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State-of-Art sobre o Controlo da Fendilhação devido a

Deformações Impostas

Rodolfo Micaelo Tavares

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em


Engenharia Civil

Júri

Presidente: Professor Pedro Guilherme Sampaio Viola Parreira


Orientador: Professor José Manuel Matos Noronha da Camara
Vogais: Professor João Sérgio Nobre Duarte Cruz

Maio de 2010
Resumo

A ocorrência de deformações impostas nas estruturas, tais como a variação de temperatura,


retracção do betão e assentamentos diferenciais de apoio, são responsáveis pela menor
qualidade de comportamento das mesmas, sendo que, ao existir restrição ao livre
desenvolvimento destas deformações, tal implicará o aparecimento de tensões axiais que, por
sua vez, ao atingirem os valores de tensão resistente do betão induzem o aparecimento de
fendas. Uma das formas de controlar a abertura destas fendas é por meio da adopção de
quantidades de armadura maiores ou iguais à “mínima” consoante o grau de exigência
pretendido.

A presente dissertação pretende documentar o que tem sido feito ao longo dos últimos 40
anos em relação ao tema da mesma, ou seja, sobre o controlo da fendilhação devido às
deformações impostas e com esse fim realizou-se uma razoável pesquisa bibliográfica,
baseado nos estudos efectuados no Instituto Superior Técnico. Neste documento apresenta-se
e analisa-se os resultados obtidos por diversas investigações nesta área de uma forma que
possa contribuir para o esclarecimento dos efeitos das deformações impostas nas estruturas
de betão armado, sendo que estas acções devem ser consideradas fundamentalmente na
verificação das condições de serviço da estrutura (Estados Limites de Utilização), salientando-
se que se devem considerar no dimensionamento à rotura somente no caso de eventuais
esforços de segunda ordem e na verificação da ductilidade disponível. Também se apresentam
as mais recentes disposições regulamentares para ter em consideração estes efeitos, alguns
critérios propostos para o dimensionamento estrutural e situações de actuação das
deformações impostas em estruturas.

Palavras-chave: deformação imposta, comportamento em serviço, armadura mínima, abertura


de fenda

i
Abstract

Imposed deformation in structures such as temperature variation, concrete shrinkage and


differential settlement of supports are responsible for its lower performance. Therefore, if there
are restrictions to the free development of such deformation, tension is generated in the
concrete and when it reaches the tension resistance of concrete, it generates cracks. One way
to control these crack widths is the adoption of minimal quantities of reinforcement.

This work aims to summarize much of what has been done over the past forty years on the
topic of cracking control due to imposed deformations; for this purpose a
reasonable bibliographical research has been performed, based on the studies that took place
at I.S.T. This document presents and analyzes the results obtained by many researches in this
field intending to help to clarify the effects due to imposed deformations in the reinforced
concrete structures. These actions must be thoroughly considered in regards of the structure
service’s condition (Serviceability Limit States). Design for Ultimate Limit States must be
considered only in case of eventual second order effects and for the analysis of available
ductility verification. It also illustrates the most recent codes indications in such cases and some
proposed criteria for structural design for the situations in which structure's imposed deformation
are important.

Keywords: imposed deformation, serviceability behavior, minimal reinforcement, crack width

ii
Agradecimentos

Agradeço ao Professor José Camara pela possibilidade de desenvolver uma dissertação


sob a sua orientação e pela colaboração demonstrada, sobretudo, no desenvolvimento dos
exemplos práticos.

Agradeço a ajuda valiosa prestada pelo colega de curso, Pedro Arruda, e pelo colega de
trabalho, Pedro Sousa, na modelação do tanque.

Agradeço à Cláudia Pona pela ajuda na concepção e revisão de texto e pelo auxílio que
prestou ao longo de toda a tese.

Agradeço ao meu irmão, Ruben Tavares, que como Designer Gráfico deu o seu contributo
no tratamento de imagem e na concepção de algumas figuras apresentadas nesta dissertação.

Agradeço aos meus pais, Rui Tavares e Maria João Tavares, pelo apoio prestado em todo o
meu percurso escolar e, em particular, nesta fase, sendo exemplos em dedicação e amor dado
aos filhos.

iii
Índice

I. Enquadramento Geral .............................................................................................................. 1

1.1. Introdução........................................................................................................................... 1

1.2. Tipos de deformação imposta ............................................................................................ 2

1.2.1. Retracção .................................................................................................................... 3

1.2.2. Variação de temperatura ............................................................................................. 4

1.2.3. Assentamentos diferenciais de apoio ......................................................................... 5

1.3. Consideração das deformações impostas na verificação de segurança ........................... 6

1.4. Motivos da necessidade do controlo da fendilhação ......................................................... 7

1.5. Objectivo e estrutura do documento .................................................................................. 8

II. Efeito de acções isoladas..................................................................................................... 10

2.1. Resposta estrutural de um tirante .................................................................................... 10

2.1.1. Deformação imposta axial ......................................................................................... 12

2.1.2. Conceito da armadura mínima para o efeito axial .................................................... 14

2.2. Comportamento à flexão .................................................................................................. 14

2.2.1. Deformação imposta com efeito de flexão ................................................................ 16

2.2.2. Conceito da armadura mínima para o efeito de flexão ............................................. 17

2.3. Distinção do tipo de deformação imposta axial: interna e externa .................................. 19

2.3.1. Deformação imposta externa .................................................................................... 21

2.3.2. Deformação imposta interna – retracção do betão ................................................... 24

2.4. Cálculo da armadura mínima de acordo com o EC2 [16] ................................................ 27

2.4.1. Controlo da abertura das fendas segundo o EC2 [16] .............................................. 29

2.5. Deformação imposta em paredes laterais – efeito axial .................................................. 34

2.5.1. Eurocódigo 2 – parte 3 [17] ....................................................................................... 37

2.5.2. Comportamento de paredes laterais ......................................................................... 40

III. Análise de sobreposição de cargas com deformações impostas .................................. 49

3.1. Considerações Iniciais ..................................................................................................... 49

iv
3.2. Deformação imposta com efeito de flexão, com sobreposição de cargas verticais ........ 50

3.3. Deformação imposta axial, com sobreposição de cargas verticais ................................. 54

3.3.1. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Externa ......................................... 56

3.3.2. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Interna .......................................... 59

IV. Critérios de dimensionamento propostos ........................................................................ 62

4.1. Deformação imposta isolada ............................................................................................ 62

4.2. Deformação imposta em paredes laterais ....................................................................... 63

4.3. Sobreposição de cargas com deformações impostas ..................................................... 64

V. Situações de deformações impostas nas estruturas ....................................................... 70

5.1. Casos práticos de deformações impostas nas estruturas ............................................... 70

5.2. Exemplos de Aplicação .................................................................................................... 76

5.2.1. Muro sujeito à restrição das deformações impostas ................................................. 76

5.2.2. Tanque – sobreposição de cargas (acção da água) a deformação imposta axial ... 81

VI. Conclusões ........................................................................................................................... 88

Bibliografia ................................................................................................................................. 90

Anexo A ...................................................................................................................................... 93

v
Índice de figuras

Figura I. 1 – Evolução da extensão de retracção (total, de secagem e endógena) [32] .............. 4

Figura I. 2 – Diagrama representativo do efeito da temperatura numa secção [18] ..................... 5

Figura I. 3 – Resposta estrutural a) parcela uniforme e b) parcela diferencial ............................. 5

Figura I. 4 – Percepção humana comum do fenómeno da fendilhação em função da distância, l,


do observador [23] ........................................................................................................................ 8

Figura II. 1 – Comportamento de um tirante de betão armado, solicitado por um esforço axial de
tracção crescente [19] ................................................................................................................. 10

Figura II. 2 – Comportamento global da abertura de fenda num elemento estrutural [25] ......... 11

Figura II. 3 – Comportamento do tirante de betão armado solicitado por uma deformação
imposta axial crescente [25] ........................................................................................................ 12

Figura II. 4 – Evolução dos esforços e abertura de fendas num tirante sujeito a uma
deformação imposta: a) sem armadura mínima; b) com armadura superior à mínima. [32] ...... 13

Figura II. 5 – Relação Momento-Curvatura para as várias fases da estrutura no caso de flexão
simples ........................................................................................................................................ 15

Figura II. 6 – Deformação imposta de flexão actuando isoladamente ........................................ 16

Figura II. 7 – Exemplos de deformação imposta com de flexão a) variação diferencial de


temperatura, b) assentamento de apoio ..................................................................................... 17

Figura II. 8 – Diagramas de tensões na secção imediatamente antes e após fendilhar ............ 18

Figura II. 9 – Comparação de resultados entre deformação imposta externa (a) e a retracção do
betão (b) [11] ............................................................................................................................... 19

Figura II. 10 – Distribuição de tensões numa secção sujeita ao efeito da retracção num
elemento estrutural inserido numa estrutura hiperstática [25] .................................................... 20

Figura II. 11 – Modelo base utilizado no estudo [25] .................................................................. 21

Figura II. 12 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta externa
[26] ............................................................................................................................................... 22

Figura II. 13 – Estado do elemento estrutural e respectivas tensões, para extensões próximas
de 0,3 e 0,5‰, para o caso 4 [11] ............................................................................................... 23

Figura II. 14 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da
extensão média, caso 4 [26] ....................................................................................................... 24

Figura II. 15 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta interna
[26] ............................................................................................................................................... 24

Figura II. 16 – Estado do elemento estrutural e suas tensões, para extensões próximas de 0,3 e
0,5‰, para o caso 4 [11] ............................................................................................................. 25

vi
Figura II. 17 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da
extensão média para o caso 4 [26] .......................................................................................... 26

Figura II. 18 – Variação de k em função da espessura, h [16] ................................................... 28

Figura II. 19 – Estimativa do parâmetro kc, em função da tensão média no elemento [25] ....... 29

Figura II. 20 – Equilíbrio de tensões ao longo do elemento, na fase de formação de fendas [25]
..................................................................................................................................................... 30

