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Luiz Augusto Campos

“O NEGRO É POVO NO BRASIL”: afirmação da negritude e de-

DOSSIÊ
mocracia racial em Alberto Guerreiro Ramos (1948-1955)

Luiz Augusto Campos*

É possível identificar, no debate público sobre as atuais desigualdades raciais brasileiras, duas estraté-
gias antirracistas fundamentais. Enquanto, de um lado, a afirmação política e identitária da negritude
é encarada por alguns atores como forma de denunciar o racismo presente em nossas estruturas e prá-
ticas sociais, outros sustentam que o tradicional elogio ao caráter mestiço do povo brasileiro fornece a
melhor base para um projeto nacional autenticamente pós-racial. Embora pareçam inconciliáveis, nem
sempre essas posturas foram vistas como rivais. O sociólogo baiano Alberto Guerreiro Ramos é um
exemplo de pensador do “problema do negro no Brasil” que via a afirmação da negritude como meio
para a construção da democracia racial no país. Embora sua adesão a esses dois projetos seja conside-
rada ambígua e incoerente, este artigo sustenta que a afirmação da negritude e o elogio da democracia
racial são propostas políticas que ele tentou compatibilizar deliberadamente. Sobretudo entre 1948 e
1955, Guerreiro Ramos defendeu que a assumpção epistemológica e política da negritude seria um meio
para expurgar dialeticamente do país a desconectada ideologia da brancura. Somente assim, seríamos
capazes de dotar de valor a nossa mestiçagem, reconciliando a tradicional apologia da democracia racial
com a constituição concreta do nosso povo.
Palavras-chave: Negritude. Democracia Racial. Mestiçagem. Niger Sum. Pensamento Social Brasileiro.

O negro é povo, no Brasil. Não é um componente cia racial enquanto ideal plausível. A contro-
estranho de nossa demografia. Ao contrário, é a sua vérsia recente em torno das ações afirmativas
mais importante matriz demográfica. E este fato
raciais evidenciou ainda mais essa rivalidade
tem de ser erigido à categoria de valor, como o exige
a nossa dignidade e o nosso orgulho de povo inde-
entre afirmação da negritude e apologia da
pendente. O negro no Brasil não é anedota, é um mestiçagem (Campos, 2012; Hofbauer, 2006).
parâmetro da realidade nacional. Contudo, essas duas estratégias antir-
(Ramos, 1995[1957], p. 200) racistas (afirmação da negritude e apologia da
democracia racial) nem sempre foram vistas
como antagônicas. Entre as décadas de 1930 e
Os debates recentes em torno das desi-
1950, alguns intelectuais negros defenderam a
gualdades raciais brasileiras vêm esbarrando

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afirmação da negritude sem que, para tal, cri-
em uma renitente contradição. De um lado, a
ticassem a ideia de que o Brasil era ou esta-
denúncia do viés racista de nossas desigual-
va vocacionado a ser uma democracia racial.
dades alcançou o debate público depois da
Esposada difusamente por vários intelectuais
difusão de ações afirmativas raciais, minando
negros ainda na década de 1930 (Guimarães,
a legitimidade da ideia de democracia racial
2004), tal visão emerge, de forma mais explíci-
e justificando a afirmação da negritude como
ta, em militantes ligados ao Teatro Experimen-
estratégia fundamental para a politização da
tal do Negro – TEN, organização fundada por
questão no Brasil. Por outro lado, o ideal de
Abdias do Nascimento nos anos 1940. Apesar
uma nação livre de qualquer forma de racismo,
disso, é na obra do sociólogo Alberto Guerreiro
cristalizado na tradicional elogio nacionalista
Ramos, amigo de Abdias e membro do TEN,
da mestiçagem, faz com que vários setores da
que encontramos a tentativa mais sistemá-
sociedade relutem em abandonar a democra-
tica de articular elogio da democracia racial
* Doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ. Professor e pesqui-
com uma defesa da negritude. Embora tenha
sador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos – IESP-UERJ. construído seus argumentos a partir de algu-
Rua da Matriz 82, Botafogo. Cep: 22260-100. Rio de Janei-
ro – Rio de Janeiro – Brasil. lascampos@iesp.uerj.br mas das ideias formuladas por seus colegas do

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000100007
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TEN, Guerreiro Ramos tomou para si a difícil larismo étnico fosse superado (Taguieff, 1988).
tarefa de compatibilizar concepções políticas Contra essas avaliações, o objetivo deste
aparentemente tão díspares. texto é demonstrar que a afirmação da negritu-
Entretanto, a convivência dessas duas de e o elogio da democracia racial são posturas
ideias no pensamento do autor é comumente deliberadamente compatibilizadas por Guerrei-
taxada de “tensa”, “contraditória” ou mesmo ro Ramos. A defesa que ele faz do niger sum
“ambígua”. Ao analisar tal coexistência ideoló- (afirmação e assumpção da negritude) decor-
gica, Marcos Chor Maio destaca re dos valores intelectuais nacionalistas que
singularizam sua teoria sobre a sociologia e o
uma certa tensão, no pensamento do autor, entre o
reconhecimento da diversidade étnica existente no
Brasil. Para demonstrar tal hipótese, acredito
país e a necessidade de sua diluição diante da ne- ser preciso retocar alguns entendimentos cris-
cessidade de se construir uma identidade nacional talizados da obra do autor, mormente aqueles
(Maio, 1996, p. 186). ligados (i) ao papel da sociologia como instru-
mento de autodeterminação e conscientização
Esse diagnóstico é corroborado por
nacional; (ii) ao lugar da ideia de democracia ra-
Muryatan Barbosa quando este reitera que a
cial nessa autodeterminação; (iii) à ideologia da
visão da negritude de Guerreiro convive com
brancura como obstáculo à autodeterminação;
uma
(iv) ao modo como o autor dividia e relacionava
tentativa consciente do autor de relativizar a impor- psicologia e economia, superestrutura e infraes-
tância da identidade negra, diante de sua preocupa- trutura e, finalmente, (v) ao papel que ele confe-
ção mais premente à época: a construção da nação,
ria às elites intelectuais em todo esse processo.
em especial, depois de sua integração ao Instituto
Para Guerreiro, a sociologia brasileira só
Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) (Barbosa,
2006, p. 222). poderia se tornar uma disciplina “autentica-
mente científica” caso se comprometesse com
Na mesma linha, Layla Carvalho inter- os problemas nacionais, recusando toda e qual-
preta esse traço do pensamento de Guerreiro quer transposição literal de conceitos. Como
sob o signo da incompletude: alternativa à transposição literal, ele propunha
A sua crítica ao preconceito e à exotização dos ne-
a “redução sociológica”, uma incorporação te-
gros nas teorias dos sociólogos e antropólogos que órica seletiva das teorias, capaz de separar o
sustentaram a ideia de democracia racial [...] não que há de útil nos conceitos estrangeiros para
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foram suficientes para que Ramos rompesse com o desenvolvimento e autodeterminação do


a defesa de que haveria no Brasil uma convivência Brasil. Somente essa sociologia “autêntica” ou
pacífica entre os diferentes grupos raciais (Carva-
“dinâmica” seria capaz de produzir uma cons-
lho, 2008, p. 167).
ciência autodeterminante do país, dotando de
A afirmação da negritude enquanto au- valor os fatos que nos particularizam enquanto
tenticidade étnica, de fato, parece contraditó- nação (Ramos, 1995[1957]; 1996[1958]).
ria com uma defesa do caráter eminentemente Dentre os fatos que caracterizam o Brasil
mestiço e do convívio harmônico entre os gru- e que deveriam ser convertidos em valor, Guer-
pos raciais que compõem o Brasil. Para usar reiro destacava a mestiçagem de nosso povo. O
os pares conceituais formulados por Taguieff, ideal da democracia racial se constituiria, as-
a assumpção da negritude seria uma postura sim, como um artefato autêntico da nossa for-
política “heterofílica”, de elogio de uma dife- mação psicológica a ser preservado, reforçado
rença identitária; enquanto a ideia brasileira e exportado. No entanto, a transposição literal
de democracia racial seria uma concepção “ho- do ideal europeu de brancura teria contamina-
mofílica” de igualdade, perante a qual uma so- do a sociologia brasileira, não apenas aquela
ciedade una só existira caso qualquer particu- “inautêntica” ou “consular”, atacada por Guer-

