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INTERVENÇÕES PRESERVACIONISTAS EM ICÓ,

CE – REDENÇÃO DO SERTÃO? 1

José Clewton do Nacimento 2


jclewton@hotmail.com / jclewton@yahoo.com.br

RESUMO
A necessidade de transformação dos espaços em atrativos acaba por gerar o entendimento do
“espaço de representatividade cultural” como “marca”, como “imagem-síntese”, reduzindo o
entendimento destes espaços em sua condição de complexidade. Tais questões são claramente
percebidas tanto no discurso – na elaboração de propostas de intervenção em áreas histórias –
como na prática – a partir da implementação dos referidos projetos de intervenção. Assim, este
artigo coloca em questão esta problemática, a partir do estudo de caso da cidade de Icó, localizada
na região centro-sul do Estado do Ceará: considerada “Patrimônio Nacional” – por sua
representatividade como núcleo surgido a partir da ocupação territorial do sertão nordestino, pela
prática econômica do sistema gado-algodão, nos séculos XVIII e XIX. No entanto, atualmente a
cidade passa por um processo de estagnação econômica, fato que faz de sua condição de espaço
de significação cultural o mote para a tentativa de redenção / requalificação do referido espaço, a
partir da “atratividade” do “espaço espetacularizado”. Esta “espetacularização” do espaço, que
trabalha com uma imagem-síntese de uma cidade sertaneja dos séculos XVIII / XIX, reduz o espaço
a uma condição imagética, em busca de uma “eterna imagem do passado”, condição esta que se
revelará no desenho elaborado sob a ótica do órgão detentor do saber especializado – o IPHAN.

PALAVRAS-CHAVES: Patrimônio cultural, intervenções preservacionistas, representatividade


cultural.

RESUMEN
La necesidad de transformación de los espacios acaba por generar el entendimiento de “el espacio
de representación cultural” como “marca”, como “imagen-síntesis”; reduciendo el entendimiento de
este espacio en su condición de complejidad. Estas cosas son claramente percibidas tanto en el
discurso, en la elaboración de la proposición de intervención en áreas históricas, como en la
práctica, a partir de la implantación de los referidos proyectos de intervención. Así, este artículo
tiene por objetivo colocar este problema, partiendo del estudio del caso de la ciudad de Icó, ubicada
en la región centro sur del Estado de Ceará: considerada “Patrimonio Nacional” por su
representación como núcleo surgido a partir de la ocupación territorial de la región semi-árida

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(Serrado nordestito), por la práctica económica del sistema ganado-algodón, en el siglo XVIII / XIX.
Actualmente la ciudad pasa por un proceso de estagnación económica, hecho que hace de su
condición de espacio de significado cultural el mote para la tentativa de redención / recalificación del
espacio, a partir de “el atractivo” del “espacio espectacular”. Este perfil espectacular del espacio que
trabaja con una imagen-síntesis de una ciudad campesina (sertaneja) de los siglos XVIII y XIX,
reduce el espacio a una condición de características específicas , en busca de una “eterna imagen
del pasado”, condición esta que se revelará en el dibujo elaborado bajo la óptica del órgano que
tiene el saber especializado – el IPHAN.
PALABRAS CLAVE: Patrimonio cultural, intervenciones de preservación, representación cultural.

ABSTRACT
The need for transformation of the attractive spaces ultimately generates understanding of the “area
of cultural representation” as “brand”, as “synthesis - image”, reducing the understanding of these
spaces in its complex condition. These issues are clearly perceived both in the speech – in the
elaboration of proposals for intervention in historical areas – and in practice – from the
implementation of these projects. This article aims of putting in question this issue, from the study of
the city of Icó, located in the central-south region oh Ceará State: it is considered “National Heritage”
– on the condition of its representativity as center emerged from the territorial occupation of an arid
area in the northeast of Brazil, because its livestock- cotton economic practice system, in the XVIII
and XIX centuries – the city goes through an economic stagnation process, fact that turns its
condition of cultural significant area into the reason for a redemption attempt/ requalification of that
space, from the “attractiveness" of the “magnificent space”. This instance of “spectacularization” of
the area, which works with a synthesis- image of an arid city from the XVIII/ XIX centuries, reduces
the area to a condition based in design, in search for an “eternal image of the past”, a condition which
will be revealed in the design, in risk, prepared from the perspective of the instrument proprietor of
the specialized knowledge – IPHAN.
KEYWORDS: Urban Practices, cultural heritage, cultural representation.