Figura II. 21 – Transmissão de tensões ao longo do comprimento l0 [25] .................................. 31

Figura II. 22 – Secções efectivas de betão traccionado [16] ...................................................... 33

Figura II. 23 – a) geometria geral da parede; b) distribuição de tensões antes de formar a


1ªfenda; c) Resultante das tensões longitudinais antes de formar a 1ª fenda [32] .................... 35

Figura II. 24 – Comparação de distribuição de tensão no centro das paredes com as dum
tirante em função da razão l/b [19] .............................................................................................. 35

Figura II. 25 – Características imediatamente antes da formação da 2ª fenda: a) Parede, b)


Distribuição de tensões, c) Resultantes de tensões, para um comportamento não linear [19] .. 36

Figura II. 26 – Características geométricas da parede utilizada nas análises de Luís [26] e
Teixeira [32] ................................................................................................................................. 37

Figura II. 27 – Valores recomendados para a abertura wk1 ........................................................ 38

Figura II. 28 – Diâmetro máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função da tensão
nas armaduras [17] ..................................................................................................................... 39

Figura II. 29 – Espaçamento máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função das
tensões nas armaduras [17] ........................................................................................................ 39

Figura II. 30 – Variação das resultantes de tensões ao longo da parede para o caso 1 [26] .... 41

Figura II. 31 – Evolução da tensão média e abertura de fendas ao longo da parede para o caso
1, para deformação imposta externa e interna respectivamente [26] ......................................... 43

Figura II. 32 – Variação da força ao longo da parede, para o caso 1 (armadura mínima) [32] .. 44

Figura II. 33 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da


formação da 1ª fenda, para o caso 1 [32] ................................................................................... 45

Figura II. 34 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da 3ª


fenda, no caso 1 [32] ................................................................................................................... 46

Figura II. 35 – Deformada ao longo do comprimento da parede, para a situação imediatamente


antes da formação das 4ª e 5ª fendas [32] ................................................................................. 46

Figura II. 36 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas ................................................... 47

Figura II. 37 – Variação da tensão (azul) e valor médio (cinzento), na secção central da parede
aquando da formação das fendas seguintes para: a) caso 1; b) caso 2; c) caso3 [32] ............. 47

vii
Figura III. 1 – Sobreposição do efeito de flexão de uma deformação imposta (por exemplo,
assentamento diferencial de apoio ou variação linear de temperatura) com a flexão simples
devido às cargas verticais ........................................................................................................... 50

Figura III. 2 – Diferentes incrementos de momento devido à mesma deformação imposta


dependente da rigidez estrutural [11] .......................................................................................... 50

Figura III. 3 – Comportamento estrutural num caso usual de sobreposição dos efeitos de
deformações impostas aos das cargas [13] ................................................................................ 51

Figura III. 4 – Relação entre as rigidezes dos Estados I e II em flexão simples para diferentes
percentagens de armadura [13] .................................................................................................. 52

Figura III. 5 – Importância entre a diferença de valores Mcr e My [13] ........................................ 53

Figura III. 6 – Sobreposição de uma deformação imposta axial com cargas verticais ............... 54

Figura III. 7 – Comportamento à flexão simples e composta com esforço axial constante [14] . 54

Figura III. 8 – Deformação imposta externa e interna, sem e com sobreposição de efeitos [11]
..................................................................................................................................................... 55

Figura III. 9 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta
externa [11].................................................................................................................................. 56

Figura III. 10 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos –
deformação imposta externa [25] ................................................................................................ 57

Figura III. 11 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em


função da extensão média – deformação imposta externa [11] ................................................. 58

Figura III. 12 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta
interna [11]................................................................................................................................... 59

Figura III. 13 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos –
deformação imposta interna [25] ................................................................................................. 60

Figura III. 14 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em


função da extensão média – deformação imposta interna [11] .................................................. 61

Figura IV. 1 – Comparação de esforços elásticos com os esforços resultantes de uma


deformação imposta .................................................................................................................... 62

Figura IV. 2 – Exemplo da resposta de uma viga bi-encastrada a uma variação linear de
temperatura para uma análise linear (a) e não linear (b) [13] ..................................................... 64

Figura V. 1 – Efeito das deformações impostas nas estruturas de edifício em pórtico e em


pontes [13] ................................................................................................................................... 70

Figura V. 2 – Fendilhação junto à abertura do elemento traccionado (N crA e NcrB – esforço axial
de fendilhação na zona A e B, respectivamente) ........................................................................ 71

viii
Figura V. 3 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção na consola de um edifício
[13] ............................................................................................................................................... 72

Figura V. 4 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção numa laje suportada na


parte inferior e dimensionada para as cargas em x [13] ............................................................. 73

Figura V. 5 – Situação de colocação de armadura mínima na laje devido aos elementos rígidos
[13] ............................................................................................................................................... 73

Figura V. 6 – Situação comum na qual o piso enterrado se encontra submetido à sobreposição


do efeito das cargas verticais com deformação imposta axial [25] ............................................. 74

Figura V. 7 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas ..................................................... 74

Figura V. 8 – Distância máxima entre juntas de dilatação segundo EC2-parte3 [17] ................ 75

Figura V. 9 – Pormenor de uma junta Waterstop [36]................................................................. 75

Figura V. 10 – Dimensões da parede do muro ........................................................................... 76

Figura V. 11 – Dimensões do tanque .......................................................................................... 81

Figura V. 12 – Representação, em planta, da sobreposição de efeitos no tanque: a) acção da


água nas paredes; b)N, esforço normal devido às deformações impostas e à acção da água e
Mcp, momentos devido à acção da água ..................................................................................... 81

®
Figura V. 13 – Modelação do tanque em SAP2000 .................................................................. 82

Figura V. 14 – Distribuição do esforço axial resultante, devido à deformação imposta, na parede


de 15m de comprimento .............................................................................................................. 83

Figura V. 15 – Variação do esforço axial, devido à deformação imposta, na zona central da


parede de 15m de comprimento ................................................................................................. 83

Figura V. 16 – Zonas a analisar .................................................................................................. 84

Figura V. 17 – Pormenor da secção na zona A a dimensionar .................................................. 84

Figura V. 18 – Pormenor da secção na zona B a dimensionar .................................................. 85

Figura V. 19 – Pormenor da secção na zona A a verificar o comportamento em serviço .......... 86

Figura V. 20 – Pormenor da secção na zona B a verificar o comportamento em serviço .......... 86

ix
Índice de Tabelas

Tabela I. 1 – Tabela abreviada de causas e período de aparecimento de fendas ....................... 2

Tabela II. 1 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise [25].......... 21

Tabela II. 2 – Quadro 7.2N e 7.3N do EC2 [16] – limitação da tensão no aço, para efeitos de
controlo de abertura máxima de fenda, admitindo a situação de flexão (diâmetros equivalentes)
..................................................................................................................................................... 27

Tabela II. 3 – Classificação da exigência de estanquidade [17] ................................................. 37

Tabela II. 4 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise não linear
de Luís [26] .................................................................................................................................. 41

Tabela II. 5 – Valores do esforço axial estabilizado (N) para os 3 casos analisados [26] .......... 42

Tabela II. 6 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise linear de


Teixeira [32] para uma parede encastrada na base e com espessura de 0,30m ....................... 44

Tabela IV. 1 – Valores aproximados de 𝝃 para avaliação dos momentos devido às deformações
impostas [11] (realçam-se os valores médios para acções de curto e longo prazo) .................. 65

Tabela IV. 2 – Coeficientes de redução de esforço axial de fendilhação para uma deformação
imposta axial [11] salientam-se os valores médios de referência ............................................... 67

Tabela V. 1 – Características dos materiais a adoptar na parede do muro ............................... 77

Tabela V. 2 – Armaduras mínimas para dois tipos de espessura da parede do muro ............... 77

Tabela V. 3 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras mínimas adoptadas


..................................................................................................................................................... 78

Tabela V. 4 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e Ncr ............................. 79

Tabela V. 5 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e 0,7Ncr ........................ 79

Tabela V. 6 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e Ncr ......................... 79

Tabela V. 7 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e 0,7Ncr .................... 80

Tabela V. 8 – Resultados do controlo directo da fendilhação ..................................................... 80

Tabela V. 9 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras condicionantes .. 87

Tabela V. 10 – Disposição de armaduras condicionantes para obtenção de abertura de fendas


menores....................................................................................................................................... 87

x
Simbologia

As,min – Área de armadura mínima

Ac,ef – Área efectiva do betão

c – Recobrimento da armadura

Ec – Módulo de elasticidade do betão

Es – Módulo de elasticidade do aço

Ec,ajust – Módulo de elasticidade ajustado

εimp – Deformação imposta

εΔT – Deformação devido à variação da temperatura

εcs – Deformação devido à retracção total

εcd – Deformação devido à retracção por secagem

εca – Deformação devido à retracção endógena

εs,yk – Deformação característica de cedência do aço

fctm – Tensão de tracção média do betão

fs,yk – Tensão característica de cedência do aço

𝜏𝑏 – Tensão de aderência aço – betão

𝜏𝑏𝑚 – Tensão de aderência média aço – betão

ρef – Percentagem de armadura na área efectiva

Ndi – Esforço axial devido à deformação imposta

Ncr – Esforço axial de fendilhação

Mdi – Momento devido à deformação imposta

My – Momento de cedência

Mserv – Momento devido às cargas aplicadas em serviço

wm - Abertura média de fendas

wmax - Abertura máxima de fendas

xi
I. Enquadramento Geral

1.1. Introdução

O presente trabalho constitui a dissertação de mestrado realizada no âmbito do Perfil de


Estruturas do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia Civil e intitula-se “State-of-art sobre
o controlo da fendilhação devido a deformações impostas”.

