deixamos na mesa. Ficamos por ali em volta observando, até
que no final um sujeito se aproximou, olhou um dos folhetos, pegou toda a
caixa e levou embora. Um representante da MITS estava interceptando os
folhetos!
Voltamos novamente para o hotel e pegamos mais folhetos, mas não os
colocamos apenas sobre a mesa. Em vez disso, os escondemos sob os
casacos e nas mochilas e distribuímos pacotes pelos cantos, nos telefones
públicos, nas mesas, em todo lugar. Em toda a feira. Encontrávamos pilhas
de folhetos – outros folhetos reais de empresas – e colocávamos alguns dos
nossos por baixo. Assim, se alguém desse uma olhada rapidamente, não
perceberia que nossos folhetos estavam lá no meio. Uma vez, duas vezes, e
não fomos pegos.
Graças a Deus Steve e Mike não descobriram nada. Mike, pelo menos,
teria dito: “Não, Steve, não faça brincadeiras. Não faça piadas. Elas geram
uma imagem errada da empresa”. Isso é o que qualquer tipo mais
profissional teria dito. Mas espera aí! Eles estão lidando com Steve
Wozniak. Eu levo o trabalho a sério – projetei um produto fantástico e
todos sabiam disso – e fui sério ao fundar uma empresa e ao introduzir um
produto novo no mercado. Mas para mim, tudo isso caminha junto com me
divertir e fazer piadas. Passei toda a vida agindo assim. E se pensar a
respeito, boa parte da personalidade do computador Apple reside na
diversão. E tudo o que aconteceu só aconteceu de fato porque meu estilo
era esse: diversão. As piadas fazem as coisas valer a pena.
Não consegui parar de rir no dia seguinte na Apple, quando Steve viu o
quadro comparativo e começou a falar positivamente sobre o fato de nosso
desempenho não estar tão ruim em comparação. Claro que estávamos
muito ruins, como todos os demais, exceto meu Zaltair inventado, mas ele
disse: “Ei, não fizemos muito feio, afinal; tivemos melhor classificação do
que alguns outros”. Ai, meu Deus! Randy Wiggington precisou sair da sala
porque chorava de tanto rir!
Na noite seguinte, noite do encontro regular do Homebrew às quartas-
feiras, eu não podia esperar para ver se o pessoal do clube havia pegado o
folheto. Com certeza: Uma pessoa levantou a propaganda no ar e começou a
falar sobre o Zaltair, dizendo que ligou para a empresa para perguntar a
respeito do computador e descobriu que era falso. Tudo não passara de um
trote.
Acontece que cerca de um terço das pessoas, umas duas centenas,
haviam pegado o folheto. Portanto, ele circulou.
Uma semana depois, Gordon French, que começou a Homebrew e que
naquela época havia deixado seu emprego na Processor Technology, deu
uma passada na Apple para ver se haveria algum trabalho de consultoria
que ele poderia realizar para nós. Lembro-me de ter pensado que ele era
um sujeito legal, agradável, tranquilo.
Aproveitei a oportunidade e perguntei para ele, mal segurando o riso:
“Você já ouviu falar desse Zaltair que foi lançado?”.
“É verdade”, ele disse. “Aquele trote. Eu sei quem fez.”
Imediatamente, Randy e eu ficamos mais interessados. Então
perguntei: “Quem?”.
Gordon respondeu: “Foi Gary Ingram, da Processor Technology. Ele
tem um estranho senso de humor”.
Aquilo era exatamente o que eu esperava! Outra pessoa levando a
culpa – e o outro alguém era nosso rival, a Processor Technology. Portanto,
foi um sucesso.
Eu disse a Gordon: “Você sabe, ouvi falar que existe um tipo de código
no folheto”. Então peguei a brochura e olhei para as letras como se
estivesse descobrindo aquilo pela primeira vez. “P... R... O... C...”.
Tenho certeza de que por anos a fio todos pensaram que a Processor
Technology é que havia feito o folheto. Eu não havia admitido nada para
ninguém até muitos anos mais tarde, quando estava em uma festa de
aniversário de Steve Jobs.
Foi lá que apresentei para ele uma cópia emoldurada do folheto. Assim
que a viu, ele começou a gargalhar. Steve jamais suspeitara que eu estivesse
por trás de tudo!
* Edição anual da revista Fortune, publicada pela primeira vez em 1955, que lista as 500 maiores
empresas dos Estados Unidos. (N. T.)
* No original: “Predictable refinement of computer equipment should suggest online reliability. The
elite computer hobbyist needs one logical optionless guarantee, yet”. (N. T.)
14 A maior IPO* desde Ford

Logo depois de constituirmos oficialmente a empresa como Apple


Computers Corporation no início de 1977, Mike nos levou para Beverly
Hills, a fim de conversarmos com advogados da área de patentes. E eles nos
disseram que quaisquer chips de memória ROM que tivéssemos dentro de
nosso equipamento, com qualquer que fosse a codificação inscrita neles –
quaisquer PROMs (programmable read-only memory [memória
programável apenas para leitura]) ou EPROMs (erasable read-only memory
[memória descartável apenas para leitura]) –, precisariam trazer também
um aviso de copirraite.** Assim, tive de colocar “Copirraite 1977” em todos
eles.
Naquela reunião, precisei me sentar com um dos advogados de
patentes, Ed Taylor, e contar-lhe todos os aspectos interessantes de meu
projeto que outras pessoas definitivamente não teriam feito antes de mim.
Contei-lhe como havia desenvolvido o uso da cor, por exemplo, e como
tinha sincronizado a memória DRAM.
No fim, acabamos com cinco partes em separado dentro de uma mesma
patente. Uma patente boa e segura que acabou vindo a ser um daqueles
casos que, com o passar do tempo, tornou-se uma patente muito valiosa – e
que se tornaria o âmago de processos jurídicos que, mais tarde, surgiram
em nosso caminho. Por exemplo, ela foi muito útil quando tentaram copiar
ou clonar o Apple II e outros produtos depois dele.
Naquela época, porém, eu não tinha ideia de como um software poderia
ser patenteado. Era algo muito novo. Descobrimos que o copirraite era a
melhor forma de lidar com quem tentasse copiar nossa tecnologia.
Comparado às patentes, o copirraite era uma maneira muito mais fácil,
rápida e barata de bloquear os que tentavam copiar todo o nosso
computador.

Logo após a West Coast Computer, feira onde lançamos o Apple II,
surgiram outros computadores pessoais prontos para uso, como o TRS-80 e
o PET, que viriam a ser nossos concorrentes diretos.
Mas foi o Apple II que acabou dando o pontapé inicial em toda a
revolução dos computadores pessoais, afinal, ele possuía várias
características inovadoras. E o uso da cor era a maior delas.
Projetei o Apple II para que funcionasse com a TV colorida que as
pessoas já tinham em casa. Além disso, ele possuía controles de jogos e som
embutido, o que o tornou o primeiro computador para o qual as pessoas
queriam projetar jogos parecidos com os de fliperama. O Apple II tinha até
um modo de alta resolução, no qual um programador de jogos poderia
desenhar muito rapidamente pequenas formas especiais. Era possível
programar cada pixel na tela – em qualquer cor, estando ele ligado ou
desligado –, e tal recurso nunca havia sido utilizado antes com um
computador de baixo custo.
No começo, esse recurso não significou muito, mas no final, foi um
passo enorme em direção aos vários tipos de jogos de computador que se
vê hoje, nos quais tudo é feito com alta resolução e os gráficos são, de fato,
muito reais.
E por funcionar com a TV que o usuário já tinha em casa, o custo total
do Apple II acabou sendo muito menor que o de qualquer computador
concorrente. Ele vinha com um teclado real para digitar – um teclado
normal –, o que já era, em si, um grande negócio. E assim que era ligado, já
rodava o BASIC com a memória ROM.
Como eu disse, poucos meses depois, a Commodore e a Radio Shack
lançaram computadores que também rodavam o BASIC assim que eram
ligados. Mas o Apple II era bem superior aos dois. O TRS-80, da Radio
Shack, e o PET, da Commodore, tinham memória DRAM como o Apple II,
mas estavam limitados a somente 4 Kbytes. O Apple II poderia expandir
para até 48 Kbytes na placa-mãe, e ainda mais nos slots. O TRS-80 e o PET
vinham somente nos modelos 4K e 8K, e não podiam ser expandidos. O
Apple II tinha 8 slots para expansão; os outros computadores não tinham
nenhum. Por fim, o PET e o TRS-80 possuíam teclados frágeis, com teclas
pequenas, e suas telas eram em preto e branco. A nossa era em cores.
O Apple II tinha espaço para crescer no futuro e era uma máquina
muito versátil, por isso tornou-se líder de mercado.

O Apple II também se tornou o equipamento ideal para quem quisesse


projetar jogos de computador.
Nós fornecíamos informação e ferramentas, o que facilitava bastante
para os programadores criar jogos em BASIC (a 100 comandos por
segundo) ou em linguagem de máquina (a 1 milhão de comandos por
segundo), ou em ambos. A única maneira de desenvolver um jogo para
computadores como o PET e o TRS-80 era em BASIC, e somente com
caracteres de texto na tela. Ao contrário do Apple II, as máquinas
concorrentes não possuíam gráficos. Portanto, era inconcebível que alguém
conseguisse desenvolver um jogo de fliperama atraente em qualquer um
daqueles computadores.
Em poucos meses surgiram dezenas de empresas que gravavam jogos
em fitas cassete compatíveis com o Apple II. E todas eram iniciantes no
mercado. Mas graças ao nosso tipo de projeto e aos dados que
disponibilizávamos, tornamos fácil a tarefa de desenvolver material que
funcionasse em nossa plataforma. Em geral, essas empresas eram pequenas
e constituídas de um único sujeito – ou dois, no máximo – que trabalhava
em casa criando jogos. E quando tinha um bom jogo em mãos, ele
desenvolvia o programa e copiava o jogo em fitas cassete que depois vendia
em lojas especializadas de informática.
Naquela época, não havia pirataria de software como a que vemos
atualmente. As lojas não pegavam uma fita cassete e faziam várias cópias
sem pagar direitos autorais ao sujeito que havia desenvolvido o jogo. Nada
disso acontecia porque não havia ainda muito dinheiro envolvido no
negócio. A ética ainda podia ser elevada, afinal, o retorno financeiro
proveniente desse tipo de roubo ainda era baixo.
Assim, todas as fitas vendidas nas lojas eram legítimas e as lojas
recebiam uma porcentagem sobre os jogos vendidos. Em um ano, surgiu
toda uma indústria em torno do Apple II, com dezenas e dezenas de
pequenas empresas caseiras, que desenvolviam softwares para o Apple II.
Pouco tempo depois, outras pequenas empresas começaram a
desenvolver placas de circuito que se encaixavam nos slots do Apple II.
Essas placas eram fáceis de projetar para o computador da Apple porque
fornecíamos todos as informações sobre como nossas placas, originais de
fábrica, funcionavam. Além disso, eu também havia incluído ferramentas
geniais: o Apple II tinha um pequeno sistema operacional que os
programadores poderiam acessar, assim como um conjunto de ferramentas
fáceis de usar, que eu mesmo havia desenvolvido, para eliminar bugs de
softwares.
Como projetar uma placa de impressora para ligar uma impressora no
Apple II? Como projetar uma placa de escâner ou de plotter? Tudo estava
tão bem documentado que cerca de um ano depois do lançamento do Apple
II, vários periféricos começaram a surgir e a ser vendidos para ser usados
com ele.
As pessoas que queriam acrescentar placas ao Apple II precisavam
projetá-las e criar um pequeno programa para elas – um driver de
dispositivo que fizesse a interação entre os programas do computador e o
equipamento real. Os endereços pré-codificados que eu tinha para todos os
8 slots seriam conectados ao chip ROM ou PROM da placa que continha tal
programa. E este, por sua vez, poderia ter 256 bytes com apenas um único
chip PROM, mas cada slot possuía outros 2 Kbytes de espaço de endereços
pré-codificados para uma maior quantidade de codificação. Como o
segundo espaço de endereço servia para todas as placas, para utilizá-lo,
eram necessários alguns outros circuitos que soubessem qual placa estaria
no controle. Caso contrário, quando os 2 Kbytes de endereços ficassem
disponíveis, várias placas passariam a inserir dados no processador e elas
entrariam em conflito. Cada placa tinha também 16 endereços pré-
codificados para colocar equipamentos em funcionamento – isto é, para
controlar e perceber dispositivos de hardware.
Pelo fato de haver tantas opções disponíveis para um projetista de
placas, vários projetos bastante criativos acabaram sendo criados. E os
melhores fizeram o máximo com o mínimo, exatamente como eu gosto de
fazer.
As revistas de informática da época traziam toneladas de anúncios de
produtos de software e hardware para ser usados com o Apple II. De
repente, o nome Apple estava por toda parte. Não tivemos de comprar
anúncios ou fazer qualquer outro tipo de ação para divulgar nosso nome
porque, subitamente, estávamos em todos os lugares. Estávamos em
evidência graças àquela indústria de programas de software e de
equipamentos de hardware que surgiu em torno do Apple II.
Tornamo-nos a sensação daqueles dias, e todas as revistas (mesmo a
imprensa diária) começaram a escrever coisas ótimas sobre nós. Isto é, não
houve necessidade de comprar esse tipo de publicidade – algo que, na
verdade, jamais poderíamos.

Como eu disse, o Apple II usava uma fita cassete para armazenar dados.
Até então, eu nunca havia utilizado ou mesmo estado perto de um disquete
na vida. Porém, eles existiam. Já tinha ouvido falar de disquetes que
poderiam ser comprados e usados com kits de computador no estilo Altair,
e, claro, os caros minicomputadores da época também os utilizavam.
Porém, todos tinham 20 centímetros, ou seja, giravam em discos
magnéticos de 20 centímetros de diâmetro. E apesar do tamanho, era
possível armazenar somente cerca de 100 Kbytes de dados em cada
disquete: o que corresponde a apenas 100 mil caracteres digitados. O que
não é muito pelos padrões de hoje.
Mas Mike Markulla me disse em uma reunião que deveríamos ter
disquetes no Apple II. Ele ficava irritado com o fato de a fita cassete levar
uma eternidade para carregar seu pequeno programa de controle de saldo
bancário. Por girar com muito mais velocidade e armazenar dados de
maneira mais compacta, o disquete carregaria o programa que ele desejava
de forma muito mais rápida também.
Por exemplo, um computador conseguia ler mil bits por segundo de
uma fita, mas leria 100 mil bits por segundo de um disquete.
Eu sabia que o Consumer Electronics Show (CES) em Las Vegas estava
para começar. Seria o primeiro CES em que as empresas de informática e
tecnologia poderiam demonstrar seus computadores, e apenas o pessoal de
marketing da Apple estava escalado para ir.
Perguntei ao Mike se eu também poderia ir à exposição em Vegas se
terminasse a tempo a leitora de disquete. Ele respondeu que sim.
Tinha, então, somente duas semanas para projetar um drive de
disquete para o Apple II; um dispositivo que nunca vi funcionando antes e
que nunca havia utilizado, mas em relação ao qual eu tinha uma motivação
artificial (artificial, porque, logicamente, eu poderia ter ido ao CES se
quisesse) para novamente tentar impressionar o pessoal da Apple.
Trabalhei dia e noite entre o Natal e o Ano Novo tentando terminá-lo.
Randy Wiggington, que àquela altura estava cursando o ensino médio no
Colégio Homestead (mesma escola em que Steve e eu estudamos), ajudou-
me bastante no projeto.

Para me ajudar a começar, Steve me contou algo que havia ouvido: uma
empresa chamada Shugart, a principal fabricante de unidades de leitura de
disquetes na época, estava para lançar um drive de 12 centímetros –
conhecidos como 3/4 – (Alan Shugart inventara os disquetes anos antes,
quando trabalhava na IBM). Steve estava sempre buscando tecnologias
novas, vantajosas, e que provavelmente seriam uma nova tendência, e a
nova leitora de disquetes da Shugart era, definitivamente, o caso.
Então ele conseguiu para mim o novo drive Shugart de 12 centímetros
para que eu tentasse fazê-lo funcionar com o Apple II. Mas para tanto eu
precisaria projetar uma placa de controle – uma placa que seria conectada
dentro do Apple II – que permitisse tanto ler dados do disquete quanto
gravar dados nele. A primeira coisa que fiz, portanto, foi examinar o drive e
sua placa de controle e verificar como funcionavam. Então copiei o manual.
Por fim, estudei os diagramas esquemáticos de seus circuitos e o circuito de
um disquete da Shugart, que possuía um conector e um protocolo de como
os sinais seriam aplicados para escrever os dados. No final, decidi que dos
22 ou mais chips, cerca de 20 não seriam necessários. Para fazer o disquete
funcionar, seria preciso combinar um circuito que eu teria de projetar com
o circuito existente na leitora Shugart. Eliminei 20 chips dele, a fim de
reduzir 20 chips em meu produto final. Sempre pensara que as coisas
deveriam ser daquela forma. Eu poderia rodar os dados direto do meu
próprio controlador de disquete para a cabeça de leitura/gravação e
implementar quaisquer dos meus próprios protocolos de começar/parar
em codificação no computador. Para dizer a verdade, aquilo tudo era
menos trabalhoso para o computador que gerar os protocolos engraçados
que Shugart queria. Então sentei e concebi um circuito bastante simples,
que gravaria dados na velocidade do disquete e os leria. E isso acabou
sendo um verdadeiro desafio.

No caso da interface da fita cassete que projetei, eu tinha um sinal que


variava constantemente de alto para baixo, de baixo para alto, e assim por
diante. O sinal não podia parar nunca enquanto a fita estivesse rodando. O
circuito de tratamento de sinais para um gravador de fitas cassete não foi
concebido para permitir ao sinal parar de mudar.
E a fita não era capaz de armazenar um sinal que permanecesse igual
por muito tempo. Assim, eu tinha o microprocessador sincronizando as
transições baixo-alto-baixo de acordo com os 1s e os 0s dos dados que
estavam sendo gravados. Escolhi que as velocidades desses dados do
cassete ficassem entre 1.000 hertz e 2.000 hertz, isto é, as frequências de
voz típicas que uma fita cassete havia sido concebida para gravar e tocar –
o que é aproximadamente um milésimo de segundo entre transições de
sinais altos para baixos, e de novo para altos, e assim por diante.
Mas os sinais para um disquete precisavam de tempos de transição
muito mais curtos – somente de 4 a 8 microssegundos (ou milionésimos de
segundos). Assim, não havia uma maneira de fazer meu microprocessador
gerar tais tempos diretamente de 1s e 0s. Era muito rápido. Afinal, o
microprocessador 6502 dentro do Apple II trabalhava a uma velocidade
clock de aproximadamente 1 MHz. A instrução mais rápida levava 2
microssegundos e seriam necessárias muitas instruções para gerar a
sincronização para 1s e 0s. Tudo isso era um problema.
Felizmente, consegui encontrar uma resposta.
O Apple II foi concebido para ler e gravar dados de placas conectadas
aos 8 slots livres, e ele conseguia fazê-lo de forma realmente eficiente.
Então desenvolvi um esquema para a saída de 8 bits (isto é, 1 byte) de
dados para o controlador do disquete, que, por sua vez, daria saída a esses
bits a cada 4 microssegundos, sendo um bit de cada vez.
A codificação digital dos 8 bits vinha de 4 bits dos dados do
computador real. Para tanto, utilizei uma estrutura de pesquisa de dados
para fazer isso com mais eficiência.
Mesmo assim, tal ação só seria possível para um programa perfeito, um
programa que eu precisaria desenvolver sozinho para acompanhar esse
ritmo. Eu precisava contar o número exato de ciclos do clock em
microssegundos para cada passo. Dessa forma, quando dava saída de 8 bits
de codificação digital para o controlador, exatamente a cada 32
microssegundos, ele se equiparava ao ritmo com o qual precisava ser
gravado para a taxa de transferência. Não importa quantos caminhos,
instruções, ramificações ou sequências meu programa seguisse, ele sempre
acontecia exatamente a cada 32 microssegundos, no momento em que o
próximo lote tivesse de ser gravado.
Esse tipo de sincronização de precisão é um trabalho de software que
somente uma pessoa experiente em hardware poderia executar. Os
programadores de software nunca têm de lidar com um timing preciso.

Essa é a codificação mais complicada que existe. Afinal, mesmo uma


pequena mudança no microprocessador poderia destruí-la. Por exemplo, se
fosse lançada uma versão do 6502 que levasse 3 microssegundos para
realizar uma instrução específica em vez de 4, isso teria estragado todo
meu cálculo de timing e o controlador do disquete para o drive não
funcionaria mais.
A placa do controlador de disquete teria de aceitar 8 bits e apenas
transferi--los para o disquete através de uma cabeça de gravação
magnética – de forma semelhante a gravar em uma fita cassete. Essa era a
maneira de salvar dados no disquete – e foi a parte fácil. Um registrador de
deslocamento de 8 bits (registradores armazenam dados) poderia ser
carregado fora do barramento e fazer essa transferência a cada 4
microssegundos.
Vindo de outra direção, a leitura de dados do disquete era um desafio
maior. Então desenvolvi uma ideia em que tive de criar um pequeno
processador – na verdade, um pequeno microprocessador – para
implementar o que é chamado de state machine [máquina de estado finito].
Fiz isso utilizando dois chips, o que era uma realização incrível para a
época. Um chip era um registrador e o outro era um PROM. Acho que
utilizei um registrador de 6 bits. E alguns de seus bits eram como talvez
seis 1s e 0s nesse registrador, correspondentes a um “estado” específico em
que a máquina poderia se encontrar. Eles funcionaram como bits de
endereço para um PROM.
O PROM pegaria como endereços de entrada os bits, indicando o estado
atual – a partir do registrador –, e os bits de dados do disquete. A cada
microssegundo, esse PROM daria saída como dados, o próximo número de
estado (que poderia ser o mesmo), e também alguns bits que controlavam
o registrador de deslocamento de 8 bits. Isso transferiria os 0s e 1s para
dentro dele no tempo apropriado – quando chegasse o momento de tomar
decisões. E o próximo número de estado seria recarregado dentro do
registrador que armazenava o número de estado.
A pequena máquina de estado que eu projetara basicamente analisava
o que saía a cada microssegundo do disquete, e salvava essa informação no
principal chip registrador de 8 bits. Não confunda esse chip com o
registrador, que armazenava o número de estado na máquina de estado.
Eu precisava preencher a máquina de estado PROM com 1s e 0s que
provocassem as ações corretas na máquina. E isso foi muito mais difícil de
fazer que desenvolver um programa no microprocessador, porque cada 1 e
0 tinha um significado específico e importante nesse PROM.
Então concluí a máquina de estado e tinha certeza de que funcionaria.
Ela era elegante – na verdade, todo o projeto era elegante e eu estava
orgulhoso dele.
Todos os dados (1s e 0s) vinham do disquete, mas eu precisava de uma
forma de determinar que 0 ou 1 corresponderia ao início de um byte
(lembre-se de que os bits juntos formam um byte). Além disso, quando esse
timing de 4 e 8 microssegundos entre transferências vinha do disquete
para meu controlador, eu não sabia quais dos 0s e 1s eram o início de um
byte.
Conforme fui montando meu controlador, fiquei apavorado por uma
semana ou mais com a possibilidade de não conseguir resolver a questão.
Mas concebi alguns padrões anormais que poderiam ser gravados no
disquete – e que não se convertiam de volta em dados.
Eu desenvolvia cerca de 16 desses padrões em sequência, e quando
eles eram lidos de volta em minha máquina de estado, ela automaticamente
os mantinha sendo transferidos em tempo até alinhá-los com o ponto em
que os bytes realmente estavam. Então meu programa de leitura no
computador buscava continuamente por um par de bytes de início,
chamados “bytes marcadores”, que eu gravava para indicar o início de uma
pequena seção de dados, chamada “setor”. E com os dados de cada setor eu
escrevia no disquete o número do setor de dados, de forma que o programa
de leitura se assegurasse de gravar o setor correto (se o setor de leitura
alguma vez determinasse que os dados estavam errados, ele tentaria
novamente).

Em relação ao disquete, projetei o hardware e programei a máquina de


estado. Também desenvolvi uma programação de tempo bastante apertada
para ler e gravar especificamente os dados codificados vindos do disquete e
indo para ele. Esse foi meu ponto alto.
Randy Wiggington desenvolveu uma rotina de alto nível mais útil para
programadores de aplicativos e de sistemas operacionais.
Após conseguir ler e gravar dados, desenvolvi rotinas para posicionar a
cabeça em qualquer uma das 36 trilhas do disquete. Ela caminhava por um
longo tempo até se posicionar na trilha 0, a faixa mais interna. Em seguida,
eu fornecia uma sequência de pulsos para um motor de passo que
posicionava a cabeça na trilha 1, depois na trilha 2, e assim por diante, até
chegar ao ponto onde estava o dado de que ela necessitava. Eu precisava
esperar um certo tempo entre as trocas de trilhas, conforme especificado
pela Shugart.
Em um dado momento, porém, ocorreu-me que a movimentação da
cabeça de leitura/gravação magnética era como movimentar um carro
pesado. Ela tinha inércia. E era lenta para iniciar. Mas uma vez que
começasse a se movimentar, passava a rodar por sua própria inércia, e
assim seria possível empurrar para torná-la cada vez mais rápida. Decidi
que talvez pudesse acelerar a cabeça com segurança à medida que cruzasse
várias trilhas e depois desacelerá-la para que avançasse com lentidão
suficiente para não ultrapassar a última trilha. E mesmo se a ultrapassasse,
ela poderia ler o número da trilha que atingiu e, então, retornar.
Experimentei essa solução e desenvolvi uma tabela de números de
aceleração/desaceleração para sincronia que funcionou bem. Assim,
conforme a cabeça avançava, em vez do som de “clique-clique-clique”,
como o barulho de uma metralhadora, o que se ouvia era o som suave de
um “uóosh”. Foi assim que acabamos tendo o tempo de acesso ao disquete
mais rápido do setor.
Tudo que disse até aqui parece bastante complicado, eu sei. Mas era
feito com pouquíssimas peças. Fazer tudo funcionar foi um problema
incrivelmente cabeludo. Sequer sabíamos se seria possível. Então pode-se
ter uma ideia de como suei naquelas duas semanas.
Sei que tudo isso é bastante técnico, mas precisava explicar porque até
hoje os engenheiros me procuram para dizer como o controlador de
disquete foi um projeto incrível. E realizado em apenas duas semanas.
Agora todos sabem como eu o fiz.

A codificação foi até o ponto onde podíamos digitar “R Checkbook”


para rodar o programa de saldo bancário ou “R Color Math” para rodar o
programa de matemática. Eu não tinha, de fato, um sistema operacional de
disquete em duas semanas, mas tínhamos uma tabela no disco que
determinava a trilha e o setor ocupado por cada programa. Normalmente,
um sistema operacional leria um índice de todo o disco, e quando “Color
Math” fosse requisitado, ele buscaria no índice a lista de trilhas e setores
que ocupava. Não tínhamos isso tudo funcionando no dia em que voamos
para Las Vegas, mas eu e Randy sabíamos que concluiríamos o dispositivo
em poucas horas após chegarmos lá.
Assim, pegamos o avião em San Jose e voamos para Las Vegas.