A cidade de Icó, situada na região centro-sul do Estado do Ceará é considerada


Patrimônio Nacional desde o final de 1997. A justificativa de tombamento deste
núcleo histórico foi elaborada a partir do entendimento da cidade como
“documento”, uma prática que vai surgir na década de 1960. Este conceito parte do
pressuposto de que a noção de “monumento” – cidade e monumento como obra de
arte – passa a não dar mais conta da complexidade brasileira, tanto no sentido da
problemática urbana (os núcleos urbanos começam a apresentar problemas, por
conta de sua complexidade, enquanto espaços passíveis de transformações), como
também no que diz respeito à nossa diversidade cultural (nossa multiplicidade
espacial não pode ser reduzida aos elementos – e prioritariamente, os monumentos
– da arquitetura colonial). O patrimônio passa ter uma conotação mais ampla – de
Histórico e Artístico passa a ser Cultural – e as novas concepções, normatizadas

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pela Carta de Veneza, de 1964, agregam aos valores já consagrados a questão do
caráter documental, ou seja a noção de Monumento extrapola a sua condição de
Excepcionalidade, ampliando o seu campo de ação. 3
A análise da justificativa e dos pareceres relativos ao tombamento da cidade de Icó
indicam pontos norteadores necessários para que a cidade passasse a ser
contemplada como « patrimônio nacional », a partir deste entendimento mais
amplo. O referido processo trabalha basicamente com 4 itens: valor histórico, valor
paisagístico, valor urbanístico e valor arquitetônico. Estes aspectos são
corroborados pelos diversos pareceres que recomendaram a homologação do
processo, onde podemos citar o parecer de 17/10/1997, que destaca a importância
do tombamento através: da representatividade do espaço no que diz respeito ao
processo de povoamento e consolidação do interior do país e do Estado do Ceará;
a riqueza arquitetônica e urbanística do espaço, como fonte documental; a
permanência do seu traçado urbano original, facilitando a identificação e
delimitação do “centro histórico”.
No entanto, apesar da "sugestão" para uma nova orientação (de se trabalhar com
um espectro mais amplo e abrangente com relação ao termo "cultura"), algumas
práticas que foram estabelecidas no período de consolidação do IPHAN no Brasil, e
que criaram bases "sólidas" (tradição ?), continuam prevalecendo.
Uma delas é o carater de Monumentalidade : apesar do discurso evidenciar que a
noção de "documento" é a que deve prevalecer – Icó foi tombada, não pelo seu
caráter de excepcionalidade, mas por representar, através do seu quadro urbano, o
processo de povoamento do interior do nordeste e do Ceará, isto é, por servir como
"documentação" para este fato histórico 4 –, a prática (desde a seleção), continua a
trabalhar com a noção de monumentalidade. Só que o objeto muda de escala:
agora é a trama urbana, através de um espectro mais amplo, que será tratado como
“monumento”, desvinculado de uma interação com os demais setores da cidade. 5
O espaço a ser preservado é trabalhado como "espaço iluminado". Parece que
este espaço não guarda relações com os demais, e pode ser tratado "a parte"
(exemplo: as normas sempre tratam de fazer leis "especiais" para estas áreas,
como elas existissem "por si só"). No entanto, uma apreensão mais aprofundada
do/no espaço pode demonstrar que estas áreas guardam guardam relações muito
estreitas (a mesma generosidade dos passeios, a mesma linearidade das vias, os
lotes, a estruturação espacial das casas – as casinhas "porta e janela" – além das
questões relacionadas ao uso do lugar, como o "sentar na calçada" e se apropriar

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desta como praticamente uma área social). Só não têm os "monumentos“. (Figuras
1, 2 e 3.)

