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Afirmação Da Negritude e De-Mocracia Racial em Alberto Guerreiro Ramos
Afirmação Da Negritude e De-Mocracia Racial em Alberto Guerreiro Ramos
DOSSIÊ
mocracia racial em Alberto Guerreiro Ramos (1948-1955)
É possível identificar, no debate público sobre as atuais desigualdades raciais brasileiras, duas estraté-
gias antirracistas fundamentais. Enquanto, de um lado, a afirmação política e identitária da negritude
é encarada por alguns atores como forma de denunciar o racismo presente em nossas estruturas e prá-
ticas sociais, outros sustentam que o tradicional elogio ao caráter mestiço do povo brasileiro fornece a
melhor base para um projeto nacional autenticamente pós-racial. Embora pareçam inconciliáveis, nem
sempre essas posturas foram vistas como rivais. O sociólogo baiano Alberto Guerreiro Ramos é um
exemplo de pensador do “problema do negro no Brasil” que via a afirmação da negritude como meio
para a construção da democracia racial no país. Embora sua adesão a esses dois projetos seja conside-
rada ambígua e incoerente, este artigo sustenta que a afirmação da negritude e o elogio da democracia
racial são propostas políticas que ele tentou compatibilizar deliberadamente. Sobretudo entre 1948 e
1955, Guerreiro Ramos defendeu que a assumpção epistemológica e política da negritude seria um meio
para expurgar dialeticamente do país a desconectada ideologia da brancura. Somente assim, seríamos
capazes de dotar de valor a nossa mestiçagem, reconciliando a tradicional apologia da democracia racial
com a constituição concreta do nosso povo.
Palavras-chave: Negritude. Democracia Racial. Mestiçagem. Niger Sum. Pensamento Social Brasileiro.
O negro é povo, no Brasil. Não é um componente cia racial enquanto ideal plausível. A contro-
estranho de nossa demografia. Ao contrário, é a sua vérsia recente em torno das ações afirmativas
mais importante matriz demográfica. E este fato
raciais evidenciou ainda mais essa rivalidade
tem de ser erigido à categoria de valor, como o exige
a nossa dignidade e o nosso orgulho de povo inde-
entre afirmação da negritude e apologia da
pendente. O negro no Brasil não é anedota, é um mestiçagem (Campos, 2012; Hofbauer, 2006).
parâmetro da realidade nacional. Contudo, essas duas estratégias antir-
(Ramos, 1995[1957], p. 200) racistas (afirmação da negritude e apologia da
democracia racial) nem sempre foram vistas
como antagônicas. Entre as décadas de 1930 e
Os debates recentes em torno das desi-
1950, alguns intelectuais negros defenderam a
gualdades raciais brasileiras vêm esbarrando
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000100007
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TEN, Guerreiro Ramos tomou para si a difícil larismo étnico fosse superado (Taguieff, 1988).
tarefa de compatibilizar concepções políticas Contra essas avaliações, o objetivo deste
aparentemente tão díspares. texto é demonstrar que a afirmação da negritu-
Entretanto, a convivência dessas duas de e o elogio da democracia racial são posturas
ideias no pensamento do autor é comumente deliberadamente compatibilizadas por Guerrei-
taxada de “tensa”, “contraditória” ou mesmo ro Ramos. A defesa que ele faz do niger sum
“ambígua”. Ao analisar tal coexistência ideoló- (afirmação e assumpção da negritude) decor-
gica, Marcos Chor Maio destaca re dos valores intelectuais nacionalistas que
singularizam sua teoria sobre a sociologia e o
uma certa tensão, no pensamento do autor, entre o
reconhecimento da diversidade étnica existente no
Brasil. Para demonstrar tal hipótese, acredito
país e a necessidade de sua diluição diante da ne- ser preciso retocar alguns entendimentos cris-
cessidade de se construir uma identidade nacional talizados da obra do autor, mormente aqueles
(Maio, 1996, p. 186). ligados (i) ao papel da sociologia como instru-
mento de autodeterminação e conscientização
Esse diagnóstico é corroborado por
nacional; (ii) ao lugar da ideia de democracia ra-
Muryatan Barbosa quando este reitera que a
cial nessa autodeterminação; (iii) à ideologia da
visão da negritude de Guerreiro convive com
brancura como obstáculo à autodeterminação;
uma
(iv) ao modo como o autor dividia e relacionava
tentativa consciente do autor de relativizar a impor- psicologia e economia, superestrutura e infraes-
tância da identidade negra, diante de sua preocupa- trutura e, finalmente, (v) ao papel que ele confe-
ção mais premente à época: a construção da nação,
ria às elites intelectuais em todo esse processo.