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reiro, mas, também, a sociologia mais autên- pótese. Além de buscar os nexos de coerência
tica e dinâmica feita por nomes como Sylvio na obra de Guerreiro Ramos, objetiva-se, tam-
Romero, Euclides da Cunha e Alberto Torres bém, mostrar que a aporia vislumbrada por ele
(Ramos, 1995[1957], p. 105-10, 61, 75). A des- na década de 1940 ainda é bastante atual. De-
peito dos seus méritos, essa intelligentsia teria mocracia racial e afirmação da negritude são
sido vítima de um preconceito de cor exógeno projetos político-identitários que ainda rivali-
e estranho a nossa composição demográfica, zam no debate público brasileiro. Destarte, a
advindo de uma redução sociológica mal feita conciliação apresentada por Guerreiro não tem
do conceito (estrangeiro) de raça. nada de datada, ao contrário, ela visa compati-
Posto que a sociologia deveria contribuir bilizar valores e fins vistos até hoje como caros
para o desenvolvimento do Brasil, produzin- por muitas pessoas.
do uma autoconsciência da nação a partir da O que se segue está dividido em cinco
redução sociológica das ideias estrangeiras, o partes. A primeira delas resenha, brevemen-
ideal da brancura é elevado por Guerreiro à te, a vida e obra de Guerreiro, enfatizando seu
condição de inimigo fundamental de sua te- contato com o TEN e os efeitos dele sobre sua
oria. O niger sum, o ato de assumir “eu sou forma de pensar a questão do negro no Brasil.
negro”, não se opõe à mestiçagem, mas ao elo- Entre a segunda e a quarta seção, abordamos,
gio da brancura, ideia fora do lugar, que nega especificamente, os textos do autor sobre o ne-
o caráter mestiço e uno do nosso povo. Não se gro, quase todos publicados entre os anos 1948
trata, porém, de um juízo estático e definitivo e 1955. A ideia é mostrar que a afirmação da
sobre o valor da negritude, mas uma aceitação negritude é vista por Guerreiro, nesse período,
de que o negro-vida é um momento dialético como expediente tático para o expurgo da ideo-
necessário ao desenvolvimento nacional. logia da brancura, abrindo a possibilidade para
Antes de explorarmos esses argumentos, a reposição da democracia racial como projeto
é preciso frisar que os trabalhos de Antônio Sér- político autêntico, e não, apenas, como pretex-
gio Guimarães sobre a intelectualidade negra da to para a aculturação. Isso se torna mais evi-
década de 1940 e 1950 reconhecem o esforço dente quando consideramos a crítica que ele
de Guerreiro em compatibilizar negritude e de- faz do conceito de aculturação, a desconstru-
mocracia racial. Mas isso é visto por Guimarães ção do “problema do negro” e o modo como ele
como resultado de dois movimentos: de um entende a relação entre super e infraestrutura.

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lado, a modificação do “sentido freyreano da de- A quinta e última seção resume o argumento e
mocracia racial [...] para transformá-lo no ideal ensaia conectá-lo aos debates atuais acerca das
de igualdade política e cultural entre pessoas desigualdades raciais brasileiras.
de cores e origens diversas” (Guimarães, 2004,
p. 280) e, de outro, “a radicalização do mula-
tismo, ao enxergar como negros todos os afro- GUERREIRO RAMOS E O PROBLE-
descendentes e propor que, no Brasil, o povo MA DO NEGRO
é negro” (Guimarães, 2012, p. 27). Entretanto,
Guerreiro não modifica propriamente o sentido Nascido em Santo Amaro da Purificação
freyreano de democracia racial para adaptá-lo a (Bahia) e radicado no Rio de Janeiro a partir
uma concepção de povo, mas o oposto. E, para de 1939, Alberto Guerreiro Ramos foi um dos
tal, ele não modifica sua compreensão do povo principais formadores da sociologia brasileira
brasileiro como eminentemente mestiço, ainda contemporânea. Apesar de jamais ter conse-
que opte por enfatizar, “dialeticamente”, o seu guido se fixar em uma universidade tradicio-
“elemento negro”. nal no Brasil, sua atuação em diversos institu-
Este texto pretende desenvolver tal hi- tos de pesquisa e ensino (Escola Brasileira de

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Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, teorias estrangeiras à realidade brasileira, seu
Instituto Superior de Estudos Brasileiros etc.), na nome, ainda hoje, aparece conectado à ideia de
burocracia estatal (no Departamento Administra- “redução sociológica”, definida por ele como:
tivo do Serviço Público, na Casa Civil durante o
[...] a atitude metódica que tem por fim descobrir
segundo governo Vargas) e em movimentos polí- os pressupostos referenciais, de natureza histórica,
ticos (no Teatro Experimental do Negro e no Par- dos objetos e fatos da realidade social (...) ditada não
tido Trabalhista Brasileiro) fizeram dele um inter- somente pelo imperativo de conhecer mas também
locutor privilegiado para os cientistas sociais das pela necessidade social de uma comunidade que,
décadas de 1940, 1950 e 1960. na realização de seu projeto de existência histórica,
tem de servir-se da experiência de outras comunida-
Sem dúvida, sua trajetória profissional
des (Ramos, 1996[1958], p. 71-72).
acidentada dificulta qualquer tentativa de sin-
tetizar as linhas gerais do seu pensamento. Ao menos entre as décadas de 1940 e
Ademais, tais tentativas esbarram, também, na 1960, o trabalho intelectual de Guerreiro se
diversidade dos seus interesses temáticos (fi- dedicava a uma reavaliação do pensamento so-
losofia cristã francesa, administração pública, cial brasileiro, sempre com vistas a identificar
preconceito de cor, história da sociologia bra- quais de seus elementos poderiam contribuir
sileira, desenvolvimento nacional etc.) e nas para a fundação de uma sociologia realmen-
mudanças em suas posturas perante os pro- te científica no país. Em inúmeros textos, ele
blemas que o animaram durante sua trajetória sustentava ser necessário dividir a produção
profissional. De poeta aspirante a sociólogo sociológica brasileira em duas correntes opos-
das organizações, de admirador quase inocen- tas. De um lado, haveria o que ele rotulava de
te da antropologia estadunidense a crítico vo- sociologia “consular”, “monográfica”, “estáti-
raz da importação incauta de conceitos, a vida ca” ou “enlatada”, cujos expoentes principais
de Guerreiro Ramos foi quase tão dinâmica seriam Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Gil-
quanto suas ideias. berto Freyre e, posteriormente, Florestan Fer-
Isso não quer dizer, contudo, que o ecle- nandes e Roger Bastide (Ramos, 1995[1957];
tismo seja uma marca da sua agenda e de suas 1996[1958]). Essa vertente sociológica, tam-
posturas sociológicas. Quase todos os seus co- bém chamada de “sociologia em hábito”, seria
mentadores reconhecem, com maior ou menor caracterizada pela análise e avaliação da reali-
ênfase, que a diversidade de sua obra gira em dade nacional a partir da “transposição literal”
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torno de questões comuns e representam as e acrítica de ideias do exterior, algo que apenas
transformações de um pensamento sociológico contribuiria para criação de mistificações lúdi-
fortemente comprometido com a práxis. Aris- cas e descoladas da realidade nacional.
tôn Azevedo, por exemplo, crê que o compro- Contra essa sociologia consular, Guer-
misso com um novo personalismo humanista reiro contrapunha uma sociologia “autêntica”,
é o elemento que confere coerência às crenças “crítica”, “dinâmica”, ou ainda, uma “sociolo-
de Guerreiro (Azevêdo, 2006), enquanto Edi- gia em ação”. Esta recorreria ao instrumental
son Bariani Júnior vê o ideal de redenção na- analítico produzido no exterior “procurando
cional como centro da preocupações do autor servir-se dele como instrumento de autoco-
(Bariani Júnior, 2008a). nhecimento e desenvolvimento das estruturas
Todavia, para além dessas discussões so- nacionais e regionais” e com “um propósito
bre o que unifica suas ideias, Alberto Guerreiro salvador e de reconstrução social” (Ramos,
Ramos se notabilizou como referência das ci- 1995[1957], p. 107). Para ele, embora a sociolo-
ências sociais brasileiras pelo seu compromis- gia fosse uma ciência universal, seu avanço em
so com a formação de uma sociologia nacional. qualquer lugar do planeta só se daria a partir
Crítico da aplicação descuidada de conceitos e de um compromisso de “fazer ciência a partir

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da vida, ou ainda, a partir da necessidade de te atributo é “a consciência da liberdade”, a perso-


responder aos desafios da realidade” (Ramos, nalização (Ramos, 1996[1958], p. 47).

1995[1957], p. 105). Em um contexto como o Secundariamente, a sociologia de Guer-


brasileiro, esse engajamento envolveria, sobre- reiro Ramos é reconhecida pelas suas consi-
tudo, um compromisso com a transcendência derações sobre a situação do negro no Brasil.
do subdesenvolvimento. A sociologia, assim, Ainda que ele se reconhecesse como mulato, a
só poderia progredir se buscasse deslindar os tematização do preconceito só emerge em tex-
desafios nacionais, os quais se conectavam, tos dos anos 1940, quando ele reporta alguns
naquele momento, com o desenvolvimento resultados sobre suas pesquisas, feitas já no
industrial da nação (Ramos, 1996[1958], p. âmbito do Departamento de Administração do
46,118,31). Serviço Público – DASP, acerca do preconceito
O cânone dessa segunda vertente, que de funcionários públicos contra imigrantes e
Guerreiro pretendia resgatar, é mais variável negros (Ramos, 1948c). Até esse momento, o
que o da primeira, mas costuma incluir nomes jovem pesquisador parecia ainda mais preocu-
como Sylvio Romero, Euclides da Cunha, Al- pado com questões metodológicas da sociolo-
berto Torres e Oliveira Vianna. Não obstante gia e com a incorporação de técnicas das ciên-
tais autores possam ter cedido, momentanea- cias sociais estadunidenses.
mente, ao charme das ideias importadas, todos É a aproximação com Abdias do Nasci-
eles as submetiam, na maioria das vezes, ao mento e a iniciativa do Teatro Experimental do
crivo crítico da formação e do desenvolvimen- Negro – TEN que faz Guerreiro Ramos mergu-
to nacional. Em suma, o que diferenciaria a lhar numa transformação existencial que terá
“sociologia consular e inautêntica” da “socio- efeitos imediatos em sua obra. Sobre essa apro-
logia autêntica” é o compromisso desta última ximação, Abdias assevera que “[...] de 1942 até
com a redução sociológica. 1945, Guerreiro Ramos passa pela maior crise
Tal compromisso se justificaria, não ape- intelectual e espiritual de sua vida quando, de-
nas como expediente necessário para a produ- pois de ter vivido um momento de “liquidação
ção de uma sociologia dos fatos, mas, também, interior” de uma “uma espécie de vida reclusa
como forma de romper com as sobrevivências na poesia e na filosofia”, ele teria suspendido
de mentalidades colonizadas nos países sub- todas as suas influências mais caras e as sub-
desenvolvidos. Trata-se de um expediente fun- metido a uma crítica impiedosa (Nascimento,