Como o título alude, o desenvolvimento da tese terá sempre subjacente o conceito de


deformação imposta, pelo que importa referir, desde logo, em que consiste este fenómeno, o
que o provoca e quais as suas consequências. As deformações impostas às estruturas de
betão podem ser de várias origens como da própria retracção do betão, de uma variação de
temperatura ou de assentamentos diferenciais. Estas acções não podem provocar o colapso da
estrutura (a não ser que gerem eventuais efeitos de segunda ordem) mas são muitas vezes
responsáveis pelo deficiente comportamento em serviço. Ao serem restringidas pelas
condições de apoio ou de ligação a outros elementos estruturais, as deformações impostas
induzem o surgimento de tensões axiais ou de flexão e estas, por sua vez, ao atingirem os
valores de tensão resistente de tracção do betão, fctm, resultam no aparecimento de fendas.

A fendilhação é um fenómeno “quase” inevitável no betão estrutural, devido à baixa


resistência do betão à tracção, porém pode e deve ser controlada. De facto, constata-se que a
fendilhação nas estruturas de betão estrutural, com níveis de abertura de fendas claramente
inaceitáveis deve-se, em geral, aos efeitos das deformações impostas. É, portanto, de todo o
interesse compreender como se pode limitar o nível de fissuração provocada pelas
deformações impostas, como forma de mitigação dos seus potenciais efeitos, a saber, a
corrosão das armaduras e a degradação do aspecto da estrutura. A fendilhação deve ser
limitada a um nível que não afecte a funcionalidade da estrutura, nem torne o seu aspecto
inaceitável.

No passado, estas acções foram muitas vezes menos bem consideradas, mas a partir dos
anos 70/80 começou a ficar claro que uma parte considerável de danos, deficiências e mau
desempenho em serviço resultava não da actuação das cargas, mas do efeito das
deformações impostas. Assim, nos últimos anos, efectuaram-se diversos trabalhos de
investigação com o objectivo de clarificar o comportamento em serviço destas estruturas.
Também, no Instituto Superior Técnico, foram desenvolvidos alguns trabalhos sobre os efeitos
das deformações impostas. Assim, pretende-se com este documento resumir e analisar a
investigação efectuada e as disposições de dimensionamento associadas para o controlo dos
efeitos das deformações impostas nas estruturas de betão armado. Primeiramente, é
necessário entender os fenómenos físicos que envolvem os três tipos de deformação imposta
acima referidos, os quais são explanados nos próximos parágrafos.

1
1.2. Tipos de deformação imposta

A resposta das estruturas de betão sujeitas às deformações impostas reflecte-se sobretudo na


abertura de fendas, podendo, quando atingem um certo nível, comprometer tanto o bom
funcionamento em serviço como a durabilidade da estrutura. É, assim, importante conhecer os
mecanismos associados às deformações impostas e de que modo estas se traduzem na
resposta estrutural.

Uma forma de controlar o comportamento das estruturas de betão em serviço é, antes de


mais, pela garantia da não cedência do aço, o que corresponde nalgumas situações à
aplicação do conceito da armadura mínima, e, num nível seguinte, pela fixação de valores
máximos admissíveis para a abertura de fendas.

As deformações impostas são causadas por fenómenos que se resumem na Tabela I. 1,


onde se indicam também os períodos do seu desenvolvimento sendo que a medida a adoptar
para controlar os seus efeitos é a utilização de uma quantidade de armadura que limite a
abertura das fendas.

Causas Período de desenvolvimento


Retracção endógena ou
Alguns dias após a betonagem
autogénea
Alguns meses ou anos após a
Retracção de secagem
betonagem
Assentamento diferencial do
Durante a utilização
apoio
Variação de temperatura Durante a utilização
Tabela I. 1 – Tabela abreviada de causas e período de aparecimento de fendas

É relevante referir, que considerando a actuação simultânea de uma retracção e uma


variação de temperatura num elemento estrutural conclui-se que a deformação é bastante
superior à correspondente ao inicio da fendilhação (para uma acção rápida):

𝑓
𝜀𝑖𝑚𝑝 = 𝜀𝛥𝑇 + 𝜀𝑐𝑠 𝑚𝑎𝑥 ≈ 0,6 × 10−3 ≫ 𝜀𝑐𝑡𝑚 = 𝐸𝑐𝑡𝑚 ≈ 0,1 × 10−3 (I.1)
𝑐,𝑚

Assim, o aparecimento de fissuras em resultado da acção das deformações impostas em


estruturas de betão é frequente e difícil de evitar, a menos que o elemento estrutural se possa
deformar livremente.

De seguida, descreve-se sucintamente os fenómenos que correspondem às deformações


impostas.

2
1.2.1. Retracção

A retracção do betão é uma propriedade reológica do material e que consiste numa diminuição
gradual do volume do betão ao longo do processo de endurecimento, na ausência de cargas
aplicadas. Em geral são referidos cinco tipos de retracção (plástica, química, de carbonatação,
térmica e hídrica) que ocorrem por processos físico-químicos diferentes e em distintas fases do
endurecimento do betão, sendo que os dois mais relevantes, para o trabalho em causa, são
analisados seguidamente, de acordo com [7, 13, 20, 22, 24, 32].

A retracção térmica ocorre nas horas seguintes à betonagem. As reacções químicas de


hidratação do cimento são exotérmicas e ao libertarem calor fazem aumentar a temperatura do
betão. Estas reacções exotérmicas são mais ou menos intensas em função do tipo e dosagem
de cimento. Durante o processo de endurecimento do betão, as reacções de hidratação do
cimento vão diminuindo de velocidade. Ao atingir o pico de temperatura, ao fim de 20 a 40
horas depois da betonagem, o calor perdido pela superfície livre e cofragens é superior ao
libertado pelas reacções de hidratação, originando portanto o arrefecimento do betão e a
consequente retracção do mesmo. O nível de fendilhação causado por este tipo de retracção
pode agravar-se no caso de uma descofragem prematura, a qual se traduz numa perda
precoce de isolamento térmico, isto é, sem que o betão tenha adquirido um nível de resistência
desejável.

A retracção propriamente dita, ou seja, a hídrica, é a parcela que mais contribui para a
retracção global dos elementos de betão. Este tipo de retracção ocorre devido à perda de água
do interior do betão, segundo dois processos distintos: o processo endógeno e a secagem. O
Eurocódigo 2 [16], considera a retracção total como sendo a soma destes dois processos (ver
expressão I.2).

𝜀𝑐𝑠 = 𝜀𝑐𝑑 + 𝜀𝑐𝑎 (I.2)

A retracção hídrica dá-se depois do processo de endurecimento e é claramente mais


significativo que as restantes parcelas de retracção verificadas nessa fase como a química ou
de carbonatação.

Na retracção endógena, também denominada de retracção de auto-dissecação ou de


hidratação, não há trocas de humidade com o exterior, sendo muito pouco influenciada pelas
condições ambientais, ao contrário da retracção de secagem. À medida que as reacções
químicas de hidratação ocorrem, a água presente no interior dos poros do betão é consumida,
causando perda de pressão por um mecanismo que envolve a formação de um menisco capilar
na interface líquido/vapor. Esta diminuição de pressão nos poros origina a retracção do betão.
A perda de água vai-se efectuando dos poros maiores para os menores, sendo a retracção
endógena mais importante nas primeiras idades do betão verificando-se cerca de 80% deste
processo até aos 28 dias. Nos betões com uma baixa razão água/cimento, onde os fenómenos

3
de hidratação consomem toda a água dos poros maiores, a retracção endógena é mais
significativa.

Entre os dois processos de retracção hídrica supracitados, o da retracção de secagem, ou


de dissecação, é aquele que apresenta um efeito mais expressivo sobre a totalidade da
retracção do betão, para betões correntes (C25/30 ou C30/37), como se pode constatar na
figura seguinte

Figura I. 1 – Evolução da extensão de retracção (total, de secagem e endógena) [32]

Em termos simples, este processo de secagem consiste na migração da humidade presente


no interior do betão para as faces expostas do elemento devido a um gradiente hídrico entre o
interior do betão e o ambiente exterior. A perda de água do betão origina a redução da pressão
no interior dos poros causando, assim, a retracção. Este processo é muito lento, prolongando-
se ao longo de vários anos até que o betão esteja totalmente seco. A retracção de secagem
aumenta com a relação água/cimento.

1.2.2. Variação de temperatura

A exposição ao meio ambiente provoca nas estruturas variações de temperatura que decorrem
de forma cíclica ao longo da vida útil das mesmas. As variações de temperatura devem-se
sobretudo à exposição directa das estruturas aos raios solares. Assim, as condições
climatéricas locais, a orientação da estrutura, a sua massa e o tipo de revestimento são
factores que condicionam as variações térmicas dos elementos estruturais.

A variação de temperatura numa secção de um elemento em betão pode ser dividida em


três parcelas: a componente de variação uniforme, as componentes de variação diferencial
linear e uma componente de variação não linear, a qual gera um sistema de tensões auto-
equilibradas como se pode observar na Figura I. 2.

4
Figura I. 2 – Diagrama representativo do efeito da temperatura numa secção [18]

Ao actuar numa estrutura isostática, a variação da temperatura provoca extensões axiais


associadas à parcela de variação uniforme e curvaturas associadas à parcela de variação
diferencial linear (ver Figura I. 3). Refira-se que a parcela de deformação não linear poderá
provocar alguma fendilhação local na secção nas zonas mais traccionadas. Por sua vez se as
parcelas de deformações uniformes e de curvatura estiverem restringidas, como acontece em
estruturas hiperestáticas, geram-se esforços axiais e de flexão hiperstáticos. Estes efeitos são
os mais importantes relativamente à possibilidade de gerarem fissuras nas estruturas capazes
de afectar o seu funcionamento em serviço e a sua durabilidade.

Figura I. 3 – Resposta estrutural a) parcela uniforme e b) parcela diferencial

1.2.3. Assentamentos diferenciais de apoio

Os assentamentos de apoio podem ser um dos motivos de degradação das construções, em


particular nos danos causados em elementos não estruturais. Estes assentamentos estão
relacionados com o comportamento do solo e a sua interacção com a estrutura que suporta.

Os solos, quando carregados, têm assentamentos quer instantâneos, quer ao longo do


tempo, como as deformações devidas à consolidação do solo. Também alterações no solo

5
confinante como escavações ou aterros e variações no nível freático podem causar
assentamentos das fundações da estrutura.