Aquela foi uma noite da qual eu e Randy nunca vamos nos esquecer.
Afinal, foi a primeira vez que vimos as luzes de Las Vegas. Ficamos
deslumbrados com elas. Era, então, uma cidade muito diferente e muito
menor do que é hoje, com hotéis menores. Não existiam tantos hotéis
quanto agora, e muitos eram velhos e minúsculos. Porém, foi
impressionante. Com certeza, nunca havíamos visto algo tão iluminado!
Nosso motel era o lugar mais barato da cidade, o Villa Roma. Ficava
perto do Circus Circus, e estudamos o caminho de lá até o Las Vegas
Convention Center. Eu e Randy caminhamos bastante naquela noite.
Mostrei a Randy, que estava com 17 anos de idade, como jogar dados, e ele
ganhou algo em torno de 35 dólares. No centro de convenções, observamos
a montagem de todos os estandes. Fomos até nosso estande e trabalhamos
para deixar tudo funcionando até às 6 horas da manhã.
Em um dado momento, fiz algo bastante inteligente. Eu estava muito
cansado e queria dormir, mas sabia que valia a pena fazer uma cópia de
nosso disquete, com todos os dados corretos.
Eu tinha levado alguns programas curtos que me permitiam ler e
gravar trilhas inteiras. O disquete possuía 36 trilhas. Então decidi fazer
uma cópia daquele disquete único, no qual havíamos trabalhado tão
arduamente e por tanto tempo. Como tinha apenas dois disquetes comigo,
decidi copiar o que estava preparado no que estava em branco. Inseri o
disquete e entrei alguns dados na memória para fazê--la ler a trilha 0.
Depois pus o disquete em branco e utilizei os mesmos dados para gravar a
“trilha 0” nele. Fiz o mesmo em todas as 36 trilhas. Sempre digo que fazer
cópias é uma atitude inteligente.
Quando terminei a cópia, olhei para os dois disquetes sem etiquetas e
tive uma profunda sensação de que havia seguido um padrão de rotina,
mas na verdade, o que tinha acabado de fazer foi copiar o disquete em
branco no disquete com os dados, apagando assim tudo o que havia
gravado. Um teste rápido determinou ter sido exatamente isso que
aconteceu. Fazemos coisas assim quando estamos extremamente cansados.
Dessa forma, minha ideia inteligente levou a um resultado burro e infeliz.
Portanto, em virtude de nosso cansaço, não teríamos o disquete pronto
para mostrar quando a CES começasse, dali a poucas horas. Que coisa
desagradável!
Voltamos ao motel Villa Roma e dormimos. Às 10 horas da manhã,
acordei e fui trabalhar. Queria tentar refazer todo o processo, afinal, o
programa estava todo em minha cabeça. Assim sendo, consegui
restabelecê-lo até o meio-dia e levei o disquete ao nosso estande, onde o
inserimos no Apple II e começamos a demonstrá-lo.
Não consigo encontrar palavras para expressar o enorme sucesso que
ele fez naquela exposição, principalmente em comparação com o PET da
Commodore e o TRS-80 da Radio Shack, que também estavam lá.

O disquete aprimorou a velocidade do computador, tornando-o mais


rápido, mas foi um programa chamado VisiCalc que o tornou poderoso.
Dois sujeitos em Boston, Bob Frankston e Dan Bricklin, trabalharam em
estreita colaboração com Mike Markulla para concebê-lo. Foi o produto
certo na hora certa! E definitivamente era o programa certo para a máquina
certa.
O VisiCalc era um software de planilhas para a realização de
estimativas financeiras em empresas – ele foi concebido para responder a
cenários do tipo “o que – se”. Por exemplo: se vendermos o equivalente a
100 mil dólares do produto X, quanto obteremos de lucro? E se vendermos
metade disso? Ele foi o primeiro software de planilhas eletrônicas
projetado para computador pessoal, de forma que pessoas comuns
passaram realmente a ter uma ferramenta de alta tecnologia à sua
disposição para usar no trabalho.
O VisiCalc era tão potente que só rodava no Apple II. Somente nosso
computador possuía memória RAM suficiente para rodá-lo. O TRS-80 da
Radio Shack e o PET da Commodore definitivamente não eram tão
potentes. Tínhamos a memória RAM, os gráficos na tela, a apresentação
visual bidimensional e uma máquina que podia ser usada assim que era
ligada. Além disso, o VisiCalc não vinha gravado em fita cassete, mas em
disquete. Tudo compatível.
Nossos negócios explodiram quando o VisiCalc surgiu. O mercado do
Apple II passou de repente do usuário doméstico, que jogava videogame
como passatempo e que não se importava em esperar alguns minutos para
o programa carregar a partir de uma fita cassete, para o usuário
corporativo, que carregava o VisiCalc instantaneamente em nosso
computador.
Após alguns meses, o uso corporativo passou a representar algo como
90% do mercado. E vínhamos perdendo totalmente esse público até aquele
momento, pois jamais pensávamos de tal forma. Porém, o VisiCalc levou a
Apple para uma nova direção.
De mil unidades por mês, passamos de repente para 10 mil unidades
mensais. Meu Deus! Aconteceu tão rápido! Ao longo de 1978 e 1979,
começamos a ter cada vez mais sucesso.
Em 1980, fomos a primeira companhia a vender um milhão de
computadores. Fomos a maior oferta pública inicial desde a Ford. E fizemos
mais milionários em um único dia do que se tinha notícia até aquele
momento.
Acredito que a razão para isso foi a combinação do Apple II com o
VisiCalc e o disquete.

Lembra-se de quando contei que Mike nos fez usar as leis do copirraite
no software? Foi um passo muito acertado.
Após a CES, ficamos sabendo de um novo computador de uma empresa
chamada Franklin, que, supostamente, era bastante parecido com o nosso.
Quando chegou à sede da Apple, era tão parecido com o Apple II que fiquei
interessado.
Pensei: Que ótimo. Eles copiaram meu projeto. Então fiquei imaginando
quanto eles haviam copiado. Não esperava que tivessem copiado muito.
Acho que os engenheiros estudam para inventar e conceber produtos
próprios. Um engenheiro nunca iria olhar para o projeto de outra pessoa e
simplesmente copiá-lo, não é verdade? Não é para isso que eles vão para a
faculdade. Eles estudam para aprender a projetar as próprias invenções.
Caminhei até o edifício principal para dar uma olhada nele. Lá estava; e
fiquei chocado. A placa de circuito impresso dentro dele era exatamente do
mesmo tamanho que a nossa. Cada característica e cada fio eram iguais aos
nossos. Era como se tivessem feito um xerox da placa do Apple II. Como se
tivessem um xerox da placa em branco do Apple II e colocassem nela
exatamente os mesmos chips. A Franklin havia feito algo que engenheiros
honrados jamais fariam no esforço de projetar os próprios computadores.
Eu não podia acreditar.
Na exposição seguinte de computadores de que participei, fui
imediatamente para o estande deles e falei para o presidente que estava
presente: “Ei! Isso é simplesmente uma cópia do nosso”. Eu estava
absolutamente contrariado.
“Isso é ridículo”, disse para ele. “Você copiou nossa placa.
Simplesmente copiou. O que significa que sou seu diretor de Engenharia, e
que você sequer me deu crédito por isso.”
O presidente olhou para mim e disse: “OK. Você é nosso diretor de
Engenharia”.
Fiquei feliz e fui embora, mas agora que estou pensando melhor sobre
isso, acho que deveria ter pedido um salário para ele!
Mais tarde nós os processamos, e foi quando descobri o argumento
deles para agir como agiram. Eles alegaram que havia razões jurídicas que
lhes davam o direito de copiar o Apple II: como havia uma enorme base de
softwares para o Apple II, seria injusto excluí-los. Alegaram, portanto, ter o
direito de fabricar um computador que pudesse rodar a tal base de
softwares, mas certamente esse argumento não fazia sentido para mim.
A disputa com a Franklin levou alguns anos. Eles perderam e tiveram
de nos pagar. Porém, foram apenas algumas centenas de milhares de
dólares, não os milhões que eu achava que ganharíamos. Mas foi o
suficiente para fazê-los parar.

Mais sobre o disquete


O disquete foi inventado por Alan Shugart em 1967, quando ele trabalhava na IBM. Os
primeiros disquetes tinham 20 centímetros de diâmetro e eram constituídos por uma fina
peça flexível de material magnético. Mais tarde, os disquetes passaram para um formato
menor, com 12 centímetros de diâmetro.
E algum tempo depois, quando passaram a ter um formato ainda menor, com 9
centímetros de diâmetro, e uma cobertura plástica não flexível, é que foram
popularizados com o nome “disquete”.

* Initial Public Offering [Oferta Pública Inicial] – lançamento oficial das ações de uma empresa na
Bolsa de Valores. (N. T.)
** Lei de Direitos Autorais. (N. T.)
15 O Plano Woz

Pouco antes de abrirmos o capital da empresa, no final de 1980, um


sujeito me chamou e me perguntou se ele poderia comprar algumas ações
de minha participação na empresa por 5 dólares cada cota. Ele queria
comprar 10% delas.
Adorei a ideia, porque isso significava que eu poderia comprar uma
casa para mim e para Alice. Naqueles dias, ainda morávamos no Park
Holiday Apartments, em San Jose, pagando aluguel de 150 dólares por mês.
Mas gosto de fazer as coisas de forma diferente. Eu considerava os
empregados da Apple – havia mais de cem na época – uma comunidade.
Desde meu primeiro emprego, e talvez até antes disso, eu tinha essa
filosofia de que uma empresa era como uma comunidade.
Então decidi que seria melhor vender algumas de minhas ações para os
empregados, e deixá-los se beneficiar do que estávamos conquistando, em
vez de para algum investidor de fora.
Naquele momento, já era evidente para muitas pessoas que o IPO da
Apple teria muito sucesso – que, provavelmente por qualquer avaliação, a
ação iria valer bem mais que 5 dólares. Além disso, os alto executivos e os
fundadores da Apple tinham muitas ações. Ganharíamos milhões. Mas
muitos empregados (a maioria) seriam deixados de fora.
Decidi que ofereceria algumas ações por um preço bem barato para as
pessoas que as mereciam. Os empregados normais não tinham direito a
todas aquelas opções de ações que os executivos possuíam. O que não era
justo. Então concebi algo que chamei de Plano Woz. Qualquer engenheiro
ou funcionário do departamento de marketing poderia comprar de mim até
2 mil cotas ao preço realmente baixo de 5 dólares cada.
Quase todos que participaram do Plano Woz acabaram conseguindo
comprar uma casa e ter uma vida relativamente confortável. Fico satisfeito
com isso. Mas no começo, nossos advogados me disseram que eu não
poderia vender ações para todas aquelas pessoas. Eles me disseram que
elas precisariam ser investidores sofisticados ou algo assim. Mas no final,
nosso advogado Al Eisenstat disse: “Está bem, Steve, você pode vender”.
Tempos depois, notei que alguns de nossos primeiros empregados não
possuíam nenhuma ação da empresa. Randy Wiggington, que me ajudou
com o disquete, estava conosco antes mesmo de fundarmos a Apple. Chris
Espinoza, Dan Kottke e meu antigo vizinho Bill Fernandez eram outros
exemplos. Eles não eram apenas próximos de nós; eles haviam oferecido a
inspiração que realmente me permitiu desenvolver um grande produto. Eu
achava que eles faziam parte da família que me ajudou a projetar os
computadores Apple I e Apple II.
Assim sendo, dei a cada um deles ações no valor de um milhão de
dólares.
Naqueles dias, simplesmente não se ouvia falar de dar ações para
pessoas que, acreditava-se, mereciam. As empresas da época não davam
ações para todos os empregados. Seu raciocínio era: “Por que devo dar
ações para essas pessoas? Elas foram pagas pelo serviço que prestaram e
não possuem ações”. Nunca uma empresa se dirigiria a seus funcionários
dizendo: “OK, vocês foram muito legais. Agora vamos lhes dar algumas
ações da empresa”. Mas o que eu estava fazendo era diferente, afinal, eu
estava lhes dando minhas próprias ações – como um presente. Não era uma
resolução da empresa.

Acho que no fundo Steve pensou que fui um fraco por agir assim –
como se estivesse descartando um pouco a empresa, como se fosse uma
liquidação. Mas vendi as ações por cerca de 5 dólares cada cota para 40
pessoas dentro do Plano Woz – 2 mil cotas para cada uma –, e depois pude
comprar uma casa realmente bonita para mim e Alice. Comprei-a em
dinheiro. Achei ótimo ter uma casa própria. Só é preciso se preocupar com
a manutenção da casa quando não se tem emprego ou algum tipo de renda.
Portanto, comprei a casa e tomei posse dela imediatamente.
Não era uma casa grande, mas era uma casa boa. Provavelmente, de
todas as casas que tive na vida, foi a de que mais gostei. Ela era
simplesmente linda – localizada no meio de Santa Cruz Mountains, em
Scotts Valley. Era uma casa toda de madeira – pinho nodoso com furos na
madeira. Havia um enorme quarto de casal no andar de cima. Lembro-me
de poder atravessar o quarto, sair para uma varanda e olhar para a sala de
estar lá embaixo, e para um pequeno aviário com um monte de janelas.
Havia um portão na frente com uma pequena casa de madeira que fiz para
os cachorros. Tive meu primeiro husky siberiano lá. Eu gostava de tudo
naquela casa.
Entretanto, eu e Alice não ficamos juntos naquela casa por muito
tempo. Embora naquele momento tivéssemos dinheiro como nunca
sonháramos ter, não foi suficiente para compensar o fato de que tínhamos
interesses diferentes. Ela queria sair todas as noites com as amigas. Não era
meu estilo. Eu queria ficar em casa e trabalhar. Não queria me divorciar –
nunca quis me divorciar. Sempre fui o tipo de sujeito que quer ficar casado
com alguém por toda a vida, e queria isso com Alice.
Mas o que eu podia fazer? Isto é, naquela época, as ações da Apple
valiam muitas centenas de milhões de dólares, e ela disse ao terapeuta de
casais que estávamos consultando que ela queria redescobrir quem era
sem que eu estivesse a seu lado, isto é, queria viver sem mim. Em nenhum
momento ela disse ao terapeuta que eu trabalhava demais, que é uma
espécie de mito sobre meu divórcio que surgiu na imprensa mais tarde.
Não, não foi isso que ela disse. Ela disse que queria viver sozinha.
Quero dizer que me opus com todas as minhas forças ao nosso
divórcio. Nunca quis me divorciar. Porém, finalmente percebi que não
havia maneira de evitá-lo. Então levei Alice até um parque em Cupertino,
desejei tudo de bom para ela e disse adeus. Voltei para a Apple me sentindo
realmente diferente. Diferente no sentido de que era hora de seguir
adiante. Alice havia ido embora.

Mais ou menos na mesma época, a Apple tinha prédio próprio na


Bandley Drive. Em 1981, os computadores haviam se tornado, de repente,
um acontecimento. Havia artigos em jornais e revistas, além de programas
de TV falando de computadores; tudo era imenso. Computadores,
computadores pessoais e computadores residenciais – de repente, todos
ficavam imaginando se eles tornariam nossa vida melhor no futuro, se
levariam a um melhor sistema de aprendizado, se nos tornariam mais
eficientes e produtivos. Parecia que os computadores nos tornariam mais
esclarecidos, aperfeiçoariam nossos cérebros e nos permitiriam obter
respostas corretas mais rapidamente.
Havia também um fluxo de artigos na imprensa especializada
comparando nosso produto com outros do mercado, e por sermos
tecnicamente melhores, éramos sempre avaliados como o melhor produto.
Éramos o que todos mais desejavam.
Havia também histórias contando como éramos apenas duas pessoas,
Steve e eu, e como havíamos começado do nada e repentinamente tivemos
muito sucesso. Conseguimos toda essa publicidade e todas as vantagens
que ela trazia. Vendas. Fama. Naquele momento, éramos simplesmente a
estrela mais brilhante e mais admirada da constelação.
Em dezembro de 1980, a ação da Apple passou a ser vendida na bolsa
da NASDAQ.*

Foi o IPO de maior sucesso até então. Estava nas primeiras páginas de
todos os grandes jornais e revistas. De repente éramos lendários. E ricos.
Realmente ricos.
Sem dúvida, foi uma conquista incrível. Afinal, havíamos começado
praticamente do nada. Mike Markulla estava certo. De fato, caminhávamos
para ser, dali a cinco anos, uma empresa da Fortune 500.
Apenas um ano depois, estávamos disputando cabeça a cabeça com o
primeiro computador pessoal da IBM, o PC. Não obstante, tivemos um
imenso IPO. Também tínhamos o Apple III, uma máquina direcionada às
empresas, de uso corporativo, portanto, que estava para ser lançado –
havia apenas rumores sobre o assunto –, e acho que isso era parte da razão
de o timing estar correto. (Outro motivo era que, pelo fato de tantas
pessoas terem recebido participações da empresa, o aborrecimento gerado
pelos relatórios administrativos foi mais difícil de lidar que a decisão de
abrir as ações para o público!)
O Apple III foi uma declaração bastante forte para o mundo dos
negócios. Era como se de repente, após o incrível fenômeno do Apple II,
passássemos a ser capazes de competir, na época, com o novo PC da IBM.

Entretanto, o Apple III tinha alguns problemas terríveis. Não era nem
um pouco parecido com o Apple II, uma máquina sempre confiável. Estou
falando sério. Se alguém comprasse hoje um Apple II no eBay ele
funcionaria. Não há um produto moderno que seja tão confiável. Em todas
minhas palestras, converso com pessoas que dizem ainda ter um Apple II
operando, e bem, mesmo após todos esses anos.
O Apple III tinha problemas de hardware bastante sérios. Ele chegava
na loja, por exemplo, ligava algumas vezes, e depois podia travar. Algumas
vezes nem chegava a ligar. Naquela época, meu irmão tinha uma loja de
informática em Sunnyvale e ele me disse que os engenheiros da Apple
vinham consertar, mas nunca conseguiam que uma máquina funcionasse
direito. Nunca. Os primeiros meses do Apple III se passaram, e muitas das
lojas onde ele era comercializado tinham a mesma experiência. Cada Apple
III chegava sem funcionar. O que você faz quando é um vendedor de
computadores e isso acontece? Você para de vendê-lo e continua vendendo
a máquina original, o Apple II. Foi assim que o Apple II continuou sendo o
computador mais vendido do mundo por pelo menos mais três anos. Na
verdade, em 1983, ele atingiria um marco enorme: foi o primeiro
computador a vender um milhão de unidades!
Por que o Apple III teve tantos problemas se todos os nossos outros
produtos funcionaram tão bem? Essa pergunta eu posso responder. Porque
o Apple III não foi desenvolvido por apenas um único engenheiro ou por
uma dupla de engenheiros. Ele foi desenvolvido por um comitê e pelo
departamento de marketing. Por executivos da empresa que tinham
bastante poder para decidir colocar todo seu dinheiro e recursos na
realização das ideias que tinham sobre o que deveria ser um computador.
O departamento de marketing constatou que a comunidade
empresarial seria o maior mercado. Eles perceberam que o típico pequeno
empresário ia para uma loja de informática, comprava um Apple II, uma
impressora, o programa de planilhas eletrônicas VisiCalc e duas placas
adicionais: uma placa de memória para rodar planilhas maiores; e uma
placa para 80 colunas, que permitia apresentar 80 colunas na tela do vídeo
em vez das normais 40, que era o limite das TVs americanas naquele início
de anos 1980.
Assim, eles tiveram a ideia de juntar tudo isso em uma única máquina:
o Apple III.
Inicialmente, não havia quase nenhum software concebido para o
Apple III. Porém, existiam centenas de programas que podiam ser
comprados para o Apple II. Dessa forma, a fim de ter vários softwares
imediatamente disponíveis aos usuários, a Apple fabricou o Apple III como
um computador duplo – havia uma chave que permitia selecionar se o
computador iniciaria como um Apple II ou como um Apple III (o hardware
do Apple III foi concebido para ser totalmente compatível com o Apple II,
que era difícil de aperfeiçoar). Ele não poderia ser ambos de uma só vez.
Mas um grande erro foi cometido exatamente nesse ponto. Os
executivos da Apple queriam estabelecer para o público que o Apple III era
um computador de uso empresarial, enquanto o Apple II se posicionaria
como um computador de uso doméstico, de entretenimento. O irmão
menor da família. Mas ocorreu o seguinte: o departamento de marketing
nos fez adicionar chips – e, portanto, custo e complexidade – ao Apple III
para desabilitar a memória extra e o modo 80 colunas caso ele fosse ligado
como Apple II.
Foi isso que matou as chances do Apple III desde o início, pois um
empresário comprando um Apple II para uso profissional poderia
facilmente dizer: “Vou comprar um Apple III e usá-lo no modo Apple II, que
já estou acostumado, mas ainda assim terei uma máquina mais moderna”.
Mas ao desabilitar as características do Apple II (memória extra e modo em
80 colunas) pelas quais os empresários estavam comprando o Apple III, a
Apple acabou matando o produto.
Desde o início, o Apple III obteve bastante publicidade, mas não havia
quase nada que se pudesse rodar nele. Como eu disse, não era um
equipamento confiável. E para operar no modo Apple II, ele tinha sido
aleijado.
Até hoje isso me causa espanto. Não é a maneira como um engenheiro
pensaria – ou qualquer pessoa racional – a respeito. Fiquei decepcionado
com o fato de empresas grandes chegarem a trabalhar de tal maneira.

Finalmente, cerca de um ano depois de a Apple conseguir fazer um


Apple III suficientemente confiável, que não travava com frequência, o
computador ainda não vendia. Afinal, àquela altura, ele já tinha a má
reputação de ser uma máquina terrível, pouco confiável. Como se pode ver,
a primeira impressão é, de fato, muito importante. Quando um computador
passa pelo período de aceitação, não se consegue mais fazer que as pessoas
aceitem usá-lo somente consertando o problema.
Minha percepção era: “Ei! Tentem esquecer isso tudo e apenas mudem
o nome do Apple III para Apple IV e criem um design um pouco diferente
por fora. Talvez assim seja possível vender algumas unidades”.

De 1980 a 1983, a Apple fez do Apple III sua maior prioridade. Seria
justo dizer que a Apple se tornou a companhia Apple III. Uma companhia
Apple III que só vendia Apple II.
Em 1983, todos dentro da Apple eram forçados a ter um Apple III em
sua mesa de trabalho. De repente, em todos os cantos da empresa, ouvia-se
comentários como: “Meu Deus! Você viu aquele novo software rodando no
Apple III?”. Mas quem se importava? Naqueles tempos, eu viajava por todos
os Estados Unidos dando palestras para grupos de informática e
conversava com pessoas de todos os lugares, e a proporção sempre era 90
pessoas com o Apple II e 3 pessoas com o Apple III.
Por que a Apple aparentava ser uma companhia Apple III quando na
verdade não era? Era isso que eu não entendia.
Afinal, durante todos aqueles anos, o Apple II foi o computador mais
vendido no mundo. Era ele que nos carregava. Porém, naquela época, quase
todo anúncio da Apple publicado em grandes revistas, como a Time e a
Newsweek, mostrava um Apple III, nunca um Apple II. A equipe executiva
cortou por completo os planos de fabricação e desenvolvimento para todos
os produtos Apple II. Deixaram somente alguns poucos produtos
relacionados à educação.
Apesar disso tudo, o Apple II ainda pagava o salário de todos dentro da
Apple e gerava imensos lucros para a empresa. E isso sem fazer
propaganda sobre ele. Durante aquele período, de 1980 a 1983, o único
salário pago pela Apple gasto no Apple II era do sujeito que imprimia as
listas de preços.
Foram tempos terríveis. Isto é, todos os recursos da Apple – todos os
empregados e o capital da empresa – estavam sendo dirigidos para o Apple
III e nada se recebia em retorno. E a contabilidade não registrava dessa
maneira. A companhia perdeu muito dinheiro no Apple III naqueles dias –
pelo câmbio de hoje, poderíamos computar em pelo menos 1 bilhão de
dólares (na época, calculei que havíamos perdido cerca de 300 milhões de
dólares). Isso pela minha estimativa.
O Apple II não apenas estava carregando toda a empresa e um desastre
como o Apple III, mas também estava escondendo do mundo as reais
deficiências do Apple III. Ninguém no mundo real, mas ninguém mesmo,
tratava o Apple III como se fosse um equipamento significativo.
Nenhum de nossos usuários tinham a mínima ideia, estou-lhe dizendo.
Porque quem abria uma revista de informática da época via 50 anúncios
para o Apple II – e não feitos pela Apple, mas pelos revendedores e por
todas as pequenas lojas que estavam desenvolvendo diversos jogos e
acessórios para o Apple II.
Quanto às revistas de informática, em quase todas as análises
publicadas sobre o Apple III, elas reconheciam que havia sido um fracasso
de mercado. Nunca reconheceram que tivesse sido uma parte importante
dos negócios da Apple. As reportagens davam a impressão para os
consumidores de que nós éramos, em grande parte, uma companhia Apple
II – um produto enormemente bem-sucedido –, e que havia um grande
grupo ainda trabalhando, por algum motivo, no fracassado Apple III.

Aceito o fato de que a Apple tenha de trabalhar como uma empresa. Há


várias pessoas que operam a companhia, e várias outras no conselho que
dirigem as coisas. Portanto, é muito difícil ver o raciocínio por trás das
decisões. Quero dizer: aquele foi um período em que a empresa tinha uma
reputação, mas era totalmente diferente internamente. Eu me incomodava
muito com o fato de as pessoas escaparem de uma punição ou de ser
responsabilizadas por algo que fizeram de errado enquanto a empresa
fosse bem-sucedida. Por exemplo, uma pessoa ruim consegue evitar a culpa
e a crítica por um monte de coisas se ela tem muito dinheiro. Uma pessoa
má consegue se esconder por trás do dinheiro e continuar sendo má.
No caso da Apple, tínhamos um computador ruim, o Apple III, embora o
Apple II continuasse a ser vendido em grande quantidade. Ele havia
conquistado o mundo. O PC da IBM não conseguiu superá-lo até 1983.
Logo, o Apple II era um líder de vendas.
Eu ainda não entendo isso.

Para ser justo, o Apple II tinha alguns sérios concorrentes. Em 1981,


finalmente veio uma resposta para ele: o PC da IBM estava vendendo
bastante desde o início e se tornando um enorme sucesso bem
rapidamente. Assim, de repente, tínhamos um sério concorrente, coisa que
nunca tivemos antes.
Todas aquelas grandes empresas com enormes equipamentos IBM e
outros grandes computadores já eram clientes IBM, portanto, não era
preciso muito para que o representante de vendas da empresa vendesse
junto um PC. Na verdade, havia um ditado que dizia: “Você não será
despedido por comprar um IBM”.
Logo que o PC da IBM surgiu, agimos com certa arrogância em relação
a ele. Compramos um anúncio de página inteira no Wall Street Journal que
dizia: “Bem-vinda IBM. Sério”.
E como eu disse, o PC ultrapassou o Apple II em número de vendas,
tornando-se o computador mais vendido em todo o mundo em 1983.

Devo destacar que também por volta de 1983 Mike Scott – o presidente
que abriu o capital da Apple e o sujeito que nos conduziu pela IPO
incrivelmente bem--sucedida – havia partido. Durante o período em que o
Apple III estava sendo desenvolvido, ele achou que tínhamos ficado um
pouco grandes demais. Certamente havia bons engenheiros, mas havia
também um monte de péssimos engenheiros andando por ali – o que
acontece em qualquer grande empresa.
A propósito, tal fato não é necessariamente culpa dos péssimos
engenheiros. Sempre pode haver algum desencontro entre os interesses
dos engenheiros e o trabalho que estão realizando.
Seja como for, Scotty havia pedido ao nosso gerente de Engenharia,
Tom Whitney, que este tirasse uma semana de férias. Enquanto isso, fez
algumas pesquisas. Depois conversou com todos os engenheiros da
companhia e descobriu o que cada um estava fazendo; quem trabalhava e
quem não fazia nada.
Em seguida, despediu todo um grupo de pessoas, no que ficou
conhecido como Segunda-feira Sangrenta. Ou, pelo menos, é como acabou
sendo chamado nos livros de história da Apple. Acho que ele acabou
despedindo as pessoas corretas. Os que trabalhavam com menos empenho,
quero dizer.
No final, o próprio Mike Scott foi despedido. O conselho ficou bastante
irritado que ele tivesse tomado tal atitude sem muito apoio da
administração da empresa e sem o correto procedimento, que, imagina-se,
deva ser seguido em uma grande empresa.
Além disso, Mike Markulla me contou que Mike Scott vinha tomando
muitas decisões precipitadas e incorretas. Assim, Mike achou que Scotty
não era realmente capaz de lidar com a empresa dado o ponto e o tamanho
que ela atingira.
Fiquei bastante descontente com a história toda. Eu gostava muito de
Scotty como pessoa. Gostava de seu jeito de pensar. Gostava de seu jeito de
ser capaz de brincar e de ser sério. Com Scotty eu não vi muitas coisas
escaparem por entre os dedos. Além disso, sentia que ele respeitava o bom
trabalho que eu havia feito – o trabalho de engenharia. Ele veio da
Engenharia.
E como disse antes, Scotty foi nosso presidente, nosso líder desde o
primeiro dia da constituição da Apple como empresa até sua abertura de
capital em uma das maiores IPOs da história dos Estados Unidos. Agora,
quase de repente, ele era simplesmente colocado de lado e esquecido.
Acho triste como os livros de hoje parecem nem se lembrar dele.
Ninguém sabe seu nome. No entanto, Mike Scott foi o presidente que nos
conduziu desde os primeiros dias.