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damental à descolonização das nações subde- 1950, p. 2). Como o próprio Guerreiro reconhe-
senvolvidas e de autodeterminação dos povos, ceria anos depois, ele havia relutado bastante
movimentos possíveis graças à industrializa- nesse momento em se aproximar do TEN:
ção dessas nações e à consequente diminuição
de sua dependência econômica e psicológica Se o leitor me permite uma confidencia, eu lhe
adiantaria que durante muito tempo, resisti ao com-
em relação as ex-metrópoles:
promisso com o movimento negro. E o que me levou
É, deve-se insistir, um modo de ser novo no Brasil. a dar o passo definitivo, em 1949, foi o fato de ter
É um modo de ser histórico. Que significa? Significa sido contagiado por uma paixão, a paixão que tes-
estar o nosso povo alcançando a compreensão dos temunhei vivida pelos que labutaram e labutam no
fatores de sua situação. O “histórico” pode ser en- Teatro Experimental do Negro [...] (Ramos, 1953b).
tendido corno urna dimensão particular do ser, na
Abdias relata que a ideia de constituir
qual até agora têm ingressado alguns mas não todos
os povos. Diz-se que a historização ocorre quando o TEN lhe veio depois de assistir a uma peça
um grupo social se sobrepõe às coisas, à natureza, no Peru, na qual o protagonista negro era in-
adquirindo perfil de pessoa coletiva. O que distin- terpretado por um branco com a pele tingida.
gue a sociedade “histórica” daquela que carece des- A partir disso, ele começou a se questionar so-

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bre a ausência de negros no teatro brasileiro: As fissuras dessa posição conciliado-


“[...]na minha pátria, tão orgulhosa de haver ra se fizeram sentir ainda no I Congresso do
resolvido exemplarmente a convivência entre Negro Brasileiro, evento organizado pelo TEN
pretos e brancos, deveria ser normal a presen- em 1950 e que reuniria tanto a intelectualida-
ça do negro em cena, não só em papéis secun- de negra quanto especialistas no tema naquela
dários e grotescos, conforme acontecia, mas época: Gilberto Freyre, Luiz de Aguiar Costa
encarnando qualquer personagem – Hamlet ou Pinto, Edison Nogueira, Oracy Nogueira etc.
Antígona – desde que possuísse o talento re- Embora já fizesse parte do TEN, a participação
querido” (Nascimento, 2004). Seria essa “cons- de Guerreiro Ramos nesse Congresso também
tatação melancólica” que levara Abdias a criar foi ambígua, na medida em que ele ora se colo-
“um organismo teatral aberto ao protagonismo cava como parte do grupo de especialistas na
do negro, onde ele ascendesse da condição questão racial, ora como um dos membros da
adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói intelectualidade negra do TEN.
das histórias que representasse” (Nascimento, Essa oscilação se tornou mais dramáti-
2004). Em 1944, o TEN é fundado com o apoio ca quando, ao final do Congresso, inicia-se um
de nomes como Aguinaldo de Oliveira Camar- debate sobre seus encaminhamentos. Formam-
go, Wilson Tibério, Teodorico dos Santos e José se dois grupos, um que apoia a “Declaração de
Herbel, grupo ao qual se somariam Sebastião Princípios”, redigida basicamente a partir das
Rodrigues Alves, Arinda Serafim, Ruth de teses de Ironides Rodrigues sobre a necessida-
Souza, Marina Gonçalves, dentre outros. de de uma afirmação estética da negritude e,
Em vários textos, tanto Guerreiro quanto do outro lado, o grupo liderado por Costa Pinto
Abdias destacaram a forte reação da intelligent- e Edison Carneiro, signatários da “Declaração
sia tradicional à iniciativa, sobre a denúncia dos Cientistas” que acusava a tese de Ironides
de sectarismo de uma organização que se di- de “racismo às avessas” (Maio, 1997, p. 175).
zia “negra” (Nascimento, 2004, p. 210; Ramos, Para a surpresa de Ironides e Abdias, Guerrei-
1955). Mas, a despeito de tais acusações, o ro decide, pouco antes do término do Congres-
TEN manteve um compromisso durante quase so, assinar a Declaração dos Cientistas (Maio,
toda sua existência com o ideal da democracia 1997, p. 179).
racial e com parte das elites brancas brasilei- Até esse período, Guerreiro Ramos era
ras, posturas classificadas, décadas depois, por um crítico contumaz do conceito de raça e de
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Abdias como reflexos de um “comportamento qualquer particularismo racial, visto por ele
demasiadamente conciliador para com a posi- como falácia biológica e fonte de grande parte
ção dos brancos liberais” (Nascimento, 1982). dos equívocos da sociologia do negro brasileiro.
Por razões evidentes, tal comportamento era Desde o primeiro texto que publicou, em 1948,
perpassado de ambivalências. Segundo Maio, em Quilombo, revista ligada ao TEN, ele se co-
locava frontalmente contra o conceito de raça,
[...] o TEN viveu durante os anos 40 e 50 uma situ-
ação ambígua. Em vários momentos, sua liderança chegando a confessar que “[...] a expressão ‘pre-
política e intelectual oscilou entre o reconhecimen- conceito racial’ não deveria ser usada no caso
to dos legítimos direitos dos negros à cidadania ple- brasileiro, pois haveria preconceito racial em
na e o diagnóstico da incapacidade temporária dos
negros de exercer a política por terem uma mentali-
relação a quase todos os estrangeiros, o correto
dade pré-lógica, pré-letrada. Ademais, o TEN acre- seria referir-se a ‘preconceito ou discriminação
ditava que os negros deveriam seguir os caminhos de cor (Ramos, 1948a, p. 8). Provavelmente,
trilhados pelas classes médias e dominantes no Bra-
seus princípios antirracialistas tenham-no feito
sil. Portanto, o TEN viveria o dilema entre a afirma-
ção política da identidade negra e a influência do aderir à “Declaração dos Cientistas”.
etnocentrismo europeu adaptado à realidade brasi- Mas tal ambivalência durou pouco. No
leira a “ideologia do branqueamento” (Maio, 1997). final do mesmo ano, já na condição de presi-

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dente do Instituto Nacional do Negro, depar- absorver elementos culturais diversos:


tamento do TEN voltado para pesquisas socio-
Humana, demasiadamente humana, é a cultura bra-
lógicas, Guerreiro publica, no jornal A Manhã sileira, por isto que, sem desintegrar-se, absorve as
três textos em que se aproxima das teses da De- idiossincrasias espirituais, as mais variadas. E até
claração de Princípios do TEN, mormente de compõe com elas a sua vocação ecumênica, a sua ín-
uma afirmação da negritude (Ramos, 1950b; dole compreensiva e tolerante. A cultura brasileira é,
1950c; 1950d). Nestes, ele confessa o espanto assim, essencialmente católica, no sentido que nada
do que é humano lhe é estranho (Ramos, 1950a).
gerado pelo contato que teve com os estudos
da sociologia tradicional sobre o negro: Mais do que uma “sobrevivência”, essa
[...] à primeira vista, tinha-se a impressão de que defesa da vocação hibridizante do país é com-
havia no país uma consciência do problema, criada patibilizada por ele com a afirmação da negri-
pelos numerosos livros escritos sobre o tema. Mas tude. Dado que boa parte das premissas dos
é preciso ter vindo ‘de fora’, como é o caso deste seus trabalhos já haviam sido colocadas por
rabiscador, ‘ser novo no assunto’, para se constatar
outros membros do TEN, é plausível dizer que
como é assustadora a situação dos estudos sobre o
a teoria de Guerreiro se destaca, não pela origi-
negro no Brasil [...] (Ramos, 1950c).
nalidade de suas ideias, mas pelo seu esforço
Já interpretando tal estado de coisas à luz de compatibilização dessas premissas. Comen-
de um projeto de nação, ele emenda: “[...] não he- tando, em 1953, a polêmica em torno do su-
sito em dizer mesmo que, do ponto de vista do posto sectarismo de uma organização voltada
interesse nacional, a maioria de nossos estudos mormente para negros, como era o TEN, Guer-
antropológicos e sociológicos sobre o negro con- reiro afiança: “o TEN se chama a si próprio de
tribuíram para travar o processo de evolução cul- negro, sem orgulho, mas com serenidade. Não é
tural das massas de cor [...]” (Ramos, 1950c). a luta contra o preconceito que o justifica, mas
Poucos anos depois, a afirmação da ne- uma concepção profundamente democrática da
gritude já se torna uma bandeira central no convivência de raças” (Ramos, 1953b). E esse
pensamento de Guerreiro. Vale notar que tal compromisso duplo com a afirmação da negri-
afirmação já estava mais ou menos consolida- tude e a democracia racial perdura no tempo.
da nas mentes de outros intelectuais negros Anos depois, Guerreiro inclui na Declaração de
do TEN, em grande monta por influência da Princípios da Semana do Negro de 1955 como
concepção de negritude esposada, então, pelos uma das premissas da organização o fato de