Caso estas deformações não se desenvolvam uniformemente em toda a estrutura ocorrem


assentamentos diferenciais entre apoios que geram tensões e/ou esforços que afectam o
comportamento em serviço da estrutura, em geral, sob a forma de flexão. Refira-se que, em
termos da segurança à rotura o importante é a ductilidade estrutural uma vez que aqueles
esforços tendem a desaparecer com a perda de rigidez.

Os assentamentos de apoio estão associados à menor capacidade de suporte do solo de


fundação, deficiente dimensionamento e/ou execução das fundações e eventuais variações
dos níveis freáticos.

1.3. Consideração das deformações impostas na verificação de segurança

As acções sobre uma estrutura de betão armado são denominadas de acções directas ou
indirectas. As acções directas são cargas verticais ou horizontais (vento) que geram reacções e
esforços, essenciais ao equilíbrio das estruturas. As acções indirectas são as deformações
impostas, as quais somente no caso de estruturas hiperestáticas geram reacções exteriores
auto-equilibradas que dependem da rigidez, da geometria, dos materiais e do seu estado de
fendilhação. Se no caso das acções directas é requerida sempre uma dada capacidade
resistente, nas acções indirectas há que exigir sobretudo uma certa capacidade de
deformação. De facto, para este tipo de acções verifica-se uma diminuição de esforços
relativamente aos valores elásticos, que dependem do estado da rigidez da estrutura.

Assim, o Eurocódigo 2 [16] refere explicitamente que as deformações impostas devem, no


essencial, ser consideradas na verificação dos estados limites de utilização, desde que haja
suficiente ductilidade, ou seja, capacidade de deformação plástica da estrutura. Só os
eventuais efeitos de segunda ordem não podem ser desprezados na segurança à rotura. Deste
modo, o que está em causa, no essencial, não é a capacidade resistente dos elementos
estruturais, ou seja, a verificação da segurança do Estado Limite Último, mas sim o seu
comportamento em serviço. Estas acções não condicionam o comportamento estrutural por
falta de capacidade resistente, sendo a ductilidade a importante característica a estar presente
na resposta para esta vertente da verificação de segurança. De facto, próximo da rotura,
verifica-se que o comportamento das estruturas com ductilidade se assemelha ao de um
mecanismo e, portanto, as deformações impostas não geram esforços internos, antes
provocam deformações e/ou rotações nalguns elementos estruturais que exigem capacidade
de deformação plástica, ou seja, ductilidade.

Segundo Camara [13], um comportamento dúctil das estruturas é conseguido por meio da
escolha de um aço com características de ductilidade adequadas, da concepção das secções

6
tal que o parâmetro x/d seja limitado na rotura, e, se se tratar da flexão composta, tal que o
nível de esforço axial reduzido não seja elevado. Finalmente, a adopção de estribos, não muito
espaçados e bem amarrados, que garantam o confinamento do betão comprimido é a forma de
melhorar a ductilidade disponível e, por conseguinte, também aumentar a capacidade de
deformação plástica das zonas da estrutura em causa.

Só faz sentido considerar os esforços provocados pelas deformações impostas na


verificação aos Estados Limites Últimos de resistência para os efeitos provocados pela
variação da geometria da estrutura, deslocando os eixos da mesma e originando, se existirem
esforços axiais, momentos de 2ª ordem – tal é uma questão de equilíbrio e não mais só de
compatibilidade.

Em resumo, a consideração das deformações impostas é fundamental na verificação das


condições de serviço da estrutura, sendo a sua consideração no dimensionamento à rotura
limitada aos eventuais esforços de segunda ordem e à verificação da ductilidade disponível. No
essencial, os efeitos das deformações impostas devem ser considerados na verificação das
condições de serviço, como uma acção de carácter permanente ou variável consoante o caso,
actuando isoladamente ou em combinação com acções directas, de forma a verificar se a
resposta assegura os níveis de qualidade exigidos.

1.4. Motivos da necessidade do controlo da fendilhação

A necessidade de efectuar o controlo da fendilhação deve-se sobretudo a três motivos ou


exigências: durabilidade, estética e funcionais.

As exigências de durabilidade da estrutura devem-se à importância da protecção das


armaduras contra a corrosão, sendo que a abertura de fenda, dependendo da sua dimensão,
expõe as armaduras aos agentes ambientais, podendo prejudicar essa protecção, como já foi
referido anteriormente. Schiessel [30] verificou, no entanto, que, apesar de existirem melhores
condições para se iniciar o processo de corrosão, no caso de aberturas de fendas inferiores a
cerca de 0,3mm a 0,4mm, tal não se verifica ao longo tempo, de tal forma que, após um certo
período, o estado de corrosão é praticamente independente da existência da fenda e da sua
abertura, se limitada aos valores referidos. O Eurocódigo 2 [16] define o valor da abertura
característica de fenda a 0,30mm para as classes de exposição ambiental mais desfavoráveis
e para a combinação de acções quase-permanente, sendo que para um ambiente sem
agressividade se limita, por razões estéticas, essa abertura a 0,4mm.

No que concerne a exigências estéticas, a quantificação da abertura de fendas para valores


aceitáveis é subjectivo, dependendo de inúmeros factores, que não estruturais, entre os quais
a sensibilidade do observador e a distância entre este e o elemento estrutural. Jaccoud [23]

7
refere uma ordem de grandeza da abertura de fenda visível em função da distância do
observador à mesma, como se pode observar na figura seguinte.

Figura I. 4 – Percepção humana comum do fenómeno da fendilhação em função da distância, l, do observador [23]

Em termos de exigências funcionais o controlo da abertura de fendas é particularmente


relevante em reservatórios e depósitos, nos quais existe a necessidade de garantia de um
certo nível de estanquidade. Nestes casos, é necessário um critério de limitação de abertura de
fendas mais restrito, em particular, para as fendas de tracção, que atravessam todo o
elemento, com o fim de garantir que não ocorrem fugas, ou, então, que estas estão limitadas.
O EC2-parte 3 [17] apresenta recomendações nesse sentido e que são apresentadas no
subcapítulo 2.5.1 deste documento.

De referir que o controlo de abertura de fendas é efectuado, geralmente, de uma forma


indirecta com base no controlo das tensões instaladas nas armaduras e na distribuição e
pormenorização das armaduras.

1.5. Objectivo e estrutura do documento

Este trabalho tem como objectivo principal dar uma contribuição para fazer um ponto de
situação sobre alguma investigação realizada e as disposições de dimensionamento para o
controlo dos efeitos das deformações impostas nas estruturas de betão estrutural. Há, de facto,
a necessidade de se sistematizar a informação relativa à forma de encarar essas acções tanto
na concepção como no dimensionamento e pormenorização das estruturas de betão.

Neste primeiro capítulo caracterizaram-se de forma genérica as deformações impostas e


foram apresentados os princípios segundo os quais se deve orientar a consideração destas
acções na verificação da segurança, sendo ainda realçadas as razões para a necessidade de
controlo da fendilhação no betão estrutural.

8
No capítulo II analisa-se o comportamento do betão estrutural quando solicitado por
deformações impostas axiais ou com efeito de flexão, distinguindo-se também as deformações
impostas externas das internas. Apresenta-se, ainda, a formulação proposta pelo EC2 [16] para
a definição da armadura mínima e uma análise da actuação das deformações impostas em
situações de condições de fronteira diferentes, como no caso de muros de suporte ou paredes
laterais de tanques.

No capítulo III estudam-se as situações de sobreposição dos efeitos de flexão gerados por
cargas aplicadas, com efeitos de flexão ou axiais provocados pelas deformações impostas.

No capítulo IV apresentam-se algumas recomendações propostas para o dimensionamento


das estruturas de betão armado às deformações impostas.

No capítulo V descrevem-se algumas situações em que as deformações impostas actuam


nas estruturas, destacando-se a sua relevância e apresentando-se dois casos de estudo:
parede de um muro de suporte sujeito à restrição das deformações impostas e um tanque, no
qual ocorre sobreposição de efeitos.

No capítulo VI apresentam-se as considerações finais deste trabalho.

9
II. Efeito de acções isoladas

Para compreender o comportamento de um elemento de betão armado é importante analisar a


resposta de um tirante, no sentido que é o elemento mais simples e que permite melhor
identificar as diferenças entre o tipo de resposta a acções de carga e deformações impostas.
Nesse sentido apresenta-se neste capítulo as características principais de comportamento para
acções actuando isoladamente.

2.1. Resposta estrutural de um tirante

O elemento estrutural mais simples é, como referido, o de um tirante. Nesse sentido começa-se
por descrever a sua resposta quando solicitado por uma força de tracção, para posteriormente
se compreender o comportamento do mesmo quando solicitado por uma deformação imposta
axial. Essa descrição foi efectuada com recurso a referências bibliográficas [12, 22, 24, 32].

Para uma acção crescente, neste caso decorrente da aplicação de uma força de tracção
pura (N), o tirante de betão armado evolui em três fases até atingir a rotura, como se pode
verificar na Figura II. 1, que são as seguintes: inicialmente verifica-se um estado não fendilhado
e posteriormente uma situação de fendilhação, que, por sua vez, se subdivide em duas etapas
– a primeira correspondendo à formação de fendas e a segunda à fendilhação estabilizada – e,
por fim, o estado de rotura que se inicia com a cedência do aço. De seguida, apresenta-se uma
breve descrição esquemática dos estados acima referidos, envolvidos no mecanismo de
fendilhação.

Figura II. 1 – Comportamento de um tirante de betão armado, solicitado por um esforço axial de tracção crescente
[19]

10
No estado não fendilhado o tirante exibe um comportamento elástico-linear, Estado I, no
qual as tensões de tracção são inferiores às da resistência do betão, f ctm, sendo de salientar o
peso pouco significativo do aço. Quando a solicitação no tirante ultrapassa a resistência
disponível nalguma zona verifica-se o aparecimento da primeira fenda, iniciando-se o estado
fendilhado.