1 2

FIGURAS 1 e 2: Vistas da Rua São Geraldo. Espaço que guarda relações estreitas com a área tombada
FIGURA 3: Os casarões tombados da Av. Ilidio Sampaio, e as áreas adjacentes.
FONTE: Arquivo Clewton Nascimento.

Por outro lado, essa prática ignora problemáticas urbanas que vão além do
entendimento do mesmo como “área preservável”. Esta é uma das características
da área. Mas ela não se esgota por aí. As justificativas de tombamento não são
direcionadas para uma análise mais ampla das cidades no contexto atual, com
problemáticas resultantes das transformações ocorridas em períodos recentes,
onde os vetores de ordem socio-econômicos irão configurar importantes
transformações no espaço urbano. 6
Por isso, considero que a leitura e a prática ainda prima pelo principio do
"monumento", e não por uma forma mais abrangente do conceito de cultura. Esta
leitura se mostra excludente/seletiva. E aqui uma pergunta: será que vai ser sempre
assim: esta seleção, sinônimo de exclusão, é algo inerente a prática de
preservação?
Vinculada à questão do tombamento (processo / seleção / homologação), registra-
se uma outra, tão importante quanto: diz respeito à situação econômica do
município, na atualidade.

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Principal entreposto comercial do sertão cearense nos século XVIII até meados do
século XIX, a cidade começa a sofrer um processo de decadência no final do XIX,
por conta do processo de hegemonia politico-econômico da capital, Fortaleza. Icó
irá perder "status" não só em escala estadual, mas também na microrregião,
suplantada por cidades como Iguatu. E, no período em que se homologa o
processo de tombamento da cidade como “patrimônio nacional”, ela se apresenta
com um quadro econômico de decadência, que vai refletir na depreciação de seu
quadro espacial.
Tombada e decadente. O que fazer?
O IPHAN, enquanto orgão que prima pela preservação do Patrimônio no Brasil não
dispõe de recursos suficientes para "bancar" obras de maiores vultos. Pelo seu lado
– como já foi falado – o município também carece de recursos para investir na área.
No entanto, uma possibilidade de reversão do quadro se apresenta, e em duas
direções, que na verdade, irão se complementar :
1. O Governo do Estado do Ceará lança, a partir da Secretaria de Infra-estrutura 7 , o
Programa PROURB, cujo objetivo prima pela necessidade de interiorização e
melhor aproveitamento das potencialidades do Estado, através da promoção de um
"desenvolvimento sustentável", desconcentrado e com justiça social, que valorize
os municípios em sua escala local, onde estes precisam "obter diferenciais" que os
tornem atrativos e competitivos. Esta ação evidencia a intenção de inserir todas as
áreas do Estado numa lógica desenvolvimentista e modernizadora, que explore
outras potencialidades. Neste contexto, várias cidades do sertão cearense foram
comtempladas com o seu "Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano" 8 , dentre elas,
Icó.
2. A cidade de Icó também passa a ser contemplada com o Programa
MONUMENTA , um programa de parceria entre o Ministério da Cultura, o IPHAN e
o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que visa a "revalorização de espaços
tombados degradados, tendo em vista a sua sustentabilidade", porém, dentro de
uma lógica empresarialista que busca vincular cultura (patrimônio cultural),
economia (rentabilidade) e turismo. 9
Enfim … aponta-se para a “redenção"?
O encaminhamento dos discursos dos referidos programas apontam para o turismo
como solução para a problemática socio-econômica do município, e esta para este
segmentos que vão estar direcionados os projetos prioritários e, como
consequência, as intervenções na paisagem urbana, tendo como mote, a cidade