em especial, depois de sua integração ao Instituto
Para Guerreiro, a sociologia brasileira só
Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) (Barbosa,
2006, p. 222). poderia se tornar uma disciplina “autentica-
mente científica” caso se comprometesse com
Na mesma linha, Layla Carvalho inter- os problemas nacionais, recusando toda e qual-
preta esse traço do pensamento de Guerreiro quer transposição literal de conceitos. Como
sob o signo da incompletude: alternativa à transposição literal, ele propunha
A sua crítica ao preconceito e à exotização dos ne-
a “redução sociológica”, uma incorporação te-
gros nas teorias dos sociólogos e antropólogos que órica seletiva das teorias, capaz de separar o
sustentaram a ideia de democracia racial [...] não que há de útil nos conceitos estrangeiros para
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reiro, mas, também, a sociologia mais autên- pótese. Além de buscar os nexos de coerência
tica e dinâmica feita por nomes como Sylvio na obra de Guerreiro Ramos, objetiva-se, tam-
Romero, Euclides da Cunha e Alberto Torres bém, mostrar que a aporia vislumbrada por ele
(Ramos, 1995[1957], p. 105-10, 61, 75). A des- na década de 1940 ainda é bastante atual. De-
peito dos seus méritos, essa intelligentsia teria mocracia racial e afirmação da negritude são
sido vítima de um preconceito de cor exógeno projetos político-identitários que ainda rivali-
e estranho a nossa composição demográfica, zam no debate público brasileiro. Destarte, a
advindo de uma redução sociológica mal feita conciliação apresentada por Guerreiro não tem
do conceito (estrangeiro) de raça. nada de datada, ao contrário, ela visa compati-
Posto que a sociologia deveria contribuir bilizar valores e fins vistos até hoje como caros
para o desenvolvimento do Brasil, produzin- por muitas pessoas.
do uma autoconsciência da nação a partir da O que se segue está dividido em cinco
redução sociológica das ideias estrangeiras, o partes. A primeira delas resenha, brevemen-
ideal da brancura é elevado por Guerreiro à te, a vida e obra de Guerreiro, enfatizando seu
condição de inimigo fundamental de sua te- contato com o TEN e os efeitos dele sobre sua
oria. O niger sum, o ato de assumir “eu sou forma de pensar a questão do negro no Brasil.
negro”, não se opõe à mestiçagem, mas ao elo- Entre a segunda e a quarta seção, abordamos,
gio da brancura, ideia fora do lugar, que nega especificamente, os textos do autor sobre o ne-
o caráter mestiço e uno do nosso povo. Não se gro, quase todos publicados entre os anos 1948
trata, porém, de um juízo estático e definitivo e 1955. A ideia é mostrar que a afirmação da
sobre o valor da negritude, mas uma aceitação negritude é vista por Guerreiro, nesse período,
de que o negro-vida é um momento dialético como expediente tático para o expurgo da ideo-
necessário ao desenvolvimento nacional. logia da brancura, abrindo a possibilidade para
Antes de explorarmos esses argumentos, a reposição da democracia racial como projeto
é preciso frisar que os trabalhos de Antônio Sér- político autêntico, e não, apenas, como pretex-
gio Guimarães sobre a intelectualidade negra da to para a aculturação. Isso se torna mais evi-
década de 1940 e 1950 reconhecem o esforço dente quando consideramos a crítica que ele
de Guerreiro em compatibilizar negritude e de- faz do conceito de aculturação, a desconstru-
mocracia racial. Mas isso é visto por Guimarães ção do “problema do negro” e o modo como ele
como resultado de dois movimentos: de um entende a relação entre super e infraestrutura.
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Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, teorias estrangeiras à realidade brasileira, seu
Instituto Superior de Estudos Brasileiros etc.), na nome, ainda hoje, aparece conectado à ideia de
burocracia estatal (no Departamento Administra- “redução sociológica”, definida por ele como:
tivo do Serviço Público, na Casa Civil durante o
[...] a atitude metódica que tem por fim descobrir
segundo governo Vargas) e em movimentos polí- os pressupostos referenciais, de natureza histórica,
ticos (no Teatro Experimental do Negro e no Par- dos objetos e fatos da realidade social (...) ditada não
tido Trabalhista Brasileiro) fizeram dele um inter- somente pelo imperativo de conhecer mas também
locutor privilegiado para os cientistas sociais das pela necessidade social de uma comunidade que,
décadas de 1940, 1950 e 1960. na realização de seu projeto de existência histórica,
tem de servir-se da experiência de outras comunida-
Sem dúvida, sua trajetória profissional
des (Ramos, 1996[1958], p. 71-72).