No estado fendilhado, ocorre inicialmente uma fase de formação de fendas correspondendo


a uma diminuição importante da rigidez do elemento. Para ocorrer a formação de várias fendas
é necessário que a quantidade de armadura seja suficiente para evitar a plastificação, como se
verá adiante. Na formação de cada nova fenda há um aumento da deformação sob a força N
constante e a rigidez, num dado comprimento próximo desta, passa a ser a correspondente ao
aço, como esquematizado na Figura II. 2. Assim que a tensão no tirante seja superior a Nr,N
(Figura II. 1), deixa de ocorrer a formação de novas fendas, verificando-se o aumento da
abertura das fendas e, consequentemente, o elemento volta a exibir um comportamento quase
linear, a esta situação denomina-se de fendilhação estabilizada.

Figura II. 2 – Comportamento global da abertura de fenda num elemento estrutural [25]

Refira-se que em todo o estado fendilhado a estimativa da deformação média pode ser
obtida como um valor intermédio entre os estados I e II tal que:

𝜀𝑠𝑚 = 1 − 𝜁 𝜀𝑠1 + 𝜁𝜀𝑠2 (II.1)

Em que 𝜁 é um coeficiente de repartição sempre inferior a 1 e dado por uma expressão do


tipo:

𝑁𝑐𝑟 2
𝜁 =1−𝛽 (II.2)
𝑁

11
Em que 𝛽 é um coeficiente que se obtêm do produto de 𝛽1 que define a influência do tipo de
varões e propriedades de aderência da armadura com 𝛽2 que define a influência da duração da
aplicação e o carácter de repetição da mesma.

Seguidamente, na sequência do carregamento a armadura atinge o valor limite de


elasticidade, ou seja, a cedência.

2.1.1. Deformação imposta axial

No caso de uma deformação imposta, observa-se que, após a formação da cada nova
fenda, ocorre uma redução brusca do esforço N sob uma deformação, ∆L, mantida constante,
como se poderá observar na Figura II. 3. Essa é a principal diferença de comportamento, pois
enquanto que no caso da força aplicada, após a abertura de uma fenda, a extensão aumenta
para o mesmo nível de força aplicada, na resposta a uma deformação imposta acontece o
oposto, ou seja, após a abertura de fenda a deformação mantém-se e a força diminui. Este
aspecto deve-se à diferença do tipo de acção em causa, pois quando se trata de uma força
aplicada é necessário que essa força seja equilibrada, logo, quando a rigidez de uma secção
diminui (com a abertura de uma nova fenda) ocorre obrigatoriamente um aumento de
deformação, quando a força no elemento é devido a uma deformação imposta, ela é tanto
maior quanto maior for a rigidez, assim, ao se abrir uma nova fenda, a perda de rigidez origina
uma diminuição da força instalada no elemento (Figura II. 3).

Figura II. 3 – Comportamento do tirante de betão armado solicitado por uma deformação imposta axial crescente
[25]

No que concerne às etapas do mecanismo de fendilhação, verifica-se que são as mesmas


que se observaram no caso da acção de uma carga. Como se salientou, após a formação de
cada nova fenda ocorre um decréscimo de esforço e, à medida que a deformação imposta

12
aumenta, o processo repete-se até que ocorra a sua estabilização, para um valor de extensão
de aproximadamente 1,0 a 1,5‰. A partir dessa extensão, a deformação imposta desenvolve-
se com rigidez próxima de Estado II até que a cedência seja alcançada. Como referido no
capítulo anterior, na prática, a deformação imposta axial normalmente não ultrapassa valores
da ordem de 0,5 a 0,7‰, logo, os elementos estruturais encontram-se usualmente na fase de
formação de fendas.

Mas para ocorrer o processo de formação de fendas é necessário que a quantidade de


armadura seja suficiente para evitar a plastificação, ou seja, é fundamental verificar o critério de
não plastificação da armadura. Com este critério pretende-se garantir que os esforços de
cedência da secção são superiores aos de fendilhação assegurando-se um comportamento
dúctil, para o caso da acção de uma carga e evitando-se a não formação de uma fenda isolada,
para o caso de uma deformação imposta. Na Figura II. 4 pode observar-se a diferença de
comportamento de dois tirantes, submetidos a uma deformação imposta, um com resistência
da armadura inferior à força de fendilhação do tirante e outro com resistência superior.

Figura II. 4 – Evolução dos esforços e abertura de fendas num tirante sujeito a uma deformação imposta: a) sem
armadura mínima; b) com armadura superior à mínima. [32]

No primeiro, a armadura plastifica na secção onde se formou a primeira fenda e o


alongamento imposto irá se concentrar nessa abertura. De facto, depois da formação da
primeira fenda e da queda do esforço associado, na continuação da imposição da deformação
vai dar-se a plastificação da armadura junto à referida fenda e não é possível atingir mais o
nível de tensão no betão que daria origem a novas fendas. No segundo exemplo, verifica-se
que ocorre todo o processo de formação de fendas, pois após a formação da primeira fenda e
com a continuação da imposição da deformação não ocorre a plastificação da armadura
formando-se novas fendas.

13
2.1.2. Conceito da armadura mínima para o efeito axial

Como referido, para que ocorra o processo de formação de fendas é necessário evitar a
plastificação da armadura o que, para o caso de uma deformação imposta, se resume em
prever uma certa quantidade de armadura, a armadura mínima. Neste caso, depois da
formação da primeira fenda é fundamental haver condições para que se possa atingir de novo
a tensão resistente de tracção do betão, fctm, permitindo-se assim a formação de outras fendas,
como explicado anteriormente.

O critério de não plastificação da armadura (σs≤fyk), define essa quantidade mínima de


armadura. Sendo o esforço constante no tirante há que assegurar que a resistência em Estado
I é inferior à do Estado II, ou seja:

𝑁𝑟,𝐼 < 𝑁𝑟,𝐼𝐼 𝐴𝑐 × 𝑓𝑐𝑡 < 𝐴𝑠 × 𝑓𝑠𝑦 (II.3)

Ou em termos de definição de uma armadura mínima:

𝑓𝑐𝑡𝑚 𝐴𝑠 𝑓𝑐𝑡
𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 𝐴𝑐 × 𝜌= ≥ 𝜌𝑚𝑖𝑛 = (II.4)
𝑓 𝑦𝑘 𝐴𝑐 𝑓𝑦

Para que, no caso de uma deformação imposta maior, se possa garantir a ocorrência de
todo o processo de formação das fendas, a expressão anterior deveria ser multiplicada por um
coeficiente da ordem de 1,3, que equivale ao aumento do esforço de fendilhação entre a
formação da primeira e última fenda (ver Figura II. 4).

De qualquer maneira, o facto desta armadura mínima garantir a ocorrência do processo de


formação de fendas, tal não significa que se obtém um comportamento aceitável em serviço,
pois não se assegura que a abertura de fendas acontecerá numa gama de valores admissíveis,
porque, conforme Luís [25] refere, uma armadura dimensionada para valores mínimos poderá
originar abertura de fendas da ordem de 0,4 a 0,5mm, ou seja, valores máximos, ou
característicos, consideráveis.

2.2. Comportamento à flexão

Após a análise da resposta estrutural do elemento de betão armado sujeito ao efeito axial,
examina-se de seguida o comportamento de uma viga sujeita ao efeito de flexão.

Quando um elemento de betão estrutural se encontra sujeito a um efeito de flexão simples


ocorre a rotação das secções em torno do alinhamento definido pelo eixo do centro geométrico,
com curvatura constante ao longo do elemento. A rotação, na fase elástica, é uniforme ao
longo do elemento e directamente proporcional ao valor do momento flector. Tal deixa de se

14
verificar quando se inicia o processo de formação de fendas, pois a distribuição de curvaturas
passa a ser variável.

Assim, no caso da flexão pode observar-se pela Figura II. 5 que existe uma resposta
estrutural semelhante ao verificado para o caso da tracção, mas para as variáveis
correspondentes, em que se define a curvatura média no elemento como deformação
associada ao momento.

Figura II. 5 – Relação Momento-Curvatura para as várias fases da estrutura no caso de flexão simples

Observa-se que o comportamento é elástico linear até se atingir o momento de fissuração,


Mcr, e que, na abertura de cada fenda, ocorre uma modificação de estado de tensão na zona
das fendas, com a ascensão da linha neutra para a posição correspondente ao estado
fendilhado (Estado II) e com o aumento da curvatura como se constata na figura.

Na flexão o espaçamento de fendas é menor do que o verificado em tracção pura, pois a


concentração das tracções ocorre numa zona mais localizada da secção sendo mais eficiente a
transmissão das tensões do aço ao betão, como se analisará no subcapítulo 2.4.1.

Após a fendilhação, o comportamento médio de um elemento submetido à flexão encontra-


se limitado entre os Estados I e II. A fendilhação induz uma perda de rigidez por flexão
associada a um aumento de curvatura, sendo que o comportamento do Estado I corresponde
ao seu limite inferior e o Estado II ao seu limite superior, de uma forma em tudo equivalente ao
que se verifica para o comportamento à tracção.

A curvatura média do elemento pode assim ser estimada pela expressão II.5 proposta por
Jacoud e Favre [19].

15
1 𝑀 𝜀 𝑠𝑚 −𝜀 𝑐𝑚 1 1
= = ≅ 1−𝜁 +𝜁 (II.5)
𝑟𝑚 𝐸𝐼𝑚 𝑑 𝑟𝐼 𝑟 𝐼𝐼

Em que 𝜁 é um coeficiente de repartição sempre inferior a 1 e dado por uma expressão do


tipo:

𝑀𝑐𝑟 2
𝜁 =1−𝛽 (II.6)
𝑀

Em que 𝛽 tem o mesmo significado referido para a tracção.

Verifica-se que as perdas de rigidez por fendilhação são menores no caso da flexão, por
comparação com a situação de tracção, pois esta só se verifica na zona traccionada e a
curvatura é uma média das deformações das zonas comprimidas e traccionadas.