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existencialistas franceses reunidos em torno “[...] que o Brasil é uma comunidade nacional
da revista Presence Africaine (Barbosa, 2013). onde tem vigência os mais avançados padrões
Em um comentário por ocasião da morte de de democracia racial, apesar da sobrevivência,
Aguinaldo Camargo, intelectual negro e mem- entre nós, de alguns restos de discriminação”
bro do TEN, Guerreiro assevera: “a tese da ne- (Ramos, 1995[1957], p. 250).
gritude, afirmada por uma elite de intelectuais Se o paradoxo aparente em relação a es-
de cor, e que se concretiza no Teatro Experi- sas duas posturas era percebido por Guerreiro,
mental do Negro, representa uma superação como, então, ele compatibilizava afirmação da
do imperialismo antropológico e sociológico, à negritude e defesa da democracia racial? Para
luz do qual tem sido considerado o chamado entender como essas ideias se relacionavam
problema do negro no Brasil” (Ramos, 1952). de modo coerente no pensamento do autor,
A adesão à afirmação da negritude por é necessário explorar mais detidamente suas
Guerreiro não implica, contudo, o abandono visões sobre a democracia racial, em especial,
do ideal da democracia racial, ao contrário. Em sobre o modo como ela foi instrumentalizada
um texto ainda de 1950, ele reitera a sua admi- por certo setor da sociologia consular seduzido
ração pela capacidade da sociedade brasileira pelo conceito antropológico de “aculturação”.

97
“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

A CRÍTICA À ACULTURAÇÃO DO à cultura moderna e capitalista. Note-se que, até


NEGRO antes desse momento, o “problema do negro”
era visto por Guerreiro sob a chave da assimi-
Ao menos até 1948, Guerreiro Ramos lação incompleta desse grupo à ordem moderna
se colocava como um sociólogo entusiasma- e capitalista. Apesar disso, a crítica ao conceito
do com os conceitos de “assimilação” e “acul- de assimilação e aculturação ainda não era total
turação”, importados, da Escola de Chicago. em 1950. Isso fica evidente quando Guerreiro
Isso fica evidente em textos como “Imigração recomenda a assimilação “das massas de cor”
e preconceito” (Ramos, 1948c), “Pequena bi- ao cristianismo, e, contra a apologia da “religio-
bliografia para o estudo da assimilação e acul- sidade mágica” feita pela sociologia dominan-
turação” (Ramos, 1948d) e “Curso de assimi- te: “[...] melhor será para as massas de cor que
lação e aculturação de imigrantes” (Ramos, ultrapassem a sua atual religiosidade mágica e
1948b). Quando avançamos no tempo para a adiram, por exemplo, ao protestantismo ou ao
década de 1950, percebemos a virada sofrida catolicismo, traços mais operativos no incipien-
no modo de Guerreiro considerar a acultura- te capitalismo brasileiro” (Ramos, 1950c).
ção. Na Cartilha do Aprendiz de Sociólogo, de Perceba-se que, até então, Guerreiro não
1954, a aculturação é rotulada como um dos enfatizava o caráter totalmente “aculturado”
“resíduos ideológicos” do trabalho antropoló- do negro no Brasil, pois dava a entender que,
gico que “supõem uma concepção quietista da dentre eles, predominavam as religiões “mági-
sociedade” e, sobretudo, “supõe o valer mais cas” e “pré-letradas” (Ramos, 1950c). Por outro
de uma cultura em face de outra, do mesmo lado, tais religiões são consideradas como exo-
modo como a superioridade de certas raças em tizantes quando ele alega que “[...] essa espécie
face de outras, suposta pela antropologia racis- de antropologia tem suscitado no Brasil a ex-
ta (Ramos, 1995[1957], p. 166). ploração, por negros ladiníssimos, de uma in-
Essa crítica à aculturação emerge de uma dústria turística de ritos e exorcismos religio-
autocrítica paulatina que Guerreiro promove, à sos para inglês ver, e também para basbaques e
medida que se aproxima do TEN e, sobretudo, ‘existencialistas’” (Ramos, 1950c). Até então, a
dos estudos sobre o negro no Brasil. Ao relatar solução para tais antinomias deveria ser aque-
os primeiros contatos com tal bibliografia, ele la capaz de “adaptar à liberdade as massas de
sempre menciona seu “espanto” com o modo cor, eis a grande tarefa pós-abolicionista, que
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exotizante com que o negro é tratado: “[...] a gente ficou irrealizada, perdida na tradição dos estu-
toma um susto quando faz esta verificação, pois, dos do negro [...]” (Ramos, 1950c).
à primeira vista, tinha-se a impressão de que ha- À medida que os anos avançam, contu-
via no país uma consciência do problema [do ne- do, Guerreiro localizará, na ideia mesma de
gro], criada pelos numerosos livros escritos sobre aculturação, a fonte primordial do problema
o tema” (Ramos, 1950c). Tal espanto advém do da sociologia do negro no Brasil. Nesse pon-
fato de que nossos estudos antropológicos e so- to, suas considerações sobre Gilberto Freyre,
ciológicos sobre o negro “[...] instalaram entre nós escritas entre 1953 e 1954, nos ajudam a en-
um certo saudosismo e desviaram a atenção da tender essa transição paulatina de seu modo
população pigmentada da necessidade de supe- de pensar. Depois da década de 1950, Guer-
rar muitos dos seus estilos culturais desajustados reiro quase sempre acusa Freyre de produzir
a uma sociedade organizada sob a forma capita- a malfadada sociologia consular, aquela que
lista” (Ramos, 1950c). exotiza o negro ao prescrever o estudo de suas
A sociologia e a antropologia são criti- práticas idiossincráticas e folclóricas. Freyre,
cadas por produzirem certo saudosismo, que como Nina Rodrigues, teria utilizado a socio-
em nada contribui para a assimilação do negro logia estrangeira de forma acrítica e simétrica,

98
Luiz Augusto Campos

objetificando o negro e em nada contribuindo “supõe ainda uma espécie de defesa da brancura
para a emancipação do povo brasileiro (Ra- de nossa herança cultural, supõe o conceito da
mos, 1995[1957], p. 175). Por outro lado, Guer- superioridade intrínseca do padrão da estética
reiro também destaca que Freyre, ao contrário social de origem europeia” (Ramos, 1995[1957],
de Nina Rodrigues, teria mostrado a carência p. 197). É a crítica ao conceito de aculturação
de cientificidade dos estudos que mobilizam a que permite a ele perceber que o “problema do
noção biológica de raça (Ramos, 1995[1957], p. negro no Brasil” era, na verdade, o problema do
178). Mais importante, ainda, reconhece que branco (ou da brancura).
a “Fórmula da Civilização Brasileira”, baseada É importante chamar a atenção que es-
na mestiçagem do português, do negro e do ín- sas críticas à aculturação são distintas daque-
dio, é um dos núcleos valiosos do pensamento las feitas contemporaneamente por pensado-
de Freyre (Ramos, 1954a). res multiculturalistas (Kymlicka, 1995; Parekh,
Porém, a aderência a essa fórmula pelo 2000). Para esses últimos, o problema da acul-
lustropicalismo freyriano seria apenas parcial turação é que ela nega as especificidades dos
(Ramos, 1954a). Isso porque Freyre retraduziria grupos étnico-culturais dos países multiétni-
nossa mestiçagem sob os signos da assimilação cos e plurinacionais. Já para Guerreiro, o pro-
e da aculturação. Essa transposição conceitual blema com o conceito de aculturação é oposto.
incauta transformaria Freyre em um “inocente Tal instrumental ignoraria o fato de que o ne-
útil” (Ramos, 1954a) já que aculturação para os gro no Brasil já havia sido perfeitamente assi-
americanos seria sinônimo de americanização, milado e aculturado. Como ele mesmo dizia,
para os ingleses de anglicização etc. Note-se, [...] a quase totalidade dos nossos patrícios de cor, é
todavia, que a crítica de Guerreiro a Freyre não um cidadão aculturado ou assimilado, como diriam
mira a democracia racial ou a concepção mes- os que cultivam aquela típica ciência de exportação
tiça de povo, mas a utilização dos conceitos de e de intuitos domesticadores: a antropologia (Ra-
mos, 1995, p. 243).
assimilação e aculturação por parte do sociólo-
go pernambucano. Para Guerreiro, mesmo que Ao contrário do que defendera anterior-
a aculturação não levasse a práticas eugênicas, mente, Guerreiro busca destacar nesse mo-
ela compartilharia com ideologias racistas a mento que sequer haveria uma religiosidade
vontade de transformar o negro: típica do negro – já que
A aculturação não se faria, assim, pela eugenia, pelo [...] desde a época colonial, grande massa de negros e

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controle de nascimento e de casamentos; faz se pela mestiços tinha abraçado a religião predominante no
inculcação de estilos de comportamento por meio Brasil, a católica” –, nem uma criminalidade típica do
de processos sociais formais e informais, diretos e negro – já que “[...] a maior frequência de indivíduos
indiretos, mas, em tais processos, admite-se sempre pigmentados na estatística de certos crimes decorre
uma variável cultural quase independente e outra ou necessariamente de sua predominância em determi-
outras dependentes. Por outro lado, esta antropolo- nadas camadas sociais (Ramos, 1995, p. 191).
gia, quando se torna prática ou “aplicada” (applied
Mais do que destruir uma particulari-
anthropology), parece tender a considerar a mudança
social em seus aspectos puramente superestruturais, dade étnico-cultural, a aculturação criaria no
justificando a mudança social por intermédio de nível ideológico uma falsa consciência. Há,
agências educacionais e sanitárias antes que median- aqui, uma virada importante no pensamento
te a alteração das bases econômicas e políticas da co- do autor. Em vez de aventar a aculturação do
munidade (Ramos, 1995, p. 167).
negro como forma de superar os problemas
Mesmo que esse não fosse o objetivo ex- nacionais, Guerreiro passa a enxergar, na pró-
plícito do conceito, a aculturação “[...] trata o pria “vontade de aculturação”, a fonte do dito
negro como um ser que vale enquanto ‘acultu- “problema do negro”. Essas teses contrariavam
rado” (Ramos, 1995, p. 199) e, por isso mesmo, frontalmente, não apenas os “cientistas” de