Aprendi muitas coisas na Apple em seus primeiros anos: aprendi que


em uma companhia pode-se ter ideias diferentes sobre como devem ser os
anúncios ou sobre o logotipo; e até mesmo acerca do nome da empresa ou
do produto que ela comercializa. As pessoas têm ideias diferentes e
geralmente conflitantes sobre tudo isso.
E algo que aprendi ao criar e trabalhar em uma empresa com tantas
pessoas diferentes é: nunca pretenda conseguir fazer melhor o trabalho de
alguém que esteja fazendo esse trabalho já há anos.
Fiquei muito melhor quando decidi me manter calmo e focado apenas
em meu talento específico como engenheiro. Isso garantiu que eu fosse
produtivo no que fazia e deixou que as outras pessoas fossem produtivas
no que elas faziam de melhor.
Muito poucas empresas são assim. Mas elas nem sempre evoluem da
maneira que se quer. Afinal, quando demos início à Apple, Steve e eu
realmente tínhamos em mente um modelo de companhia centrada na
Engenharia. Queríamos que a Apple tivesse o mesmo espírito incrível que
pensávamos existir na HP como resultado de tratar seus engenheiros como
cidadãos de primeira classe.
Mas sabíamos para onde estávamos indo por causa do que Mike
Markulla nos havia dito: “Esta será uma empresa focada em marketing”. Em
outras palavras, o produto será conduzido pelas demandas que o
departamento de marketing descobrir nos clientes. Exatamente o oposto de
um lugar onde os engenheiros projetam o que gostam e o marketing
descobre maneiras de vendê-lo. Eu sabia que seria um desafio para mim.

No colégio, li um livro chamado The Loneliness of the Long-Distance


Runner [A Solidão do Corredor de Longa Distância], de Alan Sillitoe. A
história simplesmente me cativou. Era sobre um criminoso travando uma
grande discussão mental. O autor de fato mostrou como o criminoso
pensava de forma bastante independente – mostrou como pensam as
pessoas que em geral são movidas por uma força interior –, tentando
decidir se devia vencer a grande corrida enquanto estava na cadeia. O
diretor perverso da prisão se tornaria famoso se o criminoso vencesse.
Ele tentava decidir. Devia ou não vencer a corrida? Permitiria que o
diretor levasse a fama? Ou devia tentar fugir, correndo até simplesmente
escapar?
Tudo isso teve um enorme impacto em minha forma de pensar. Na vida
existe um “nós” e um “eles”. “Eles” representam a administração, as
autoridades. E algumas vezes eles estão do lado errado e nós estamos do
lado certo.
* NASDAQ (National Association of Securities Dealers Automated Quotations) é uma bolsa de valores
eletrônica dos Estados Unidos onde são vendidas ações de empresas de alta tecnologia em
eletrônica, informática, telecomunicações, biotecnologia etc. (N. T.)
16 Pouso forçado

Antes de Alice e eu nos divorciarmos, ela me falou sobre Sherry, uma


amiga dela, que estava interessada em comprar um cinema. Um cinema de
verdade, funcionando. Era o Mayfair Theater em San Jose. Alice achou que
eu devia comprar, e nunca conseguia dissuadi-la quando ela queria algo.
Então eu o comprei.
Na época, Sherry e Alice estavam envolvidas com um grupo chamado
Estrela do Oriente: um grupo de mulheres que tinham parentes na
maçonaria. Pelo fato de pertencer ao Estrela do Oriente, ela passava muito
tempo nas reuniões, muitas noites com aquele grupo. Então, para passar
mais tempo com ela, decidi que me tornaria um maçom. Afinal, os maçons
tinham muitas reuniões conjuntas com o Estrela do Oriente. Assim, fui até a
loja maçom, fiz uma série de treinamentos, e após um certo tempo e três
grandes eventos, tornei-me um maçom de terceiro grau. Então consegui
mais tempo com Alice. No final, tornei-me um oficial e tudo o mais.
Devo-lhe dizer que embora seja um maçom por toda a vida, não sou
como as outras pessoas da maçonaria. Minha personalidade é muito
diferente da deles. Para entrar é preciso fazer uma série de afirmações
sobre Deus e a Bíblia; palavras que soam um pouco como se viessem da
Constituição, mas nenhum dos rituais maçons está de acordo com minha
forma de pensar. Mas enquanto participava das reuniões, fiz o que devia
fazer, e bem. Se vou fazer algo, sempre tento fazer direito. Como disse, me
envolvi com isso por um motivo: ficar mais perto da Alice. Eu queria salvar
nosso casamento. E para tanto fui mesmo longe: entrei na maçonaria. Era
meu jeito.
Seja como for, bem perto do fim do casamento, eu era um maçom e
dono daquele cinema. A amiga de Alice, Sherry, e seu namorado, Howard,
administrariam o local. Essa foi a ideia deles desde o começo. Assim, eles
recorreram a Alice pela amizade, e ela me pediu. Agora eu tinha um cinema.
O Mayfair Theater estava em uma espécie de área de baixa renda da
cidade. Lembro-me de ter precisado pintar o banheiro de preto por causa
das várias pichações, e mesmo depois, as pessoas continuavam pichando as
paredes, só que com tinta branca. Pelo menos podíamos lavar as paredes.
Procurei transformar aquilo em algo interessante. Nunca achei que
daria muito dinheiro, mas queria que fosse um lugar especial, por isso
coloquei boas poltronas e um bom sistema de som. Eu tinha dois sujeitos
que tomavam conta do cinema, e um dia eles rasparam uma parede e
descobriram que havia um lindo revestimento trabalhado em madeira
natural por baixo de um acabamento horrível que alguém havia colocado
por cima. Então contratamos alguns especialistas para lixar tudo e
recuperar o revestimento artístico original. Eu adorava aquele cinema.
Mas então Alice e eu nos divorciamos, e eu fiquei preso com o cinema.
Eu ia lá todos os dias após o trabalho na Apple. Eu ia até lá, ligava o
computador para adiantar meu trabalho, assistia aos filmes que estavam
passando e cumprimentava todo mundo. O cinema abrigava um grupo
divertido de pessoas em uma operação realmente pequena. Foi ótimo ver
como ele funcionava. Era um cinema pequeno, com baixo orçamento. Não
tínhamos muitos clientes. E só conseguíamos filmes a uma taxa bastante
baixa. Por exemplo, tivemos o Sexta-Feira 13, provavelmente o filme mais
importante que já havíamos exibido, e só o conseguimos muito tempo
depois de o cinema estar em funcionamento.
Na verdade, os únicos filmes que ficavam lotados eram sobre gangues,
como Os selvagens da noite, o que fazia sentido, considerando a parte da
cidade em que estávamos situados!
Fiquei solteiro apenas por algumas semanas, quando convidei para sair
a mulher que viria a ser minha segunda esposa, Candi Clark. Eu a conheci
porque uma vez, quando comprei um monte de ingressos antecipados para
um filme do Jornada nas estrelas e os ofereci aos funcionários da Apple pela
metade do preço, ela me pediu vários, dizendo ter muitos irmãos, e eu a
achei uma gracinha, então a convidei para assistir a um dos filmes de ficção
científica de baixo orçamento que estávamos passando em meu cinema; e
ela foi. No dia seguinte, pilotamos carros de corrida elétricos na pista do
Malibu Grand Prix, próxima ao aeroporto de São Francisco, e eu ganhei fácil
dela.
Eu a achava muito bonita. Era loira, de porte médio, e havia participado
de competições de caiaque olímpico (descobri isso após nosso segundo
encontro, quando vi uma foto dela com Ronald Reagan na parede de seu
apartamento). Ela trabalhava na Apple desenvolvendo relatórios de bancos
de dados para gerentes.
Então, quando menos esperava, eu tinha uma namorada. Foi tudo
muito rápido.

Não demorou muito desde que me divorciei de Alice e conheci Candi


para que decidíssemos nos casar. Ela tinha um tio em San Diego que era
joalheiro, então tive esta ideia: “Vamos fazer um anel”, eu disse, “que
possua um diamante dentro, de forma que ninguém possa vê-lo”. Imaginei
que dessa forma o anel seria mais especial que um anel comum, pois
somente nós dois saberíamos que existia um diamante dentro dele, e o
restante do mundo sequer desconfiaria disso.
Em seguida, decidimos voar em meu avião, um Beechcraft com cauda
em forma de V, que eu havia comprado seis meses antes, logo depois de
obter meu brevê de piloto. Hoje penso nele como o avião monomotor mais
bonito e pouco ortodoxo que existiu. Era uma máquina muito especial; a
forma de sua cauda era tão exclusiva, que eu me orgulhava muito em voar
nele. Eu o pintei em um agradável tom de terra – com a ajuda de um pintor
chamado Bill Kelly, que trabalhava como relações públicas para a Apple.
A primeira vez que voei sozinho com um passageiro foi com Candi.
Uma noite eu a levei para San Jose e estava chovendo. Claro que eu nunca
tinha voado em uma noite chuvosa antes, mas fomos e voltamos em
segurança. Acho que foi o melhor pouso que já fiz.
Eu não estava nem um pouco “metido” pelo fato de saber voar. Eu sabia
como fazer um plano de voo e como operar os equipamentos. Eu conhecia
as regras a ser seguidas. Mas ainda era um piloto iniciante. Eu ainda era um
trainee bastante cru. Seja como for, eu e Candi fizemos algumas viagens no
novo avião e um dia decidimos voar para San Diego, onde o tio dela poderia
desenhar o anel de noivado com o diamante escondido dentro.
Eu e Candi voamos de San Jose para um pequeno aeroporto em Scotts
Valley a fim de pegar o irmão de Candi, Jack, e a namorada dele, Chris.
Normalmente, eu taxiaria em volta para depois levantar voo. Assim, fui
dando a volta na pista e de repente notei que estava sendo bloqueado por
outro avião, que estava simplesmente parado ou enguiçado na pista de
decolagem. Pensei: Que ótimo. Agora não consigo nem sair daqui.
Então olhei em volta – acho que demos uma volta com o avião – para
ver se poderíamos decolar de algum outro ponto. Nesse meio-tempo, o
avião parado se foi e finalmente pude ir para a cabeceira da pista. Realizei
todos os procedimentos iniciais de partida e acionei o acelerador, mas sabe
o que aconteceu?
Lembro-me de alcançar o acelerador no início da pista de decolagem e
de mais nada. Consigo me lembrar de todos os outros detalhes do
aeroporto e tudo sobre aquele dia até esse ponto. Mas não consigo me
lembrar de jeito nenhum do que aconteceu a partir de então. Não tenho
registro na memória sobre o que aconteceu em seguida (mais tarde fiquei
imaginando que talvez Candi, que estava sentada na frente, tivesse mexido
acidentalmente em algum dos controles, mas nunca saberemos exatamente
o que causou aquele acidente).
Acordei no hospital, conforme me disseram, mas somente cinco
semanas depois consegui me lembrar que estivera em um desastre de
avião.
Meu amigo Dan Sokol me contou depois que ele viu a notícia sobre o
acidente na TV. Ele disse que ligou a TV e colocou no canal de notícias
quando ouviu algo sobre um executivo de uma companhia de informática
do Vale do Silício sofrendo um desastre com seu avião em Scotts Valley. Ele
se virou de imediato, exatamente a tempo de ver por cerca de dois
segundos a imagem de um Beechcraft de cabeça para baixo. Eu havia caído
no estacionamento de um rinque de patinação.
Como disse antes, não me lembro absolutamente de nada do que
aconteceu; nem mesmo de ter estado em um hospital ou qualquer outra
coisa. Tive um ferimento na cabeça! Dan me contou que meu quarto estava
repleto de presentes e brinquedos enviados pelo pessoal da Apple. Cartões
feitos à mão, cartões de papelaria e todo tipo de comida. Estava tudo lá,
conforme Dan me falou, mas não me lembro de nada. Zero de memória. Dan
até me contou que pedi para ele contrabandear um milk-shake e uma pizza
para mim, o que parece ser coisa minha mesmo, de forma que pelo menos
sei que realmente estive lá. Quer dizer, as pessoas tiraram fotos onde
apareço sentado jogando videogame no computador, que é o que eu faria,
mas não me recordo de nada disso. Nada há nada em minha memória.
Em algum momento, acho que uma semana ou duas depois, fui
finalmente liberado para ir para casa. Não fui para a Apple trabalhar;
presumo que por ter pensado que todo dia era fim de semana. É a única
explicação que consigo pensar agora para o fato de não ter ido trabalhar, e
também de não ter notado que meu cachorro não estava lá (ele tinha sido
levado para um canil).
Por algumas semanas, vivi em minha casa em Scotts Valley nesse
estado estranho e não completamente funcional. As pessoas me contaram
depois que eu parecia confuso. Eu ficava dando voltas de motocicleta, mas
as pessoas precisavam me orientar para que eu fizesse as coisas. Do tipo:
“Você vem para cá. Você precisa fazer isso agora. Agora você tem de fazer
aquilo”. Aparentemente, eu estava funcionando, mas dificilmente consigo
me lembrar de algo. Eu estava vivendo uma vida meio esquisita. E por cinco
semanas não percebi que meu cachorro não estava lá. Simplesmente
parecia que cada dia era o mesmo dia. Sequer percebi que havia ficado sem
um dente por cinco semanas – um dos dentes da frente! Como uma pessoa
não percebe uma coisa dessas? Não sei. Não consigo explicar.
Muito mais tarde, descobri que Candi e o irmão dela também se feriram
no acidente. Ela até teve de passar por uma cirurgia plástica. Mas eu fui o
mais atingido. Como disse antes, acabei passando pelo que é conhecido
como amnésia anterógrada, embora os médicos não soubessem disso no
início. Nessa amnésia, a pessoa não perde a memória, mas perde a
capacidade de armazenar novas lembranças.
Quando penso nisso agora, acho que na verdade foi uma boa coisa,
porque em minha mente nunca tive um desastre de avião a ser superado.
Ele simplesmente não estava lá. Passei por uma sessão de hipnose para ver
se conseguia ter alguma lembrança sobre o que aconteceu para causar o
acidente. Eu realmente gostaria de saber. Porém, nada surgiu.
Assim, por cinco semanas – as semanas de minha amnésia –, lembrei-
me de tudo do período anterior ao acidente. Tinha todas as minhas velhas
habilidades e as memórias estavam lá até aquele ponto. Mas durante
aquelas cinco semanas, não conseguia registrar na memória qualquer coisa
que estivesse fazendo.
De repente, voltei ao normal.
A primeira memória que surgiu foi a de que, de alguma forma, eu
estava no prédio da Macintosh conversando com os associados que
estavam trabalhando comigo em um projeto. Eles estavam me contando
algo sobre a situação do projeto. Não me lembro exatamente quem, mas
acho que Andy Hertzfeld (projetista da interface gráfica do usuário do
Macintosh) mencionou algo sobre um desastre de avião. Um desastre de
avião? No instante em que ele disse “desastre de avião” conectei isso aos
sonhos que vinha tendo.
Então pensei: Oh, estou tendo um sonho exatamente agora. E em um
sonho sempre se pode dizer para si mesmo para seguir por outro caminho.
Mas daquela vez pensei: Não. Vou jogar pelas regras deste sonho e continuar
conversando com Andy. Então fiquei sentado conversando com ele e essa é
minha primeira memória. Mas era uma lembrança muito fraca.
Naquela noite, lembro-me de ter ido assistir ao filme Gente como a
gente com Candi. Não me recordo de um único detalhe desse filme, somente
que fomos vê-lo. Depois voltamos para casa e fomos dormir. Eu estava
deitado de costas na cama pensando: Espera aí! Sofri um acidente de avião
do qual ouvi falar e fiquei sonhando a respeito ou não? Eu não tinha
nenhuma lembrança do acidente, mas àquela altura, parecia que eu ia me
lembrar dele. Ou não?
É possível sofrer um acidente de avião e não se lembrar dele?
Então me sentei, virei para Candi e perguntei: “Eu estive envolvido em
um acidente de avião ou foi um sonho?”.
Acho que ela pensou que eu estivesse brincando, porque respondeu:
“Foi um sonho, Steve”. Foi isso que ela disse. Que tinha sido um sonho. E ela
não estava brincando comigo. Ela simplesmente não sabia que eu não tinha
a mínima ideia que estivera em um acidente de avião.
Era tudo parte de um dilema mental, porque eu estava lutando para
provar em minha cabeça que aquilo poderia ter sido verdade.
Então lá estava eu, sentado e pensando se algum dia conseguiria que
alguém me contasse se eu havia sofrido ou não um acidente de avião.
Imagino que se tivesse sido esperto, teria olhado nos jornais ou perguntado
a respeito para outras pessoas, mas na verdade, aquela era a primeira vez
que eu começava a pensar que talvez tivesse de fato passado por um
acidente e que tudo aquilo não era um sonho.
Assim, naquela noite, fiquei sentado sentindo meu corpo, que não tinha
nenhum osso quebrado ou sinais de ter sofrido um acidente. Mas não
pensei em procurar por um dente perdido!
Então continuei pensando. Continuei tentando fixar o acidente em
minha mente. Como se descobre que algo não aconteceu? Eu conseguia me
lembrar de cada detalhe daquele dia até o ponto de pisar no acelerador do
avião, mas não conseguia me lembrar de mais nada. Então pensei em algo
lógico: Espera um minuto! Não me lembro de pousar em Santa Catalina. Se
eu tivesse pousado o avião, seria absolutamente impossível ter esquecido
disso.
Assim que pensei de tal forma, percebi que meu cérebro vinha
trabalhando de maneira estranha. Percebi que de fato estivera em um
acidente de avião e que ele tinha sido real. Então levantei a cabeça e
percebi de imediato que tudo o que eu começava a suspeitar tinha sido real.
Minha cabeça começou imediatamente a funcionar, recuperando e
formando lembranças. Eu podia sentir. E o mais estranho é que eu
conseguia sentir os dois estados da mente. Eu havia acabado de sair de um
estado em que não formava lembranças e agora estava me encaminhando
para um estado diferente, em que passava a formar lembranças. Eu podia
sentir ambos os estados da mente ao mesmo tempo, o que era muito
estranho.
Então olhei para a cama que ficava ao meu lado e lá havia algo como
centenas de cartões que recebi das pessoas enquanto convalescia no
hospital. Naqueles cartões as pessoas torciam pela minha melhora,
escreviam frases de incentivo, e coisas assim. Li todos eles. Eram de meus
amigos íntimos e de meus colegas.
Eu disse: “Meu Deus! Eu nem sabia que eles estiveram lá!”.
Mas devo tê-los visto todas as noites. Porque eles estiveram lá todas as
noites. Então é como se eu tivesse saído de um estado bastante estranho e
percebido que minha cabeça não estivera formando qualquer lembrança.
Isso foi o que deduzi da história toda.
No dia seguinte, meu pai telefonou para me lembrar de que eu deveria
aparecer em uma consulta marcada com o psicólogo com o qual vinha me
tratando. Não me lembrava de algum dia ter consultado um psicólogo. Mas
fui a Stanford para ver o tal psicólogo e expliquei-lhe, todo empolgado, que
eu não vinha formando novas lembranças nem me lembrava do acidente.
De repente, saí desse estado. Minha mente simplesmente mudou. Foi
incrível.
E sabe de uma coisa? Ele não acreditou em mim! Imagino que eu estava
tão excitado quando lhe contei sobre tudo aquilo que ele continuou me
dizendo que eu era maníaco-depressivo. Fiquei espantado com tal
diagnóstico e contestei-o dizendo que não tinha altos e baixos como um
maníaco-depressivo, que eu era uma pessoa bastante estável. Ele disse: “As
pessoas começam a apresentar os sintomas aos 30 anos de idade”. Eu
estava com 30 anos de idade na época. Ele havia interpretado meu
excitamento em relação ao retorno de minha memória como sendo um
episódio maníaco. Que charlatão!
Passadas as cinco semanas após o acidente, quando finalmente me
recuperei da amnésia, decidi que era uma ótima oportunidade para não
voltar imediatamente para a Apple e terminar a faculdade.
Percebi que já haviam se passado dez anos desde meu terceiro ano de
faculdade e que se eu não voltasse para conclui-la naquele momento,
provavelmente não o faria nunca mais. Aquilo era importante para mim. Eu
queria terminar a faculdade. Seja como for, eu já estava fora da Apple há
algum tempo – na verdade, cinco semanas sem ter consciência disso –,
portanto, seria fácil retomar a faculdade e não voltar imediatamente para a
Apple. A vida é curta, certo? Então estava decidido.
Inscrevi-me e fui aceito e registrado sob o nome Rocky Raccoon Clark
(Rocky Raccoon era o nome de meu cachorro e Clark era o nome de solteira
de minha noiva Candi).
Assim que tomei essa decisão, Candi e eu fixamos a data do casamento:
13 de junho de 1981. Foi uma festa fantástica. Tínhamos um balão de ar
quente da Apple parado no quintal da frente da casa dos pais dela. Foi uma
festa espetacular. A famosa cantora Emmylou Harris deu um show no
casamento.

No dia seguinte à cerimônia, consegui um apartamento em Berkeley


para me preparar para o início de meu quarto ano de faculdade. E o plano
era que nos fins de semana eu voltaria para a casa que compramos no alto
de Santa Cruz Mountains. Uma casa fantástica. Parecia um enorme castelo.
Eu tinha bastante terreno plano, o que não era muito comum, então
construí quadras de tênis. E Candi transformou um pequeno reservatório
de água em um agradável lago. Comprei também uma propriedade vizinha,
somando no total 26 acres. Era o paraíso. (Candi, atualmente minha ex-
esposa, ainda mora nesse paraíso.)
Candi ficava lá, trabalhando na casa, enquanto eu passava a semana no
apartamento da faculdade algumas horas ao norte, em Berkeley. Foi um
ano excelente, e divertido. Pelo fato de estar matriculado com o nome de
Rocky Raccoon Clark, ninguém sabia quem eu era. Eu me divertia posando
como um universitário de 19 anos de idade e os cursos de Engenharia eram
muito fáceis para mim. E todos os fins de semana eu voltava para casa.
Uma das primeiras coisas que fiz em Berkeley, além de assistir a aulas
de Engenharia, foi me matricular em dois cursos de Psicologia (para
profissionais) especificamente sobre memória humana. Após meu acidente
e minha amnésia, eu estava intrigado com os aspectos estranhos da
memória e queria entender mais sobre o assunto.
Pelas próprias características de minha condição, ela acabou sendo
relativamente bem conhecida. Acontece com frequência após acidentes de
carro e de avião, e está associada a danos perto do hipocampo. Era uma
condição típica. Não havia desculpas para o fato de meus médicos –
principalmente meu psicólogo – não terem percebido.
17 Já mencionei ter a voz de um
anjo?

Após o acidente de avião em 1981 e depois de decidir voltar e concluir


minha graduação em Berkeley, outro fato inesperado aconteceu.
Foi durante o primeiro trimestre na escola de verão, quando estava
tendo aulas de estatística para poder me matricular no ano seguinte. Eu
estava dando umas voltas de carro e ouvindo uma estação de rádio – a
KFAT de Gilroy, Flórida – que havia me influenciado profundamente
durante meus dias na Apple. Na época, eu havia mudado meu gosto musical
e passado do rock and roll tradicional para um tipo de country progressivo,
um novo e estranho tipo de música que eu nunca tinha ouvido antes – ela
trazia muito do folclórico, muito do country e muita diversão.
Não tinha nada a ver com aquelas velhas batidas, músicas ou temas de
um tolo estilo country; eram músicas que diziam muito sobre a vida e me
lembravam o tipo de reflexão que Bob Dylan fazia, já que eu tinha muita
familiaridade com as canções dele. Eram músicas profundas, que
apontavam o que estava certo e errado na vida. A maneira como foram
escritas e a maneira como eu as sentia despertaram minha emoção. Isto é,
havia um sentido real embutido naquelas canções, por isso, pode-se dizer
que fui fortemente influenciado pela KFAT.
Mais ou menos nessa mesma época, lembro-me de ter assistido ao
filme Woodstock. Havia um sentido embutido naquele filme também. Um
sentido que tinha a ver com pessoas jovens crescendo e tentando encontrar
formas alternativas de viver. E muito disso foi colocado naquelas canções
do novo country progressivo. Eu ouvia como se uma revolução na música
estivesse começando novamente.
Então tive uma ideia. Pensei: Por que não? Por que não tentar fazer um
tipo de Woodstock para a minha geração? Percebi naquele momento que
tinha muito mais dinheiro do que poderia algum dia sonhar em gastar.
Além disso, estava com 30 anos de idade e provavelmente valia cem
milhões de dólares ou mais. Pensei novamente: Meu Deus! Por que não fazer
um enorme concerto de música country progressiva com todos os grupos que
eu adoro? Muita gente poderia aparecer.
Naquele momento, pensei no tal concerto como um evento não
planejado que simplesmente aconteceria.