2.2.1. Deformação imposta com efeito de flexão

No que diz respeito a uma deformação imposta de flexão num elemento de betão estrutural
pode observar-se pela Figura II. 6 que existe uma resposta estrutural semelhante ao observado
para o caso da deformação imposta axial de um tirante.

Figura II. 6 – Deformação imposta de flexão actuando isoladamente

Verifica-se que as etapas do mecanismo de fendilhação são as mesmas que se observam


na flexão simples e que, após a formação de cada nova fenda, ocorre um decréscimo do
esforço.

16
Como se pode observar nos exemplos da Figura II. 7, uma deformação imposta com efeito
de flexão pode ocorrer quando se dá uma variação diferencial de temperatura ou um
assentamento diferencial de apoio que podem provocar fendas se os esforços gerados
atingirem os de fendilhação.

Figura II. 7 – Exemplos de deformação imposta com de flexão a) variação diferencial de temperatura, b)
assentamento de apoio

Um aspecto que diferencia em parte a resposta por flexão ou tracção quando submetidos a
uma deformação imposta é que, se no caso a) da figura anterior em que o diagrama de
esforços da deformação imposta é constante, como no caso usual da tracção, na situação b)
da mesma figura, bem mais corrente na prática, verifica-se que o diagrama de momentos tem
uma variação linear fazendo com que os efeitos da deformação imposta se concentrem numa
zona mais limitada (neste caso junto ao apoio). Nestes casos, o efeito da deformação imposta
mesmo actuando isoladamente pode fazer com que se chegue a atingir a fase de fendilhação
estabilizada naquela zona. Assim, nas situações de flexão, normalmente, os efeitos das acções
indirectas, concentram-se em determinadas zonas da estrutura, ao contrário da resposta
estrutural para situações de tracção, onde há claramente tendência para a uniformidade dos
efeitos das acções ao longo do elemento.

2.2.2. Conceito da armadura mínima para o efeito de flexão

Anteriormente descreveu-se o conceito da armadura mínima para a deformação imposta axial.


Para o efeito de flexão, o raciocínio é análogo, pois por meio do critério de não plastificação,
obtêm-se a armadura mínima para o caso de se tratar de uma deformação imposta de flexão:

1
𝐹𝑡 ≤ 𝑁𝑦𝑘 𝐴𝑐𝑡 × 𝑓𝑐𝑡 ≤ 𝐴𝑠 × 𝑓𝑦𝑘 (II.7)
2

17
1 𝑓𝑐𝑡
𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 2 𝐴𝑐𝑡 × (II.8)
𝑓𝑦

𝑏×𝑕
Onde 𝐹𝑡 , é a força de tracção no betão e 𝐴𝑐𝑡 = , é a área de betão na zona traccionada.
2

A Figura II. 8 apresenta o diagrama de tensões numa secção de betão armado, de um


elemento sujeito à flexão, imediatamente antes e após fendilhar.

Figura II. 8 – Diagramas de tensões na secção imediatamente antes e após fendilhar

Assim, em rigor, a armadura mínima de flexão, referida à área total da secção, é obtida da
seguinte forma:

2 𝐴𝑐 1 2
𝑀𝑐𝑟 = 𝐹𝑇 × 3 𝑕 = × 2 𝑓𝑐𝑡 × 3 𝑕 = 𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 × 𝑓𝑠𝑦𝑘 × 𝑧 (II.9)
2

Tomando-se arbitrariamente 𝑧 = 0,9𝑑 = 0,9 × 0,9𝑕, temos que:

1
𝐴𝑐 𝑓𝑐𝑡 = 0,81𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 𝑓𝑠𝑦𝑘 (II.10)
6

Ou em termos de definição de armadura mínima de flexão:

1 𝑓𝑐𝑡𝑚 1𝑓
𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 ≅ 5 𝐴𝑐 𝑓 𝑦𝑘
𝜌𝑚𝑖𝑛 = 5 𝑓𝑐𝑡 (II.11)
𝑦

Logo, verifica-se que a percentagem de armadura mínima para o caso da flexão pura
equivale a cerca de 20% da correspondente à tracção simples, mas a colocar somente na face
mais traccionada da secção.

Um aspecto a salientar consiste no facto da resistência do betão quando solicitado à tracção


simples ser inferior ao considerado à flexão pura. Esta característica deve-se ao facto de que
na flexão, devido à curvatura da peça, as fibras mais distantes do centro de gravidade, sujeitas
a tensões superiores, são restringidas pelas fibras mais próximas do centro de gravidade. A
secção 3.1.8 do Eurocódigo2 [16] apresenta uma expressão para calcular a resistência do

18
betão à tracção no caso da flexão relacionando-a com a resistência à tracção axial que é a
seguinte:

𝑓𝑐𝑡𝑚 ,𝑓𝑙 = 𝑚á𝑥 1,6 − 𝑕/1000 𝑓𝑐𝑡𝑚 ; 𝑓𝑐𝑡𝑚 (II.12)

Em que h é a altura do elemento em milímetros. Por esta expressão verifica-se que a


resistência do betão à flexão é superior à considerada à tracção.

2.3. Distinção do tipo de deformação imposta axial: interna e externa

Uma deformação imposta externa, como é o caso da variação de temperatura, é aplicada a


toda a secção, aço e betão, ao passo que a deformação imposta interna, como é o caso da
retracção, é aplicada somente num dos materiais da peça, o betão. As características de
resposta estrutural têm algumas afinidades, mas existem diferenças mais ou menos relevantes
que interessa explicitar. Essas diferenças foram recentemente expostas por Alvarez [1], Marti
[27] e Luís [25] e são resumidas na Figura II. 9.

Figura II. 9 – Comparação de resultados entre deformação imposta externa (a) e a retracção do betão (b) [11]

Para uma situação de deformação imposta global cada nova fenda forma-se para um valor
de esforço axial próximo de Ncr, enquanto no caso da retracção do betão o esforço axial
resultante para formar cada nova fenda tem tendência a ser inferior a Ncr e menor do que o
valor da anterior fenda. Tal facto é justificado pelo efeito restritivo da acção da armadura
relativamente ao livre encurtamento do betão, gerando tensões auto-equilibradas na secção,
com tracção no betão e compressão no aço, conforme se pode observar na Figura II. 10. Estas
tensões no betão, que aumentam à medida que se processa o fenómeno da retracção, é tal
que diminui a reserva para que se atinja de novo a tensão de resistência do betão e,

19
consequentemente, o valor de esforço axial na abertura de cada nova fenda. O campo auto-
equilibrado de tensões que se vai gerando no elemento faz diminuir a máxima tensão na
armadura à medida que a situação se vai processando e formando-se as fendas.

Figura II. 10 – Distribuição de tensões numa secção sujeita ao efeito da retracção num elemento estrutural inserido
numa estrutura hiperstática [25]

O desenvolvimento das tensões auto-equilibradas, com o aumento da deformação imposta


ocorre segundo uma relação proporcional à rigidez da armadura, resultando com que os picos
de tensão nas armaduras para o caso da deformação imposta interna sejam inferiores às do
caso da acção externa (ver Figura II. 9 b).

De salientar que a diminuição da tensão na armadura não corresponde necessariamente a


uma redução da abertura de fenda para a mesma deformação imposta, pois, simultaneamente,
o encurtamento do betão relativamente à armadura também contribui para o aumento da
abertura de fenda, como se discutirá mais adiante.

®
Luís [25], com o auxilio de um programa de cálculo de análise não linear, ATENA ,
examinou o efeito das acções indirectas, deformações impostas interna e externa, quando
actuadas isoladamente. O estudo foi baseado na situação apresentada na Figura II. 11, no qual
o elemento de betão armado apresenta uma armadura disposta de forma simétrica
relativamente ao seu eixo de desenvolvimento e que se encontra fixo em ambas as
extremidades.

20
Figura II. 11 – Modelo base utilizado no estudo [25]

Luís [25] analisou as características de comportamento estrutural desse elemento para 5


diferentes casos de disposição de armadura conforme se pode observar na Tabela II. 1. O caso
1 corresponde à armadura mínima de tracção para um critério mínimo de não plastificação da
armadura.

Percentagem
Casos de de
As,adoptado
análise
Armadura (%) C25/30:
2
1 8Ø10 (6,28 cm ) 0,52 Ec=30,5 GPa
2
2 7Ø12 (7,92 cm ) 0,66 fct= 2,5 MPa
2
3 9Ø12 (10,18 cm ) 0,85 A500:
2
4 11Ø12 (12,44 cm ) 1,04 Es=200 GPa
2
5 10Ø16 (20,11 cm ) 1,68 fyk=500 MPa
Tabela II. 1 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise [25]

Seguidamente, apresentam-se os resultados e as conclusões das análises efectuadas para


a acção isolada da deformação imposta, quer externa, quer interna.

2.3.1. Deformação imposta externa

Apresentam-se na Figura II. 12 os resultados obtidos para a resposta a uma deformação


imposta exterior, como é o caso da variação de temperatura, actuando isoladamente para
quatro dos casos enunciados anteriormente.

21
Figura II. 12 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta externa [26]

As diferentes fases do processo da aplicação da deformação imposta são observadas no


gráfico anterior: a fase elástica, a de formação de fendas, fendilhação estabilizada e formação
do patamar de cedência. Em todos os casos ocorre um comportamento inicial elástico que se
prolonga até à abertura da primeira fenda; nessa fase praticamente só o betão é responsável
pela resposta do elemento.

Verifica-se que, em todas elas a quantidade de armadura é superior à necessária para


evitar a plastificação, tendo-se formado sempre várias fendas.

Depois de se formar a primeira fenda observa-se que quanto maior for a percentagem de
armadura menores são as perdas de esforço axial na formação de cada fenda. É expectável
esse tipo de comportamento, visto que uma maior percentagem de armadura equivale a uma
maior rigidez na zona fendilhada e, por conseguinte, do tirante no seu conjunto.

Também quanto maior é a quantidade de armadura mais fendas se formam para um


determinado intervalo de deformação e verifica-se que, comparativamente com percentagens
de armadura inferiores, o final do processo de formação de fendas ocorre para valores de
extensão inferiores. De facto verifica-se que a inclinação do estado II é maior para quantidades
de armaduras superiores, limitando a fase de formação de fendas a extensões menores.