acidentada dificulta qualquer tentativa de sin-
tetizar as linhas gerais do seu pensamento. Ao menos entre as décadas de 1940 e
Ademais, tais tentativas esbarram, também, na 1960, o trabalho intelectual de Guerreiro se
diversidade dos seus interesses temáticos (fi- dedicava a uma reavaliação do pensamento so-
losofia cristã francesa, administração pública, cial brasileiro, sempre com vistas a identificar
preconceito de cor, história da sociologia bra- quais de seus elementos poderiam contribuir
sileira, desenvolvimento nacional etc.) e nas para a fundação de uma sociologia realmen-
mudanças em suas posturas perante os pro- te científica no país. Em inúmeros textos, ele
blemas que o animaram durante sua trajetória sustentava ser necessário dividir a produção
profissional. De poeta aspirante a sociólogo sociológica brasileira em duas correntes opos-
das organizações, de admirador quase inocen- tas. De um lado, haveria o que ele rotulava de
te da antropologia estadunidense a crítico vo- sociologia “consular”, “monográfica”, “estáti-
raz da importação incauta de conceitos, a vida ca” ou “enlatada”, cujos expoentes principais
de Guerreiro Ramos foi quase tão dinâmica seriam Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Gil-
quanto suas ideias. berto Freyre e, posteriormente, Florestan Fer-
Isso não quer dizer, contudo, que o ecle- nandes e Roger Bastide (Ramos, 1995[1957];
tismo seja uma marca da sua agenda e de suas 1996[1958]). Essa vertente sociológica, tam-
posturas sociológicas. Quase todos os seus co- bém chamada de “sociologia em hábito”, seria
mentadores reconhecem, com maior ou menor caracterizada pela análise e avaliação da reali-
ênfase, que a diversidade de sua obra gira em dade nacional a partir da “transposição literal”
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torno de questões comuns e representam as e acrítica de ideias do exterior, algo que apenas
transformações de um pensamento sociológico contribuiria para criação de mistificações lúdi-
fortemente comprometido com a práxis. Aris- cas e descoladas da realidade nacional.
tôn Azevedo, por exemplo, crê que o compro- Contra essa sociologia consular, Guer-
misso com um novo personalismo humanista reiro contrapunha uma sociologia “autêntica”,
é o elemento que confere coerência às crenças “crítica”, “dinâmica”, ou ainda, uma “sociolo-
de Guerreiro (Azevêdo, 2006), enquanto Edi- gia em ação”. Esta recorreria ao instrumental
son Bariani Júnior vê o ideal de redenção na- analítico produzido no exterior “procurando
cional como centro da preocupações do autor servir-se dele como instrumento de autoco-
(Bariani Júnior, 2008a). nhecimento e desenvolvimento das estruturas
Todavia, para além dessas discussões so- nacionais e regionais” e com “um propósito
bre o que unifica suas ideias, Alberto Guerreiro salvador e de reconstrução social” (Ramos,
Ramos se notabilizou como referência das ci- 1995[1957], p. 107). Para ele, embora a sociolo-
ências sociais brasileiras pelo seu compromis- gia fosse uma ciência universal, seu avanço em
so com a formação de uma sociologia nacional. qualquer lugar do planeta só se daria a partir
Crítico da aplicação descuidada de conceitos e de um compromisso de “fazer ciência a partir
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Abdias como reflexos de um “comportamento qualquer particularismo racial, visto por ele
demasiadamente conciliador para com a posi- como falácia biológica e fonte de grande parte
ção dos brancos liberais” (Nascimento, 1982). dos equívocos da sociologia do negro brasileiro.
Por razões evidentes, tal comportamento era Desde o primeiro texto que publicou, em 1948,
perpassado de ambivalências. Segundo Maio, em Quilombo, revista ligada ao TEN, ele se co-
locava frontalmente contra o conceito de raça,
[...] o TEN viveu durante os anos 40 e 50 uma situ-
ação ambígua. Em vários momentos, sua liderança chegando a confessar que “[...] a expressão ‘pre-
política e intelectual oscilou entre o reconhecimen- conceito racial’ não deveria ser usada no caso
to dos legítimos direitos dos negros à cidadania ple- brasileiro, pois haveria preconceito racial em
na e o diagnóstico da incapacidade temporária dos
negros de exercer a política por terem uma mentali-
relação a quase todos os estrangeiros, o correto
dade pré-lógica, pré-letrada. Ademais, o TEN acre- seria referir-se a ‘preconceito ou discriminação
ditava que os negros deveriam seguir os caminhos de cor (Ramos, 1948a, p. 8). Provavelmente,
trilhados pelas classes médias e dominantes no Bra-
seus princípios antirracialistas tenham-no feito
sil. Portanto, o TEN viveria o dilema entre a afirma-
ção política da identidade negra e a influência do aderir à “Declaração dos Cientistas”.