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como "patrimônio cultural". Em outras palavras: dentro da lógica
empresarialista /neoliberal, o patrimônio é o "atrativo", conforme indica esta
passagem retirada do Plano Estratégico da cidade de Icó:
Icó integra o elenco dos vinte municípios históricos do Brasil,
selecionados pelo Ministério da Cultura para ter prioridade nos
investimentos destinados a restauração do acervo arquitetônico e
cultural. Icó figura, ainda, como o único município cearense incluído
no programa desse ministério. (…)A transformação de Icó em um
destino turístico, no entanto, esta condicionado à transformação dos
elementos da cultura e os atrativos em atrações turísticas. (…)Com
efeito, esses atrativos culturais, para trazerem resultados no campo
do turismo, deverão ser estruturados como atrações turísticas, que
comporão a matriz econômica do municipio. A transformação dos
atrativos em atrações fomentata diversos outros segmentos da
economia do município, como a agricultura, o comércio, os
transportes e os serviços em geral (PLANO ESTRATEGICO DE ICO,
2001, 12).

A cidade, como "patrimônio nacional", espaço sertanejo por excelência (e que


passa a ser entendida como "imagem-síntese" do sertão, sem conflitos, nem
tensões…), passa a ser enfatizada, porém, a partir de um forte apelo ao consumo.
O "espaço de significação cultural" vira produto, vira atração a ser consumida 10 .
Estes "produtos", a partir das propostas implementadas, apresentam alguns pontos-
referência, tais como: o trabalho com um forte apelo visual e de impacto;
apresentam um caráter "regenerador", higienizador, asséptico; há a valorização do
"atrativo" por ele mesmo, sem vínculos com os "espaços obscuros" que os rodeiam
(quando não chegam a negligenciá-los ou até excluí-los, "iluminando-os").
Segundo estas orientações é que está se dando a prática preservacionista, na
escala do desenho, do "risco", da ação propriamente dita, da intervenção no espaço
público e nos edifícios. Esta prática, no meu entendimento se delineia de duas
maneiras, que por um lado, buscam se complementar, mas por outro revelam um
certo paradoxo:
1. As intervenções nos "espaços tradicionais", ou seja nos edifícios que já
garantiram uma relevância no espaço, por sua condição histórica, artística,
simbólica : as intervenções tendem a trabalhar com a recuperação destes espaços,
seguindo os princípios da Carta de Veneza, a partir de critérios de cientificidade
(amparado em registros fotográficos, documentação, arqueologia, prospecções),
respeito às temporalidades (a intervenção contemporânea deverá mostrar a marca
de seu tempo, respeitando a preexistencia) pois o edifício deve ser lido como
"documento" e por conta disso a intervenção não pode "falsear" a História 11 .

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Exemplos deste tipo de intervenção são os restauros da Igreja Matriz 12 e Igreja do
Monte, Teatro da Ribeira, Igreja do Rosario (Figuras 4 e 5).

FIGURAS 4 e 5: Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação, restaurada em 2000, a partir dos preceitos
da Carta de Veneza, de 1964.
FONTE: IPHAN.

2. As intervenções "contemporâneas" buscam o reforço dos edifícios tradicionais,


porém, a meu ver, com algumas incoerências e contradições, a saber :
2.1. A noção de "tradição", e por conseguinte, de "espaço tradicional", praticamente
estão vinculados à forma (no sentido restrito, desvinculada do conteúdo), o que vai
gerar, por exemplo, o entendimento "estetizante-tipológico" do espaço enquanto
"eterna imagem do passado", criando "fantasmagorias" e edifícios que podem ser
entendidos como "velhinhos em folha", a reforçar o que Lia Motta (2002), chama de
Patrimônio Lato Senso. 13 (Figuras 6 e 7)