Durante a fase de fendilhação estabilizada observa-se que o nível de tracção cresce


paralelamente à rigidez do estado II até a armadura atingir a cedência. Verifica-se também que
nesta fase a contribuição do betão entre fendas (distância entre a resposta estrutural e a
rigidez no estado II) é muito idêntica para os casos enunciados e que quanto maior a
percentagem de armadura maiores são os esforços axiais nesta fase.

22
Na Figura II. 13 estão representadas as tensões na armadura em todo o comprimento do
elemento, para valores de extensão próximos de 0,3 e 0,5‰, os quais correspondem a
máximos de tensão, para o caso 4 (ρ=1,04%).

Figura II. 13 – Estado do elemento estrutural e respectivas tensões, para extensões próximas de 0,3 e 0,5‰, para o
caso 4 [11]

Nas secções fendilhadas os valores da tensão na armadura são muito semelhantes entre si,
sendo estaticamente equivalentes ao esforço axial global. Depois de se formar uma nova
fenda, a tensão em todos os picos sofre um igual decréscimo, equivalente às quebras de
esforço axial global, mas após a abertura da fenda e continuando a aumentar a extensão, estes
pontos atingem novamente um valor de tensão idêntica à verificada na fenda anterior. O nível
de tensões nas armaduras, entre fendas consecutivas, aumenta à medida que a distância entre
fendas diminui.

Na Figura II. 14 apresenta-se a evolução das tensões nas armaduras e das aberturas de
fendas observadas nalgumas secções. Observa-se que o aumento da tensão na armadura
antes de se formar a primeira fenda ocorre segundo a relação E sεimp e após a formação da
fenda verifica-se um salto de tensão na armadura devido ao facto de deixar de haver
participação do betão, Estado II. No entanto, devido à diminuição do esforço axial, aquando da
abertura de uma fenda, a armadura só atinge o valor máximo mesmo antes da formação da
fenda subsequente.

23
Figura II. 14 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da extensão média, caso 4
[26]

2.3.2. Deformação imposta interna – retracção do betão

Apresentam-se na Figura II. 15 os resultados obtidos para a resposta a uma deformação


imposta interna, actuando isoladamente para quatro dos casos enunciados anteriormente. Tais
®
resultados foram obtidos por Luís [25], com o auxílio do programa ATENA , simulando a acção
de uma deformação imposta somente ao nível do betão.

Figura II. 15 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta interna [26]

24
Da análise do gráfico verifica-se novamente um comportamento elástico na fase inicial,
embora a fendilhação ocorra para um esforço um pouco inferior. O fim da fase de formação de
fendas ocorre para valores de extensão idênticos aos verificados para a deformação imposta
externa, mas com um nível de esforço axial inferior.

Observa-se que durante o processo de fendilhação o esforço axial tende a reduzir


progressivamente, notando-se que cada nova fenda forma-se para um esforço axial inferior ao
verificado na abertura da fenda anterior.

À semelhança do ponto anterior, na Figura II. 16 apresentam-se as tensões instaladas na


armadura, ao longo de todo o comprimento do elemento, para os mesmos valores de extensão
próximos de 0,3 e 0,5‰, no caso 4 (ρ=1,04%).

Figura II. 16 – Estado do elemento estrutural e suas tensões, para extensões próximas de 0,3 e 0,5‰, para o caso 4
[11]

Com o aumento continuado da extensão interna imposta, os máximos de tensão nas


armaduras acontecem para valores inferiores aos verificados na abertura da fenda anterior.
Assim, neste tipo de acção isolada, durante o processo de formação de fendas a tensão na
armadura nunca irá atingir novamente o valor de início de fendilhação, σsr, e, analogamente, o
tirante também não atingirá mais o esforço axial de fendilhação, N cr. Observa-se ainda que na
zona entre fendas, a armadura encontra-se comprimida e que, à medida que a extensão no
elemento cresce, a compressão nas armaduras aumenta.

Na Figura II. 17 apresenta-se a evolução das tensões nas armaduras e das aberturas de
fendas.

25
Figura II. 17 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da extensão média para o
caso 4 [26]

Constata-se que o nível de tensão nas armaduras decresce e verifica-se que isso ocorre até
a um patamar de tensão constante, garantindo que caso não se verifique a cedência das
armaduras após a formação das primeiras fendas, esta não ocorrerá nem durante, nem após o
processo de formação de fendas. Verifica-se que esta diminuição se desenvolve segundo uma
relação de aproximadamente o inverso do módulo de elasticidade do aço (1/E s), em tudo
idêntico ao que se verifica para o esforço axial global. Esse facto verifica-se igualmente com a
armadura em zona não fendilhada, que se vai comprimindo com o mesmo andamento, até se
formar uma fenda.

Pode-se verificar assim que existem aspectos de comportamento para uma deformação
imposta interna ou externa que são idênticos, como a necessidade de uma armadura mínima
para garantir o processo de formação de fendas e, especialmente, que a ordem de grandeza
das aberturas de fendas em ambos os casos é semelhante apesar do nível de tensões nas
armaduras diminuir no caso da acção de retracção do betão. Este aspecto é muito importante
porque mostra que em termos de controlo da abertura de fendas a diferença entre o facto da
deformação imposta ser externa ou interna é pouco relevante.

26
2.4. Cálculo da armadura mínima de acordo com o EC2 [16]

O Eurocódigo2 [16] apresenta uma formulação que possibilita calcular a área mínima de
armadura necessária para o controlo da fendilhação num elemento sujeito a tensões de tracção
devidas ao impedimento das deformações impostas. Essa formulação, para o cálculo da
armadura mínima, considera quer o caso de deformação imposta axial, quer o caso de
deformação imposta de flexão, de forma a garantir que a estrutura não apresente aberturas de
fendas não controladas. Nesse documento na parte 1, na secção 7.3.2, a expressão para esse
cálculo é a seguinte:

𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓
𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 𝑘𝑐 × 𝑘 × 𝐴𝑐𝑡 × (II.13)
𝜍𝑠

em que,

As,min é a área mínima de armaduras para o betão armado na zona traccionada;

Act é a área de betão traccionado, antes da abertura da primeira fenda;

𝜍𝑠 é o valor da tensão máxima admissível na armadura logo após a formação da fenda.


Poderá tomar no máximo o valor da tensão de cedência, fyk. No entanto, quando se
pretende fazer um controlo de abertura de fendas sem cálculo directo (será abordado no
subcapítulo 2.4.1), segundo a secção 7.3.3 (2), este valor tem que respeitar o disposto na
Tabela II. 2, sendo que, quando a fendilhação é provocada predominantemente por
deformações impostas somente a condição de limitação do diâmetro máximo dos varões
é válida;

Tensão no Diâmetros máximos dos varões (mm) Espaçamentos máximos dos varões (mm)
aço
[MPa] wk=0,40 mm wk=0,30 mm wk=0,20 mm wk=0,40 mm wk=0,30 mm wk=0,20 mm

160 40 32 25 300 300 200


200 32 25 16 300 250 150
240 20 16 12 250 200 100
280 16 12 8 200 150 50
320 12 10 6 150 100 -
360 10 8 5 100 50 -
400 8 6 4 - - -
450 6 5 - - - -
Tabela II. 2 – Quadro 7.2N e 7.3N do EC2 [16] – limitação da tensão no aço, para efeitos de controlo de abertura
máxima de fenda, admitindo a situação de flexão (diâmetros equivalentes)

𝑓𝑐𝑡 é o valor médio da tensão de resistência à tracção do betão, à data que se prêve que
possam formar as primeiras fendas. Normalmente assume-se 𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓 = 𝑓𝑐𝑡𝑚 ;

k considera o efeito da distribuição não uniforme das tensões auto-equilibradas, que por
gerarem tracções, implicam uma diminuição da resistência efectiva à tracção, fct,ef. Este

27
valor varia com a espessura ou altura do elemento, conforme apresentado na Figura II.
18.

Figura II. 18 – Variação de k em função da espessura, h [16]

kc considera a distribuição de tensões na secção imediatamente antes da abertura da


primeira fenda, englobando não só a tracção (para tracção simples k c=1,0), mas também
a flexão simples e composta. Para o caso de secções rectangulares no caso da flexão
simples kc=0,4, no caso da flexão composta (em particular para o caso da secção pré-
esforçada) kc é definido pela expressão II.14;

𝜍𝑐
𝑘𝑐 = 0,4 × 1 − 𝑕 ≤1 (II.14)
𝑘1 𝑓
𝑕 ∗ 𝑐𝑡

Na qual,

𝜍𝑐 é a tensão média do betão existente na parte da secção considerada, tal que:

𝑁𝐸𝑑
𝜍𝑐 = (II.15)
𝑏𝑕

NEd é o esforço normal no estado limite de utilização, actuando na parte da secção


considerada (positivo para um esforço de compressão). N Ed deve ser determinado
considerando os valores característicos do pré-esforço e dos esforços normais para a
combinação de acções apropriada.

𝑕 é a espessura ou altura da secção;

𝑕∗ para h menor que 1m corresponde a h*=h, e para h maior ou igual a 1m corresponde


a h*=1;

𝑘1 é o coeficiente que considera os efeitos dos esforços normais na distribuição de


tensões:

k1=1.5, se NEd for um esforço de compressão;

28
2𝑕 ∗
𝑘1 = , se NEd for um esforço de tracção.
3𝑕

Na Figura II. 19 apresenta-se um gráfico que ilustra a aplicação da expressão II.14 para três
secções tipo em função da tensão média.

Figura II. 19 – Estimativa do parâmetro kc, em função da tensão média no elemento [25]

Observa-se que os valores de k c mantêm-se para diferentes tipos de geometria


exceptuando para o caso em que a altura do elemento (h) toma valores importantes. Verifica-
se que para tracções médias superiores ao esforço axial de fendilhação, o valor de kc é unitário
e que, no caso de compressões, a redução é ainda considerável.