99
“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

seu período, mas, também, as intenções ini- na necessidade de “descomplexificar os ne-


ciais do TEN. gros e mulatos” (Ramos, 1995[1957], p. 206).
Aos poucos, ele deixa de investigar as relações
raciais no Brasil sob o signo do “problema do
A DESCONSTRUÇÃO DO “PROBLE- negro” para investigar o que faria com que os
MA DO NEGRO” sociólogos vissem o negro como um problema.
Por isso, caberia perguntar
A partir da crítica ao conceito de acul-
[...] que é que, no domínio de nossas ciências so-
turação, Guerreiro Ramos começa a investigar ciais, faz do negro um problema, ou um assunto? A
quais fatos levariam a essa falsa consciência partir de que norma, de que padrão, de que valor, se
por parte dos sociólogos brasileiros. Vale notar define como problemático ou se considera tema o
que ele, inúmeras vezes, manifesta sua fé nas negro no Brasil? (Ramos, 1995[1957], p. 190).
boas intenções dos cientistas sociais que ins-
Se já foi mostrado que o negro é um tipo
trumentalizaram tal conceito, atribuindo esse
social totalmente normal no interior da popu-
equívoco às suas “pulsões inconscientes”. Ain-
lação brasileira em todos os aspectos (religião,
da em 1950, Guerreiro já propugnava a neces-
criminalidade, economia etc.), só resta con-
sidade de uma “sociologia do conhecimento”
cluir que:
capaz de responder se “essas elaborações [não
seriam] uma racionalização de escritores bran- Nestas condições, o que parece justificar a insistên-
cos ou de qualquer forma ligados à estrutura cia com que se considera como problemática a situ-
ação do negro no Brasil é o fato de que ele é portador
de dominação do branco?” ou “se os estudos
de pele escura. A cor da pele do negro parece cons-
sobre negros fossem realizados preponderan-
tituir o obstáculo, a anormalidade a sanar. Dir-se-ia
temente por negros não teriam eles assumido que na cultura brasileira o branco é o ideal, a norma,
um outro caráter?” (Ramos, 1950d). o valor, por excelência (Ramos, 1995[1957], p. 192).
No entanto, é somente depois que Guer-
reiro relaciona esse mal perspectivo do branco O “problema do negro” passa a ser vis-
brasileiro à transposição literal de conceitos, to como uma ilusão, uma alienação produzida
unindo, de forma mais explícita, sua análi- por uma sociedade que se quer branca, mas
se do negro e sua agenda nacionalista para a não o é, nunca foi e nunca o será. O “problema
sociologia. Nos seus termos, a sociologia e a do negro” passa a ser, assim, um delírio psi-
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antropologia estáticas “revelam-se afetadas de copatológico do branco. Embora só desenvolva


um imperialismo mental em face da gente de totalmente essa tese no notável “Patologia So-
cor, de vez que a converte num corpo estra- cial do Branco” (Ramos, 1995[1957]), publica-
nho dentro da comunidade” (Ramos, 1953a). do em 1955, o problema da brancura enquanto
Assim procedendo, essa sociologia e antropo- perspectiva obtusa já aparece a ele em 1952.
logia “[...] tornaram-se fator retardativo de um Ao falar do escritor Fernando Góis, “um mes-
processo de confusão do elemento negro nas tiço paulista, uma grande inteligência”, Guer-
populações nacionais” (Ramos, 1953a). Mais reiro lembra de sua inversão da branquitude
importante, ainda, “toda essa corrente sócio durante um dos congressos afro-brasileiros
-antropológica exprime antes um problema do ao propor um “Congresso do Branco Brasilei-
branco brasileiros ou latino-americano do que ro” (Ramos, 1952). E, ao se deparar com essa
um problema do negro” (Ramos, 1953a). proposição irônica, Guerreiro confessa: “Já me
Em vez de propugnar a “elevação cul- surpreendi imaginando o que seria o temário
tural” das massas negras “pré-letradas”, como desse Congresso. Deveriam constar dele tópi-
fazia em 1950, Guerreiro passará a falar em cos como este: dimensões antropométricas do
“processo de confusão do elemento negro” e branco, tatuagens do branco, hábitos sexuais e

100
Luiz Augusto Campos

alimentares do branco, vida privada do bran- deria ser enxergada a partir da “suspensão fe-
co, criminalidade do branco, indumentária e nomenológica da brancura”, a qual permitiria
habitação do branco etc.” (Ramos, 1952). ao intelectual negro visualizar a falsa-consci-
Em resumo, se até o I Congresso do Ne- ência em que se perde nossa intelligentsia. Tal
gro, organizado pelo TEN, Guerreiro tinha uma qual a proposta irônica de inversão da brancura
relação ambivalente com a defesa de uma au- de Fernando Góis, o niger sum é um engajamen-
tenticidade negra, ele passará a apoiá-la com to na realidade concreta a partir de um lugar,
toda força como única maneira de “descomple- nos termos de Joel Rufino dos Santos (1995), ou
xificar” o negro: uma perspectiva no sentido dado ao termo por
Iris Marion Young (2000), isto é, um ângulo de
O TEN tem sido um campo de exercitação psicoló-
gica onde muitos negros, expurgando-se do senti-
onde é possível ver faces da realidade invisíveis
mento de inferioridade e da vergonha de sua cor re- para quem ocupa a posição dominante na socie-
encontraram a autenticidade de sua condição racial dade. Como o próprio Guerreiro coloca:
[tornando-os] livres da ambivalência interior ou da
autoflagelação” (Ramos, 1953b). Qual será a situação vital a partir de que seria melhor
propiciada para o estudioso a compreensão objetiva do
Esse estado de suspensão crítica da tema em tela? Ao autor, parece aquela da qual o ho-
mem de pele escura seja, ele próprio, um ingrediente,
brancura, Guerreiro chama de niger sum. O ni-
contanto que este sujeito se afirme de modo autêntico
ger sum é um expediente epistemológico, ide-
como negro. Quero dizer, começa-se a melhor compre-
ológico, político e ontológico. Para Guerreiro ender o problema quando se parte da afirmação – niger
Ramos, não haveria a possibilidade de obser- sum. Esta experiência do niger sum, inicialmente, é,
var o mundo sem fazê-lo de um lugar determi- pelo seu significado dialético, na conjuntura brasileira
nado que constitui quem “eu sou” (sum). Ao em que todos querem ser brancos, um procedimento
de alta rentabilidade científica, pois introduz o inves-
contrário do que ocorre nas ciências físicas, o
tigador em perspectiva que o habilita a ver nuanças
cientista humano mira seu objeto de uma pers-
que, de outro modo, passariam despercebidas (Ramos,
pectiva dentro dele e, portanto, não há socio- 1995[1957], p. 199).
logia científica sem engajamento. Em uma car-
ta-resposta a Roger Bastide, Guerreiro insiste Essa assumpção da negritude se torna
que “[...] o sociólogo que não funda sua medi- indispensável e urgente diante do estado de
tação numa experiência concretamente vivida patologia psicológica em que se encontrava o
e no tratamento de fatos de sua circunstância Brasil, mormente suas elites. Para Guerreiro,

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histórica é um ser delirante” (Ramos, 1954b). os estigmas da negritude constituem uma so-
Em desenvolvimentos ulteriores de sua teoria, brevivência do nosso passado colonial, quan-
Guerreiro insistirá nesse ponto, mesmo após do as ideias pejorativas sobre o negro eram
abandonar o tema do negro: confirmadas pela infraestrutura escravocrata
(Ramos, 1995, p. 220). Todavia, depois da abo-
Nessa ordem de ideias, isto é, partindo de um sum
lição e da aculturação total do negro, a afirma-
(sou brasileiro), procuraremos empreender um es-
forço tendente a contribuir para a compreensão
ção dogmática da excelência da brancura pas-
global de nossa sociedade. Essa tarefa tem priorida- sou a ser um fato patológico na situação atual,
de sobre qualquer outra, no domínio das ciências “em que o processo de miscigenação e de capi-
sociais em nosso país. Não deveríamos partir para laridade social absorveu, na massa das pessoas
estudos de pormenor antes de termos consciência pigmentadas, larga margem dos que podiam
crítica da realidade social do país. Aqui também é
proclamar-se brancos outrora” (Ramos, 1995,
a visão do todo que condiciona a compreensão das
partes (Ramos, 1960, p. 85).
p. 220).
A infraestrutura da sociedade mudou,
Nesse contexto, a compreensão da situa- mas seu “ethos” continua idolatrando a bran-
ção de antinomia da realidade brasileira só po- cura por se referir a um passado que já foi