FIGURA 6: Rua 7 de Setembro em 1993 e Rua 7 de Setembro em 2001. O detalhe mostra a reforma da
edificação segundo orientação do IPHAN.
FONTE: Arquivo Clewton Nascimento

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FIGURA 7: Indicação de prédio em ruínas na Rua Ilídio Sampaio e posterior
“restauro” para abrigar a Câmara dos Vereadores da Cidade de Icó. (Fotos
retiradas respectivamente na década de 80 e 2000).
FONTE: Clewton Nascimento

Dentro deste parâmetro, podemos também evidenciar tanto as propostas de


compatibilidade visual, como as de reconstituição estilística de quadras inteiras: as
de Icó ainda estão só como propostas, não foram materializadas, mas existe a
intenção. Dentre elas "rua do meio", que é a "rua que dá mais trabalho ao IPHAN",
justamente porque o uso do espaço, mais popular e passível de mudanças, não
condiz com o entendimento de "espaço estático, fixo, de imagem cristalizada, que a
instituição geralmente trabalha. 14
2.2. A tendência de espetacularização e higienização do espaço, para privilegiar o
monumento: o impacto do desenho acaba muitas vezes por gerar o objetivo
contrário ao que se pretendia, pois o preexistente acaba por ficar “subordinado”
visualmente ao desenho contemporâneo. Não há articulação e sim subordinação.
Além do mais, o que se pretende visível, acaba se tornando quase incompreensível.
Exemplo: na proposta de intervenção da grande esplanada e Largo do Theberge,
os desenhos de paginação de piso – especialmente, o que busca a valorização do
Cruzeiro da Igreja Matriz – só se tem uma leitura mais clara do que se pretende,
quando podemos vislumbrar o conjunto "do alto", "a vôo de pássaro". Na altura
normal do observador que esta utilizando o espaço, tal noção é quase imperceptível
(Figuras 8, 9 e 10).

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FIGURAS 8 e 9: Proposta para valorização do Largo do Theberge. Na paginação do piso, um apelo à
revaloriração dos edifícios tradicionais.
FONTE: Nelson & Campelo Arquitetos Associados.

FIGURA 10: Largo do Theberge, a partir da torre da Igreja Matriz. O desenho do piso só se torna
compreensível, a partir de uma perspectiva "a vôo de pássaro".
FOTOMONTAGEM: Clewton Nascimento/Liliane Vieira/Emanuel Ramos (agosto/2004).

2.3. Além destas questões, as intervenções "impactantes" geralmente guardam um


certo distanciamento com o cotidiano. Parece que não há uma "experimentação
do /no espaço". A apreensão destes espaços é praticamente reduzida à sintese da
imagem-marca, que busca representá-los em sua totalidade. O espaço se torna um
dado, a priori, vinculado a uma razão sistêmica, um modelo, um padrão. Portanto,
para entendê-lo, já não é mais preciso experimentá-lo, ele já nos é dado.
Em consequência desta “não-experimentação”, constata-se que algumas propostas
tidas como "inovadoras" são refutadas pelo próprio usuario. Temos como exemplo
as pessoas que preferem trazer suas cadeiras para sentar na praça, ao invés de
sentar nos "bancos com design" da mesma. Aqui podemos trabalhar também com a
tentativa de padronização do espaço, exemplificado no caso de Icó pela
padronização dos passeios e a diminuição dos mesmos, sem se entender que
aquele espaço dito público é apropriado de uma forma sui generis nestas
cidadezinhas do sertão, e que deve-se ter consciência desta forma de apropriação,
pois a intervenção poderá ser entendida mais como uma "invasão de privacidade",
visto que o passeio acaba se tornando uma "extensão da sala de estar".
E ainda outra questão dentro desta temática: Icó é uma cidade que apresenta uma
média de temperatura alta, e portanto, necessita de espaços de sombreamento. As
intervenções devem primar por esta questão. Então, eu pergunto: porque "limpar"

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as áreas sombreadas que existiam no Largo do Theberge? Para deixar o espaço
asséptico e com mais "visibilidade" para os monumentos? Valorização do
Monumento e utilização do espaço são incongruentes? (Figura 11).