etnocentrismo europeu adaptado à realidade brasi- Mas tal ambivalência durou pouco. No
leira a “ideologia do branqueamento” (Maio, 1997). final do mesmo ano, já na condição de presi-
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exotizante com que o negro é tratado: “[...] a gente ficou irrealizada, perdida na tradição dos estu-
toma um susto quando faz esta verificação, pois, dos do negro [...]” (Ramos, 1950c).
à primeira vista, tinha-se a impressão de que ha- À medida que os anos avançam, contu-
via no país uma consciência do problema [do ne- do, Guerreiro localizará, na ideia mesma de
gro], criada pelos numerosos livros escritos sobre aculturação, a fonte primordial do problema
o tema” (Ramos, 1950c). Tal espanto advém do da sociologia do negro no Brasil. Nesse pon-
fato de que nossos estudos antropológicos e so- to, suas considerações sobre Gilberto Freyre,
ciológicos sobre o negro “[...] instalaram entre nós escritas entre 1953 e 1954, nos ajudam a en-
um certo saudosismo e desviaram a atenção da tender essa transição paulatina de seu modo
população pigmentada da necessidade de supe- de pensar. Depois da década de 1950, Guer-
rar muitos dos seus estilos culturais desajustados reiro quase sempre acusa Freyre de produzir
a uma sociedade organizada sob a forma capita- a malfadada sociologia consular, aquela que
lista” (Ramos, 1950c). exotiza o negro ao prescrever o estudo de suas
A sociologia e a antropologia são criti- práticas idiossincráticas e folclóricas. Freyre,
cadas por produzirem certo saudosismo, que como Nina Rodrigues, teria utilizado a socio-
em nada contribui para a assimilação do negro logia estrangeira de forma acrítica e simétrica,
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objetificando o negro e em nada contribuindo “supõe ainda uma espécie de defesa da brancura
para a emancipação do povo brasileiro (Ra- de nossa herança cultural, supõe o conceito da
mos, 1995[1957], p. 175). Por outro lado, Guer- superioridade intrínseca do padrão da estética
reiro também destaca que Freyre, ao contrário social de origem europeia” (Ramos, 1995[1957],
de Nina Rodrigues, teria mostrado a carência p. 197). É a crítica ao conceito de aculturação
de cientificidade dos estudos que mobilizam a que permite a ele perceber que o “problema do
noção biológica de raça (Ramos, 1995[1957], p. negro no Brasil” era, na verdade, o problema do
178). Mais importante, ainda, reconhece que branco (ou da brancura).
a “Fórmula da Civilização Brasileira”, baseada É importante chamar a atenção que es-
na mestiçagem do português, do negro e do ín- sas críticas à aculturação são distintas daque-
dio, é um dos núcleos valiosos do pensamento las feitas contemporaneamente por pensado-
de Freyre (Ramos, 1954a). res multiculturalistas (Kymlicka, 1995; Parekh,
Porém, a aderência a essa fórmula pelo 2000). Para esses últimos, o problema da acul-
lustropicalismo freyriano seria apenas parcial turação é que ela nega as especificidades dos
(Ramos, 1954a). Isso porque Freyre retraduziria grupos étnico-culturais dos países multiétni-
nossa mestiçagem sob os signos da assimilação cos e plurinacionais. Já para Guerreiro, o pro-
e da aculturação. Essa transposição conceitual blema com o conceito de aculturação é oposto.
incauta transformaria Freyre em um “inocente Tal instrumental ignoraria o fato de que o ne-
útil” (Ramos, 1954a) já que aculturação para os gro no Brasil já havia sido perfeitamente assi-
americanos seria sinônimo de americanização, milado e aculturado. Como ele mesmo dizia,
para os ingleses de anglicização etc. Note-se, [...] a quase totalidade dos nossos patrícios de cor, é
todavia, que a crítica de Guerreiro a Freyre não um cidadão aculturado ou assimilado, como diriam
mira a democracia racial ou a concepção mes- os que cultivam aquela típica ciência de exportação
tiça de povo, mas a utilização dos conceitos de e de intuitos domesticadores: a antropologia (Ra-
mos, 1995, p. 243).