101
“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

transcendido. Disso surge uma contradição seguinte, não se trata de uma visão do “povo
entre as ideias e os fatos de nossas relações de brasileiro como negro” alternativa à visão do
raças” (Ramos, 1995, p. 216), pois “[...] no pla- “povo brasileiro como mestiço” (Guimarães,
no ideológico, é dominante ainda a brancura 2012), mas um resgate ideológico e momen-
como critério de estética social. No plano dos tâneo (dialético) da negritude como forma de
fatos, é dominante na sociedade brasileira uma fazer face à ideologia da brancura, “[...] uma
camada de origem negra, nela distribuída de contribuição para que a sociedade brasileira
alto a baixo [...]” (Ramos, 1995, p. 216). A afir- se encaminhe para o rumo de sua verdadeira
mação da negritude é, por isso, uma forma de destinação histórica - a de tornar-se, do ponto
romper dialeticamente com a patologia social de vista étnico, uma conjunctio oppositorium”
dos brasileiros mais claros, os “brancos” a que (Ramos, 1995, p. 202).
Guerreiro faz referência. Os “brancos” são as- Entende-se esse ponto melhor quando se
pados porque, em uma nação com nosso nível compreende que o niger sum é um expediente
de mestiçagem, não haveria brancos autênticos eminentemente ideológico, psicológico e su-
em praticamente nenhum lugar: “[...] o nosso perestrutural na obra de Guerreiro. O inimigo
branco é, do ponto de vista antropológico, um fundamental a ser liquidado pelo niger sum
mestiço, sendo, entre nós, pequena minoria o não o branco ou o ideal da mestiçagem, mas o
branco não portador de sangue negro” (Ramos, ideal da brancura que nos torna incapazes de
1995, p. 225). Daí o fato de a admiração pela reconhecer nosso caráter intrinsecamente mes-
brancura ser patológica, mesmo para o indiví- tiço. A luta contra a brancura era, assim, uma
duo considerado branco pela sociedade, o que luta mormente superestrutural, ideológica ou,
o leva a um “protesto” contra si próprio: ainda, nos termos do autor, psicológica. Era,
também, uma disputa temporária, ligada ao mo-
Esta patologia consiste em que, no Brasil, principal-
mente naquelas regiões [com maior concentração
mento dialético de nossa dinâmica socioeconô-
de pigmentados], as pessoas de pigmentação mais mica. Para que esse ponto fique mais evidente,
clara rendem a manifestar, em sua auto-avaliação é útil retomar o modo como Guerreiro entendia
estética, um protesto contra si próprias, contra a sua a relação entre superestrutura e infraestrutura.
condição étnica objetiva. E é este desequilíbrio na
auto-estimação, verdadeiramente coletivo no Brasil,
que considero patológico (Ramos, 1995, p. 222).
SUPERESTRUTURA X INFRAES-
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, p. 91-110, Jan./Abr. 2015

Neste ponto, acredito ser relevante frisar TRUTURA


que Guerreiro permanece adepto de uma ideia
freyreana de democracia racial. Ao contrário A defesa da negritude por Guerreiro era
do que defende Guimarães, ele não operou uma forma eminentemente ideológica e su-
propriamente uma modificação do “[...] sen- perestrutural de se contrapor à brancura. Por
tido freyreano da democracia racial (...) para essa razão, a afirmação da negritude não se
transformá-lo no ideal de igualdade política e confunde com uma defesa dos negros enquan-
cultural entre pessoas de cores e origens diver- to grupo, casta, etnia ou raça. Como ele enfati-
sas” (Guimarães, 2004, p. 280). Mais do que zava, não há divisões de casta no Brasil e nem
isso, sua defesa do niger sum visava desvelar mesmo discriminações estritamente baseadas
como o ideal da brancura permanecia operan- na raça (Ramos, 1948a). O niger sum produz
do ideologicamente por detrás da apologia da uma defesa da negritude enquanto imaginário,
mestiçagem. Uma vez que isso fosse percebi- ideologia ou estética. Isso porque a brancura
do, a valoração do negro, mormente em sua es- é vista “[...] como símbolo do excelso, do su-
tética, faria o Brasil se reencontrar com sua au- blime, do belo”, enquanto na “cor negra, ao
tenticidade cultural, consigo mesmo. Por con- contrário, está investida uma carga milenária

102
Luiz Augusto Campos

de significados pejorativos” (Ramos, 1995, p. realidade intrínseca” (Ramos, 1952).


241). Consequentemente, quando reconhece Para entender a forma como tal “reedu-
que “a cultura brasileira tem uma conotação cação” deveria acontecer, é preciso estar atento
clara” (Ramos, 1995, p. 192) Guerreiro quer a uma certa sobreposição semântica entre pares
mostrar que a apologia da brancura é muito conceituais, usados por Guerreiro, como infra-
mais difusa e ampla que uma mera apologia estrutura/superestrutura, psicológico/econômi-
dos brancos. co, elite-intelligentsia/povo. Embora haja mo-
É evidente que a afirmação da negritu- mentos em que tais pares são individualmente
de beneficiaria os indivíduos negros, mas suas refinados, costuma haver, em seus textos, uma
consequências estão para além disso. Tal afir- espécie de sobreposição entre eles.
mação busca dotar de valor estético a negritu- A brancura seria uma “ideologia”, uma
de, não apenas para beneficiar os negros, mas “sociologia inautêntica” ou “falsa-consciência”
todos aqueles “homens de cor”, “indivíduos por ser um traço superestrutural, psicológico e
pigmentados” ou “mestiços”. Em vista disso, a sustentado, mormente, por elites que não acei-
afirmação da negritude não beneficiaria estri- tam o caráter mestiço de nosso povo, de nossa
tamente os negros enquanto o grupo, mas todo infraestrutura social. Daí que a luta pela afir-
o povo brasileiro: “[...] oferece este humanis- mação da negritude era uma etapa necessária
mo [do niger sum] a todo negro, a todo mesti- para uma meta maior, a saber, a reconciliação
ço uma verdadeira terapêutica espiritual [...]” entre superestrutura e infraestrutura, entre
(Ramos, 1952). psicologia e economia, entre as elites e o povo.
O niger sum também seria coerente com Era isso que produziria o que ele chamava de
a proposta de Guerreiro de que a democracia uma cultura “autêntica”, tal qual definido por
racial era uma contribuição idiossincrática do Edward Sapir e reproduzido por Guerreiro em
Brasil ao mundo como um todo. Ela promove- uma nota:
ria o beneficiamento de todos os povos de cor,
A cultura autêntica não é necessariamente alta ou
“[...] a rebelião estética de que se trata nestas baixa, é apenas inerentemente harmoniosa, equi-
páginas será um passo preliminar da rebelião librada, a si mesmo satisfatória. É a expressão de
total dos povos de cor para se tornarem sujei- uma atitude ricamente variada e entretanto de certo
tos de seu próprio destino” (Ramos, 1995, p. modo unificada e consistente em face da vida, uma
248) e, sobretudo, que “o Brasil deve assumir atitude que vê o significado de qualquer elemento
de civilização em sua relação com todos os outros

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no mundo a liderança da política de democra-
(Ramos, 1995, p. 210).
cia racial. Porque é o único país do orbe que
oferece uma solução satisfatória do problema Daí, também, que a criação de uma cul-
racial” (Ramos, 1950a). É justamente por isso tura autêntica, sem paradoxos, passaria por
que o elogio à negritude não é contraditório no uma valorização da negritude contra o império
pensamento de Guerreiro com uma apologia da da brancura. Guerreiro era plenamente cons-
mestiçagem e da democracia racial, ao contrá- ciente de que tal articulação poderia parecer
rio. Se o niger sum é capaz de dar vida ao negro, paradoxal, e uma prova disso é sua resposta
ele é, também, capaz de dar vida ao mestiço, aos ataques da Semana do Negro, evento do
que não mais buscará embranquecer. Além de TEN que ele apoiou e ajudou a organizar:
permitir que o negro deixe de ser um mero tema Inicialmente não deixa de ser paradoxal que num
da sociologia e se transforme em negro-vida, o país que a maioria de seus cidadãos é de origem ne-
niger sum é uma pedagogia para o “branco”, ca- gra se pense em realizar uma tal Semana [do Negro].
paz de liberá-lo da falsa consciência da bran- Todavia, não fomos nós, os negros, que criamos esta
cura. Daí a necessidade de “reeducar o branco situação de superestrutura. Ao contrário, de longa
data, temos sido hipostasiados da comunidade na-
para perceber a beleza negra e estimá-la, como