FIGURA 11: Largo do Theberge, visto a partir do Teatro da Ribeira dos Icos. Carência de áreas
sombreadas. Privilégio à visibilidade dos monumentos?
FOTOMONTAGEM: Clewton Nascimento/Liliane Vieira/Emanuel Ramos (agosto/2004).

Como conclusão, pretendo enfatizar que: se trabalho com uma análise crítico-
reflexiva, não é no sentido de depreciar as ações implementadas, e sim para
suscitar o debate sobre as mesmas, em busca de novos encaminhamentos.
Tenho consciência de que esta questão extrapola a escala do "desenho". Implica,
por exemplo, na necessidade do IPHAN voltar a ser uma instituição “forte”, dentro
dos trâmites e das redes estabelecidos em torno da questão “cultura”. Tenho
consciência também que esta questão é muito complexa nos moldes como ela vem
sendo tratada aqui no Brasil.
Porém, meu pronunciamento, a partir deste artigo, é de pensarmos, como
“produtores de espaço” que somos – e a isto vêm atreladas outras instâncias,
dentre elas a condição de "transmissores de mensagens" - na necessidade de
revisão de nossos conceitos e nossa postura perante a tarefa que nos é incumbida,
a de produzir espaços de qualidade, para além do entendimento do espaço
reduzido ao "código dos especialistas" (LEFEBVRE, 1986).
E, se para os que trabalham mais especificamente na busca pela valorização de
nossa História e nossa Cultura, penso que devamos direcionar nossas ações no
sentido de tratar tanto História como Cultura, como elemento de transformação, e
não como meras "citações atrativas".
Nossas áreas de significação cultural nos revelam muito mais "potencialidades", do
que a condição de meros atrativos a serem consumidos. Elas se constituem em
"elementos de reflexão", entendidas a partir de sua condição de espaços
vivificados.
Fica aqui o convite à reflexão.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza. In: Obras Escolhidas. Magia e técnica,
arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987 .V.1
BID / MINC / MONUMENTA. Programa Monumenta: Cartilha. Brasília, 2000.
CURY, Isabelle. Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
IPHAN. Parecer DEPROT, N° 059/97, datado de 17 de outubro de 1997.
______. Parecer DEPROT/IPHAN/RJ, N° 059/97, datado de 24 de outubro de 1997.
_____ . Icó. Estudo para Tombamento Federal. Volume I: 1996.
JORNAL O POVO. Inspiração Barroco-Sertaneja. 14 de abril de 2000.
LEFEBVRE, Henri. La Production de l΄espace. Paris: Anthropos, 1986.
______. O Direito a Cidade. São Paulo: Editora Moraes, 1991.
NASCIMENTO, José Clewton do. Uma Princesa ‘Tombada’ às Margens do Rio
Salgado: dinâmica urbana e ações preservacionistas na cidade de Icó, CE.
Dissertação de Mestrado. Salvador: PPGAU-UFBA, 2002.
MOTTA, Lia. As Cidades Mineiras e o IPHAN. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi (org.).
Cidade: História e Desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
OLIVEIRA, Olívia Fernandes de. Quarto de Arquiteto: Lina Bo Bardi e a História.
Revista Oculum, n.5.
PLANOS TÉCNICOS DO BRASIL / SEINFRA / PMIcó. Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Icó, 2001. [CD – Rom]. Este documento contém os
Plano de Estruturação Urbana (PEU), o Plano Estratégico (PES), e o Termo de
Referência do Largo do Theberge (TDR/Largo do Theberge).
SÁNCHEZ, Fernanda. A Reinvenção das Cidades para um Mercado Internacional.
Chapecó: Argos, 2003.