assimilação e aculturação por parte do sociólo-
go pernambucano. Para Guerreiro, mesmo que Ao contrário do que defendera anterior-
a aculturação não levasse a práticas eugênicas, mente, Guerreiro busca destacar nesse mo-
ela compartilharia com ideologias racistas a mento que sequer haveria uma religiosidade
vontade de transformar o negro: típica do negro – já que
A aculturação não se faria, assim, pela eugenia, pelo [...] desde a época colonial, grande massa de negros e
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alimentares do branco, vida privada do bran- deria ser enxergada a partir da “suspensão fe-
co, criminalidade do branco, indumentária e nomenológica da brancura”, a qual permitiria
habitação do branco etc.” (Ramos, 1952). ao intelectual negro visualizar a falsa-consci-
Em resumo, se até o I Congresso do Ne- ência em que se perde nossa intelligentsia. Tal
gro, organizado pelo TEN, Guerreiro tinha uma qual a proposta irônica de inversão da brancura
relação ambivalente com a defesa de uma au- de Fernando Góis, o niger sum é um engajamen-
tenticidade negra, ele passará a apoiá-la com to na realidade concreta a partir de um lugar,
toda força como única maneira de “descomple- nos termos de Joel Rufino dos Santos (1995), ou
xificar” o negro: uma perspectiva no sentido dado ao termo por
Iris Marion Young (2000), isto é, um ângulo de
O TEN tem sido um campo de exercitação psicoló-
gica onde muitos negros, expurgando-se do senti-
onde é possível ver faces da realidade invisíveis
mento de inferioridade e da vergonha de sua cor re- para quem ocupa a posição dominante na socie-
encontraram a autenticidade de sua condição racial dade. Como o próprio Guerreiro coloca:
[tornando-os] livres da ambivalência interior ou da
autoflagelação” (Ramos, 1953b). Qual será a situação vital a partir de que seria melhor
propiciada para o estudioso a compreensão objetiva do
Esse estado de suspensão crítica da tema em tela? Ao autor, parece aquela da qual o ho-
mem de pele escura seja, ele próprio, um ingrediente,
brancura, Guerreiro chama de niger sum. O ni-
contanto que este sujeito se afirme de modo autêntico
ger sum é um expediente epistemológico, ide-
como negro. Quero dizer, começa-se a melhor compre-
ológico, político e ontológico. Para Guerreiro ender o problema quando se parte da afirmação – niger
Ramos, não haveria a possibilidade de obser- sum. Esta experiência do niger sum, inicialmente, é,
var o mundo sem fazê-lo de um lugar determi- pelo seu significado dialético, na conjuntura brasileira
nado que constitui quem “eu sou” (sum). Ao em que todos querem ser brancos, um procedimento
de alta rentabilidade científica, pois introduz o inves-
contrário do que ocorre nas ciências físicas, o
tigador em perspectiva que o habilita a ver nuanças
cientista humano mira seu objeto de uma pers-
que, de outro modo, passariam despercebidas (Ramos,
pectiva dentro dele e, portanto, não há socio- 1995[1957], p. 199).
logia científica sem engajamento. Em uma car-
ta-resposta a Roger Bastide, Guerreiro insiste Essa assumpção da negritude se torna
que “[...] o sociólogo que não funda sua medi- indispensável e urgente diante do estado de
tação numa experiência concretamente vivida patologia psicológica em que se encontrava o
e no tratamento de fatos de sua circunstância Brasil, mormente suas elites. Para Guerreiro,
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transcendido. Disso surge uma contradição seguinte, não se trata de uma visão do “povo
entre as ideias e os fatos de nossas relações de brasileiro como negro” alternativa à visão do
raças” (Ramos, 1995, p. 216), pois “[...] no pla- “povo brasileiro como mestiço” (Guimarães,
no ideológico, é dominante ainda a brancura 2012), mas um resgate ideológico e momen-
como critério de estética social. No plano dos tâneo (dialético) da negritude como forma de
fatos, é dominante na sociedade brasileira uma fazer face à ideologia da brancura, “[...] uma
camada de origem negra, nela distribuída de contribuição para que a sociedade brasileira
alto a baixo [...]” (Ramos, 1995, p. 216). A afir- se encaminhe para o rumo de sua verdadeira
mação da negritude é, por isso, uma forma de destinação histórica - a de tornar-se, do ponto
romper dialeticamente com a patologia social de vista étnico, uma conjunctio oppositorium”
dos brasileiros mais claros, os “brancos” a que (Ramos, 1995, p. 202).