Claro que eu não sabia o suficiente para organizar ou produzir um


concerto. Eu não sabia qual o primeiro passo a ser dado. Então conversei
com Jim Valentine, um amigo meu que dirigia uma casa noturna em Santa
Cruz. Contei-lhe minha ideia e o convenci de que o tipo de concerto que eu
tinha em mente atrairia muitas pessoas. Jim concordou e foi muito bom ter
uma pessoa que concordasse comigo, afinal, muita gente não achava que o
country progressivo pudesse atrair uma multidão.
Jim era proprietário de uma casa noturna chamada Albatross (um
nome estranho para um lugar como aquele). Era ele quem administrava a
casa. Ele trazia comediantes, cantores e compositores para se apresentar.
Além disso, possuía algumas conexões com os primeiros grandes concertos
de música – coisas como Altamont em 1969 e os primeiros dias de Bill
Graham em São Francisco. Assim, mesmo com tais conexões, pensei que
talvez em alguns anos, após terminar Berkeley, eu conseguiria fazê-lo.
Mas então Jim me telefonou dizendo que conhecia um sujeito que
poderia fazer minha ideia acontecer. Ele disse ter encontrado o único
sujeito que conhecia capaz de organizar e produzir um projeto de tal
magnitude. Mas seriam necessários muitos milhões de dólares. O nome do
sujeito era Pete Ellis.
Depois de falar sobre o assunto com Jim, percebi que o concerto seria
enorme. Imenso. Estávamos prevendo um espaço enorme ao ar livre, onde
as pessoas poderiam acampar por três dias, como um Woodstock. Mas
talvez melhor.
Quando chegamos nesse ponto, eu já havia retornado à faculdade
(lembre-se de que eu estava enganando todo mundo em Berkeley, dizendo
ser um estudante chamado Rocky Raccoon Clark). Também havia acabado
de me casar com Candi e de comprar uma casa que se parecia com um
castelo – e cujo número era 21.435 (eu gostava desse número porque, em
termos matemáticos, possuía todos os cinco primeiros dígitos aparecendo
exatamente uma vez).
Candi também apoiou a ideia do concerto, provavelmente porque, no
passado, ela havia gostado de uma coisa meio hippie, como a banda de rock
Grateful Dead. Eu disse a ela que achava que até poderíamos ganhar
dinheiro se viesse gente suficiente. Eu não tinha certeza se viria muita
gente, mas não me importava. Eu sabia que poderia bancar tudo. Não sabia
quanto dinheiro daria de retorno, mas estava disposto a assumir o risco.
Depois que fui apresentado a Peter Ellis, ele previu ser necessário um
orçamento de 2 milhões de dólares para começar, e eu estava disposto a
pagar essa quantia.
Com a quantia inicial necessária, eu poderia basicamente constituir a
corporação (a UNUSON Corporation, abreviação de UNite Us in SONg
[Unidos pela Música]), contratar gente, fazer o planejamento, conseguir o
espaço e juntar tudo.
Lembro-me de quando Peter apareceu uma noite em meu apartamento
em Berkeley, na Euclid Avenue. Entreguei-lhe um cheque de 2 milhões de
dólares. Somente naquele momento é que ele percebeu que era para valer.
Devo mencionar que duas semanas após assinar aquele cheque, li um
livro chamado Barefoot in Babylon [Descalços na Babilônia], de Bob Spitz,
sobre todo o processo de criação do Woodstock desde o primeiro dia. Ele
falava sobre encontrar a equipe certa, obter permissão para os lugares,
publicidade, contratar os grupos, superar dificuldades políticas, mudar os
lugares no último minuto, preparação inadequada para o número de
pessoas que compareceriam, e outros contratempos. Cada capítulo era de
tirar o fôlego e me fazia pensar: Oh, meu Deus! Que desastre! O livro de Spitz
realmente me apavorou. Pensei: Olha onde fui me meter!
Mas preciso dizer algo. Se eu tivesse lido esse livro duas semanas antes,
nunca teria levado adiante a ideia do show. Ponto. Não teria feito de forma
alguma.
Isto é, de acordo com o livro, o Woodstock não teve prejuízo só por
causa do filme. Além disso, as despesas envolvidas em colocar o Woodstock
de pé foram bem menores porque não tinha sido feito um trabalho
adequado prevendo todo aquele público. Se tivessem gasto o dinheiro
necessário, teriam perdido tudo. E o Woodstock foi uma bagunça cheia de
chuva e lama. Ao ver o filme, descobrimos que não foi nada do que
imaginávamos. Na verdade, para organizar o US Festival, conversei com um
dos dois sujeitos que criaram o Woodstock, mas ele não quis trabalhar
conosco. Daria apenas uma consultoria, e só. Não queria fazer tudo de novo.
Ele disse ser apenas um executivo de uma companhia de música que havia
começado a trabalhar com isso e que no final acabou sendo cativado pelo
negócio.
De certa forma, o mesmo aconteceu comigo. O US Festival era
exatamente o oposto de minha experiência na Apple. E não ocorreu
facilmente. Envolveu ter planos para conseguir certos grupos que mais
tarde cancelaram; ter planos para certos lugares e estes também cancelar;
bem como planos para o equipamento e este não chegar. Foi uma batalha
onerosa para fazer todas as coisas certas, mas no fim, conseguimos.
Eu assinava os cheques. E confiava no meu pessoal. Eu já havia tomado
uma posição, e quando isso acontece, não se volta mais atrás. Algumas
vezes, tal comportamento foi um grande problema em minha vida –
especialmente no casamento –, mas se estou dentro, então estou dentro.
Não recuo. E no momento que pude ver que seria um desastre, eu tinha
Peter Ellis, e todas as pessoas que ele contratou, contando comigo. Não
podia de repente simplesmente ir lá e puxar o tapete. Nós já havíamos
planejado a data: o primeiro US Festival seria no Dia do Trabalho de 1982,
quase um ano após meu retorno à faculdade.
Finalmente asseguramos o lugar: o parque de um condado próximo a
San Bernardino. Era uma espécie de área desvalorizada. O parque do
condado precisava de dinheiro e a administração da área viu em nós a
oportunidade de consegui-lo.
Havia aspectos interessantes sobre o tal lugar. Por um lado, era uma
área imensa que nos permitiria levar vários caminhões e materiais para o
anfiteatro. Tinha capacidade de abrigar facilmente cerca de 400 mil
pessoas, e esperávamos que abrigasse até um milhão. E isso era vinte vezes
a capacidade do Anfiteatro Shoreline, em Mountain View. (Eu construí
Shoreline anos mais tarde com o promotor de concertos Bill Graham e a
herdeira Ann Getty. Coloquei 3 milhões de dólares nele, de um total de 7
milhões.)
Não queríamos utilizar uma arena ou estádio; queríamos um lugar
mais no estilo de um acampamento. Além disso, aquele parque tinha um
lago e uma grande área. Tivemos de preparar o local com vários caminhões
indo dia após dia para retirar a sujeira e dar a forma correta ao local. No
final, tivemos de plantar às pressas algumas placas de grama de
crescimento rápido para criar um tipo de forração de capim que se
estendesse por muitos acres.
Tivemos também de nos planejar para a enorme quantidade de
pessoas que imaginávamos que viriam. Na verdade, até fizemos uma saída
temporária para a estrada e conseguimos que algumas pessoas do alto
escalão da patrulha rodoviária nos apoiassem. Eles conseguiram aprovar
tudo. Também tínhamos alguns xerifes do condado de San Bernardino do
nosso lado. Conseguimos esse tipo de apoio porque enviamos uma boa
mensagem de gente trabalhando junto, de cooperação, realização, e
fazendo demonstrações de educação e tecnologia em cada tenda que
erguíamos. Ficou óbvio para eles que não éramos apenas aficionados por
concertos com mau comportamento, mas bons sujeitos. De fato, os xerifes
nos apoiaram tanto que até me deram um distintivo de xerife honorário.
Começamos contratando empresas que instalaram o sistema de som,
os palcos e a decoração. Tínhamos também o mais incrível sistema de som
já feito. Não tínhamos alto-falantes apenas no palco principal, mas também
instalamos alguns bem no fundo da plateia, ou seja, o som do fundo foi
retardado exatamente até o ponto em que corresponderia ao som da frente.
Assim, todos poderiam escutar a música ao mesmo tempo.
Tínhamos também grupos para estabelecer várias concessões.
Montamos uma feira de tecnologia com empresas do porte da Apple em
tendas com ar-condicionado, onde elas puderam mostrar computadores e
outros produtos. Havíamos planejado até mesmo um parque de diversões
na feira. Terminei pagando um total de aproximadamente 10 milhões de
dólares para concluir o anfiteatro. Essa foi a despesa mais cara.
Havia também pagamentos muito altos a ser feitos para obter a
exclusividade dos artistas em todo o sul da Califórnia naquele ano – de
forma que as bandas que contratamos, como Oingo Boingo e Fleetwood
Mac, por exemplo, não poderiam tocar em nenhum outro lugar do sul da
Califórnia naquele verão.
O que estou tentando dizer é que se eu comparar o US Festival com a
fundação da Apple, existe uma enorme diferença. Na Apple, eu projetei
sozinho todos aqueles computadores. Eu podia tomar qualquer decisão por
conta própria e haveria muito poucas mudanças ou negociações durante o
processo. Era como se eu tivesse total autonomia e controle, e, dessa forma,
pude fazer tudo funcionar.
Mas com o US Festival, precisei lidar com todo tipo de pessoas e
advogados. E mais: em minha experiência, a indústria da música é a pior de
todas. Além disso, precisei lidar com toda a construção, custos e
financiamentos, com todo mundo tentando conseguir um pouco mais de
dinheiro da direção. Assim, o US Festival foi um negócio muito maior para
ser realizado do que quando eu projetava computadores. Na verdade, foi o
oposto. Era mais bem financiado, tinha muito mais pessoas envolvidas e foi
um desafio, uma verdadeira provação, desde o início.
Além do mais, eu era o único assinando cheques, mas senti não ter
experiência na contratação dos grupos que iriam se apresentar. E ninguém
do meu pessoal tinha. Eles sabiam como organizar uma empresa, mas não
como contratar grupos. Foi então que conversei com o promotor de
concertos Bill Graham e o contratei. Portanto, se já ouviu alguma das lendas
que cercam Bill Graham, sabe que ele geralmente gosta de dirigir todo o
show. Mas ele estava na Europa com os Rolling Stones e nós já vínhamos
cuidando da engenharia, preparando o palco, os avisos, as companhias que
seriam contratadas, o sistema de som, o vídeo. Era a primeira vez que um
telão Diamond Vision seria utilizado em um concerto nos Estados Unidos.
Bill Graham tinha algumas ideias definidas. Por um lado, ele vetou
totalmente minha ideia de country progressivo e praticamente a colocou de
lado, dizendo que eu não poderia ter esse tipo de música. Ele disse: “Se você
quer essa quantidade de pessoas, precisará ser um moderno concerto de
rock”. Se realmente for necessário, ele disse, posso acrescentar um pouco
de country.
Bill disse também que precisaríamos ter o que os jovens nos colégios
estavam escutando. Então fui pessoalmente até alguns colégios e conversei
com os garotos. Quando me apresentaram as listas dos grupos que
queriam, tudo que fizeram foi reproduzir o que as rádios e a MTV estavam
tocando. Era como se quisessem apenas dois artistas: Bruce Springsteen e
Men at Work. Eles não apresentaram nenhum conhecimento especial que já
não possuíssemos. E isso foi frustrante.
Seja como for, organizamos o US Festival e nos apresentamos em 1982,
durante o fim de semana do Dia do Trabalho. Candi estava grávida de quase
nove meses, e nós alugamos uma casa com vista para o parque onde se
daria o festival. Quer dizer, era assustador olhar um dia e ver a maior
multidão reunida lá embaixo. Mas nós íamos fazer acontecer, disso eu não
tinha dúvida.
E fizemos, realmente fizemos. Embora tenha perdido dinheiro, isso não
foi o mais importante. O mais importante foi que as pessoas se divertiram –
e que instalações como barracas de comida e banheiros funcionaram sem
problemas. Como estava acima de 40 graus naquele verão, instalamos uma
enorme fileira de chuveiros para que as pessoas pudessem se refrescar.
Ainda recebo cartas e e-mails de pessoas dizendo que aquele foi o
melhor concerto de suas vidas. Eu apenas queria que todos se divertissem,
e acho que consegui.E certamente fomos os primeiros em muitos aspectos.
Fomos o primeiro concerto desse porte não voltado para a caridade. Fomos
o primeiro a combinar música e tecnologia. Fomos o primeiro a utilizar um
imenso telão de vídeo Diamond Vision para levar a imagem do palco para
as pessoas sentadas muito longe, na parte de trás, assim como para as
pessoas em casa, assistindo pela MTV; e também tínhamos uma ponte
espacial, através do satélite, para conectar nosso concerto com alguns
músicos da então União Soviética. O astronauta Buzz Aldrin também esteve
envolvido na ponte espacial, conversando com um cosmonauta!
Isso foi ainda durante a Guerra Fria. Naquela época, as pessoas da
União Soviética, principalmente os russos, eram muito mais temidas que a
Al Qaeda de hoje. O medo na época era que o regime comunista da então
URSS nos aniquilasse com suas armas. Porém, alguns de nosso grupo do
UNUSON tinham contatos voltados para a paz com pessoas da URSS,
incluindo técnicos, que propuseram a primeira ligação via satélite (ponte
espacial) entre os dois países.
Eu gostava de ser o primeiro nas coisas – sempre gostei –, por isso
aprovei tudo aquilo instantaneamente. Decidimos que funcionaria desta
forma: nós transmitiríamos os shows ao vivo de nosso palco para um grupo
na Rússia. E eles transmitiriam de volta um show ao vivo para nós pelo
Diamond Vision. A chave que tornou isso possível é que antes de os Estados
Unidos se retirarem das Olimpíadas de Moscou de 1980, a NBC havia
deixado muitos equipamentos de satélite para trás. Assim, todo esse
equipamento ainda estava em um armazém em Moscou.
Nossos amigos técnicos na URSS tiraram os equipamentos das caixas e
estabeleceram uma linha de satélite na data específica do US Festival. Não
havia como saber se isso funcionaria. Naquela época, algumas vezes levava
até duas semanas apenas para receber um telefonema na URSS. Tivemos de
conseguir a aprovação de uma ligação telefônica na data da transmissão
apenas para que as partes dos dois países pudessem conversar entre si e
garantir que tudo funcionasse bem.
Na data da transmissão, não tínhamos ainda certeza de que
funcionaria. Até um segundo antes de a transmissão aparecer na tela – no
primeiro dia do US Festival –, não tínhamos certeza. Mas então ela surgiu.
Bill Graham deveria anunciar o que estava acontecendo para aquela
multidão gigantesca. Mas ele não o fez. Então corri pelo palco até onde Bill
estava vendo alguns monitores de TV e pedi-lhe para anunciar. Mas ele
achava que o sinal soviético era uma fraude e que vinha de um estúdio do
sul da Califórnia. Ele disse: “De jeito nenhum os soviéticos permitiriam uma
ligação como esta”.

Eu e a URSS
O fato de fazer a ponte de satélite com a União Soviética a partir do US Festival levou-me
a destinar mais de um milhão de dólares ao longo dos dez anos seguintes para os esforços
de paz entre Estados Unidos e União Soviética. A ideia era diplomacia pessoal. Tentei
fazer que pessoas comuns de cada país, não funcionários do governo, se encontrassem.
Em 4 de julho de 1988, patrocinei o primeiro grande concerto da URSS, em um estádio na
periferia de Moscou, reunindo importantes grupos soviéticos e americanos no mesmo
palco. Entre os grupos americanos estavam Dobbie Brothers, James Taylor, Santana e
Bonnie Raitt. Encontrei uma guitarra barata de 25 dólares em uma loja da Rússia, e fiz
que todos os grupos a autografassem. Ainda tenho essa guitarra. O concerto ocorreu ao
final de uma grande marcha pela paz.
Por fazer essas coisas, como a primeira ponte espacial entre o US Festival e a URSS, e esse
concerto, acabei ficando bastante conhecido na URSS. Mas quer saber? A imprensa dos
Estados Unidos não se importou nem um pouco. Quase não houve cobertura.
Em 1990, patrocinei viagens de duas semanas para 240 pessoas comuns – professores,
por exemplo – para fazer turismo em terras americanas e ficar na casa de membros do
Rotary Club daqui.
Então fiz as três primeiras pontes espaciais na União Soviética. Nessa mesma época,
talvez em 1989, a ABC considerou um programa nacional de TV como sendo a primeira
ponte espacial já feita. Na verdade, eu paguei pelas conexões da transmissão simultânea,
mas a ABC sequer mencionou meu nome, levando todo o crédito de ter sido a primeira.
Na verdade, ela foi a quarta!

Mas eu sabia a verdade. Então fui até o microfone e anunciei para a


multidão que aquela era uma transmissão histórica da Rússia. Surgiram
algumas vaias – lembre-se de que os soviéticos eram nosso inimigo nº 1 na
Guerra Fria –, mas eu sabia que estávamos fazendo história.
Para a URSS, transmitimos Eddie Money. Eles adoraram.

O US Festival foi também o primeiro concerto onde alguém me ouviu


cantar! Já mencionei ter a voz de um anjo? Subi no palco e cantei com Jerry
Jeff Walker, o cantor conhecido pela sua canção dos anos 1960, “Mr.
Bojangles”. A música que cantamos foi “Up Against the Wall Redneck
Mother”. Foi bom eles não terem me dado um microfone! Walker acabou
sendo realmente o único representante do country naquele ano. E isso
porque, originalmente, eu queria que todo o concerto fosse country!
Também consegui conhecer alguns outros músicos! Eu ficava dando
voltas com meu filho Jesse, mas procurei evitar conhecer celebridades.
Conheci Chrissie Hynde, do Pretenders – ela também havia acabado de ter
um bebê e o levara com ela. Lembro-me de Jackson Browne se
aproximando e me cumprimentando. Fiquei com a língua travada, sem
saber o que falar – senti-me bastante intimidado em conversar com um
artista tão famoso.
Para mim, a parte mais importante foi o público.
Recordo-me de ter dado algumas voltas com meu amigo Dan Sokol em
pequenas motos e de simplesmente ter ficado extasiado ao ver como as
pessoas estavam se divertindo.

Fiquei exausto. Passei acordado praticamente todas as últimas duas


noites porque Jesse estava nascendo. Ele nasceu duas semanas antes da
data prevista! Era 1° de setembro, dois dias antes do início do concerto.
Tínhamos acabado de verificar o som e aproximadamente às 2 horas da
manhã Candi acordou em trabalho de parto. Não havíamos feito nenhum
plano para o nascimento.
Quer dizer, estávamos tendo lições de parto e tudo mais no norte da
Califórnia. Telefonei para a parteira e ela recomendou um centro de parto
natural em Culver City, que ficava a mais de hora e meia de viagem. Então
pegamos emprestado um dos carros que estava na casa que alugamos e
fomos para a maternidade. Mas não contamos para ninguém.
Tenho certeza de que na manhã seguinte, um dia antes do concerto,
todos ficaram imaginando onde diabos eu havia me metido. Mas Jesse
nasceu somente à tarde. Era um lindo bebê.
Quando eu e Candi discutíamos que nome dar ao bebê, imaginei que
poderíamos ter problemas para chegar a um acordo. Propus uma solução
simples para evitar conflitos: se fosse um menino, eu daria o nome; se fosse
uma menina, ela daria o nome. Candi concordou. Assim, quando o bebê
nasceu, dei-lhe o nome de Jesse; um nome que eu já havia planejado.
Primeiro havia pensado em Jesse James, mas depois resolvi que seria Jesse
John.
Porém, o nome Jesse soava engraçado com Wozniak. Então decidi que
se o bebê fosse menino, eu lhe daria o nome de Jesse John Clark. Assim,
quando o bebê surgiu, eu exclamei: “É um menino!”. Mas não, era o cordão
umbilical que eu estava vendo.
Mas no fim, era realmente um menino, então anunciei simplesmente:
“Jesse John Clark”.

Eu estava tão cansado, andando por toda parte no concerto, quando ele
começou, e havia um médico me injetando algo para me manter de pé –
vitaminas, ele disse. Mas eu tinha de dar todas aquelas entrevistas – uma
com Peter Jennings, por exemplo, e uma com Sting ao meu lado. Eles
ficavam me perguntando sobre a multidão de espectadores, e eu
simplesmente dei respostas horríveis porque estava muito cansado.
Mas existe uma foto maravilhosa – minha foto favorita. Ela mostra o
momento em que subi no palco no primeiro dia do concerto com Jesse
recém-nascido em meus braços. Disse a todos que aquele era o nascimento
de algo grande. Claro que eu queria dizer o Jesse, mas também o concerto.
As pessoas ficaram doidas, gritando e aplaudindo.
Nunca vou esquecer daquele momento.

Adorei aquele primeiro concerto US Festival, e eu sabia ter feito muitas


pessoas felizes com ele. Ficamos sabendo pelas reportagens da imprensa
que bastante gente havia comparecido (cerca de meio milhão de pessoas).
Então pensamos que teríamos ganhado dinheiro. Mas na verdade,
perdemos cerca de 12 milhões de dólares, por não termos vendido tantos
ingressos quanto o número de pessoas que participou do evento.
A Big 8, empresa de contabilidade que contratamos, explicou-me que o
motivo do prejuízo foi o fato de que muitas pessoas conseguiram entrar
sem pagar. Acreditei neles.
Então decidi fazer de novo. Disse para todos os envolvidos: “Vamos
fazer outro show. Conseguimos bastante publicidade da primeira vez. Nós
somos quentes; é sucesso garantido”. E foi legal. Então pensei: Desta vez
faremos um controle rigoroso e garantiremos que todos tenham ingressos.
Então, em 1983, fizemos durante o fim de semana do Memorial Day*
(tivemos um dia de música country no sábado seguinte). Desta vez
tentamos trazer mais da música da nova moda da época – os alternativos.
Apresentamos Clash, Men at Work, Oingo Boingo, Stray Cats, INXS e
algumas outras bandas. Esse foi o primeiro dia. No segundo dia fizemos o
dia do heavy metal.
Fizemos novamente a ligação via satélite com a Rússia. Tivemos ainda
mais duas pontes espaciais com a URSS. Mas desta vez não transmitimos
shows de música. Em vez disso, transmitimos grupos nossos em barracas
conversando com grupos deles. Astronautas americanos e cosmonautas
soviéticos também estavam envolvidos. Foi algo bem grande. O que me
emocionou foi o fato de termos valores bastante similares. Essas trocas
dissolveram para sempre dentro de mim os efeitos da propaganda de uma
vida inteira dizendo que o povo soviético era nosso inimigo.

Embora tendo mais cuidado na contagem dos ingressos, ainda


perdemos dinheiro no segundo evento.
Outros 12 milhões de dólares! Na verdade, eu estava pagando como
louco um valor excessivo pelas bandas. Isto é: com o Van Halen eu paguei
um milhão e meio de dólares por uma única apresentação. Ouvi depois que
foi a maior quantia já paga por uma banda. E embora David Lee Roth
tivesse sido agradável e cordial quando o conheci, ele se apresentou
praticamente caindo do palco. Ele estava muito bêbado, engolindo as
palavras e esquecendo as letras das músicas.
Mas desta vez instalamos controles bem rigorosos, recolhendo o
canhoto dos ingressos e guardando todos eles. Tínhamos catracas para
contar todos que entraram. Também tiramos fotografias aéreas para fazer
uma contagem precisa. Além disso, sabíamos quantos ingressos havíamos
vendido, impedindo que as pessoas se esgueirassem para dentro como da
última vez.
Mas acontece que a empresa de contabilidade tinha fornecido
informações incorretas. O problema não foi que as pessoas teriam
conseguido entrar de graça.O problema foi que as estimativas da imprensa
quanto à presença do público foram muito exageradas. Nas duas vezes.
Perdemos dinheiro porque não veio tanta gente como pensávamos. Não
tínhamos vendido ingressos suficientes para cobrir os custos.
Ainda assim, penso no US Festival como um evento com enorme
sucesso. Se me perguntassem, faria tudo novamente. Sem pestanejar. Foi
uma experiência tremenda para mim. Todos se divertiram! Sorrisos por
todos os lados. Mas do lado financeiro, realmente não foi tão bom. Perdi
bastante dinheiro, o que foi muito frustrante.
Um dos momentos mais memoráveis foi quando o promotor de eventos
Bill Graham chegou perto de mim quase no fim do concerto daquele
primeiro ano. Era uma noite de enorme lua cheia, e Sting estava se
apresentando no palco com The Police. Bill apoiou seu braço em mim e
disse: “Veja isso, Steve, apenas olhe. Coisas assim só acontecem uma vez em
cada década. É um momento muito raro”.
Ele disse que após nosso evento, todos fariam US Festival como aquele
porque era algo muito popular, divertido e fora do comum.

Paranoia?
Em minha primeira viagem para a URSS decidi levar alguns amigos comigo.
Uma tarde, meu amigo Dan Sokol tentava tirar uma soneca, mas se sentia incomodado
com uma música russa que vinha de dentro de seu quarto. Acho que ele estava muito
cansado para encontrar o pequeno botão da música próximo da porta. Bastaria acionar o
botão para reduzir o som da música ambiente.
Em vez disso, ele forçou uma pequena abertura no teto, próxima ao lugar de onde vinha o
som. Ele viu alguns fios e os puxou com força. Os fios se soltaram, mas a música
continuava. Então Dan subiu em uma cadeira e encontrou outro alto-falante no teto. Ele
puxou o fio deste também, mas o som continuou. Ele examinou o quarto até encontrar
outro alto-falante que fazia parte de um sistema de interfone.
Espera aí!, ele pensou, é dessa forma que eles escutam você! Quando ele arrancou este, o
som parou. Dan levou o crédito por haver encontrado o sistema de vigilância da URSS.
Como se estivessem espionando-o. Dei risada, pois pensei: Tudo isso para você Dan; um
paranoico metido em teorias de conspiração.
Nós contamos esta história sobre o dispositivo de vigilância russo para alguns amigos
nossos que depois foram para a URSS. No ano seguinte, um amigo de Jim Valentine foi
para São Petersburgo para instalar um equipamento de som em uma discoteca. Pensando
na história de Dan, ele esquadrinhou seu quarto em busca do dispositivo de vigilância
escondido que Dan havia descrito. Sob o tapete ele sentiu um pequeno volume. Levantou
o tapete e viu uma placa de bronze presa por quatro grandes parafusos. Com uma chave
de fenda ele tirou os quatro parafusos.
Quando o último parafuso saiu, um lustre caiu no chão no andar de baixo.
Também por volta dessa época conheci uma menina (eu já estava separado de Candi) de
nome russo, Masha. Ela era intérprete e viria a se tornar uma namorada distante pelo
próximo semestre.
Na Rússia, meus amigos começariam a apontar para vários sinais de que eu mesmo
estaria sendo “observado”. Eles achavam que certos empregados russos – motoristas e
outros do gênero – eram agentes da KGB mantendo-se bem perto de mim o tempo todo.
Uma vez, para ter algum tempo sozinho com Masha, montei um esquema para me perder
das pessoas que poderiam estar me seguindo. Em vez de sair do concerto em meu
próprio carro fornecido pelos soviéticos, consegui que outro motorista nos levasse (eu e
Masha) para meu hotel, onde teríamos cerca de 20 minutos sozinhos para conversar.
No dia seguinte, Masha e eu passeamos em um museu de arte no Kremlin. Lá dentro ela
me disse com toda naturalidade, sem mesmo erguer a sobrancelha, que eu estava sendo
seguido pela KGB. Ri da informação, mas Masha apontou para um homem ainda jovem
em um belo terno parado na sala em que estávamos. Ela disse: “Ele é da KGB”.
Ela disse que sempre conseguia identificar a KGB por conhecer vários sujeitos da escola
de espionagem; ela conseguia sempre apontá-los pela forma com que se comportavam e
pela aparência que tinham. Decidi pagar o blefe de Masha e disse--lhe: “Você quer dizer
que se retrocedermos algumas salas ele irá nos seguir?”. Ela respondeu com toda
naturalidade e com total confiança: “Sim”.
Então voltamos algumas salas e ficamos conversando sobre diversos assuntos e
admirando um quadro na parede quando dei uma olhada para os lados. Lá estava ele. O
mesmo sujeito do outro lado da sala olhando para uma caixa de vidro.
Essa aposta eu perdi.

De certa forma, ele estava certo, pois mais tarde aconteceram vários
concertos enormes: Live Aid, Farm Aid, todos eles. Porém, todos esses
concertos foram realizados em estádios, portanto, em locais já construídos.
Quem mais na história ergueu uma instalação como aquela, um lugar bom o
suficiente para receber e dar condições para tantas pessoas apreciarem um
show?
Para o público e para mim, os dois US Festival foram o ponto alto de
minha vida. Ganhar dinheiro ou perder dinheiro é importante. Mas realizar
um belo show é o mais importante de tudo!