103
“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

cional por uma reiterada e impertinente literatura nomia, elite-intelligentsia e povo é importante,
‘antropológica’ e ‘sociológica’ e por mais de um também, para entender que a luta pelo niger
certame da responsabilidade de intelectuais claros.
sum era um expediente momentâneo. O falso
Certamente, como venho demonstrando em meus
estudos, essa literatura e esses certames foram fruto
“problema do negro” seria dissolvido no médio
de um equívoco, de uma alienação e de uma subser- ou longo prazo pelo próprio desenvolvimento
viência mental. Mas o fato é que tudo isso contri- econômico do país. Ainda que Guerreiro afirme
buiu fortemente para desenvolver, no nível da supe- que “[...] o problema efetivo do negro no Brasil
restrutura de nossa sociedade, um efetivo ‘problema é essencialmente psicológico e secundariamen-
do negro’. Digo superestrutura porque sustento que,
te econômico” (Ramos, 1995, p. 199), isso não
na base infraestrutural da sociedade brasileira, não
existe, hoje, um problema específico do negro. Aí o
quer dizer que sua superação esteja restrita a
homem de cor tem praticamente todas as franquias, uma lógica superestrutural.
não sofre discriminações sistemática e está confun- Como Guerreiro repetiu inúmeras vezes,
dido com os outros contingentes étnicos constitu- os problemas colocados para uma dada nação
tivos da população. Um ou outro caso isolado que refletem o estágio de desenvolvimento de sua
se possa mencionar em desfavor desta tese não a
infraestrutura. Portanto, ele não enxergava a
destrói (Ramos, 1955).
relação entre superestrutura e infraestrutura
Além de equalizar infraestrutura a povo, como uma via de mão única. Talvez, como a
nesse excerto Guerreiro sequer reconhece a maior parte de sua geração, composta de “inte-
existência de discriminações raciais contra os lectuais mannheimianos” comprometidos com
homens de cor no interior do povo. Isso reforça o desenvolvimento do país (Villas Bôas, 2006),
a noção de que o problema do Brasil era, na Guerreiro conferia uma certa precedência às
verdade, ligado ao preconceito de cor próprio forças econômicas infraestruturais, mas não a
de uma elite hipnotizada pelo ideal da bran- ponto de transformar a superestrutura em seu
cura. E é justamente por isso que ele vê a afir- epifenômeno:
mação da negritude como uma resposta ao fato
É verdade que, nada estando solto no contexto glo-
de que os estudos do negro no Brasil “tranqui- bal da sociedade, e havendo, no nível da superes-
lizara a consciência das elites, quando o caso trutura social e institucional do Brasil, dificuldades
não é para isto ainda. Deram-nos a impressão específicas para o homem de cor, tais dificuldades,
de que tudo corria bem, quando efetivamente em última análise, têm consequências infraestrutu-
rais ou econômicas. Certo. Mas ainda assim, deve-se
tudo corre mal” (Ramos, 1950c).
reconhecer aí um dos casos de ação da superestru-
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É por isso, também, que a pedagogia


tura e a essência do que dissemos acima se confirma
social da elite “branca” dependeria, durante (Ramos, 1955).
algum tempo, do engajamento de uma elite
negra. Vale notar que Guerreiro utiliza como Enquanto problema psicológico, a su-
intercambiáveis termos como “elite” e “intelli- balternidade do negro era um problema gerado
gentsia”. Para ele, as elites eram os grupos so- em nosso povo pelo modo de pensar inautênti-
ciais encarregados de pensar o país e, por isso, co de nossas elites. Daí o papel de uma intelli-
seria redundante falar em uma “elite intelec- gentsia (ou elite) negra, capaz de expurgar da-
tual”, pois toda elite seria intelectual. Essa eli- qui essa patologia social. Toda essa problemá-
te-intelligentsia negra, concretizada no TEN, tica, contudo, é vista por Guerreiro como mais
estaria comprometida com a “superação do uma das várias patologias geradas por nossa
imperialismo antropológico e sociológico, à situação econômica, ainda dependente e semi-
luz do qual tem sido considerado o chamado colonizada, situação que estaria em vias de ser
problema do negro no Brasil” (Ramos, 1952). superada no médio ou longo prazo. Junto com
Considerar essas oposições entre supe- a doença psíquica que pretende tratar (a ideo-
restrutura e infraestrutura, psicologia e eco- logia da brancura), o niger sum haveria de ser

104
Luiz Augusto Campos

superado com o desenvolvimento econômico e cia racial (mormente, Gilberto Freyre), atacam
a superação completa de qualquer resquício da o modo como eles embutem em suas teorias
“questão do negro” em nosso país. uma concepção de aculturação que exotiza o
negro brasileiro. Contra tal exotização, seria
preciso destacar que o negro é um elemento
CONSIDERAÇÕES FINAIS normal do povo totalmente aculturado, e que
isso só não é percebido por mestiços-claros se-
Ao lidar com pensadores sociais comba- duzidos pela miragem de uma brancura, ideia
tivos, com gosto pela polêmica e intimamente fora do lugar, transposta por mentalidades co-
comprometidos com a prática política, é sem- lonizadas. Superar esse estado patológico de
pre temerário buscarmos nexos de coerência coisas passaria pela reavaliação de toda socio-
teórica. Se as interações e os contextos sociais logia, capaz de identificar os efeitos pernicio-
são dinâmicos, é esperável que tais pensadores sos dessa importação ideológica e de produzir
adaptem suas ideias ao dinamismo dos contex- uma elite-intelligentsia negra que pudesse de-
tos em embates que enfrentaram. Ainda assim, nunciar, por sua própria existência, a inauten-
isso não deve ser suficiente para que aceite- ticidade da ideologia da brancura.
mos a incoerência como expressão necessária Essa seria uma luta mormente ideoló-
do engajamento intelectual. gica e superestrutural, ligada a um momento
A despeito das profundas transições em circunstancial do desenvolvimento nacional
sua forma de pensar, há, nas ideias de Guer- de nossa infraestrutura. Embora a mistifica-
reiro, um esforço constante de sistematização ção que chamamos “o problema do negro” seja
de uma teoria capaz de dar abrigo à negritu- eminentemente psicológica e deva ser tratada
de e à democracia racial. Sobretudo, quando com os métodos de uma terapêutica socioló-
observamos seus trabalhos sobre a situação do gica, sua superação total fatalmente viria com
negro no Brasil. Quando resgatamos as ideias o desenvolvimento nacional. Não obstante o
sobre o tema que circulavam nas organizações problema do negro seja primariamente psico-
negras do seu tempo, vemos que nenhuma das lógico e secundariamente econômico, sua su-
premissas que compõem a teoria de Guerreiro peração total seria garantida pelo desenvolvi-
era totalmente original (Guimarães, 2004; Gui- mento econômico do país.
marães; Macedo, 2008). Por outro lado, essa Mais do que uma forma de se opor à

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comparação nos faz perceber que ele teve um mestiçagem, o niger sum é o resultado da redu-
papel singular ao tentar ajustar em um sistema ção sociológica do ideal da democracia racial
de pensamento as ideias de nomes como Ab- que visava liberá-lo das contaminações estran-
dias do Nascimento, Aguinaldo Camargo, Iro- geiras, como a ideia de aculturação e a ideolo-
nides Rodrigues, dentre outros. Em vez de um gia da brancura. Como bom hegeliano, Guer-
colecionista de ideias, Guerreiro pode ser visto reiro parecia ver a democracia racial como um
como um compatibilizador de ideais. futuro superior já pressuposto no presente do
Não há, deste modo, uma contradição Brasil e a brancura como o obstáculo a esse flu-
constitutiva na maneira como ele coadunava xo histórico. Toda essa construção intelectual
a defesa da negritude e sua apologia da de- só foi possível graças ao convívio de Guerreiro
mocracia racial. Sequer há uma incompatibi- com o TEN, organização que lhe deu a oportu-
lidade entre o niger sum e sua visão do povo nidade de “[...] viver o problema do negro, em
brasileiro como eminentemente mestiço. Para vez de ler ou escrever coisas doutorais sobre
entender como tal coadunação de ideias é pos- ele” (Ramos, 1953b). Guerreiro admite que tal
sível, é preciso compreender que as críticas engajamento teve, inicialmente, de superar vá-
que Guerreiro faz aos defensores da democra- rias resistências e relutâncias pessoais, o que

105
“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

só foi possível depois da adoção de uma postu- esteve restrita aos críticos das cotas, sendo ela
ra pragmática (Ramos, 1953b). resgatada, também, com o objetivo de justificar
Por conseguinte, a sociologia do proble- as cotas como medidas capazes de construir
ma do negro feita por ele não pode ser vista uma verdadeira democracia racial no país (Da-
como uma simples aplicação a um caso exem- matta, 2007). O próprio discurso estatal, que,
plar de sua redução sociológica, ao contrário. na última década, transformou a diversidade
Foi ao tratar do “problema do negro” no Brasil em discurso oficial, oscila entre uma defesa da
que Guerreiro descobriu as antinomias de nos- afirmação da negritude e uma concepção hi-
sa sociologia. Foi ao tratar a ideologia da bran- bridizante de nação (Campos, 2013, p. 128-32).
cura como fonte do preconceito de cor e uma Tudo isso dá a entender que a estraté-
transposição literal de ideias da Europa que gia de afirmação da negritude ainda compete
Guerreiro pôde destilar as contribuições de no Brasil com o ideal de uma nação mestiça
suas referências tradicionais e, depois, compor e harmônica do ponto de vista racial. Nesse
o seu método de redução sociológica. Talvez contexto, no qual o apego a um mito nacional
isso ajude explicar por que, depois de 1955, subsiste, mesmo depois da denúncia de seu
Guerreiro praticamente abandona o tema do fracasso histórico em promover igualdade,
negro no Brasil. A essa altura, ele já havia “re- é de fundamental importância retomar uma
duzido” quase totalmente a problemática do perspectiva que encarava a afirmação da ne-
negro a um epifenômeno da transposição lite- gritude como tática circunstancial e dialética,
ral de ideias e ideologias. Cabia, apenas, exor- como “essencialismo estratégico”, no sentido
cizar esse vício do fazer sociológico para minar dado à expressão por Gayatri Spivak (1987, p.
as bases do nosso preconceito. 205-10). Tal resgate nos ajuda a entender que,
A rearticulação do movimento negro, li- a despeito dos avanços históricos, o preconcei-
derada por Abdias no fim da década de 1970, to permanece operando em nossa sociedade e
veio acompanhada de uma reavaliação pro- a polêmica sobre as melhores estratégias antir-
funda das ideias do TEN. Mesmo que o ideal racistas continua aberta.
de uma “democracia racial autêntica” ainda De um lado, pode-se dizer que a solução
subsistisse nos primeiros momentos do Movi- via ações afirmativas raciais seria rechaçada
mento Negro Unificado (1988, p. 20-25), não por Guerreiro “[...] principalmente se tomar-
demorou para que a militância negra o trans- mos essa política como resultado da importa-
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formasse em mito e em inimigo número um do ção de categorias do mundo norte-americano