Guerreiro faz referência. Os “brancos” são as- Entende-se esse ponto melhor quando se
pados porque, em uma nação com nosso nível compreende que o niger sum é um expediente
de mestiçagem, não haveria brancos autênticos eminentemente ideológico, psicológico e su-
em praticamente nenhum lugar: “[...] o nosso perestrutural na obra de Guerreiro. O inimigo
branco é, do ponto de vista antropológico, um fundamental a ser liquidado pelo niger sum
mestiço, sendo, entre nós, pequena minoria o não o branco ou o ideal da mestiçagem, mas o
branco não portador de sangue negro” (Ramos, ideal da brancura que nos torna incapazes de
1995, p. 225). Daí o fato de a admiração pela reconhecer nosso caráter intrinsecamente mes-
brancura ser patológica, mesmo para o indiví- tiço. A luta contra a brancura era, assim, uma
duo considerado branco pela sociedade, o que luta mormente superestrutural, ideológica ou,
o leva a um “protesto” contra si próprio: ainda, nos termos do autor, psicológica. Era,
também, uma disputa temporária, ligada ao mo-
Esta patologia consiste em que, no Brasil, principal-
mente naquelas regiões [com maior concentração
mento dialético de nossa dinâmica socioeconô-
de pigmentados], as pessoas de pigmentação mais mica. Para que esse ponto fique mais evidente,
clara rendem a manifestar, em sua auto-avaliação é útil retomar o modo como Guerreiro entendia
estética, um protesto contra si próprias, contra a sua a relação entre superestrutura e infraestrutura.
condição étnica objetiva. E é este desequilíbrio na
auto-estimação, verdadeiramente coletivo no Brasil,
que considero patológico (Ramos, 1995, p. 222).
SUPERESTRUTURA X INFRAES-
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cional por uma reiterada e impertinente literatura nomia, elite-intelligentsia e povo é importante,
‘antropológica’ e ‘sociológica’ e por mais de um também, para entender que a luta pelo niger
certame da responsabilidade de intelectuais claros.
sum era um expediente momentâneo. O falso
Certamente, como venho demonstrando em meus
estudos, essa literatura e esses certames foram fruto
“problema do negro” seria dissolvido no médio
de um equívoco, de uma alienação e de uma subser- ou longo prazo pelo próprio desenvolvimento
viência mental. Mas o fato é que tudo isso contri- econômico do país. Ainda que Guerreiro afirme
buiu fortemente para desenvolver, no nível da supe- que “[...] o problema efetivo do negro no Brasil
restrutura de nossa sociedade, um efetivo ‘problema é essencialmente psicológico e secundariamen-
do negro’. Digo superestrutura porque sustento que,
te econômico” (Ramos, 1995, p. 199), isso não
na base infraestrutural da sociedade brasileira, não
existe, hoje, um problema específico do negro. Aí o
quer dizer que sua superação esteja restrita a
homem de cor tem praticamente todas as franquias, uma lógica superestrutural.
não sofre discriminações sistemática e está confun- Como Guerreiro repetiu inúmeras vezes,
dido com os outros contingentes étnicos constitu- os problemas colocados para uma dada nação
tivos da população. Um ou outro caso isolado que refletem o estágio de desenvolvimento de sua
se possa mencionar em desfavor desta tese não a
infraestrutura. Portanto, ele não enxergava a
destrói (Ramos, 1955).
relação entre superestrutura e infraestrutura
Além de equalizar infraestrutura a povo, como uma via de mão única. Talvez, como a
nesse excerto Guerreiro sequer reconhece a maior parte de sua geração, composta de “inte-
existência de discriminações raciais contra os lectuais mannheimianos” comprometidos com
homens de cor no interior do povo. Isso reforça o desenvolvimento do país (Villas Bôas, 2006),
a noção de que o problema do Brasil era, na Guerreiro conferia uma certa precedência às
verdade, ligado ao preconceito de cor próprio forças econômicas infraestruturais, mas não a
de uma elite hipnotizada pelo ideal da bran- ponto de transformar a superestrutura em seu
cura. E é justamente por isso que ele vê a afir- epifenômeno:
mação da negritude como uma resposta ao fato
É verdade que, nada estando solto no contexto glo-
de que os estudos do negro no Brasil “tranqui- bal da sociedade, e havendo, no nível da superes-
lizara a consciência das elites, quando o caso trutura social e institucional do Brasil, dificuldades
não é para isto ainda. Deram-nos a impressão específicas para o homem de cor, tais dificuldades,
de que tudo corria bem, quando efetivamente em última análise, têm consequências infraestrutu-
rais ou econômicas. Certo. Mas ainda assim, deve-se
tudo corre mal” (Ramos, 1950c).