1 Este artigo é parte de uma discussão ampla da tese de doutoramento do autor denominada "(RE)
DESCOBRIRAM O SERTÃO?" que se encontra em processo de finalização para defesa.
2 Programa de Pos-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da

Universidade Federal da Bahia – PPGAU-FAUFBA


3 Conforme explicita a Carta de Veneza : « Art.1°. A noção de monumento compreende a criação

arquitetônica isolada, bem como o sitio urbano ou rural que da testemunho de uma civilização
particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento historico. Estende-se não so às
grandes criações, mas também à obras modestas que tenham adquirido com o tempo, uma
significação cultural. (…) Art.3°. A conservação e a restauração dos monumentos visam a

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salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho historico”. (Carta de veneza, 1964 in Cury :
2000, 92). Grifo meu.

4 “A 4a. Coordenação Regional entende que o quadro da preservação urbana instituída pelo IPHAN a
partir do tombamento em 1938, de seis cidades em Minas Gerais, não estará completo em sua atual
evolução conceitual sem a proteção de núcleos urbanos que documentem a árdua conquista do
sertão nordestino. Sem nenhuma dúvida, o conjunto arquitetônico e urbanístico de Icó é um
elemento fundamental na documentação deste significativo capítulo da história do país. A inclusão
do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de Icó no rol dos bens que compõem o patrimônio
cultural da nação, se impõe com evidência. O melhor da arquitetura feita tradicionalmente no Ceará,
inclusive no popular, concentra-se no conjunto de suas ruas cujo tombamento é mais que oportuno.”
(IPHAN, 1996:34/36).

5 “A 4a. Coordenação Regional entende que o quadro da preservação urbana instituída pelo IPHAN a
partir do tombamento em 1938, de seis cidades em Minas Gerais, não estará completo em sua atual
evolução conceitual sem a proteção de núcleos urbanos que documentem a árdua conquista do
sertão nordestino. Sem nenhuma dúvida, o conjunto arquitetônico e urbanístico de Icó é um
elemento fundamental na documentação deste significativo capítulo da história do país. A inclusão
do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de Icó no rol dos bens que compõem o patrimônio
cultural da nação, se impõe com evidência. O melhor da arquitetura feita tradicionalmente no Ceará,
inclusive no popular, concentra-se no conjunto de suas ruas cujo tombamento é mais que oportuno.”
(IPHAN, 1996:34/36).

6 No caso especifico de Icó, vale a pena salientar que nas proximidades da area preservavel tem um
rio, e uma area subsequente, de cunho popular, com varios problemas de infraestrutura basica, e
para o outro lado, temos uma area comercial que apresenta outras necessidades …. A respeito do
assunto, consultar (Nascimento: 2002).

7A partir do ano de 2003, com a administração do governador Lúcio Alcântara (PSDB), é criada uma
nova Secretaria – Secretaria de Desenvolvimento Local e Regional – que herdará algumas
atribuições da SEINFRA, sempre no intuito de fortalecer a imagem do Estado modernizante.

8Os referidos planos Diretores contem os Planos Estrategicos, os Planos de Estruturação Urbana, e
os Termos de Referência para a elaboração dos projetos urbanos.

9 Segundo Pedro Taddei, coordenador do referido Programa até o ano de 2002, “o programa tem
como principio basicos garantir as condições de conservação do patrimônio recuperado, atrav’es do
retorno econômico proporcionado pela intensificação do uso e da visitação às areas
restauradas »(apud Programa Monumenta :2000 : 3 / 4). E, apesar do discurso « democratico »,
percebe-se claramente um predominio da instância econômica, visto que se faz necessario, a priori,
que na elaboração do plano de ação de cada cidade que almeje a contemplação pelo Monumenta,
estejam evidentes os dados que atestem tanto a viabilidade financeira como a econômica do
empreendimento.