* Feriado nacional nos Estados Unidos, observado na última segunda-feira do mês de maio. Nesse dia
se homenageia os soldados americanos mortos em combate. (N. T.)
18 Deixando a Apple e mudando
para a Cloud Nine

Depois do US Festival e de me graduar em Berkeley, voltei para a Apple


para novamente trabalhar como engenheiro. Eu não queria administrar
pessoas, ser um executivo nem nada parecido. Queria apenas ficar por ali,
projetar novos circuitos, ter novas ideias inteligentes e aplicá-las.
Mas quando cheguei lá foi estranho, porque eu já era conhecido nos
principais órgãos representantes da mídia e tinha muitas outras coisas
para fazer. Uma tonelada de coisas. Eu estava sendo chamado por um
monte de pessoas – a imprensa e grupos de informática para os quais eu
precisava falar – e estava trabalhando em projetos filantrópicos como o San
Jose Ballet e um museu de informática da cidade. Eu estava como que
espalhado por todo o mundo e em todos esses países e áreas diferentes –
além de apenas trabalhar em circuitos.
Eu poderia começar algo ligado à Engenharia e ter alguma ideia em
termos de arquitetura do sistema. Por exemplo, poderia ser algo que
pudesse acelerar o processador em cinco vezes, mas os outros engenheiros
precisariam fazer a maior parte do projeto dos chips, das conexões e da
montagem das placas de circuito impresso. Então, na verdade, senti que
não seria fundamental que eu estivesse lá, embora ainda amasse a Apple.
Eu trabalhava na divisão do Apple II. Isso foi depois que o projeto
Apple III foi fechado, de forma que os engenheiros daquele departamento
se tornaram engenheiros do Apple II. Muitos deles apenas gravitavam em
torno de mim. Era divertido. Naquela época, havia algumas pessoas legais
começando alguns projetos interessantes em meu prédio. Por exemplo,
assim que cheguei lá, em um piso abaixo do meu, eles estavam terminando
o computador Apple II C: um pequeno Apple II – verdadeiramente pequeno
–, semelhante aos laptops de hoje, exceto pelo fato de que precisava ser
ligado na parede. Achei que era um computador bem bonito; até hoje
considero-o meu favorito. Acho que foi um dos melhores projetos já feitos
na Apple.
Um dos engenheiros desse projeto era um sujeito chamado Joe Ennis, o
tipo do sujeito de que eu gostava: que ficava entusiasmado e apaixonado
pelos produtos em que trabalhava, para onde eles poderiam ir e o que as
pessoas poderiam fazer com eles. Ele tinha um cabelo comprido, uma
aparência hippie, embora já estivéssemos em 1985. Joe tinha estas ideias –
todo tipo de grandes ideias sobre expandir o Apple II para áreas bem além
do que até mesmo o pessoal do Macintosh estivesse pensando.
Como a ideia de ter um Apple II programado para ser uma central
telefônica completa (hoje, centrais telefônicas são apenas placas
conectadas ao computador). Ele imaginou que seria possível armazenar
vozes digitalmente – isso estava muito à frente de seu tempo – e transferi-
las também digitalmente para outros canais. Joe tinha uma ideia em cima
de outra ideia em cima de outra ideia sobre o futuro dos computadores.
Achei seu cérebro e suas ideias simplesmente fantásticos.

Naquela época, eu tinha uma casa realmente agradável no alto de Santa


Cruz Mountains, com vários equipamentos de áudio e vídeo de última
geração. Todos os aparelhos de TV daqueles dias possuíam controle
remoto, assim como os aparelhos de videocassete. Além disso, eu tinha um
laser disc, logo, possuía mais um controle remoto. Então havia este caro
aparelho de som da Bang & Olufsen que também tinha um controle remoto.
Isso era raro em uma época em que nenhum outro aparelho de som vinha
com controle remoto.
Naqueles tempos eu também estava pensando em ter uma TV por
satélite – algo muito raro, que não se comprava nas lojas. Tive sorte de
conseguir a minha através de um amigo, Chuck Colby, que estava
desenvolvendo equipamentos personalizados. Mas lá estava. Outro
controle remoto.
Assim, normalmente eu ligava a televisão com um controle remoto e
talvez ligasse o aparelho de som com outro controle (porque os alto-
falantes ficavam interligados na TV), e depois eu ligava o satélite e em
seguida apertava alguns botões para o canal do satélite entrar, e pensava
que seria bom ligar o videocassete para passar o sinal através dele – pela
forma como eu os havia ligado, todos os sinais passavam por ele para
chegar à TV. Eu apertava vários botões em diferentes controles remotos e
me parecia absolutamente óbvio.
Então, lá estava eu sentado na cama, operando todos aqueles
equipamentos com seus controles remotos. Era uma loucura. Eu queria um
único controle remoto com um botão que fosse programável para lidar com
todos aqueles aparelhos. Não queria um botão para ligar a TV, outro botão
para ligar o videocassete, outro botão para ligar o satélite, outro botão para
selecionar os canais de satélite e outro botão para registrar aquele número.
Eu queria um único controle remoto. Apenas um. E queria aquele botão
principal para poder realizar múltiplas tarefas. Eu queria apertá-lo várias
vezes zip, zip, zip, zip, zip e ter todos os sinais infravermelhos saindo do
controle e ligando tudo para o status que eu desejava.
Se eu quisesse assistir a um laser disc, por exemplo, bastaria ligar a TV,
selecionar o canal 3, ligar o aparelho de laser disc e pronto.
Portanto, estava bastante claro para mim que seria necessária uma
solução em um único controle remoto. Eu sabia que podia ver isso antes
que a maioria das pessoas, porque naquela época, a maior parte das
pessoas nos Estados Unidos não possuía tantos controles remotos quanto
eu. A maioria olharia para mim e diria: “O que você quer dizer? Só preciso
de dois controles remotos: um para o videocassete e outro para a TV”.
Mas percebi que logo as pessoas precisariam de mais controles
remotos e que isso se tornaria um problema (como já se tornara para mim).
Comecei a falar com algumas pessoas sobre essa ideia e fiquei animado
porque percebi como seria fácil desenvolvê-la. Na verdade, seria um
projeto simples. Um pequeno microprocessador poderia ler a codificação
entrando, armazenar os dados e depois emitir os mesmos dados quando os
botões fossem apertados.
Como já disse, gosto de ser o primeiro. Então pensei: Eu é que vou fazê-
lo. Assim sendo, realmente me tornei a primeira pessoa no mundo a fazer o
que agora é conhecido como controle remoto universal.

Deixe-me aprofundar um pouco e explicar exatamente o que fazia o


controle remoto da forma como eu o concebi.
Como disse antes, era muito importante garantir que esse controle não
precisasse ter um botão correspondendo a cada botão de seu controle
remoto correspondente. Neste caso, eu acabaria tendo um controle com
milhões de botões – todos do controle remoto da TV, mais todos do
videocassete, mais todos da TV por satélite, e assim por diante.
Eu queria um único botão em meu controle que emitisse
sequencialmente muitos códigos em infravermelho correspondentes aos
botões em outros controles remotos – ou mesmo inúmeros outros
controles remotos. Como consumidor, eu não queria precisar apertar cinco
botões em sequência para ligar tudo e sintonizar em meu canal de TV
favorito – naqueles dias, o Canal de Filmes. Eu queria apertar um único
botão, uma só vez, para fazer tudo isso.
Isso significava que os botões em meu controle seriam como macros.
Um botão poderia representar toda uma sequência de tarefas (no Word,
por exemplo, podia-se estabelecer uma macro em uma tecla de forma que
bastaria apertar esta tecla – digamos, CTRL + S – para verificar a ortografia
de seu documento, aceitar todas as mudanças e depois salvar novamente o
documento).
Percebi que isso seria exatamente como um programa. Eu precisaria
desenvolver um pequeno programa para cada botão. Então tive a ideia do
consumidor não apenas decidir o que faz cada botão, mas também refazer o
programa do botão para redefinir o que outro botão faz. Criei uma
linguagem de programação dentro do controle remoto e fui um passo além,
adicionando uma característica referida pelo prefixo “meta”, que permitiria
um programa em um botão específico desenvolver sozinho um programa
inteiramente novo para aquele próprio botão.
Era uma linguagem bonita, da qual fiquei orgulhoso. Acontece que não
era a maneira mais fácil de fazer aquilo que a vasta maioria dos usuários
gostaria, mas seria muito atraente para geeks de software como eu.

Eu ainda estava na Apple quando tive esta ideia. E comecei a contar


sobre ela para as pessoas. Pessoas como Joe Ennis. Como disse
anteriormente, eu adorava a maneira como o cérebro dele funcionava. Ele
sempre se interessava por usos pouco comuns para a tecnologia. Eu contei
para ele sobre minha ideia de controle remoto e começamos a falar o
tempo todo sobre isso. Ele realmente gostou.
Então joguei pesado com Joe, lançando a seguinte ideia: “Vamos sair da
Apple e começar esta empresa”.
Nunca senti como se estivesse voltando as costas para minha própria
companhia. Nunca. Neste momento a Apple era uma grande empresa, e ela
não foi, e ainda não é, o amor de minha vida. A paixão de minha vida é
começar pequenas empresas com pequenos grupos de amigos. Trazer
novas ideias e tentar desenvolvê--las. Naquele momento, a ideia Apple não
era tão nova.
Na época, eu estava chefiando um novo Apple II, que deveria ser
melhor que todos os demais, chamado Apple II X. Mas logo depois que o
iniciamos, a alta administração da Apple o colocou de lado.
Olhando retrospectivamente, essa foi, provavelmente, uma decisão
decente. Afinal, eles estavam acostumados com produtos que vendiam 20
mil unidades por mês, e um produto sofisticado e caro como o Apple II X
possivelmente não venderia mais que 2 mil unidades por mês. Assim, como
eu disse, eles o colocaram de lado.
Outro produto Apple II que na verdade nasceu do Apple II X: o Apple II
GS. A piada era que ele significava Granny Smith, um tipo de maçã, mas que
na verdade era uma abreviatura de gráficos e som. Era um excelente
projeto. Com gráficos – gráficos reais em cores de 24 bits que funcionassem
com monitores de computador em vez de TVs – e som – som real, não
apenas gorjeios –, talvez fosse possível fazer coisas realmente
interessantes. Coisas como jogos e software para crianças que realmente
precisariam de tal nível de produção para se envolver.
Eu estava tão feliz em ver que conseguimos um projeto que de repente
trazia o Apple II para o lugar em que ele realmente precisava estar. Havia
alguns problemas com o moral de meu grupo como resultado das pessoas
do Apple II se sentirem desvalorizadas em relação ao grupo do Macintosh
(o Mac estava em desenvolvimento).
Além disso, eu estava pronto para algo novo.
Logo depois de começar a falar com Joe, e também com minha
assistente Laura Roebuck, decidi que seguiria adiante e montaria uma
empresa para fabricar o controle remoto. Ambos queríamos fazer isso. Eu
tive muita sorte de conseguir a Laura – ela havia acabado de ter um bebê e
queria trabalhar em tempo parcial, e a Apple não oferecia posições em
tempo parcial.
Seja como for, foi uma ideia bastante simples; eu realmente não
precisava de muito mais engenheiros do que Joe e eu. (Claro que as coisas
são diferentes agora. Um investidor faz as pessoas irem logo contratando
20 novos!). Mas isso foi em fevereiro de 1985.

A primeira atitude que tomei foi telefonar para o chefe de meu chefe na
divisão Apple II, Wayne Rosing, e contar-lhe que eu estava saindo para
começar uma empresa de controle remoto. Quer saber: eu tinha um
emprego e precisava dizer para alguém: “Estou saindo. Estou saindo para
começar uma empresa”.
Não telefonei para Steve ou Mike Markulla ou qualquer outro no
conselho. Eu tinha um emprego em engenharia e achava que deveria dizer
para alguém que eu me reportasse, para que eles ficassem sabendo.
Sentei com eles, esquematizei minha ideia e a descrevi exatamente
como a descrevi aqui. Eu lhes disse que faria um controle remoto que seria
único para trabalhar com todos os eletroeletrônicos que alguém possuísse.
Seria um único controle remoto com um único botão; bastante simples. Isso
não competia com nada que a Apple fazia.
Eles rapidamente me liberaram dizendo que viram meu projeto e que
não havia nada nele que representasse uma concorrência. A carta também
me desejava sorte.
Eu saí em uma semana, mas ainda fiquei na folha de pagamento como
empregado da Apple. Estou até hoje. Eu tenho o menor salário que um
empregado em tempo integral pode possuir. Desta forma ainda represento
a Apple em clubes de informática.
Steve provavelmente ouviu falar que eu estava saindo no mesmo dia
em que quase todos no mundo ouviram isso (instantaneamente): no dia em
que uma notícia foi publicada em The Wall Street Journal. Mas a notícia saiu
toda errada.
O repórter me telefonou no mesmo dia em que eu estava saindo,
enquanto eu empacotava tudo, e disse: “Entendi que você está começando
uma nova empresa?”. Então o boato já estava circulando. Eu disse que sim e
ele me perguntou do que se tratava. Eu contei para ele.
Ele perguntou: “Existe algo que você não esteja feliz com a Apple?”. E
eu lhe disse a verdade. Eu disse que sim e que me colocava na defesa das
pessoas com as quais trabalhei que estavam ofendidas pela falta de
respeito que receberam.
Na época em que eu estava saindo, as pessoas do grupo Apple II
estavam sendo tratadas como desimportantes pelo restante da empresa.
Isso apesar do fato de o Apple II ser de longe o produto mais vendido em
nossa empresa há muito tempo, e que ainda continuaria sendo nos
próximos anos. Apenas recentemente ele foi superado como número um no
mundo pelo PC da IBM, que possuía conexões no mundo empresarial que
nós não tínhamos.
Quem trabalhava na divisão Apple II não conseguia obter o dinheiro de
que precisava ou as peças de que precisava da mesma forma que
conseguiria se trabalhasse, por exemplo, na divisão do novo Macintosh. Eu
achava que isso não era justo.
Ele ficava reduzido a certos tipos de despesas, que tipo de
componentes seria permitido comprar de outras empresas, quanto
dinheiro estava alocado para trabalhar em projetos; tudo isso apesar de ter
este computador com imenso sucesso no mundo. Como eu disse, muitas
coisas estavam sendo cortadas.
Também havia limitações para o Apple II em termos de fazer uso das
vantagens dos novos avanços na tecnologia. Nós ouvíamos: “Não, o Apple II
continuará sendo o Apple II, e não deixaremos que ele se mova para áreas
mais novas e mais avançadas”. Coisas desse tipo.
Assim, fiz vários comentários como estes acima e depois o repórter
perguntou: “Então este é o motivo de você sair da empresa?”.
E eu respondi categoricamente: “Oh não, este não é o motivo. Estou
saindo porque quero fazer este controle remoto”.
Mas The Wall Street Journal imprimiu o artigo sugerindo que eu estava
zangado com a Apple e que esta era a razão de eu estar saindo. Isso foi
errado, muito errado; eu me desdobrei para contar a história toda sem
confundir o repórter. Talvez eles tivessem achado mais interessante
compor a história da forma como ela foi publicada. Eles apenas deixaram
de fora algumas poucas palavras: “Não é por isso que estou saindo”, e isso
foi o mesmo de querer dizer que esta foi a razão por eu ter saído.
Oh, meu Deus! Eu tendo a achar que isso foi um acidente, mas deixe-me
dizer uma coisa. Desde então isso foi colocado em cada livro e em cada
trecho de história sobre a empresa. Isso está errado. Quer dizer, eles
perguntaram especificamente: “Este é o motivo para você sair da
empresa?”. E eu me desdobrei para dizer: “Não”. Mas não foi impresso
desta forma. Todo mundo acabou achando que eu saí por estar zangado
com a Apple, ou algo assim.
O único motivo por eu ter deixado meu emprego diário na Apple é que
fiquei entusiasmado com a ideia de realizar esse novo projeto que nunca
havia sido feito antes. Eu vi que os controles remotos se tornariam mais
importantes nas vidas das pessoas quando fossem lançadas as TVs por
satélite e outros aparelhos. Lembre--se de que ainda não havia uma loja
onde fosse possível comprar uma TV por satélite. Era preciso fazer parte de
um seleto grupo de pessoas para saber como até mesmo comprar um
receptor feito sob encomenda para isso.
Se não tivesse passado pela minha cabeça a ideia do controle remoto,
eu teria permanecido exatamente onde estava. Mas essa foi uma ideia legal.
E nós nos movemos bem rápido.

Primeiramente, pensamos sobre um lugar para a empresa. Eu morava


na Summit Road, em Santa Cruz Mountains. Lá no alto da Summit havia
dois restaurantes: o Summit Inn e o Cloud 9. Eu sabia que o Cloud 9 estava
fechando, então sugeri este nome. Não seria legal?
Joe Ennis também gostou do nome Cloud 9. Os advogados que estavam
constituindo a empresa verificaram o nome e descobriram que ele já estava
sendo usado. Não consigo me lembrar quem de nós sugeriu o nome CL 9.
Pode ter sido que eu tenha visto em uma placa de automóvel, mas é difícil
de lembrar. Seja como for, ficamos com CL 9, que também é um ótimo
nome.
Talvez duas semanas após isso, conseguimos um escritório na parte
velha de Los Gatos (a cidade onde eu morei). Ele ficava exatamente do
outro lado de Santa Cruz Mountains, na última curva com alguns lugares
para se fazer compras. O espaço era pequeno – talvez 100 metros
quadrados – e ficava bem em cima da sorveteria Swensen’s. Foi para este
lugar que Joe, Laura e eu nos mudamos.
Foi ótimo. Parecia exatamente como os primeiros dias da Apple; muito
excitante. Estávamos desenvolvendo algo que ninguém mais havia pensado
ainda. Quem alguma vez já pensou em transformar seu controle remoto em
um aparelho que aprende sua própria codificação? Isso nunca aconteceu.
Quer dizer, hoje é mais óbvio porque temos controles remotos universais e
coisas parecidas, mas não naquela época.
A primeira coisa que fizemos foi começar a nos reunir com
representantes de componentes que poderiam ser utilizados: sensores
infravermelhos; transmissores infravermelhos; microprocessadores.
Começamos a olhar as tabelas de especificações e os livros, para descobrir
qual microprocessador utilizaríamos. Fizemos algumas escolhas e
concebemos uma ideia que estava mais em nossas cabeças que no papel,
mas que não era um projeto acabado no qual uma pessoa realmente
poderia montar uma placa protótipo, juntar alguns fios e concluir algo. Esse
processo foi exatamente igual ao que segui com o Apple II.
Existiam algumas áreas mais difíceis. Um problema que tivemos que
enfrentar foi como receber sinais infravermelhos no controle remoto. Não
tínhamos muita experiência nesta área. Eu não tinha e Joe não estava tão
seguro sobre como elaborar um sensor para o infravermelho. Então
contratamos uma empresa de consultoria em Sunnyvale para nos ajudar a
basicamente ler um sinal infravermelho. Caso colocássemos o controle
remoto bem próximo ao nosso receptor, o sinal vindo era bastante forte.
Da mesma maneira que quanto mais nos aproximamos de uma
lâmpada mais brilhante ela fica, o mesmo vale para um controle remoto. Os
consultores projetaram um circuito intrincado com uma terrível
quantidade de peças e filtros. Eu disse: “Se você está perto e o sinal é
poderoso, então por que ele não pode ser detectado com um circuito bem
mais simples?”. Vá direto para um fototransistor. Gosto de fazer as coisas
com o circuito mais simples possível. Todos estes amplificadores especiais,
que precisam de energia o tempo todo, não são necessários. Vá direto ao
fototransistor, que é um transistor sensível à luz em vez de sinais
eletrônicos.
E a ideia realmente funcionou.
Eles precisaram colocar algumas pequenas peças e capacitores para
filtrá-lo, simplesmente para evitar que o sinal ficasse rebatendo de um
modo estranho. Eles conceberam um circuito muito bom que funcionou de
forma confiável. Assim, você poderia apertar os botões de seu controle
remoto direcionado para nosso pequeno aparelho receptor e ele capturaria
o sinal com bastante precisão. Ele conseguia determinar quantos
microssegundos o sinal infravermelho ficou ligado e quantos
microssegundos ele ficou desligado.
Depois ele conseguia rastrear o sinal e fazer um registro de tempo dele
(o sinal de seu controle remoto).

Chegou o momento de também pensarmos sobre o design do controle


remoto. Muito cedo, logo depois de mudarmos para um segundo prédio na
Alberto Way, começamos a visitar algumas empresas de design para ver se
elas poderiam nos apresentar algumas amostras, ou algumas ideias para
podermos analisar.
Uma destas empresas foi a Frog Design, que havia feito o Macintosh.
Nós telefonamos e eles disseram: “Claro. Desenvolvemos projetos
terceirizados para outras pessoas além da Apple”.
Eles disseram que pegariam como clientes todas as pessoas que
entrassem pela porta, conversassem com eles e pedissem o
desenvolvimento de um design. Explicamos o que queríamos e eles
montaram alguns modelos. Alguns deles tinham um estilo um pouco
forçado demais para meu gosto. Eu queria um design mais normal, bastante
simples, onde cada botão fosse quadrado – um design realmente simétrico.
Eu queria que ele tivesse a aparência de um produto para pessoas
comuns, e não algo que parecesse ter vindo do espaço (você sabe o que
quero dizer). Nós gostamos de alguns outros produtos que eles
conceberam para se enquadrar nesta descrição.
Mas no final eles nos deixaram.
Acontece que Steve passou na Frog por algum motivo e viu um
protótipo do CL 9. Pelo que eu ouvi, ele atirou o protótipo na parede,
colocou em uma caixa e disse: “Envie isso para mim”. Como se a Apple fosse
proprietária daquilo. O sujeito da Frog contou que Steve havia dito que eles
não poderiam fazer qualquer trabalho para nós porque a Apple era
“proprietária” da Frog. Isso não era verdade e todos sabiam. Mas a Frog nos
disse que se sentiam desconfortáveis em realizar o trabalho sem a
permissão da Apple – a Apple era um grande cliente – e que, portanto, eles
não o fariam.
Eu não ia discutir sobre isso. Realmente não sei qual foi a verdadeira
história, mas pensei: Tudo bem. Vamos procurar outro lugar. E fomos para
outro lugar.

Certamente eu precisava escolher um microprocessador para o


aparelho. Acabei escolhendo dois processadores. Assim, o aparelho acabou
aparecendo na história como o primeiro controle remoto com processador
dual!
Seja como for, pensando sobre os dois microprocessadores e
trabalhando com Joe, decidi que poderia ser bom ter um microprocessador
para pequenas tarefas como ler o teclado e manter o horário, e outro para
fazer o trabalho pesado. Adotei como processador maior uma versão
atualizada do velho MOS 6502 que utilizei no Apple I. O outro foi um
processador menor e mais barato. Acho que pagamos 50 centavos de dólar
por unidade para grandes quantidades. Ele era um processador de 4 bits –
significando que ele conseguia processar somente 4 bits de dados de cada
vez. Isso era tudo de que precisávamos para essas tarefas menores.
Entretanto, é difícil desenvolver um programa para um processador
pequeno como este. Rapaz! Era difícil de controlar. Foi quase tão difícil
programar quanto a máquina de estado finito do disquete. Nada foi
embutido no hardware, e quando você não tem os recursos do hardware,
precisa-se aproveitar o que está dentro do chip. Você acaba formulando
instruções esquisitas que fazem coisas de formas estranhas. Por isso que o
chip ainda não embutiu dentro dele instruções discretas que um homem
pudesse facilmente compreender e utilizar. Era para manter o custo em um
valor mínimo.
Mas o programa no microprocessador de 4 bits acabou fazendo duas
coisas básicas: manter o horário do dia, monitorar o teclado, ativar o
display de LCD e liberar energia para uma parte do resto do circuito, e
também se comunicava com o microprocessador maior de 8 bits, dizendo
quais teclas foram pressionadas e recebendo dados para exibir na tela.
Sentamo-nos e esquematizamos no papel onde queríamos que as linhas
de letras, números e algumas palavras especiais aparecessem em nosso
LCD. E descobrimos uma empresa que nos faria um LCD. Nós entregamos
nossos desenhos e eles trouxeram no final LCDs com vários pinos de
conexão. Ele se conectaria com o mesmo chip microprocessador de 4 bits
que estava lendo o teclado.
Agora, a verdadeira alma de nosso produto – memorizar todas as
diferentes codificações em infravermelho e repeti-las quando você
apertasse os botões – seria realizada pelo microprocessador maior e mais
poderoso. Por causa da versão atualizada do 6502, eu pensei: Excelente!
Estou muito familiarizado com ele! Ele tinha uma arquitetura interna muito
bonita. A forma como foi estruturado, com muito poucos transistores
realizando bastante trabalho, foi simplesmente muito boa e ele funcionou
bem.
O Apple II tinha meu pequeno sistema operacional que escrevi sozinho,
e eu conseguia rapidamente digitar instruções dentro dele e testá-lo. E se
eu conseguisse fazer o mesmo para este microprocessador? Então
realmente projetamos nossa placa de tal maneira que você pudesse se
conectar através de uma porta serial e ligar um terminal ou um
computador diretamente nela. Isso permitiria que você digitasse e visse os
dados na tela, embora o controle remoto fosse de fato o computador (era
como um primo menor do Apple II).
Que terminal? Decidi que o Apple II C seria um excelente terminal.
Existiam programas que podiam fazê-lo se comportar como um terminal
que conversava com outros computadores.
Lembra-se de quando eu disse que adicionei um minicompilador
Assembly no Apple II que me permitia digitar coisas como LDA para
carregar o registrador A, ou #35, que significava 00110101, a linguagem
binária de 1s e 0s que os computadores conseguem entender? Esse
programa e muitas outras ferramentas de desenvolvimento foram
embutidos dentro do Apple II, mas também seriam muito úteis no controle
remoto.
Eu tinha um amigo com quem trabalhei na Apple, chamado John
Arkley. Ele era um consultor e se ofereceu para converter para esse novo
microprocessador 6502 tanto o programa para tirar os bugs quanto outros
programas que eu havia escrito. Nós o pagamos e ele fez esse trabalho.
Foi ótimo. Eu instalaria um pequeno Apple II C dentro de nosso
protótipo e poderia digitar e tirar os bugs. Era como se eu tivesse um novo
pequeno Apple II dentro do controle remoto. Ele possuía toda a diversão de
um Apple II.
Quando terminamos de projetá-lo, o produto ficou ótimo.
Simplesmente acabamos surpresos em ver como estas ferramentas ficaram
excelentes.
Então passamos para a questão da produção. Quem fabricaria o
aparelho? De repente apareceu um velho amigo meu dos dias de minha
infância com os Garotos Eletrônicos, Bill Werner: um dos que enchiam as
casas com rolos de papel higiênico junto comigo e que conseguiu aquele
rolo de fios de telefone para fazermos o sistema de interfone entre as casas
de nossa vizinhança.
Porém, na época do colegial, Bill seguiu por um caminho ruim. Não da
mesma forma que eu. Ele teve notas baixas, teve uma motocicleta, teve
problemas por arrombar uma loja de produtos eletrônicos, entrou em
situações ruins. Mas naquela época já tinha dado um jeito em sua vida e nós
acabamos contratando-o – ele havia trabalhado no fabricante Selectron no
Vale do Silício. Contratamos também sua esposa, Penny, como secretária.
Assim nossa equipe foi sendo montada.
A Selectron era o tipo de empresa de que precisávamos. Ela era um
fabricante, como eu já disse, e havia aquela questão que deixamos para
responder: Como produzir esse aparelho em grandes quantidades?

Enquanto isso, recebi um dia um telefonema de um investidor da


Inglaterra. Alguns anos atrás, nos primeiros dias da Apple antes de
abrirmos o capital, ele havia me telefonado oferecendo-se para comprar
algumas das minhas ações a um preço baixo, e eu disse sim. Mas ele não
comprou.
Bem, ele me ligou um pouco depois e perguntou novamente se eu lhe
venderia as ações da Apple naquele preço. Não estou certo de quanto era a
oferta, mas o preço era baixo. Na época, as ações da Apple estavam
facilmente valendo dez vezes mais que qualquer valor que ele estivesse
oferecendo, embora ainda não tivesse sido aberto o capital. Ele disse: “Você
prometeu me vender algumas nesse preço. Não é verdade?”.
Então mantive minha palavra. A empresa de investimentos dele
ganhou uma tonelada de dinheiro no mercado londrino; uma tonelada de
dinheiro.
Agora, na CL 9, eu lhe contei tudo sobre a nova empresa que eu estava
iniciando, e ele disse: “Posso visitá-lo?”. “Certamente”, respondi. Ele
apareceu. Lembro-me de ter pensado: Esse sujeito é muito sério. Muito
formal. Tão reservado em suas maneiras e em sua linguagem. Ele era inglês,
claro. Acho que era muito conservador comparado conosco, e você pode
imaginar como éramos folgados.
Seja como for, descrevi o que estávamos fazendo e ele imediatamente
disse que queria investir. Eu lhe disse que não estava pegando nenhum
dinheiro, que financiava tudo sozinho. Mas ele praticamente me implorou.
Quando as pessoas me pedem e dizem que querem fazer parte de algo,
eu sempre cedo.
Depois que fechamos negócio, de repente recebemos outro
impressionante investimento da grande empresa de investimentos do Vale
do Silício, a New Enterprise Associates (NEA), que também havia investido
na 3Com, Adaptec e Silicon Graphics. Como se pode ver, esse sujeito da
Inglaterra trouxe também seus amigos. Assim, de repente, nós tínhamos
dois ou três milhões de dólares.
Dessa forma, tudo isso aconteceu em poucos meses e começamos a
perceber que precisaríamos de um lugar maior para estabelecer o negócio.
Telefonei para um velho amigo meu da Commodore, Sam Bernstein, que
escrevia artigos para os jornais. Ele era uma espécie de repórter. Sempre
gostei da forma com que ele pensava e da forma com que ele organizava
seu pensamento. Então pedi para ele se juntar a nós como presidente – isso
foi logo no início. Nós nos demos esplendidamente bem.