reconhecer aí um dos casos de ação da superestru-
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superado com o desenvolvimento econômico e cia racial (mormente, Gilberto Freyre), atacam
a superação completa de qualquer resquício da o modo como eles embutem em suas teorias
“questão do negro” em nosso país. uma concepção de aculturação que exotiza o
negro brasileiro. Contra tal exotização, seria
preciso destacar que o negro é um elemento
CONSIDERAÇÕES FINAIS normal do povo totalmente aculturado, e que
isso só não é percebido por mestiços-claros se-
Ao lidar com pensadores sociais comba- duzidos pela miragem de uma brancura, ideia
tivos, com gosto pela polêmica e intimamente fora do lugar, transposta por mentalidades co-
comprometidos com a prática política, é sem- lonizadas. Superar esse estado patológico de
pre temerário buscarmos nexos de coerência coisas passaria pela reavaliação de toda socio-
teórica. Se as interações e os contextos sociais logia, capaz de identificar os efeitos pernicio-
são dinâmicos, é esperável que tais pensadores sos dessa importação ideológica e de produzir
adaptem suas ideias ao dinamismo dos contex- uma elite-intelligentsia negra que pudesse de-
tos em embates que enfrentaram. Ainda assim, nunciar, por sua própria existência, a inauten-
isso não deve ser suficiente para que aceite- ticidade da ideologia da brancura.
mos a incoerência como expressão necessária Essa seria uma luta mormente ideoló-
do engajamento intelectual. gica e superestrutural, ligada a um momento
A despeito das profundas transições em circunstancial do desenvolvimento nacional
sua forma de pensar, há, nas ideias de Guer- de nossa infraestrutura. Embora a mistifica-
reiro, um esforço constante de sistematização ção que chamamos “o problema do negro” seja
de uma teoria capaz de dar abrigo à negritu- eminentemente psicológica e deva ser tratada
de e à democracia racial. Sobretudo, quando com os métodos de uma terapêutica socioló-
observamos seus trabalhos sobre a situação do gica, sua superação total fatalmente viria com
negro no Brasil. Quando resgatamos as ideias o desenvolvimento nacional. Não obstante o
sobre o tema que circulavam nas organizações problema do negro seja primariamente psico-
negras do seu tempo, vemos que nenhuma das lógico e secundariamente econômico, sua su-
premissas que compõem a teoria de Guerreiro peração total seria garantida pelo desenvolvi-
era totalmente original (Guimarães, 2004; Gui- mento econômico do país.
marães; Macedo, 2008). Por outro lado, essa Mais do que uma forma de se opor à
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só foi possível depois da adoção de uma postu- esteve restrita aos críticos das cotas, sendo ela
ra pragmática (Ramos, 1953b). resgatada, também, com o objetivo de justificar
Por conseguinte, a sociologia do proble- as cotas como medidas capazes de construir
ma do negro feita por ele não pode ser vista uma verdadeira democracia racial no país (Da-
como uma simples aplicação a um caso exem- matta, 2007). O próprio discurso estatal, que,
plar de sua redução sociológica, ao contrário. na última década, transformou a diversidade
Foi ao tratar do “problema do negro” no Brasil em discurso oficial, oscila entre uma defesa da
que Guerreiro descobriu as antinomias de nos- afirmação da negritude e uma concepção hi-
sa sociologia. Foi ao tratar a ideologia da bran- bridizante de nação (Campos, 2013, p. 128-32).
cura como fonte do preconceito de cor e uma Tudo isso dá a entender que a estraté-
transposição literal de ideias da Europa que gia de afirmação da negritude ainda compete
Guerreiro pôde destilar as contribuições de no Brasil com o ideal de uma nação mestiça
suas referências tradicionais e, depois, compor e harmônica do ponto de vista racial. Nesse
o seu método de redução sociológica. Talvez contexto, no qual o apego a um mito nacional
isso ajude explicar por que, depois de 1955, subsiste, mesmo depois da denúncia de seu
Guerreiro praticamente abandona o tema do fracasso histórico em promover igualdade,
negro no Brasil. A essa altura, ele já havia “re- é de fundamental importância retomar uma
duzido” quase totalmente a problemática do perspectiva que encarava a afirmação da ne-
negro a um epifenômeno da transposição lite- gritude como tática circunstancial e dialética,
ral de ideias e ideologias. Cabia, apenas, exor- como “essencialismo estratégico”, no sentido
cizar esse vício do fazer sociológico para minar dado à expressão por Gayatri Spivak (1987, p.