10 A partir dos conceitos de Henri Lefebvre, quando faz uma distinção entre "obra" - valor de uso – e
"produto" - valor de troca). (Lefebvre : 1991).

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11 A Carta de Veneza reforça a busca pela condição de autenticidade do monumento, amparada em
bases cientificas. O restauro, enquanto atividade amparada em pesquisas arqueologicas e
historicas, objetivara esta busca e o monumento agora se constituira numa fonte documental,
comprovada cientificamente : "Art.2°.A conservação e a restauração dos monumentos constituem
uma disciplina que reclama a colaboração de todas as ciências e técnicas que possam contribuir
para o estudo e a salvaguarda do patrimônio monumental ; (…)Art.9°. A restauração é uma
operação que deve ter carater excepcional e fundamenta-se no respeito ao material original e aos
documentos autênticos. Termina onde começa a hipotese. (…)A restauração sempre sera precedida
e acompanhada de um estudo arqueologico e historico do monumento ». (Carta de Veneza, 1964 in
Cury : 2000, 92/93). Grifos meus.

12Poderemos perceber a busca pelo caráter de cientificidade postulados pela Carta de Veneza de
1964, no restauro da Igreja Matriz, a partir das informações contidas em material publicada no jornal
O Povo: “As obras ora utilizadas tiveram o caráter de restauro, observando-se porém intervenções
posteriores que deixaram a marca de seu tempo e não comprometam a leitura do monumento” . E
prosseguindo, percebe-se que todo o trabalho foi pautado em “...informações históricas referentes ao
edifício ...( e ) ... prospecções ... (executadas) ... durante as obras de restauro” (Jornal O Povo,
matéria O Barroco Sertanejo,14 de abril de 2000).

13 "Com o tempo, em contextos historicos diferentes e diante de novos projetos de identidade


cultural, permaneceram critérios semelhantes de seleção do patrimônio cultural, sempre observando-
se aspectos estéticos-estilisticos dos sitios urbanos, ou a excepcionalidade dos imoveis em
contextos descaracterizados (…) Essa orientação não era empregada apenas em Ouro Preto, mas
nos demais sitios urbanos tombados pelo IPHAN" (Motta :2002, 132).

14 Pode-se considerar as seguintes propostas de “compatibilidade visual” através de demolição: a


demolição de edificações incompatíveis com a proposta de requalificação do patrimônio para a área
tombada pelo IPHAN, contidas tanto nas propostas de restauração do Largo do Theberge, como
também na restauração dos imóveis da avenida Ilídio Sampaio e Rua do Meio (PES, 2001:80); a
proposta de remoção dos obstáculos visuais existentes, no projeto de “restauração e conservação
do Largo do Rosário/ Largo do Monte” (PES, 2001:87); a proposta de “Recuperação, integração e
compatibilização do Largo do Theberge com o Patrimônio Histórico e Arquitetônico situado em seu
entorno”, contido no TDR/Largo do Theberge (2001: 04); as ações direcionadas nos projetos
executivos de recuperação das edificações históricas contidas no TDR/Largo do Theberge, que
Sugerem “a demolição das edificações que se configurem obstáculo visual no largo, tais como
restaurantes ao lado e atrás do Teatro, os quiosques e a Igreja Nova( ver a propósito a sugestão de
estudo de solução paisagística que evite a demolição” (TDR/Largo do Theberge ,2001: 22/23) (o
grifo é meu).

Com relação à recomposição estilística, pode-se citar dentro da mesma proposta de ação citada
acima “a recuperação das edificações incluindo seus parâmetros externos (recomposição de ornatos
e elementos arquitetônicos, pintura de fachadas, recuperação de cobertas, etc.); adequação das
fachadas das demais edificações aos padrões do sítio histórico” (TDR/Largo do Theberge ,2001:
22/23).

FORUM PATRIMÔNIO: amb. constr. e patr. sust.,Belo Horizonte,v.1,n.1,set./dez.2007

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