Acabamos mantendo a CL 9 nos negócios por cerca de três anos, ou


talvez um pouco mais. Ainda existem pessoas por aí falando como nosso
produto foi incrível. Eu não lamento nem um segundo por tê-lo feito.
Acabei vendendo a empresa para alguém, mas eles não conseguiram
levantar dinheiro e acabaram fechando.
Mas na época eu tinha outros desafios para pensar a respeito. Eu tinha
dois filhos pequenos em casa (Jesse e Sara). Estava sendo difícil garantir
um tempo suficiente para me dedicar a eles.
Isto é, após concluir o projeto do microprocessador de 4 bits, era
chegado o momento de fazer o de 8 bits. Eu me propus a fazê-lo e estava
tendo muitas dificuldades para começar este trabalho. Eu tinha meus filhos
e estava dando bastante atenção a eles. E meu relacionamento com Candi
estava começando a ficar difícil. Estávamos brigando muito. Não estávamos
nos entendendo de jeito nenhum. Brigávamos principalmente em relação a
como criar os filhos. E começamos a falar em separação.
Então tive a ideia de sumir e ficar em um quarto de hotel em algum
lugar bonito por uma semana. Planejei simplesmente desaparecer do
mundo e ir para o Havaí desenvolver o programa.
Assim, fui para o Havaí (o Hyatt em Kaanapali Beach) e instalei meu
pequeno Apple II C para poder começar a digitar o novo programa (alguém
ficou cuidando das crianças). Achei que a solidão me ajudaria a terminar o
projeto. Pelo menos, assim esperava.
Mas acontece que não consegui fazer simplesmente nada durante toda
a semana. Literalmente fiquei lá sentado olhando através da janela e vendo
as baleias todos os dias. Acostumei-me com a sistemática do hotel. Juro que
dez vezes por dia alguém entrava no quarto para repor o minibar, trocar
lençóis e toalhas, verificar isso, verificar aquilo. Todos os dias eu tinha estas
interrupções. Odiei isso.
Assim, depois de uma semana sem fazer nada, achei que deveria ficar
mais uma semana e descobri que poderia ficar no mesmo quarto, o que eu
adorei.
Adivinha o que aconteceu? Acabei ficando quatro semanas sem fazer
um único bit da codificação. Não fiz nada, absolutamente nada. Apenas
aproveitei minha estadia. Enquanto estive lá aconteceu o desastre com o
ônibus espacial Challenger – foi no dia 28 de janeiro de 1986 – e isso
realmente me deixou muito chateado. Mas qualquer que tenha sido o
motivo, não fiz nada.
No começo, achei que isso não seria um problema. Muitas vezes no
passado, minha cabeça vai pensando no problema a ser enfrentado – está
tudo em minha cabeça – e no momento em que sento para desenvolver as
coisas (o programa), consigo fazê-lo de forma bastante rápida e produtiva.
Consigo fazer bastante em pouco tempo porque pensei em tudo
antecipadamente. Então eu esperava que isso acontecesse e não aconteceu.
Foi quando pensei: Quer saber? Existem muitos engenheiros no mundo e
eu tenho meus filhos. Pensei em simplesmente contratar alguém para fazer
esta parte da codificação. Era como se eu tivesse atingido meu limite com o
microprocessador de 4 bits para mentalmente ser capaz de enfrentar este
novo esforço de projeto.
Então contratei outra pessoa para fazer este trabalho com o
microprocessador de 8 bits. Queria passar mais tempo com meus filhos
Fiquei na CL 9 por mais um ano, mas aí foi quando minha vida
realmente mudou novamente.

Fazendo doações
Não fundei a Apple para que pudesse ganhar mais dinheiro do que precisaria para viver.
Nunca planejei em minha vida buscar uma grande riqueza. Sempre me senti inspirado
pelas histórias daqueles que doaram para realizar boas ações na vida.
Portanto, senti que esta era a coisa certa a fazer. E foi bom. Fiquei cercado por pessoas
nos conselhos dos museus e do balé que eram mais inclinadas para a atividade social.
Eram menos voltados às piadas e ao humor; não tanto quanto eu, pelo menos. Mas eram
boas pessoas que acreditavam naquilo que faziam, e eu acreditava nelas.
O primeiro projeto que financiei foi o Museu Children’s Discovery de San Jose. Eu o
financiei inteiramente por muitos anos, chegando no final à casa de alguns milhões.
Depois ajudei a dar início no museu de informática The Tech, no Vale do Silício. Também
promovi o financiamento inicial do San Jose Cleveland Ballet, agora conhecido como
Ballet of Silicon Valley. Por que balé? Novamente, foram as pessoas. Eles eram ótimos e
eu confiava neles.
Também contribuí para a expansão do Center for the Performing Arts em San Jose, que
beneficiava tanto o balé quanto a orquestra. Esta foi uma doação que beneficiaria
diretamente a cidade de San Jose. É muito bom doar para uma cidade.
Embora não esperasse isso, em 1988, o prefeito de San Jose, Tom McEnery, telefonou-me
para dizer que iriam colocar meu nome em uma rua da cidade. Na verdade seria a mesma
rua onde ficaria localizado o Museu Children’s Discovery. O nome da rua é Woz Way. Esta
é uma das coisas de que mais tenho orgulho em minha vida – ter uma rua com nome em
minha homenagem! Não um nome tolo, mas um nome legal. Teria sido uma chatice ter
uma rua com um nome que soasse esquisito em sua homenagem.
19 O chapeleiro maluco

Penso que existe um momento na vida de todo mundo em que olhamos


para trás e nos perguntamos: “O que mais eu poderia ter sido? O que mais
eu poderia ter feito?”. Para mim não há dúvida sobre a resposta, nenhuma
dúvida.
Se eu não pudesse ter sido engenheiro, teria sido professor. Não um
professor do colégio nem um professor universitário. Um professor do
ginásio. Especificamente, eu queria ser professor do ginásio desde quando
eu cursava o ginásio.
Isso é algo que quis fazer desde muito cedo em minha vida. Quem sabe
de onde vem isso? Provavelmente pelo fato de minha professora do quarto
e quinto anos, a senhora Skrak, ser muito boa para mim e eu gostar muito
dela. Senti que ela me ajudou muito na vida ao me encorajar. Além do mais
eu acreditava, verdadeiramente acreditava, que a educação era importante.
Lembro-me de meu pai dizendo naquela época que a educação me
conduziria para qualquer lugar que eu quisesse na vida, e que ela
valorizaria as pessoas. Recordo-me também de como ele disse que o
mundo tinha ficado muito bagunçado na época – havia a Guerra Fria entre a
URSS e os Estados Unidos e tudo o mais. Ele disse ainda que com a
educação, as novas gerações poderiam aprender com os erros de seus pais
e fazer um melhor trabalho.
Senti que estes seriam objetivos realmente importantes na vida: olhar
conscientemente para o tipo de pessoa que você quer ser, o tipo de vida
que quer viver e o tipo de sociedade que quer ajudar a construir.
Mas na época em que estive no colégio e na faculdade, de certa forma
esqueci sobre meus objetivos de trabalhar com educação. Houve momentos
em que isso voltou a brilhar em mim. Uma vez em Berkeley, uma amiga da
colega de quarto de Holly, a primeira menina que beijei, trouxe para nosso
dormitório um bebê de 4 meses de idade. Holly, que se interessava por
psicologia infantil, começou a fazer todo tipo de pequenas brincadeiras
com o bebê, tentando avaliar onde o bebê estava em sua própria cabeça.
Por exemplo, ela movimentava um lápis para ver se os olhos do bebê o
acompanhariam e outras coisas deste tipo. Lembro-me de como isso me
impressionou naquele dia, essa noção do desenvolvimento cognitivo. Como
foi chocante perceber de repente que a mente realmente se desenvolve em
estágios identificáveis. E que isso é previsível, quase como a lógica em um
computador. Era como a Lógica (o assunto das reflexões que eu vinha
fazendo na época), um tipo interessante de processo – um jogo com regras.
Isso realmente me fez lembrar de meu desejo de ser um professor, e
pelo resto de minha vida estive sempre prestando bastante atenção nas
crianças, em todos os lugares por que passei. Recém-nascidos, bebês,
crianças pequenas, crianças mais velhas. Eu tentava me relacionar com
elas, sorrir, contar piadas, como que fazer parte de seus mundos. Eu tinha
sido criado com a ideia de existirem “pessoas más” que podem machucar as
crianças ou sequestrá-las, então decidi que eu seria o “bom sujeito” em
quem qualquer criança que me conhecesse pudesse confiar.

Algumas pessoas simplesmente adoram estar cercadas por crianças, e


outras não muito. Lembro-me de um verão em que estava trabalhando na
HP e Steve Jobs me disse que realmente precisava de um trabalho para
ganhar um dinheiro extra. Eu levei-o em meu carro até a faculdade De Anza
para ver as listas de trabalhos disponíveis na comunidade. Encontramos
um emprego pedindo por pessoas que ficassem uma semana no shopping
de Westgate fantasiadas com as roupas de Alice no País das Maravilhas. Eles
precisavam de uma Alice, de um Coelho Branco e de um Chapeleiro Maluco.
Fiquei bastante intrigado. Fui com Steve até o sujeito que estava
entrevistando as pessoas e dizendo como funcionaria. Basicamente você
vestiria essas fantasias, ele disse, carregaria alguns balões de gás e ficaria
circulando pelos corredores. “Você não pode falar com as crianças, mas elas
ficarão todas em volta olhando para você”, ele disse.
“Posso fazer isso também?”, perguntei. Adorei a ideia. Assim, eles
basicamente contrataram Steve, sua namorada Chris Ann e eu como
personagens de Alice no País das Maravilhas. Fazíamos turnos nas fantasias
com algumas outras pessoas porque, mesmo após um intervalo de 20
minutos, as fantasias ficavam terrivelmente quentes e a gente suava lá
dentro. Era difícil de respirar. Então algumas vezes eu seria o Coelho
Branco e Steve seria o Chapeleiro Maluco, e outras vezes seria o contrário.
Foi um pouco engraçado porque você ficava com a mobilidade limitada
nestas enormes fantasias. Lembro-me de que saí uma vez como Chapeleiro
Maluco e de repente umas dez crianças começaram a me agarrar pelos
braços e pelas mangas e me fizeram ficar girando. Por pura diversão. Elas
estavam rindo! Eu não podia dizer nada para elas pararem porque havia
muitas crianças fazendo isso e não era permitido que eu falasse. Elas
poderiam ter me derrubado! Tive sorte por não o terem feito.
Achei este trabalho tão divertido que até cortei minhas horas de
engenheiro e fiquei recebendo o salário mínimo por esta semana para
poder passar mais tempo nesta atividade. Eu adorava olhar para os rostos
das crianças quando elas nos viam. Simplesmente adorava.
Fazíamos intervalo para almoço com nossas roupas normais e
comíamos em um pequeno restaurante no shopping. Um dia uma criança –
uma criança bem pequena – apontou para meu tênis e disse: “Ei! Ele é o
Chapeleiro Maluco!”. Eu lhe respondi: “Ei! Fale baixo. Não conte para
ninguém!”. Ah! Foi uma semana divertida. Muito divertida.
Mas Steve não curtiu tanto quanto eu. Lembro-me de ter comentado
com ele vários anos depois sobre como foi divertido aquele emprego de
Alice no País das Maravilhas no shopping e ele respondeu: “Não, foi
horrível. Quase não recebemos nada por isso”. Logo, ele tinha más
lembranças daquele período, mas eu tinha ótimas lembranças. Acho que
pensei que todo mundo era igual a mim e gostaria de fazer algo deste tipo
com crianças.

Adorei ser pai. Foi ótimo. Eu não li livros sobre a paternidade. Eu não
queria ler nada sobre regras estruturadas. Eu queria me relacionar e me
comunicar com a criança. Porque se você consegue falar com eles, então
eles conseguem-lhe contar sobre a maior parte das coisas em suas vidas. Eu
queria expô-los a uma reflexão criativa. Eu queria mostrar-lhes que você
não precisa estreitar e restringir seu pensamento da forma que tantas
pessoas fazem. Nem uma vez tentei imprimir nem mesmo meus próprios
valores na vida em qualquer um de meus filhos.
Eu queria ser como meu pai. Lembro-me de suas conversas comigo; ele
sempre apontava todos os lados de uma questão. Eu queria saber o que ele
pensava sobre determinado assunto, mas ele fazia com que eu chegasse às
minhas próprias decisões, que muitas vezes acabavam sendo iguais às dele.
Ele foi um professor muito, muito bom. Então eu também pretendia ser
assim.
Eu e a Candi tivemos três filhos. O primeiro foi Jesse, que nasceu na
noite anterior ao US Festival naquele fim de semana do Dia do Trabalho em
1982. Sara chegou dois anos depois. E Gary nasceu em 1987, depois que eu
e Candi já estávamos divorciados. De modo que foi difícil.

Com Jesse, quando ele tinha apenas alguns meses de vida, eu me


divertia muito com ele fazendo o que eu chamava de “passeios voadores”.
Eu o segurava de forma que sua barriga se apoiasse na palma de minha
mão e ele pudesse ver tudo através do ponto de visão correto (tive essa
ideia com o irmão de Candi, Peter Clark, que me contou que se você
segurasse um bebê pelas costas, ele sempre veria tudo de forma diferente
da dos adultos). Mas pelo outro lado, o bebê poderia ver o mundo da
mesma forma que nós. Isso era bastante lógico.
Portanto, eu costumava segurar Jesse dessa forma e, de repente, puder
reparar em seus olhos mirando um pouco para a esquerda ou para a
direita. Depois sua cabeça se movia para uma direção e permanecia lá, e eu
percebia: “OK. Ele está olhando para uma sombra na janela”. Então eu o
levava para aquela direção. Era justo. Eu deixava que ele tocasse aquilo – eu
movia suas mãos em direção àquele ponto –, e quando ele ficava satisfeito,
virava sua cabeça novamente, talvez de volta para sua mãe, e nós voávamos
em direção a ela.
Então começamos a ter o hábito de fazer isso. Ele apoiado em minha
palma, olhando para a grande TV, e eu levando-o até mais perto. Ou para a
estante que tinha um topo e uma borda que ele podia sentir. Assim ele
começou a circular pelo mundo desta forma, e sempre voltava ao ponto de
partida no final.
Jesse foi ficando cada vez mais confiante. Nós começávamos em seu
berço e depois seguíamos de aposento em aposento por toda a casa. Ele
explorava o ambiente. Eu consegui sentir seus músculos tensos de uma
determinada forma que eu poderia interpretar como “Levante-me um
pouco mais”, ou “Vamos um pouco mais para baixo”. Algumas vezes,
quando já era um pouco maior, ele esticava os braços e os pés como se
fosse um grande nadador, e isso significava: “Vá o mais rápido que puder”.
Desse modo, tínhamos essa grande forma de comunicação entre nós, e isso
tudo antes de até mesmo ele chegar aos oito meses de idade. Eu não estava
mais apenas olhando os movimentos de sua cabeça; eu sentia seus
músculos se retesando para me dizer como prosseguir. Eu costumava
contar isso para as pessoas, mas elas não acreditavam em mim. Então eu
dizia: “OK. Vou fechar meus olhos. Deixe cair algo”. Aí Jesse retesava seus
músculos e me levava diretamente para aquele ponto. Isso realmente
deixava as pessoas surpresas.
Tentei fazer isso com outros bebês – os tais passeios voadores – e
descobri que após cerca de 12 minutos também conseguia fazer com eles.
Todos os bebês são iguais! Todos possuem os mesmos sinais musculares.
Eu adorava ter descoberto uma maneira para deixar Jesse escolher o que
explorar, antes mesmo de conseguir engatinhar o caminhar, sem ser
totalmente dependente de outra pessoa.
Quando Jesse ficou maior e muito pesado para os passeios voadores, eu
o colocava em pequenas motos da Honda. Eu possuía estas pequenas
lambretas de 80 cc e 120 cc. Elas eram realmente pequenas, parecidas com
uma bicicleta com um pequeno motor dentro dela.
Lá no alto de Santa Cruz Mountains, onde vivíamos, havia muitas
dessas pequenas estradas expostas ao vento e com muito poucos carros. Eu
colocava Jesse na lambreta e podíamos ir para todos os lugares. Eu deixava
que ele decidisse se iríamos para a esquerda ou para a direita, e então
descrevia os objetos que víamos e permitia que ele os tocasse – nós
dizíamos as palavras “folha” ou “água” ou “árvore”. Ele escolheu cada curva
que fizemos. No final – após alguns anos – ele podia seguir em suas rotas
favoritas. Recordo daqueles dias como sendo maravilhosos.

Em 1988 eu era pai em tempo integral. Tinha saído da CL 9. Na época,


já havíamos tido nosso segundo filho, uma menina desta vez: Sara. Sara e
Candi ficaram muito ligadas, tão ligadas quanto eu e Jesse.
Mas Candi e eu ainda não estávamos nos dando bem. A essa altura, já
caminhávamos para o divórcio. Um ponto crítico ocorreu na noite posterior
a um concerto no Anfiteatro de Shoreline. Nós tínhamos uma tradição com
Jesse de que o banco de passageiros na frente do carro era o “banco da
história” e que quem sentasse lá ouviria uma história inventada por mim,
que ficava sentado no banco do motorista. Não sou um escritor e não me
pergunte como eu fazia isso, mas conseguia inventar as histórias mais
incríveis. Geralmente, histórias de ficção científica, e elas rolavam sem
parar.
Mas uma noite, Candi e eu tivemos uma briga. Ela achou que bebeu
demais para dirigir e quis que eu dirigisse. Para mim estava tudo bem. Mas
ela quis sentar no banco da história, o banco da frente dos passageiros.
Jesse se opôs, porque queria ouvir uma história. Eu pedi, implorei para ele
sentar no banco de trás que ainda assim eu lhe contaria uma história. Mas
ele não quis ir para trás. E Candi e eu tivemos a maior briga por causa disso.
Pouco tempo depois, chegou o momento do divórcio.

Assim, de repente, eu estava em uma nova casa em Los Gatos. As


crianças ficavam durante uma semana em minha casa e durante uma
semana com Candi. Eu não tinha nenhum negócio em andamento (a CL 9 já
não estava operando), então podia concentrar todas as minhas energias
nas crianças.
Foi mais ou menos nessa época que redirecionei minhas atividades
filantrópicas dos museus e do balé para as escolas em Los Gatos. Isso foi em
torno de 1989 e os computadores nas escolas estavam começando a se
tornar um dos assuntos mais comentados. Começou a haver uma distinção
entre as escolas que “possuíam” computadores e as que “não possuíam”.
Então comecei a fornecer computadores para as escolas – instalar
laboratórios de informática com dezenas de computadores dentro deles
como presente para as escolas e para as crianças.
No final, acabei estabelecendo um acordo com a escola primária de
meu bairro, aquela que Jesse frequentava. Era a Escola Elementar
Lexington, em Santa Cruz Mountains. Certamente era um ambiente pouco
comum para uma escola. Não era como aquelas que ficavam espalhadas em
locais planos. Ela parecia rústica, bem no meio da natureza com
montanhas, árvores e o Reservatório Lexington nas proximidades. Esta
escola também era organizada porque possuía uma única sala de aula para
cada série. Era uma escola pequena.
Assim, conheci muitas pessoas lá, principalmente as mães da escola,
que realmente executavam boa parte do trabalho. Eu não consegui
participar do clube lar-escola – um tipo de associação de pais e mestres –
por não ter o tempo livre necessário. Mas com os computadores pensei
poder ser útil para as crianças e para a escola de outras maneiras.
Por volta deste mesmo período, comecei a ensinar Jesse sobre
computadores. Ele estava no quarto ano. Ele ia para seu quarto – onde
possuía seu próprio computador com um teclado – e era este pequeno
garoto sentado diante de um computador. Ficava digitando o dia todo. No
começo não conseguia digitar muito bem. Caçava tecla por tecla de cada
vez. Mas rapidamente aprendeu como cortar e colar os textos de uma
página para outra, de forma a não precisar digitar novamente.
Ao final do quarto ano, suas habilidades no computador haviam
evoluído bastante rapidamente. Por volta daquele ano ele estava realmente
respondendo às perguntas que eu fazia – como se eu estivesse tendo
problemas para encontrar algo no sistema e ele me respondendo em que
menu eu devia procurar. Eu lhe mostrei como montar planilhas e fazer
cálculos para resolver a lição de casa de matemática com elas. Ele
conseguia preparar e resolver as lições com as planilhas eletrônicas de uma
forma que os professores não vissem as fórmulas, somente as respostas.
Claro que eu dizia para ele fazer primeiro manualmente, antes de resolver
pelo computador. Ele precisava fazer uma página manualmente para me
mostrar que sabia como resolver o problema, e depois partir para estas
impressões realmente benfeitas.
Acredite-me, não havia outra criança no quarto ano resolvendo sua
lição de casa de matemática através de planilhas eletrônicas impressas.
Jesse adorava fazer isso. Ele sempre seguiu a regra de primeiro
resolver manualmente sua lição de casa da forma tradicional – antes de
fazer pelo computador. Porém, ele adorava qualquer lição de casa que
pudesse fazer através de seu computador. Como, por exemplo, digitar
relatórios. Ele adorava isso.
Naquele ano, uma das colegas de classe de Jesse, Elena, estava tendo
problemas na escola. Eu a conhecia desde que nasceu. Sua mãe me
telefonou contando que suas notas estavam cada vez mais baixas; que ela
passava por um mau momento e que não estava conseguindo superar. Eu
gostava bastante da Elena. Então decidi que iria até sua casa e que
sentaríamos juntos. Eu ajudaria com algumas ideias para colocar nos
relatórios que ela escreveria. Tentaríamos usar um pouco de comédia –
apenas para tornar mais divertido para ela. Além disso, eu mostraria como
fazer tudo no computador.
Fazer no computador se tornou sua motivação. Era algo especial e ela
realmente se interessou. Suas notas começaram a melhorar. Seus pais me
deram todo o crédito disso. Ela adorou fazer toda lição de casa que pudesse
através do computador; passou a sorrir e a ir bem na escola. Ela cresceu e
se transformou hoje em uma incrível locutora e uma excelente atriz.
Então comecei a pensar. Se isso funcionou tão bem com Elena –
basicamente tirar ela do naufrágio na escola para notas As e Bs – como
seria com outras crianças? Por que não tentar? Mas eu estava um pouco
com medo. Será que eu conseguiria dar aulas para um grupo de crianças? O
que isso envolveria? Eu realmente queria ensinar matérias normais –
Matemática, leitura, escrita, História –, mas como conseguiria fazer isso? Eu
não possuía uma credencial de professor ou algo do gênero.
Pensei: É isso! Vou ser professor! Vou dar aulas de informática. O ano
seguinte seria o quinto ano. Eu peguei seis crianças da classe de quinto ano
de Jesse e passei a dar um curso de informática. Começamos o curso
desparafusando os computadores e olhando as peças; ensinei-os a base 2 –
os 1s e 0s como os números são representados na linguagem do
computador. Não avançamos muito na base 2 ao longo do ano; eu só queria
ensinar como os computadores funcionavam. Isso é algo fácil para um
aluno do quinto ano aprender; não precisa de uma matemática muito
sofisticada. Fizemos isso.
O objetivo principal era ensiná-los como fazer direito a lição de casa. O
estágio de desenvolvimento dos computadores naquela época era tal que
isso representou apenas um terço da dedicação do curso. Naquele tempo,
os computadores eram menos confiáveis e mais sujeitos a erros de
software e de hardware. A qualquer hora um disco rígido poderia parar de
funcionar. Ou uma bateria poderia acabar. Um programa com erros poderia
corromper alguns arquivos.
Naquela época, a manutenção dos computadores era uma tarefa difícil.
Assim, outra terça parte da dedicação do curso envolvia a manutenção dos
computadores. Instalar novo software e hardware, identificar problemas de
hardware, identificar e consertar todo tipo de problemas de software.
Finalmente passávamos bastante tempo em atividades on-line e em redes
de relacionamento. Todo ano, a partir desse primeiro curso, eu comprava
contas da AOL para todos os alunos.
Era importante que eles aprendessem a se comunicar com pessoas bem
distantes, e de uma forma que nunca havia sido feito antes. As duas
atividades que meus alunos mais fizeram foram baixar softwares
divertidos, como jogos e aplicativos gratuitos, e visitar salas de bate-papo.
Eu os encorajava a ir o mais longe que pudessem nas salas de bate-papo.
Eles achavam divertido fingir ser outras pessoas, fingir ser mais velhos.
Embora elas pudessem levar dois minutos para digitar uma frase curta, as
meninas afirmavam possuir 19 anos de idade. Os meninos sempre foram
honestos.
Algumas das meninas ficavam muito excitadas e gritavam para o
restante da classe que estavam marcando um encontro com outra pessoa
de 19 anos de idade! Sei. Uma coisa que sempre observei é que o outro de
“19 anos de idade” também levava dois minutos para digitar cada frase.
Nenhum deles conseguia digitar ao começar meu curso, mas certamente
começaram a aprender.
As coisas que aprendi durante meus dez anos de professor; bem, elas
são muito numerosas para contar. Sinto que aquele foi o período mais
importante em minha vida.
20 Regras de vida

Talvez você esteja se perguntando por que não escrevi minhas


memórias antes. As pessoas me questionam a respeito. Há vários motivos
para não tê-lo feito antes. Eu estava ocupado – muito ocupado. Algumas
vezes cheguei até a tentar começar a trabalhar nelas, mas meus planos
sempre deram para trás. Simplesmente não tinha tempo.
Agora é diferente. Neste ponto de minha vida – estava com 55 anos de
idade quando escrevi –, penso que é hora de estabelecer o registro correto.
Tanta informação por aí sobre mim está errada. Passei a odiar os livros
sobre a Apple e sua história, em boa parte por causa disso. Por exemplo,
existem histórias de que abandonei a faculdade (não é verdade) ou que fui
expulso da Universidade do Colorado (não fui), que eu e Steve éramos
colegas de classe no colégio (estávamos distantes vários anos na escola) e
que eu e Steve projetamos juntos os primeiros computadores (eu os fiz
sozinho).
Certamente, compreendo que aconteçam imprecisões e boatos quando
você está sob o olhar do público. E que eu até tenho uma perspectiva
privilegiada sobre como eles ocorrem. Um exemplo perfeito disso, que já
mencionei aqui, é quando eu estava saindo da Apple para começar a CL 9
(minha empresa de controle remoto), no final da década de 1980. O
repórter de The Wall Street Journal me telefonou e perguntou diretamente
se eu estava saindo por me sentir infeliz na Apple, e então lhe respondi
diretamente que não, não estava saindo por me sentir infeliz na Apple.
Embora eu tivesse mencionado que em minha visão existiriam alguns
problemas com o moral do pessoal, eu explicitamente falei que a única
razão para deixar a Apple era o fato de querer começar uma nova empresa.
Não por causa de quaisquer eventuais problemas. Na verdade,
tecnicamente, eu sequer estava saindo.
Até hoje sou um empregado da Apple – ainda possuo meu crachá de
identificação como empregado da Apple – e recebo um salário bastante
baixo. Continuo representando a empresa em eventos e palestras.
No entanto, o artigo que o jornal publicou estava errado em dois
aspectos: ele dizia que saí da Apple e que o fiz por estar descontente.
Ambos incorretos!
Mas quer saber? Ambos os erros entraram para a história. Quer dizer,
pegue praticamente qualquer livro sobre a história da Apple e você
provavelmente lerá essa versão errada de minha história. Tudo o mais que
os grandes jornais ou os primeiros livros escreveram de errado sobre mim
também acabou entrando para a história.
Isso é o que acabou me incomodando – o fato de que ninguém contou a
história correta sobre como desenvolvi os primeiros computadores da
Apple, como eu os concebi e o que aconteceu depois. Portanto, espero que
este livro finalmente estabeleça o registro correto.
Existe outro motivo para eu ter escrito este livro, embora não o tivesse
percebido até estar bastante envolvido nele. Eu queria dar conselhos,
naquilo que for válido, para garotos por aí que são iguais ao que eu era.
Garotos que se sentem fora da norma. Garotos que sentem estar dentro
deles conceber coisas, inventar coisas, projetar coisas. Mudar a maneira
como as pessoas fazem as coisas.
Aprendi muitas lições ao longo dos anos, e nem todas envolviam como
lidar com ex-esposas. Na verdade, nenhuma delas envolvia isso.
Meu conselho tem a ver com o que você faz quando se descobre
sentado ali, com ideias na cabeça e um desejo de desenvolvê-las. Mas você é
jovem. Não tem dinheiro. Tudo que você tem é esse negócio em seu
cérebro. E você pensa que as ideias em seu cérebro são boas. Elas lhe
conduzem e você só fica pensando nelas.
Mas existe uma grande diferença entre apenas pensar em inventar algo
e em realmente executá-lo. Então, como fazê-lo? Como se começa
realmente a mudar o mundo?