movimento. O fracasso histórico do país em para a brasileiro” (Oliveira, 2004) ou se en-
promover uma igualdade racial efetiva é atri- tendermos que “[...] administrou-se a solução
buído ao agora chamado “mito da democracia sem considerar detidamente os males e sua
racial” e seu papel escamoteador das nossas origem [o que levou à] predominância atual de
desigualdades (Guimarães, 2003). uma visão racialista da questão” (Bariani Jú-
Mas, cerca de vinte anos depois, os dis- nior, 2008b, p. 207). Por outro lado, se enten-
cursos de defesa da democracia racial foram demos que o modelo de cotas raciais brasileiro
ressuscitados após a introdução no país das é substantivamente distinto do modelo estadu-
polêmicas ações afirmativas raciais no ensino nidense e que ele foi fruto de uma longa traje-
superior (Franco, 2006). Intelectuais, outrora tória de reivindicações de militantes e negros
críticos dos efeitos desmobilizantes desse mito e estudiosos da questão racial (Pereira, 2003),
nacional, reavaliaram suas posições e resgata- concluiríamos que seu funcionamento talvez
ram o ideal que então parecia quase totalmente esteja mais próximo das ideias de Guerreiro do
desacreditado para fazer face à proposta de co- que se imagina.
tas (Maggie, 2005; Fry, 2005). E tal postura não Ademais, as políticas afirmativas se

106
Luiz Augusto Campos

aproximam das ideias do autor em dois pontos. entre brancos e negros.


Em primeiro lugar, elas levam à afirmação da De todo modo, a atualidade do pensa-
negritude em seus procedimentos (é preciso se mento de Guerreiro frente aos debates recen-
dizer negro para delas se beneficiar), mas seus tes sobre a questão racial no Brasil reflete a
resultados miram uma situação em que a raça renitência de nossas desigualdades raciais.
não mais conte na distribuição de oportunida- Embora inúmeros avanços tenham sido con-
des. Uma vez que as cotas sejam bem-sucedi- quistados nessa seara, tanto em termos “psico-
das na redistribuição de oportunidades educa- lógicos” quanto “econômicos”, o país ainda se
cionais, é de se esperar que as gerações futuras debate com a discriminação racial, a apologia
a dispensem. Consequentemente, a afirmação da brancura e as dificuldades de acesso dos
da negritude é colocada como procedimento negros à educação formal, às classes mais al-
que toma como fim a superação da diferença tas da sociedade, aos postos de poder etc. Ade-
que justifica essa afirmação. Em segundo lu- mais, o ideal de uma democracia racial parece
gar, pode-se dizer que as cotas raciais visam continuar resistindo às críticas e fazendo parte
produzir uma elite-intelligentsia nos moldes do modo como uma grande parcela do Brasil
defendido por Guerreiro. Nesse sentido, aquilo se enxerga e se projeta no futuro.
que muitas vezes é motivo de crítica às ações Comparando os debates atuais com as
afirmativas – o fato de ela contribuir apenas polêmicas das décadas de 1940 e 1950, uma
para a produção de uma elite negra sem tocar diferença salta aos olhos. Ao contrário do que
nas estruturas da desigualdade de classes – ocorria no passado, a questão racial no Bra-
torna-se motivo de defesa dessas medidas. sil se politizou e todos os problemas que lhe
Por outro lado, as insuficiências da com- são correlatos são encarados como parte de
patibilização proposta por Guerreiro, as quais uma história dinâmica, como, aliás, desejava
ele mesmo parece ter percebido no fim de sua Guerreiro. Destarte, talvez o seu ensinamento
vida ( Bariani Júnior , 2008b, p. 206), ajudam a mais valoroso seja aquele que conecta a cien-
mostrar que as condições de possibilidade de tificidade da sociologia ao seu compromisso
sua teoria encontram obstáculos importantes. com os problemas concretos. Como ele mes-
Isso porque ele parecia pressupor a inexistên- mo dizia, citando Napoleão “on s’engage, puis
cia, no Brasil, de um problema “infraestru- on voit” (RAMOS, 1953b). Mas Guerreiro não
tural” do negro, ou que esse problema seria apenas adotou esse lema: ele o radicalizou. É

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secundário frente à patologia ideológica da mais justo dizer que, para ele, é o engajamento
brancura. Tal premissa sugere que a desigual- nos problemas concretos que nos permite ver
dade socioeconômica entre “brancos” e negros o mundo de outra forma. Para Guerreiro, “on
é de classes e que as dificuldades de ascensão s’engage pour voir”. Provavelmente, é essa sua
social do negro estariam mais relacionadas contribuição mais atual para a sociologia da
ao preconceito de cor. Contra essa intepreta- questão racial nos dias de hoje.
ção, já está razoavelmente documentado que
a reprodução das desigualdades econômicas
entre brancos e negros não pode ser explicada Recebido para publicação em 15 de agosto de 2014
Aceito em 11 de dezembro de 2014
somente pela inércia de nossa estrutura social
(Hasenbalg, 1979; Silva, 1978; Soares, 2000).
Aparentemente, a discriminação racial no Bra-
REFERÊNCIAS
sil também produz as desigualdades raciais.
Nesse cenário, a formação de uma elite-in- AZEVÊDO, A. A Sociologia antropocêntrica de Alberto
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“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

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“O NEGRO É POVO NO BRASIL” ...

“BLACKS ARE PEOPLE IN BRAZIL”: assertion of “LE NOIR, C’EST QUELQU’UN AU BRÉSIL”:
black awareness and racial democracy in Alberto l’affirmation de la négritude et la démocratie
Guerreiro Ramos raciale dans l’oeuvre de Alberto Guerreiro Ramos
(1948-1955) (1948-1955)

Luiz Augusto Campos Luiz Augusto Campos

In the public debate on current racial inequality in Il est possible d’identifier, dans le débat politique sur
Brazil, two fundamental anti-racist strategies may les inégalités sociales raciales actuelles brésiliennes,
be identified. While the political assertion of black deux stratégies antiracistes fondamentales. Alors que
awareness is faced by some as a form of denouncing d’un côté l’affirmation politique et identitaire de la
the racism present in our structures and social négritude est vue par certains acteurs comme le moyen
practices, others argue that the traditional praising de dénoncer le racisme présent dans nos structures
of the mixed race character of the Brazilian people et pratiques sociales, d’autres acteurs soutiennent
supplies the best foundation for an authentically que l’éloge traditionnel à la caractéristique métisse
post-racial national project. Although these stances du peuple brésilien est la meilleure base pour un
may seem irreconcilable, they were not seen as projet national vraiment post-racial. Bien qu’elles
rivals in the beginning. Brazilian sociologist Alberto semblent être inconciliables, ces postures n’ont
Guerreiro Ramos is an example of someone who cependant pas toujours été considérées comme étant
thinks about the “problem of the black people in rivales. Le sociologue bahianais Alberto Guerreiro
Brazil”, which saw the assertion of black identity Ramos est l’exemple d’un penseur du « problème noir
as a way to build racial democracy in the country. au Brésil » qui voyait l’affirmation de la négritude
Although his adhesion to those two projects may be comme moyen de construire la démocratie raciale
considered ambiguous and incoherent, this article dans le pays. Même si son adhésion à ces deux projets
argues that the assertion of black identity and the est considérée ambiguë et incohérente, cet article
praise of racial democracy are political proposals that démontre que l’affirmation de la négritude et l’éloge de
he has deliberately tried to harmonize. Especially la démocratie raciale sont des propositions politiques
between 1948 and 1955, Guerreiro Ramos argued qu’il a délibérément essayé de rendre compatibles.
that the epistemological and political assumption C’est surtout entre 1948 et 1955 que Guerreiro Ramos
of black identity would be a way to dialectically affirme que l’assomption épistémologique et politique
expel from the country the unconnected ideology de la négritude pourrait être le moyen d’éliminer
of whiteness. Only this way, we would be capable dialectiquement du pays l’idéologie déconnectée
of giving value to our mixed heritage, reconciling de la blancheur. Ce n’est que de cette manière que
the traditional apology of racial democracy with the nous serions capables d’attribuer une valeur à notre
concrete constitution of our people. métissage en réconciliant l’apologie traditionnelle de
la démocratie raciale et la constitution concrète de
notre peuple.
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Keywords: Black identity. Racial Democracy. Mixed Mots-clés: Négritude. Démocratie Raciale. Métissage.
heritage. Niger Sum. Brazilian Social thought. Niger Sum. Pensée Sociale Brésilienne.

Luiz Augusto Campos – Doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ. Professor e pesquisador do Instituto
de Estudos Sociais e Políticos – IESP-UERJ. Coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da
Ação Afirmativa (GEMAA). Membro do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê)
da UnB. Suas pesquisas tratam a politização da questão racial no Brasil, negros e eleições e discursos
de autolegitimação da imprensa. Sobre estes temas publicou artigos recentes na Revista Brasileira de
Ciências Sociais, Revista Brasileira de Ciência Política e Cadernos PAGU.

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