as bases do nosso preconceito. 205-10). Tal resgate nos ajuda a entender que,
A rearticulação do movimento negro, li- a despeito dos avanços históricos, o preconcei-
derada por Abdias no fim da década de 1970, to permanece operando em nossa sociedade e
veio acompanhada de uma reavaliação pro- a polêmica sobre as melhores estratégias antir-
funda das ideias do TEN. Mesmo que o ideal racistas continua aberta.
de uma “democracia racial autêntica” ainda De um lado, pode-se dizer que a solução
subsistisse nos primeiros momentos do Movi- via ações afirmativas raciais seria rechaçada
mento Negro Unificado (1988, p. 20-25), não por Guerreiro “[...] principalmente se tomar-
demorou para que a militância negra o trans- mos essa política como resultado da importa-
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“BLACKS ARE PEOPLE IN BRAZIL”: assertion of “LE NOIR, C’EST QUELQU’UN AU BRÉSIL”:
black awareness and racial democracy in Alberto l’affirmation de la négritude et la démocratie
Guerreiro Ramos raciale dans l’oeuvre de Alberto Guerreiro Ramos
(1948-1955) (1948-1955)
In the public debate on current racial inequality in Il est possible d’identifier, dans le débat politique sur
Brazil, two fundamental anti-racist strategies may les inégalités sociales raciales actuelles brésiliennes,
be identified. While the political assertion of black deux stratégies antiracistes fondamentales. Alors que
awareness is faced by some as a form of denouncing d’un côté l’affirmation politique et identitaire de la
the racism present in our structures and social négritude est vue par certains acteurs comme le moyen
practices, others argue that the traditional praising de dénoncer le racisme présent dans nos structures
of the mixed race character of the Brazilian people et pratiques sociales, d’autres acteurs soutiennent
supplies the best foundation for an authentically que l’éloge traditionnel à la caractéristique métisse
post-racial national project. Although these stances du peuple brésilien est la meilleure base pour un
may seem irreconcilable, they were not seen as projet national vraiment post-racial. Bien qu’elles
rivals in the beginning. Brazilian sociologist Alberto semblent être inconciliables, ces postures n’ont
Guerreiro Ramos is an example of someone who cependant pas toujours été considérées comme étant
thinks about the “problem of the black people in rivales. Le sociologue bahianais Alberto Guerreiro
Brazil”, which saw the assertion of black identity Ramos est l’exemple d’un penseur du « problème noir
as a way to build racial democracy in the country. au Brésil » qui voyait l’affirmation de la négritude
Although his adhesion to those two projects may be comme moyen de construire la démocratie raciale
considered ambiguous and incoherent, this article dans le pays. Même si son adhésion à ces deux projets
argues that the assertion of black identity and the est considérée ambiguë et incohérente, cet article
praise of racial democracy are political proposals that démontre que l’affirmation de la négritude et l’éloge de
he has deliberately tried to harmonize. Especially la démocratie raciale sont des propositions politiques
between 1948 and 1955, Guerreiro Ramos argued qu’il a délibérément essayé de rendre compatibles.
that the epistemological and political assumption C’est surtout entre 1948 et 1955 que Guerreiro Ramos
of black identity would be a way to dialectically affirme que l’assomption épistémologique et politique
expel from the country the unconnected ideology de la négritude pourrait être le moyen d’éliminer
of whiteness. Only this way, we would be capable dialectiquement du pays l’idéologie déconnectée
of giving value to our mixed heritage, reconciling de la blancheur. Ce n’est que de cette manière que
the traditional apology of racial democracy with the nous serions capables d’attribuer une valeur à notre
concrete constitution of our people. métissage en réconciliant l’apologie traditionnelle de
la démocratie raciale et la constitution concrète de
notre peuple.
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 91-110, Jan./Abr. 2015
Keywords: Black identity. Racial Democracy. Mixed Mots-clés: Négritude. Démocratie Raciale. Métissage.
heritage. Niger Sum. Brazilian Social thought. Niger Sum. Pensée Sociale Brésilienne.
Luiz Augusto Campos – Doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ. Professor e pesquisador do Instituto
de Estudos Sociais e Políticos – IESP-UERJ. Coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da
Ação Afirmativa (GEMAA). Membro do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê)
da UnB. Suas pesquisas tratam a politização da questão racial no Brasil, negros e eleições e discursos
de autolegitimação da imprensa. Sobre estes temas publicou artigos recentes na Revista Brasileira de
Ciências Sociais, Revista Brasileira de Ciência Política e Cadernos PAGU.
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