Primeiro é preciso acreditar em si mesmo. Não hesitar. Existirão pessoas


– e estou falando na vasta maioria das pessoas, praticamente todas que
algum dia você conheceu – que apenas pensam em termos de “preto e
branco”. A maior parte das pessoas vê as coisas da maneira que a mídia as
vê ou da maneira que os amigos as veem, e elas pensam que se eles estão
certos, então todos os demais estão errados. Portanto, uma ideia nova – um
revolucionário produto novo ou uma característica nova de um produto –
não será compreensível para muitas pessoas porque elas veem as coisas
muito em “preto e branco”. Talvez não entendam porque não conseguem
imaginar, ou talvez não entendam porque alguém já lhes disse o que é útil
ou bom, e o que ouviram não inclui a sua ideia.
Não deixe essas pessoas lhes desanimar. Lembre-se de que estão
apenas pegando os pontos de vista que se equiparam com o que é a visão
cultural do momento. Elas só conhecem aquilo a que estão expostas. Na
verdade, é um tipo de preconceito que vai absolutamente contra o espírito
da invenção.
Mas o mundo não é em preto e branco. É em uma escala de cinza. Sendo
inventor, você precisa ver as coisas em uma graduação de cinza. Você precisa
ser aberto. Não pode seguir a multidão. Esqueça a multidão. Além do mais,
você precisa do tipo de objetividade que o faça esquecer tudo que já ouviu,
que limpe a mesa e faça um estudo factual como um cientista faria. Você
não deve pular para as conclusões, assumir uma posição muito
rapidamente e depois buscar a maior quantidade possível de material que
conseguir para amparar o seu lado. Quem vai querer perder tempo
apoiando uma má ideia? Isso não vale a pena; essa maneira de ficar preso
em seu ego. Você não vai querer simplesmente buscar qualquer desculpa
para favorecer seu caminho.
Os engenheiros têm mais facilidade que a maioria das pessoas para ver
e aceitar a natureza do mundo em vários tons de cinza. Isso porque eles já
vivem em um mundo em tons de cinza, sabendo o que é ter um palpite ou
uma visão sobre algo que pode ser, embora ainda não exista. Além do mais,
são capazes de calcular soluções que possuam valores parciais – entre tudo
e nada.
A única maneira de conceber algo novo – algo que mude o mundo – é
pensar fora das restrições que todos os demais possuem. Você precisa
pensar fora dos limites artificiais que todos os demais já estabeleceram.
Você precisa viver em um mundo em escala de cinza, não em preto e
branco, se pretende conceber algo que ninguém pensou antes.

Muitos inventores e engenheiros que conheci são como eu: tímidos e


vivem dentro das próprias cabeças. São quase como artistas. Na verdade, os
melhores engenheiros são artistas. E artistas trabalham melhor sozinhos –
trabalham melhor fora de ambientes corporativos, trabalham melhor onde
conseguem controlar o projeto da invenção sem um monte de outras
pessoas projetando, fazendo o marketing, ou algum outro comitê
interferindo. Não acredito que nada realmente revolucionário tenha
alguma vez sido inventado por um comitê. Porque o comitê nunca
concordaria com isso!
Por que digo que os engenheiros são como artistas? Os engenheiros
geralmente lutam para fazer coisas com maior perfeição do que até mesmo
pensariam ser possível. Cada peça minúscula ou linha de programação
precisa ter um motivo, e a abordagem precisa ser direta, curta e rápida. Nós
projetamos pequenos componentes de software e hardware e os
agrupamos em outros maiores. Sabemos como estabelecer a rota dos
elétrons através de resistores e transistores para fazer portas lógicas.
Combinamos algumas portas para constituir registros. Combinamos muitos
registros para fazer um ainda maior. Combinamos portas lógicas para
constituir circuitos que somam, e combinamos circuitos que somam para
criar outros que podem ser usados para criar todo um computador.
Escrevemos minúsculos bits de codificações para ligar ou desligar coisas.
Desenvolvemos em cima dessa base, e depois novamente em cima, e ainda
mais uma vez, exatamente como um pintor, que comporia as cores com um
pincel, ou como um compositor faria com as notas musicais. É essa busca
pela perfeição – essa luta para juntar tudo com perfeição, de uma forma
que ninguém havia feito antes – que faz de um engenheiro ou de qualquer
outro um verdadeiro artista.
Muitas pessoas não pensam em um engenheiro como sendo um artista;
provavelmente porque as pessoas tendem a associar os engenheiros
apenas com aquilo que criam. Mas essas coisas não funcionariam, não
seriam elegantes ou bonitas ou qualquer outra coisa, sem um engenheiro
pensando cuidadosamente nelas – pensando em como criar o melhor
resultado final possível com o menor número de componentes. Isso é
sofisticação.
Em toda minha vida, vi apenas cerca de um em vinte engenheiros que
realmente exemplificam tal perfeição artística. Portanto, é bastante raro
fazer de sua engenharia uma arte, mas é assim que deve ser.
Recentemente, fiquei bastante tocado por uma cena do filme Johnny e
June. Nele, um produtor pede para Johnny Cash tocar uma canção da
maneira que ele faria se essa canção pudesse salvar o mundo.
Essa frase resume muito do que eu pretendo quando falo sobre arte na
engenharia ou em qualquer outra coisa.

Se você for esse engenheiro raro que é um inventor e também um


artista, vou lhe dar um conselho que pode ser difícil de seguir: Trabalhe
sozinho.
Quando você trabalha em uma empresa grande e estruturada, existe
muito menos espaço de manobra para você por si só transformar ideias
inteligentes em produtos novos revolucionários ou características novas
revolucionárias. Infelizmente, o dinheiro é um Deus em nossa sociedade e
aqueles que financiam seus esforços são empresários com muita
experiência em organizar contratos que definam quem possui o quê e o que
você pode fazer por conta própria.
Mas você provavelmente tem pouca experiência, conhecimento ou
perspicácia nos negócios, e será difícil proteger seu trabalho ou transação
com todas essas tolices empresariais. Isto é, aqueles que fornecem o
financiamento, as ferramentas e o ambiente são muitas vezes considerados
como tendo o crédito pelas invenções. Se você for um jovem inventor que
quer mudar o mundo, um ambiente empresarial é o lugar errado para você.
Você será mais capaz de projetar produtos e características
revolucionários se trabalhar por conta própria. Não em um comitê. Não em
uma equipe. Isso significa que provavelmente terá de fazer o que eu fiz.
Faça seus projetos como um trabalho à parte, com recursos limitados e
pouco dinheiro. Mas valerá muito mais a pena no final. Valerá a pena se isso
for realmente, verdadeiramente, aquilo que você quer fazer – inventar
coisas. Se você quiser inventar coisas que possam mudar o mundo, e não
apenas ser empregado em uma empresa trabalhando nas invenções de
outras pessoas, terá de trabalhar em seus próprios projetos.
Quando se trabalha sendo o próprio chefe, tomar decisões sobre o que
será desenvolvido e como, fazer escolhas entre características e qualidades,
tudo isso torna-se parte de você. É como um filho que você ama e quer dar
apoio. Você tem uma enorme motivação para desenvolver a melhor
invenção possível – e você cuida dela com uma paixão que jamais poderia
sentir em relação à invenção que outra pessoa determinou que você
desenvolvesse.
Se você não gostar de trabalhar por conta própria em suas ideias – com
seu próprio dinheiro e seus próprios recursos, após o horário de trabalho
normal –, então você definitivamente não deve fazer isso!

É tão fácil duvidar de si mesmo! E é especialmente fácil duvidar de si


mesmo quando aquilo em que você trabalha está em desacordo com todas
as outras pessoas no mundo que pensam saber a forma correta de fazer as
coisas. Algumas vezes você não consegue provar se está certo ou errado.
Somente o tempo pode responder. Mas se você acreditar em seu próprio
poder de raciocinar objetivamente, essa é uma chave para a felicidade. E
uma chave para a confiança. Outra chave para a felicidade que eu encontrei
foi perceber que não preciso discordar de alguém e deixar que isso assuma
outras proporções. Se você acredita em seu próprio poder de raciocínio,
então pode relaxar. Você não precisa sentir a pressão de iniciar um projeto
e ao mesmo tempo convencer alguém. Então não se preocupe! Você deve
confiar em seus próprios projetos, na sua própria intuição e na sua própria
compreensão sobre o que precisa ser sua invenção.

Se fosse possível prever facilmente o futuro, inventar coisas seria bem


mais fácil! Prever o futuro é difícil mesmo quando você está envolvido com
produtos que estão direcionando os computadores, da forma em que
estávamos na Apple.
Quando estive na Apple nas décadas de 1970 e 1980, sempre
tentávamos olhar adiante e ver para onde as coisas estavam caminhando.
Era relativamente fácil ver um ano ou dois à frente, porque éramos as
pessoas que estavam desenvolvendo os produtos e tínhamos todos aqueles
contatos em outras empresas. Mas era difícil enxergar mais longe que isso.
A única coisa com a qual podíamos realmente confiar tinha a ver com a Lei
de Moore – a agora famosa regra em eletrônica (que recebeu esse nome em
função do fundador da Intel, Gordon Moore), que diz que a cada 18 meses
você poderá colocar o dobro do número de transistores em um chip.
Isso significava que os computadores ficariam cada vez menores e mais
baratos. Nós vimos isso. Mas era difícil imaginar que tipos de aplicações
poderiam se beneficiar de todo esse poder. Nós não esperávamos modens
de alta velocidade. Não esperávamos que os computadores viessem a
possuir embutido grandes quantidades de armazenamento em disco rígido.
Nós não vimos a internet crescendo fora da ARPANET e se tornando
acessível a todos. Ou câmeras digitais. Não vimos nada disso. Só
conseguíamos realmente ver o que estava bem diante de nós, um ano ou
dois no máximo.
Mas houve uma exceção. Exatamente por volta de 1980, Steve e alguns
de nós da Apple fomos visitar as instalações da Xerox Palo Alto Research
Center (PARC) [Centro de Pesquisa de Palo Alto da Xerox], que é um dos
laboratórios de pesquisa e desenvolvimento da Xerox.
Dentro dele, pela primeira vez no mundo, vimos verdadeiros monitores
de vídeo – monitores de computador – e eles mostravam algo inteiramente
novo: a primeira interface gráfica do usuário (graphical user interface –
GUI) – uma interface que permitia ao usuário interagir com ícones e menus
para controlar um programa.
Até aquele ponto, tudo vinha sendo controlado com base em texto. Isso
pode parecer estranho para quem não se lembra, mas era assim que tudo
funcionava naquela época. Um usuário de computador precisava realmente
digitar comandos de texto – longos e complicados – para fazer algo
acontecer.
Mas o tal computador experimental da Xerox tinha janelas aparecendo
por todo lugar. E eles utilizavam esse dispositivo de aparência engraçada
que todo mundo conhece agora como mouse, clicando em palavras e
pequenas figuras, os ícones, para fazer as coisas acontecer.
No minuto que vi tal interface soube que ela seria o futuro. Não havia
dúvida em minha mente. Era como uma porta de sentido único para o
futuro – e no momento em que você a atravessasse, não poderia mais voltar
para trás. Era um enorme aperfeiçoamento no uso de computadores. O GUI
significava que você conseguiria que seu computador fizesse as mesmas
coisas que ele normalmente poderia executar, mas com muito menos
esforço físico e mental. Ele significava que pessoas não técnicas poderiam
realizar algumas coisas bastante poderosas com os computadores sem
precisar sentar e aprender como digitar longos comandos. Além disso, ele
permitia que vários programas diferentes rodassem ao mesmo tempo em
janelas separadas. Isso era muito poderoso!
Alguns anos mais tarde, a Apple projetou o computador Lisa, e mais
tarde o Macintosh, em torno desse conceito. E a Microsoft fez alguns anos
depois disso o Microsoft Windows. Hoje, mais de 25 anos após virmos
aquele computador experimental no laboratório PARC da Xerox, todos os
computadores trabalham assim.
É tão raro poder ver o futuro dessa forma. Não posso prometer que
acontecerá com você. Mas quando o vemos, sabemos. Se isso acontecer
alguma vez com você, procure se envolver. Confie em seus instintos. Não é
sempre que o futuro deixa você entrar.

É engraçado. De certa forma, a Apple é a maldição de minha vida. Isso


porque o tempo todo sou perseguido pelas pessoas – é como se toda a
minha vida fosse dirigida pela fama mundial da Apple. Mas houve um
momento, entre meados e final da década de 1990, em que pareceu que a
Apple estava com problemas. Pelo menos era o que toda a mídia vinha
noticiando. Isso foi chocante para mim. Como a maioria dos eventos no
mundo, a percepção foi impulsionada pela mídia de massa e pela psicologia
das pessoas. As pessoas liam coisas dizendo que a Apple estava com
problemas e toda a situação se encaixava por si só. Após ler histórias como
essa, as pessoas tinham medo de comprar produtos da Apple. Isto é, na
época, houve muitas pessoas indo a escolas e empresas que utilizavam a
Apple e pedindo que trocassem seus Macs por PCs novos. Elas se
preocupavam com o fato de que os Macs não continuariam existindo. Fiquei
espantado com o que estava acontecendo.
Durante o período em que supostamente a Apple estava tendo
problemas, Gil Amelio era o CEO. Ele percebeu que a resposta seria
restringir; começar a fazer quantidades mais precisas de produtos, de
acordo com o que iríamos vender; além de apertar os cintos e retomar a
lucratividade. Mas havia outro problema. Os Macs que rodavam o sistema
operacional da época, Mac OS 7, estavam travando muito. A sensação de
que os Macs rodando esse sistema operacional eram fracos e pouco
confiáveis foi uma crença amplamente disseminada por toda a comunidade
Mac: usuários, executivos, empregados – todos. Assim, outra coisa que a
Apple decidiu é que seria necessário um novo sistema operacional.
Na época, tal questão significou muito para mim. Eu senti que a Apple
não necessitava de um novo sistema operacional. Senti que o atual era
ótimo – ele era invulnerável a hackers e vírus, por exemplo. Eu rodava uma
grande rede em minha casa e nunca precisei de um firewall. Como todo
mundo, eu estava ciente dos travamentos dos Macs, mas sentia que
consertar o atual sistema operacional seria uma solução bem melhor que
desenvolver um inteiramente novo. Então uma noite, por acidente,
descobri qual era o problema. Foi graças ao meu filho Jesse, que gosta de
pensar diferente e não usa os produtos da moda que estão por aí. Ele
baixou um navegador da web chamado iCab e estava utilizando esse no
lugar do Internet Explorer (IE). Por ele estar utilizando esse outro
navegador, fiz uma experiência. Fiquei apaixonado por ele! Naquele
primeiro dia que utilizei o iCab no lugar do IE, não tive nenhuma
travamento. Nenhum. Hmm. Naquela noite, na cama, fiquei deitado
imaginando o que diabos estava acontecendo. No dia seguinte o meu Mac
não travou. Passaram-se duas semanas antes que eu precisasse reiniciar o
sistema, e isso foi um recorde!
Dali em diante, percebi que na maior parte do tempo eu não tinha mais
travamentos, e a única coisa que mudei em meu sistema foi parar de usar o
IE. Percebi que na época, quase todo mundo que possuía um Mac rodava o
IE. Por isso que havia tantos travamentos, em minha opinião. Acontece que
o motivo para nem a Apple nem ninguém mais acreditar em mim foi que o
erro no IE causador dos travamentos não acontecia somente quando o IE
estava aberto na tela; ele podia acontecer em qualquer momento que seu
computador estivesse funcionando. Desse modo, não era fácil para eles
verem que era o IE, e não o sistema, que causava os travamentos.
Assim que descobri isso, informei a Apple em todos os níveis
hierárquicos possíveis. Contei para todo empregado e executivo que eu
conhecia. Mas ninguém escutou. O engraçado é que na época eu tinha
alguns amigos que disseram que seus Macs nunca travaram. Imaginei duas
coisas: ou eles estavam tratando os computadores como bebês e não os
utilizavam realmente, desligando-os toda noite, ou estavam mentindo. Mas
então perguntei qual navegador estavam utilizando, e todos os meus
amigos que afirmavam que seus Macs nunca haviam travado disseram
estar utilizando o Netscape, que na época era outro navegador disponível
no mercado. Comecei a perguntar por e-mail para as pessoas qual o
navegador que utilizavam. Todos que não tinham problema de travamento
estavam utilizando o Netscape.
Nunca consegui convencer a Apple, o que foi lamentável para mim na
época. Não consegui convencer ninguém que não era o Mac OS que estava
falhando.
Então um dia Gil Amelio me contou que a Apple – além de evitar
excesso de produção e estoque e manter as despesas baixas – iria comprar
um novo sistema operacional. Iriam comprar o sistema operacional da
NeXT, empresa que Steve Jobs fundou depois de deixar a Apple.
Gil me telefonou e disse: “Steve, quero que você saiba que estamos
fazendo um contrato com a NeXT de 400 milhões de dólares”. Uau! Fiquei
estupefato! Nunca esperaria por isso. Eu sabia que isso significava que
Steve Jobs estava voltando, o que também nunca esperava! Eu sabia que
muitas pessoas na Apple sentiam que Steve havia sido desleal ao deixar a
Apple em 1985. (Steve pediu demissão depois de uma disputa de poder
com o conselho. Eles tiraram grande parte das responsabilidades de Steve e
ele saiu. Há uma concepção errada no Vale do Silício de que ele foi
demitido. Ele saiu. E isso o fez parecer desleal.)
Acontece que Steve, que voltou apenas como consultor no início, era
exatamente do que a Apple precisava. Quer dizer, uma empresa como a
Apple depende em grande parte da forte paixão e do comprometimento de
seus clientes. A Apple ficou muito arrebatada quando todo seu sucesso e
sobrevivência foram questionados. A ameaça à sua existência foi muito
grande! Mas Steve foi capaz de subir no palco e falar sobre a Apple e
realmente restaurar a lealdade que as pessoas tiveram o tempo todo pela
empresa. A Apple precisava de carisma e liderança em termos de
marketing para fazer com que as pessoas se animassem novamente, e isso é
o que Steve Jobs trouxe quando voltou para a empresa.
É engraçado, pois os produtos que as pessoas creditam como terem
trazido de volta a Apple para a vida – os iPods e os iMacs – estavam em fase
de projeto quando a Apple esteve em apuros. Seu principal projetista,
Jonathan Ives, já estava trabalhando neles. Mas a forma como Steve
apresentou esses novos produtos foi incrível. Ele também garantiu que os
vazamentos para a imprensa fossem cortados, de forma que quando os
novos produtos foram lançados – os coloridos iMacs e, claro, os iPods de
música digital –, eles pareceram ser totalmente novos e surpreendentes.
Para ser honesto, nunca fui muito louco pelos iMacs. Tenho minhas
dúvidas quanto a seu projeto em uma única peça. Não me importo com suas
cores e não acho sua aparência assim tão boa. Acontece que eu não era o
consumidor correto para ele. Mas ele foi o produto perfeito para as escolas
– um Macintosh em uma única peça, de baixo custo.
E depois havia o iPod. Agora, você precisa entender isto: para mim, a
música que você pudesse carregar para onde quisesse sempre foi
importante. Desde meu primeiro rádio transistor, sempre tive música que
pudesse carregar comigo. Sempre fui o primeiro a ter gravadores portáteis,
CD players portáteis. Fui a primeira pessoa que eu conhecia a possuir um
minidisc player. Durante minhas viagens ao Japão, onde você sempre vê
produtos bem à frente de seu tempo e que sempre estão disponíveis por lá,
vi pequenos players que podiam armazenar música em chips de memória.
Essencialmente, esses dispositivos armazenavam música em pequenos
cartões com memória RAM, o mesmo tipo de cartões em que sua câmera
digital guarda fotos. Sempre vou comprar todo produto interessante que
encontrar por lá.
Assim, quando o iPod foi lançado, fiquei entusiasmado. Ele estava no
lado caro – tinha um pequeno disco rígido embutido –, mas foi a maneira de
fazê-lo. Steve sempre foi bom nisso. Ele realmente é ótimo em procurar
novas tecnologias e escolher as corretas, as que terão sucesso.
O engenheiro dentro de mim sempre quer utilizar e testar um produto
antes de julgá-lo. Comparei meu primeiro iPod com meu favorito na época,
sem peças móveis, o Diamond Rio 500. Existe algo puro em não ter partes
móveis a não ser os elétrons. Mas o Diamond Rio precisava de mil dólares
em cartões de memória para armazenar a música que eu queria ouvir em
uma viagem de avião. Também o comparei com meu player Sony MiniDisc,
que eu carregava em toda viagem. Com o MiniDisc era barato gravar sua
própria música. Colocando essas máquinas lado a lado, eu não podia dizer
que o iPod era superior. Mas após utilizá-lo em um único voo, algo sobre ele
me pareceu natural e intuitivo. Eu me senti tão bem que sabia que nunca
mais voltaria aos outros players. Agora posso ver que o iPod mudou o
mundo. Não há dúvida sobre isso. Acho que foi a primeira coisa especial a
acontecer com a música desde o Sony Walkman (tocador de música
portátil). Além disso, o iPod tem algo ainda maior a favor dele.
Diferentemente de outros tocadores MP3 que estavam surgindo na época,
ele tinha seu próprio software que a Apple projetou (iTunes), e tratava seu
computador como o centro das coisas. Seu computador, seu principal
computador, é onde toda a música pode realmente ser armazenada. O iPod
é como se fosse um satélite. E esta acabou sendo a maneira perfeita de
fazer as coisas.
Ele foi exatamente o paradigma correto. E faz todo sentido que a Apple
seja a empresa a vir com isso. Afinal, toda a história da Apple foi fazer tanto
o hardware quanto o software, resultando que os dois trabalham melhor
juntos. Por isso que historicamente os computadores Apple trabalham
melhor que os PCs compatíveis da IBM, qualquer empresa poderia
desenvolver o hardware e alguém mais para os quais o software. Assim,
com o iPod, a Apple fez com que o iTunes fosse o software e o iPod fosse o
hardware. Eles trabalham juntos como sendo um só. Incrível! E somente
porque a Apple fornece ambos os lados da equação – o hardware e o
software – é que ela foi capaz de desenvolver um produto tão fantástico
quanto esse.
Estou orgulhoso agora. Estou especificamente orgulhoso não apenas
porque a Apple deu a volta por cima, mas porque ela retornou de uma
maneira compatível com nossos primeiros valores. Esses valores estão
representados pela excelência no projeto do produto – tão excelente a
ponto de fazer as pessoas babar com a ideia de possuir esses produtos – e
por emoções e sentimentos – um sentimento de diversão. Como quando
decidimos ter cores no Apple II em uma época em que ninguém pensou que
isso poderia acontecer. Tenho muito orgulho que a Apple tenha voltado a
se preocupar com os aspectos mais importantes.

Se tiver tanta sorte quanto eu tive, então você viverá em um tempo em


que será jovem exatamente quando uma revolução estiver para acontecer.
Exatamente como Henry Ford esteve lá em termos do setor automotivo, eu
estive lá para ver e desenvolver os primeiros computadores pessoais.
De volta a meados dos anos 1990, quando eu estava dando aulas na
escola, pensei uma vez a meu respeito: Puxa! Gostaria de ter 12 anos agora!
Veja as coisas que eu poderia fazer com o que existe hoje.
Mas depois percebi que tive sorte. Pude ver o antes, o durante e o
depois de algumas dessas mudanças na vida. Eu fui uma das poucas
pessoas que puderam efetuar algumas dessas mudanças.
A excelência veio até mim pelo fato de eu não ter muito dinheiro, e
também por possuir uma boa habilidade para projetar, mas não ter feito
esses produtos antes do tempo.
Espero que você tenha tanta sorte quanto eu. O mundo precisa de
inventores – grandes inventores. Você pode ser um. Se você ama o que faz e
estiver disposto a fazer o que for necessário, está dentro de seu alcance. E
valerá a pena cada minuto que gastar sozinho à noite, pensando sobre o
que é isso que você deseja projetar e fabricar. Valerá a pena, eu prometo.
Posfácio à edição brasileira

Steve Wozniak é um engenheiro na acepção mais completa do que


significa a palavra e a profissão. Um engenheiro que, além de brilhante
tecnicamente, sempre se pautou pela ética em tudo que fez.
O que distingue um engenheiro de outras profissões e talentos é a
vocação para construir. Um engenheiro não é necessariamente um
pesquisador, nem um descobridor na grande maioria dos casos. Um bom
engenheiro é um criador que, usando o que tem às mãos em dada época,
produz algo completamente novo ou uma versão melhor de um produto,
respeitando pragmaticamente as restrições de mercado e as necessidades
do público que vai consumir esse produto.
Steve Wozniak “inventou” e projetou um microcomputador que foi
objeto de desejo de todos nós, que temos mais ou menos a idade de Steve: o
Apple! Nós, que trabalhávamos com mainframes, sempre olhávamos com
reservas as nascentes tentativas de produção de computadores “caseiros”
nos anos 1970 e duvidávamos de sua real viabilidade. Mas ver, pela
primeira vez, um “Apple” funcionando, nos fazia duvidar de nossas
próprias dúvidas – será que, de fato, aquelas maquininhas mudariam todo
o cenário da informática para tudo e para todos? E o segredo do Apple não
estava nas peças utilizadas em montagem – chips comuns, encontráveis,
com algum esforço, na Santa Ifigênia –, mas na arte de conectá-las em um
projeto brilhante, leve, barato e eficiente.
Um engenheiro eletrônico que tenha nascido nos anos 1950, ao ler este
livro, não poderá deixar de sentir alguma nostalgia por reencontrar o
cenário familiar e provocante que existia na eletrônica dos anos 1970.
Pessoalmente, manuseei o mesmo microprocessador que foi pensado para
o Apple – o Motorola 6800, depois trocado pelo MOS 6502 – e vi, surpreso,
um colega da Escola Politécnica exibir orgulhoso uma calculadora HP 35,
que fazia tudo o que a melhor régua de cálculo podia fazer a uma
velocidade maravilhosa e com 10 casas de precisão! Algo inimaginável e
que podia ser carregado na mão. O único “defeito” é que custava tanto
quanto um Fusca novo, o que me fez protelar por uns 10 anos a vontade de
ter uma HP.
A história das peripécias de Steve, além de muito bem contada, está
repleta de deliciosas passagens, como, por exemplo, de quando ele conta
como “hackeava” o sistema telefônico americano. Interessante também foi
ler os relatos de seu encontro com Steve Jobs, as claras diferenças que há
entre eles, e como desenvolveu as ideias e implantou o software básico
para um microcomputador que, além de servir para jogos eletrônicos,
ajudava em todo tipo de organização pessoal. Um projeto elegante e
eficiente de uma ferramenta que, em poucos anos, se tornaria
indispensável. Não faltaram na história todos os componentes “clássicos”
dos projetos idealistas, especialmente os americanos: a localização na costa
oeste (futuro Vale do Silício), os parcos recursos financeiros, os
“laboratórios” improvisados em garagens, a busca por financiadores e, por
fim, as experiências estreantes na gestão de uma empresa, então incipiente,
mas totalmente diferente das que havia.
Que lição se extrai da experiência de vida de Steve? O ambiente em que
a gênese do Apple aconteceu não existe mais. Penso, mesmo, que a maneira
que ele usou para criar novos produtos em eletrônica também passou. Não
montaremos mais computadores revolucionários com peças compradas na
Santa Ifigênia: quem viveu essa época teve essa oportunidade. Hoje os
tempos são outros.
Então, não é essa a lição principal que se aproveita do livro. O que
permanece, o que não muda e tem valor inestimável, é a postura de Steve
diante da vida, sua persitência em seguir em frente e atingir o objetivo
almejado, mas sem nunca abrir mão de seus princípios. Desde os relatos de
sua infância e do convívio familiar, até a forma com que Steve tratou suas
relações, tanto com amigos e colaboradores, como com seu ex-empregador,
a HP, e com os funcionários da jovem Apple Computers mostram uma ética
e um caráter que deveriam nortear sempre a forma com que se conduz uma
iniciativa que se pretenda tenha futuro.
E a receita, bem-humorada, que transparece ao final do livro, é ditada
pelo próprio Steve Wozniak: empenhe-se, batalhe por suas ideias, seja
criativo sem se deixar limitar apenas pelo que parece possível hoje, mas
também... (e especialmente), tenha sorte!
Demi Getschko
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)
Glossário
adaptador Ver placa de expansão.
álgebra booleana Ver também porta lógica. O termo “booleana” é usado
para descrever um tipo de lógica adotada de forma pioneira pelo
matemático inglês do início do século XIX, George Boole. Ela é utilizada
para descrever um tipo comum de busca em sites, nos quais os termos “e”
ou “ou” são usados para estreitar ou expandir os resultados. Por exemplo,
você pode buscar todos os sites na web que contenham as palavras Steve
E. Wozniak, ou escolher buscar sites que tanto tenham as palavras Steve
OU Wozniak, o que amplia consideravelmente seus resultados. Na álgebra
booleana, E e OU são chamados “operadores”.

Eletromagneticamente, a álgebra booleana pode ser utilizada para


descrever se os estados dos circuitos ou as localizações de memória são 1
(Ligado, Carregado ou Verdadeiro) ou 0 (Desligado, Não Carregado ou
Falso). Os engenheiros podem projetar computadores que usam uma
operação de porta AND (E) e OR (OU) para obter um resultado que pode
ser utilizado para o próximo passo em uma tarefa de computação. Para
tanto, um engenheiro precisa compreender as seguintes regras básicas da
álgebra booleana:

0 E 0 = 0 1 E 0 = 0 1 E 1 = 1
0 OU 0 = 0 1 OU 0 = 1 1 OU 1 = 1

American Radio Relay League A ARRL é a associação nacional dos


operadores de radioamador americanos. De acordo com o site oficial
<http://www.arrl.org>, os Estados Unidos começaram a licenciar
operadores de radioamador em 1912.

analógico Antes da tecnologia digital, a transmissão eletrônica era


estritamente analógica – isto é, os sinais elétricos são gerados,
armazenados e manipulados em termos de ondas, sua frequência e
amplitude. As TVs, os telefones e os rádios utilizam tradicionalmente a
tecnologia analógica. Isso está começando a mudar agora. Um sinal
analógico pode ser representado como um conjunto de ondas senoidais. O
termo se originou porque a modulação da onda portadora é análoga às
flutuações da voz humana ou outro som que está sendo transmitido. Ver
onda senoide.

armazenamento Refere-se ao lugar em um computador onde os dados são


guardados de forma ótica ou eletromagnética para ser acessados pelo
processador do computador. O termo “armazenamento primário”
geralmente se refere ao lugar na memória onde o dado é guardado; o
termo “armazenamento secundário” geralmente se refere aos dados
permanentes guardados em discos rígidos, gravadores, e em outros meios
de armazenamento.

assembler Programa que converte instruções básicas de computador em


um padrão de 0s e 1s que um processador de computador consegue
entender. O resultado é geralmente chamado de linguagem “assembler”
ou “assembly”.

átomo A menor partícula que pode combinar com outros átomos para
formar elementos físicos.

barramento O caminho de transmissão dos sinais em um computador ou


em uma rede. Cada dispositivo conectado no computador ao longo desse
caminho, ou barramento, consegue potencialmente receber ou gerar
sinais. Dispositivos conectados ao computador através de slots de
expansão comunicam-se com o computador via barramentos de expansão
especiais.

BASIC Uma linguagem de programação de computador simples e popular.


Originalmente concebida pelos engenheiros da IBM John Kennedy e
Thomas Kurtz em 1963, o BASIC é bastante conhecido por ser fácil de
aprender e amplamente disponível para a maioria dos tipos de
computadores.

bit Abreviatura de binary digit [dígito binário], é a menor unidade de dados


em um computador. Ela carrega um único valor, 0 ou 1. Oito bits
correspondem a um byte. A união de 32 bits é chamada “palavra”. Ver
byte.

byte Unidade de dados igual a 8 bits. Normalmente representados por


múltiplos arredondados da potência de 2. Por exemplo, um megabyte (um
milhão de bytes) vale na verdade 2 elevado à vigésima potência –
1.048.576. De acordo com vários relatos, o engenheiro da IBM, Dr.
Werner Buchholz, inventou o termo em 1956. Ver bit.

caractere Símbolo que pode ser impresso na tela que normalmente retrata
texto, numeral ou sinal de pontuação. Nos computadores, há um número
limitado de símbolos que podem ser usados como caractere. A norma
vigente é chamada de “conjunto ASCII”, acrônimo para American
Standard Committee [Comitê de Padrão Americano].

chip Abreviatura de microchip, termo que se refere a módulos


incrivelmente complexos e minúsculos que contêm circuitos lógicos que
executam funções ou atuam como memória para um computador. Um
chip é fabricado de uma pastilha de silício e depois gravado com circuitos
e outros dispositivos em um ambiente limpo e controlado. Algumas vezes
os chips também são chamados de “CIs”, ou circuitos integrados.

chip set Um grupo de circuitos integrados (microchips) que podem


trabalhar em conjunto para desempenhar uma única função.
Normalmente, são soldados em uma unidade – isto é, um set.
circuito transistor Ver transistor.

codificação de máquina Linguagem em nível básico que um computador


consegue entender, refere-se ao fluxo de dígitos binários – 0s e 1s – ou
bits. Ver bit; byte.

compilador Programa especial que pega afirmações escritas em


determinada linguagem de computador e as traduz para a linguagem de
máquina que um processador de computador consiga entender.

corrente Medida em ampères (cujo símbolo é A), a corrente é o fluxo de


elétrons ou outros portadores de carga elétrica. Ela pode ser contínua
(direct current – DC), fluindo na mesma direção em todos os pontos no
tempo, ou alternada (alternating current – AC). O número de sinais AC, no
qual o fluxo de elétrons muda periodicamente a frequência, é medido em
ciclos por segundo (hertz) e é chamado de frequência. Ver frequência.

CPU Abreviatura de central processing unit [unidade central de


processamento], é o chip (ou anteriormente o conjunto de chips) que
contém todo o sistema de circuitos lógicos de um computador
responsável por rodar as instruções de um programa de computador.
Atualmente, é mais comum chamar a CPU de “processador” ou
“microprocessador”.

debug Processo para localizar e consertar (ou contornar) bugs e outros


erros em codificações ou programas de computador, ou em um
dispositivo de hardware do computador. O termo “tirar os bugs” refere-se
a um procedimento que começa com identificar um problema, isolar sua
fonte e consertar tanto o problema como sua fonte. É um procedimento
necessário na criação e desenvolvimento de qualquer software ou
hardware.

digital Termo que descreve eletrônicos que geram, armazenam e


manipulam dados definidos em somente um de dois estados possíveis – 1
ou 0 (Ligado ou Desligado). Cada um desses dígitos de estado é chamado
de “bit”, e uma sequência de 8 bits juntos é chamada de “byte”. Ver bit;
byte.

diodo Dispositivo eletrônico que restringe o fluxo da corrente para uma


única direção.

disquete Um meio removível de armazenagem para computadores


pessoais. Até o início dos anos 1990, muitos computadores pessoais
utilizavam um formato “floppy” (discos magnéticos flexíveis de 12
centímetros inseridos em invólucros de plástico). A maioria dos
computadores pessoais de hoje utiliza um formato menor de disquete
rígido, com 9 centímetros.

DRAM Dynamic random-access memory (DRAM – memória de acesso


aleatório dinâmico) é hoje o tipo de chip de memória mais comum
disponível para computadores. O termo “acesso aleatório” refere-se à
capacidade da CPU de rapidamente encontrar dados (na forma de 1s e 0s)
armazenados em chips de memória de computador – fazendo-o
diretamente. Antes do DRAM, a CPU precisava acessar os dados na
memória de forma sequencial, partindo do início dos dados armazenados
e seguindo adiante. O termo “dinâmico” significa que o chip de memória
não precisa ser continuamente atualizado através de eletricidade para
reter a informação nele inserida.

drive de disco rígido Também chamado de “hard drive”, “disk drive” e


“disco rígido”, refere-se a um dispositivo de armazenagem permanente
utilizado pelos computadores. Atualmente, os computadores podem
armazenar bilhões de bytes (gigabytes) de dados em seus discos rígidos
embutidos. Se visualizado internamente, um disco rígido é na verdade
como uma minipilha de discos, não diferente dos álbuns de discos que
precederam os CDs. Eles possuem trilhas concêntricas em seus discos,
com dados armazenados localizados ao longo da trilha. O drive
normalmente possui duas cabeças, uma de cada lado de cada disco, que
leem dados ou gravam dados em um disco. Ao salvar uma carta que
escreveu em um processador de textos, você a estará salvando no disco
rígido.

Dynamic random-access memory [memória de acesso aleatório


dinâmico] Ver DRAM.

EEPROM Abreviatura de electrically erasable programmable read-only


memory [memória programável somente para leitura que pode ser
apagada eletricamente]. É um tipo de memória somente para leitura que
pode ser apagada e reprogramada com novos dados, para um número
limitado de utilizações, normalmente através da aplicação de alta
voltagem elétrica no chip. Ver EPROM; PROM.

elétron Partícula subatômica carregada negativamente. Nos condutores


elétricos, a corrente eletrônica resulta dos elétrons que se movem de
átomo para átomo – isto é, de polos negativos para positivos. Em
materiais semicondutores, a corrente também resulta de elétrons que se
movem.

ENIAC O Electronic Numerical Integrator and Computer [Integrador


Numérico Eletrônico e Computador] foi um dos primeiros computadores
de verdade do mundo. O Exército americano o concluiu em 1946 – seu
propósito era calcular tabelas de disparos balísticos para o Ballistics
Research Laboratory [Laboratório de Pesquisas em Balística]. O ENIAC foi
construído na Universidade da Pensilvânia pelos pesquisadores J. Presper
Eckert e John William Mauchly.

EPROM Abreviatura de erasable programmable read-only memory


[memória programável apenas para leitura que pode ser apagada], um
tipo de chip de memória programável apenas para leitura com conteúdos
que podem ser apagados e reutilizados. Os dados antigos são apagados se
o chip ficar exposto a uma luz ultravioleta especificamente intensa. Ver
EEPROM; PROM.

floppy Ver disquete.

FORTRAN Abreviatura de FORmula TRANslation [Tradução de Fórmulas].


Essa linguagem de computador foi concebida especialmente para o uso de
matemáticos, engenheiros e cientistas. Hoje, esses usuários científicos
normalmente utilizam em seu lugar a linguagem de programação C.

Frequência Medida em hertz (Hz), a frequência é o número de ciclos


completos por segundo. Por exemplo, uma corrente medida a 60 ciclos
por segundo seria igual a 60 Hz. Mehahertz (MHz) e gigahertz (GHz)
representam respectivamente milhões e bilhões de ciclos por segundo.

gigabyte Um gigabyte é uma quantidade de dados de computador


aproximadamente igual a um bilhão de bytes – isto é, 2 elevado à
trigésima potência, ou 1.073.741.824. Ver bit; byte; kilobyte.

hertz Unidade de frequência igual a ciclos por segundo. Recebeu esse nome
em homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz.

hexadecimal Sistema numérico de base 16, comumente utilizado pelos


computadores digitais de hoje, que trabalha com dígitos binários (1 e 0) e
bytes (oito 1s e oito 0s) de informação de cada vez. Dois dígitos na base
hexadecimal podem representar um byte, como segue:

Binário Decimal Hexadecimal

0 0 0
1 1 1
10 2 2
11 3 3
100 4 4
101 5 5
110 6 6
111 7 7
1000 8 8
1001 9 9
1010 10 A
1011 11 B
1100 12 C
1101 13 D
1110 14 E
1111 15 F
10000 16 10
10001 17 11

instrução Um termo-chave em tecnologia de informática. É uma ordem


gerada pelo programa do computador e encaminhada para o processador
do computador. Cada instrução, em seu nível mais básico, é simplesmente
uma ordem para o computador fazer algo (como “somar” ou “subtrair”)
com 1s e 0s que compõem os dados de informática. Ver linguagem
assembler; registro.
interrupção Refere-se a um sinal que vem de um dispositivo anexado ao
computador – ou de um programa rodando no computador – que faz que
o software do sistema da CPU pare de fazer o que estiver fazendo e preste
atenção no que deve ser feito em seguida. Hoje, quase todos os
computadores utilizam interrupções. Isto é, rodam qualquer programa
em que estejam envolvidos lendo instrução por instrução até que sejam
“interrompidos” por um dispositivo ou por outro programa. Por exemplo,
ao acionar a tecla G enquanto um programa estiver rodando, o sistema
fará uma pausa, observará que o teclado o interrompeu, e rodará o
programa que exibe o “G” na tela.

kilobyte Unidade de armazenagem de computador igual a


aproximadamente 1.000 bytes de dados – mais precisamente, 2 elevado à
décima potência, ou 1.024 bytes.
Lei de Moore Gordon Moore, fundador da Intel, fez em 1964 a seguinte
observação que ficou famosa: devido aos avanços na fabricação, a cada 18
meses será possível dobrar o número de transistores em um chip. A Lei
de Moore vem se mantendo verdadeira até os dias de hoje.

linguagem assembler Em uma linguagem assembler de computador, uma


afirmação na linguagem geralmente corresponde a uma única instrução.
Em linguagens de alto nível, como C ou Pascal, uma afirmação na
linguagem pode resultar em múltiplas instruções. Ver assembler.

loop infinito Muitas vezes também chamado de “loop sem fim”, é um


pedaço de codificação que acidentalmente ou por concepção se repete
indefinidamente.

memória Espaço de armazenagem eletrônica para instruções e dados que


seu computador precisa alcançar rapidamente. Normalmente chamada de
“RAM” (abreviatura de random-access memory [memória de acesso
aleatório]), a memória situa-se, em geral, em um conjunto de microchips
localizados fisicamente perto do processador do computador. Quando o
computador é desligado, todas as informações armazenadas na RAM
desaparecem.

onda senoide Forma de onda de corrente alternada mais conhecida, que


varia com o tempo. Uma forma de onda é uma representação gráfica de
como a corrente alternada (AC) varia com o tempo.

osciloscópio Instrumento de laboratório comumente utilizado para exibir


e analisar a forma de onda de sinais eletrônicos. Em uma tela, o
dispositivo apresenta um gráfico da voltagem contra o tempo.

placa de expansão Também simplesmente chamada de “placa”, “cartão”


ou “adaptador”, são placas de circuitos que normalmente trazem uma
crescente funcionalidade para o computador. Um usuário conecta uma
placa de expansão em um dos slots de expansão do computador,
efetivamente adicionando circuitos à máquina. Ver placa-mãe; slot.

placa Ver placa-mãe.

placa-mãe Espaço físico dentro de um computador que contém seus


componentes e sistema de circuitos básicos. A placa-mãe mais comum
contém a CPU, o principal sistema de memória, o sistema básico de
entradas e saídas (basic input/output system – BIOS), um grupo de slots
de expansão, e circuito adicional de interconexão. Algumas vezes também
é chamada de “placa principal” e “placa do sistema”.

porta AND (E) Ver porta lógica.

porta eletrônica Ver porta lógica.

porta lógica Um único circuito de computador que possui vários pontos de


entrada, mas só um ponto de saída. É um elemento fundamental de um
circuito. A maioria das portas lógicas possui duas entradas e uma saída.

A cada momento, todos os terminais estão em uma das duas condições –


baixa (0) ou alta (1) – definidas pelo nível de voltagem. O estado, 0 ou 1,
geralmente muda à medida que o dado é processado. Por exemplo, a
porta AND (E) é chamada assim porque se 0 é falso e 1 é verdadeiro, a
porta age da mesma forma que o operador padrão AND (E) da álgebra
booleana.

Com uma porta OR (OU), a saída é verdadeira (ou 1) se cada uma ou


ambas as entradas forem verdadeiras (ou 1). Se ambas as entradas forem
falsas (0), então a saída é falsa (0).

A porta XOR (disjunção exclusiva OR) atua da mesma maneira que a


lógica “se/ou”. A saída é “verdadeira” se cada uma das entradas, mas não
ambas, forem “verdadeiras”. A saída é “falsa” se ambas as entradas forem
“falsas” ou se ambas as entradas forem “verdadeiras”.

Um inversor lógico, algumas vezes chamado de porta NOT para


diferenciá-lo de outros tipos de dispositivos inversores eletrônicos, tem
somente uma entrada. Ela inverte o estado lógico.

A porta NAND opera como uma porta AND seguida por uma porta NOT.
Ela atua como uma operação lógica “e” seguida por uma negação. A saída
é “falsa” se ambas as entradas forem “verdadeiras”. Caso contrário, a
saída é “verdadeira”.

A porta NOR é uma combinação da porta OR (OU) seguida por um


inversor. Sua saída é “verdadeira” se ambas as entradas forem “falsas”.
Caso contrário, a saída é “falsa”.

A porta XNOR (disjunção exclusiva NOR) é uma combinação de uma porta


XOR seguida por um inversor. Sua saída é “verdadeira” se as entradas
forem as mesmas, e “falsa” se as entradas forem diferentes.

Utilizando combinações de portas lógicas, operações complexas podem


ser executadas. Em teoria, não há limite para o número de portas que
podem ser ordenadas em um único dispositivo. Mas na prática, existe um
limite para o número de portas que podem ser colocadas em um dado
espaço físico. Arranjos de portas lógicas são encontrados em circuitos
integrados digitais (CIs). Conforme se aperfeiçoa a tecnologia dos CIs, o
espaço físico que eles ocupam fica cada vez menor. Isso significa chips
mais rápidos em pacotes menores – e crescente poder de computação a
preços decrescentes. Ver Lei de Moore.

porta NOR Ver porta lógica.

porta OR (OU) Ver porta lógica.

processador Sistema de circuitos lógicos em um computador que


responde a uma instrução de computador. Geralmente as pessoas
utilizam o termo “processador” para se referir a uma unidade central de
processamento do computador (CPU). Outro termo comum para a CPU é
“microprocessador”. Ver CPU.

PROM Abreviatura de programmable read-only memory [memória


programável somente para leitura]. É um tipo de chip de computador com
dados que só podem ser mudados com uma máquina especial. Essa
máquina, geralmente chamada “programador PROM”, realmente queima
um fusível no chip – daí o termo “queimar uma PROM”. Ver EEPROM;
EPROM.

RAM Abreviatura de random-access memory [memória de acesso aleatório].


É um tipo de chip de memória que um computador utiliza para fazer
cálculos e armazenar dados por um curto prazo. Esse tipo de “memória”
não deve ser confundido com o armazenamento permanente fornecido
por um disco rígido ou drive de CD-ROM. Os chips RAM perdem seu
conteúdo sempre que o computador é desligado. Ver memória.

registro Em um processador de computador, o registro é o lugar para


guardar qualquer tipo de dado, incluindo endereço de armazenamento,
caracteres individuais ou instrução de computador. Por exemplo, uma
instrução de computador pode comandar que os conteúdos de dois
registros sejam somados. Em geral, o registro é suficientemente grande
para guardar instruções de 32 bits, embora em alguns projetos de
computadores existam registros menores, tais como meio registros.

resistência Indicada pela representação R, ela é a oposição oferecida por


uma dada substância ao fluxo de corrente. É medida em ohms.

resistor Componente eletrônico que controla o fluxo de corrente em um


circuito através da resistência, ou liberação, da eletricidade.
Normalmente os resistores são montados em uma placa de circuito
impresso ou embutidos em um chip.

ROM Embutido em todos os computadores, a ROM, abreviatura de read-


only memory [memória somente para leitura], é a memória de
computador que contém dados que só podem ser lidos. Ela é concebida
para guardar permanentemente os dados, a fim de que não sejam
apagados ou modificados por um usuário. Um chip ROM contém o
programa que permite o reinício de um computador e lembra ainda, a
todo momento, suas características básicas. Diferentemente da RAM do
computador (memória de acesso aleatório), os dados nesses chips
permanecem intactos mesmo quando a máquina é desligada.
Normalmente a ROM é alimentada por uma pequena bateria de longa
vida. Ver EEPROM; EPROM; PROM; RAM.

sinal De um modo simples, é um campo ou corrente elétrica utilizado para


carregar dados de um lugar para outro. Um sinal de corrente contínua
(direct current – DC) que pode ser ligado e desligado é uma forma simples
de carregar informação – é como funcionavam os primeiros sinais de
telégrafo. Um sinal mais complicado consiste de uma corrente alternada
(alternating current – AC) carregando mais de um fluxo de dados de cada
vez.

slot de expansão Também chamado de “slot”, é um conector que permite a


adição de placas de expansão (ou cartões), que por sua vez são placas de
circuitos que trazem maior capacidade para o computador. Por exemplo,
um usuário pode conectar uma placa de expansão para adicionar um
sofisticado plotter ou escâner de dados a um computador. Atualmente,
todos os computadores de mesa vêm com slots de expansão que
permitem aumentar a funcionalidade da máquina.

slot Ver slot de expansão.


transistor Um dispositivo minúsculo para regular os sinais eletrônicos.
Inventado por três cientistas nos laboratórios da Bell em 1947, foi a
invenção-chave que permitiu o desenvolvimento de computadores e
aparelhos computadorizados. Antes dos transistores eram utilizados
tubos de vácuo, que ficaram rapidamente obsoletos depois que o
transistor tornou-se amplamente disponível para o propósito de regular a
corrente (voltagem). Os transistores funcionam como interruptores
incrivelmente minúsculos e eficazes para os sinais eletrônicos. Ver tubo
de vácuo.

tubo de vácuo Também conhecido como “tubo de elétrons”, o tubo de


vácuo foi comumente utilizado no passado para amplificar os sinais
eletrônicos. Hoje ele é praticamente obsoleto, tendo sido substituído em
eletrônica pelo transistor. Ver transistor.
Nesta foto, estou pronto para trabalhar com Gina em 2006. (Fotografia
cedida por cortesia de Dan Sokol)

As pessoas costumavam ir aos jogos da Caltech só para ver meu pai jogar.
Aqui está ele com o uniforme do time. (Fotografia cedida por cortesia de
Margaret Wozniak)
Esta é a foto de casamento de mamãe e papai. (Fotografia cedida por
cortesia de Margaret Wozniak)

Meus pais me contaram que comecei a ler com 3 anos de idade. (Fotografia
cedida por cortesia de Margaret Wozniak)
Meu pai e os três filhos. A partir da esquerda, eu, Mark e Leslie. (Fotografia
cedida por cortesia de Margaret Wozniak)

Nesta foto estou com 11 anos na Little League de beisebol. (Fotografia


cedida por cortesia de Margaret Wozniak)

Aos 11 anos eu era um dos mais jovens radioamadores do mundo. Mas


fiquei entediado. Não havia ninguém da minha idade para conversar!
(Fotografia cedida por cortesia de Margaret Wozniak)
Nesta foto estou com 13 anos mostrando a máquina Soma/Subtração
vencedora da feira de ciências. (Fotografia cedida por cortesia de Margaret
Wozniak)

Ainda com 13 anos, em 1963, em minha formatura no ensino fundamental.


(Fotografia cedida por cortesia de Margaret Wozniak)
Eu (esquerda) e Allen Baum mostrando a faixa de saudação para agitar um
pouco as coisas em nosso antigo colégio. Na época, Steve Jobs estava
estudando lá e eu e Allen já estávamos formados havia quatro anos.
(Fotografia cedida por cortesia de Margaret Wozniak)

Eu e o jovem Steve Jobs em 1974 com a “Caixa Azul” que projetei.


(Fotografia cedida por cortesia de Margaret Wozniak)
Em 1978, a Apple ganhou um verdadeiro escritório! Nesta foto, estou
testando algumas máquinas novas. (Fotografia cedida por cortesia de Dan
Sokol)

Como as coisas mudaram! O escritório central da Apple em Infinite Loop, n.


1, em Cupertino, Califórnia. (Fotografia cedida por cortesia da Wikipédia)
Meu amigo Dan Sokol me deu essa placa de circuito do Apple I emoldurada
como presente de aniversário de 30 anos. Ela ficou exposta na recepção da
Apple por anos. (Fotografia cedida por cortesia de Dan Sokol)

Antes de termos condições de pagar por gabinetes de plástico, muitos de


nossos clientes cobriam a placa de circuitos do Apple I com um gabinete de
madeira, geralmente feito com madeira havaiana. (Fotografia cedida por
cortesia da Wikipédia)
O Apple II – minha criação – é o computador que mudou o mundo. Pelo
menos, é isso que me dizem. (Fotografia cedida por cortesia da Wikipédia)

O Apple III foi um computador projetado por um comitê. A Apple forçou


feito louca a venda dele, mas a maioria das pessoas ainda queria o Apple II.
(Fotografia cedida por cortesia da Wikipédia)
O então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, dá o prêmio
Medalha de Tecnologia dos EUA para mim e Steve em 1985. (Fotografia
cedida por cortesia da Casa Branca)

Aqui estou no dia em que inauguramos o US Festival em 1983. Perdi


dinheiro, mas aproveitei cada minuto do evento. (Fotografia cedida por
cortesia de Dan Sokol)

Nesta foto estou com minha segunda esposa, Candi, e um dos astros do Van
Halen na época, David Lee Roth. Estávamos na festa antes de uma das
aparições da banda no US Festival. (Fotografia cedida por cortesia de Dan
Sokol)
A cantora Emmylou Harris é minha amiga de muito tempo. Ela cantou em
meu casamento e tocou no US Festival. (Fotografia cedida por cortesia de
Dan Sokol)

Aqui estou com minha segunda esposa, Candi. Ela é a mãe de meus três
filhos. (Fotografia cedida por cortesia de Dan Sokol)
Eu e Steve Jobs rindo juntos na Macworld 2005. (Fotografia cedida por
cortesia de Alan Luckow)

Nesta foto estou com um de meus Segways. Eu andava o tempo todo com
um deles. Um grande meio de transporte individual inventado por Dean
Kamen. (Fotografia cedida por cortesia de Dan Sokol)

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