Estas disposições regulamentares destacam a relevância que as deformações impostas


devem ter no dimensionamento e pormenorização das armaduras para garantir um adequado
controlo da abertura de fendas ficando claro que para evitar abertura de fendas não
controladas no betão armado há que garantir a não plastificação das armaduras. Fica também
claro que para o limite de abertura de fendas a valores de wk=0,3mm as exigências de
quantidades de armaduras são bem superiores à mínima, pois devem ser calculadas para
tensões da ordem de 300MPa de acordo com o quadro da Tabela II. 2. Salienta-se ainda que
este quadro foi desenvolvido para a flexão e que para a tracção a situação é mais
desfavorável.

2.4.1. Controlo da abertura das fendas segundo o EC2 [16]

Como já mencionado, as limitações para a abertura de fendas visam assegurar que a estrutura
possa cumprir adequadamente as funções para as quais foi projectada e ainda que tenha uma
durabilidade adequada.

A armadura mínima é essencial para se formarem várias fendas, mas pode não ser
suficiente para o controlo da abertura de fendas. A quantificação da abertura de fenda é

29
complicada, em vista, da complexidade em modelar o comportamento na zona das fendas. Na
Figura II. 20 apresenta-se o diagrama tipo de tensões num elemento sujeito à tracção na fase
de formação de fendas.

Figura II. 20 – Equilíbrio de tensões ao longo do elemento, na fase de formação de fendas [25]

Observa-se que a distribuição de tensões no elemento variam entre o estado I e o estado II,
sendo que, nas zonas fissuradas encontra-se em estado II e as secções que se apresentam a
uma distância maior ou igual que l0 da fenda encontram-se em estado I. No comprimento l0,

constata-se que a distribuição de tensões nos materiais varia rapidamente entre o estado I e II.
Esta transição ocorre por mobilização da ligação entre o aço e o betão, gerando-se tensões de
aderência entre os dois materiais que diminuem desde a zona da fenda até se efectuar a
transferência de tensões da armadura para o betão, ao longo desse comprimento. Assim, a
distância l0 denomina-se de comprimento de transferência de tensões.

Como a abertura de fenda é uma característica do comportamento estrutural que tem uma
grande variabilidade, só é possível, efectuar uma estimativa da abertura de fenda, sendo o seu
valor característico, segundo o Eurocódigo 2 [16], dado pela expressão:

𝑤𝑘 = 𝑆𝑟,𝑚𝑎𝑥 (𝜀𝑠𝑚 − 𝜀𝑐𝑚 ) (II.16)

Logo, esta estimativa da abertura de fendas consiste na multiplicação de dois parâmetros, o


espaçamento entre fendas e a extensão média relativa entre o aço e o betão entre fendas.

O espaçamento entre fendas é um parâmetro que depende da transmissão de tensão entre


o aço e o betão, logo, depende de l0. O comprimento, l0, necessário para que ocorra a

transferência de tensões de modo a se poderem formar novas fendas é dado por:

30
𝑙0
𝑁𝑟 = 0
𝜏𝑏 × 𝜋∅ × 𝑑𝑥 𝐴𝑐,𝑒𝑓 × 𝑓𝑐𝑡 = 𝜏𝑏𝑚 × 𝜋∅ × 𝑙0 (II.17)

Nr corresponde à resultante das tensões de tracção no betão na zona envolvente ao aço,


como se pode observar na figura seguinte.

Figura II. 21 – Transmissão de tensões ao longo do comprimento l0 [25]

Logo, o comprimento médio de transferência de tensões aço/betão é obtido da seguinte


expressão:

𝐴𝑐,𝑒𝑓 𝑓𝑐𝑡 ∅ 1 ∅
𝑙0 = 𝜋 ∅2
× × = ×𝑘× (II.18)
𝜏 𝑏𝑚 4 4 𝜌 𝑒𝑓
4

Na qual, k, é um coeficiente que representa as características médias de aderência


(𝑘 = 𝑓𝑐𝑡 /𝜏𝑏𝑚 ).

Como se constata da observação da Figura II. 20 é de prever que sempre que uma nova
fenda se forme, esta aconteça nas zonas em estado I, ou seja, para além do comprimento l0.

Logo, l0, corresponde à menor distância possível entre fendas, sendo que o EC2 [16] apresenta

uma fórmula para essa distância semelhante à de l0, que é a seguinte:


𝑆𝑚𝑖𝑛 = 0,25𝑘1 𝑘2 (II.19)
𝜌 𝑒𝑓

Mas, o mesmo regulamento, avalia a abertura característica de fendas com base numa
expressão de espaçamento máximo entre fendas:

∅ ∅
𝑆𝑟,𝑚𝑎𝑥 = 1,7 × (2𝑐 + 0,25𝑘1 𝑘2 ) = 3,40𝑐 + 0,425𝑘1 𝑘2 (II.20)
𝜌 𝑒𝑓 𝜌 𝑒𝑓

31
Onde,

𝑐 representa o recobrimento das armaduras;

𝑘1 é o coeficiente que contabiliza as propriedades de aderência das armaduras, cujo valor é


0,8 para varões de alta aderência (nervurados ou rugosos) e 1,6 para varões lisos;

𝑘2 é o coeficiente que tem em consideração a forma de distribuição de extensões na


secção, e que toma o valor de 0,5 para flexão, 1,0 para tracção simples e para a flexão com
𝜀 1 +𝜀 2
tracção, , onde 𝜀1 e 𝜀2 representam a maior e menor extensão das fibras extremas da área
2𝜀 1

traccionada;

∅ é o diâmetro dos varões, sendo que, no caso de serem utilizados, na mesma secção
transversal, varões com diâmetros diferentes, deve ser utilizado na expressão um diâmetro
𝑛 𝑖 ∅2𝑖
equivalente ∅𝑒𝑞 = , em que 𝑛𝑖 é o número de varões de diâmetro ∅𝑖
𝑛 𝑖 ∅𝑖

𝐴𝑠
𝜌𝑒𝑓 = , na qual a área efectiva, que representa a zona de betão mobilizada por
𝐴𝑐,𝑒𝑓

aderência, é calculada pela seguinte expressão:

𝐴𝑐,𝑒𝑓 = 𝑏 × 𝑕𝑐,𝑒𝑓 (II.21)

Na qual,

𝑕𝑐,𝑒𝑓 = min⁡2,5 𝑕 − 𝑑 ; 𝑕 − 𝑥 3 ; 𝑕 2 (II.22)

Sendo que 𝑥 é a altura da zona comprimida, para o caso da flexão e d é a distância do


centro da armadura de um lado da secção à superfície do betão do outro lado. O EC2 [16]
apresenta alguns casos típicos para obtenção de h c,ef, conforme se apresenta na figura
seguinte.

32
Figura II. 22 – Secções efectivas de betão traccionado [16]

A expressão do espaçamento máximo entre fendas (expressão II.20) é equivalente à do


espaçamento mínimo (expressão II.19) multiplicada por 1,7 e na qual 2c é um termo corrector
que leva em conta o facto da abertura de fendas na face do betão ter tendência a ser maior à
do nível da armadura (ver Figura II. 21). Também se verifica que, quanto menor o diâmetro dos
varões e maior a quantidade de armadura, na área efectiva, menor a distância entre fendas.

No que concerne à extensão média relativa entre o aço e o betão entre fendas, o mesmo
regulamento apresenta a seguinte expressão para a sua avaliação:

𝜍𝑠 𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓 (1+𝛼 𝑒 𝜌 𝑒𝑓 ) 𝜍𝑠
𝜀𝑠𝑚 − 𝜀𝑐𝑚 = − 𝑘𝑡 ≥ 0,6 (II.23)
𝐸𝑠 𝐸𝑠 𝜌 𝑒𝑓 𝐸𝑠

Onde,

𝛼𝑒 = 𝐸𝑠 𝐸𝑐𝑚 , é o coeficiente de homogeneização;

𝑘𝑡 é um factor que tem em conta a duração das cargas. Tomando o valor de 0,6 para
acções de curta duração e 0,4 para acções de longa duração.

Pela expressão de cálculo da abertura de fendas, II.16, e pelas expressões de espaçamento


máximo entre fendas, II.20, e de extensão média relativa entre o aço e o betão entre fendas,
II.23, pode-se concluir que a abertura de fendas depende essencialmente da tensão na
armadura, σs, do diâmetro dos varões, Ø e da percentagem da armadura, na área efectiva, ρef.
Fisicamente, tal é expectável, pelo facto de que, após a formação da fenda, a resposta nessa
zona será afectada essencialmente pela extensão (ou tensão) na armadura, a distância entre

33
fendas dependerá do diâmetro do varão porque tal determina a superfície de contacto entre o
betão e o aço e consequentemente a transmissão de tensões entre os dois materiais e a
quantidade de armadura na zona de betão mobilizada por aderência facilita a transmissão de
tensões.

Verifica-se que uma forma simples de efectuar o controlo da abertura de fendas, sem
cálculo directo, consiste em controlar dois dos parâmetros atrás referidos (σs e Ø). Como já foi
referido, no caso das deformações impostas esse controlo é feito assegurando que os
diâmetros dos varões e as tensões nas armaduras não ultrapassem os valores da Tabela II. 2,
obtendo-se assim a quantidade de armadura condicionada por esses parâmetros. De salientar,
que os valores de diâmetro máximo apresentados na Tabela II. 2 devem ser corrigidos, com o
objectivo de respeitar as seguintes situações:

Para elementos solicitados por flexão, ou flexão composta:

𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓 𝑘 𝑐 𝑕 𝑐𝑟
∅𝑠 = ∅∗𝑠 (II.24)
2,9 2 𝑕−𝑑

E para elementos solicitados à tracção simples:

𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓 𝑕 𝑐𝑟
∅𝑠 = ∅∗𝑠 (II.25)
2,9 8 𝑕−𝑑

Nestas expressões, ∅𝑠 é o diâmetro a adoptar, ∅𝑠∗ o diâmetro lido na Tabela II. 2 e hcr a
espessura da zona de tracção imediatamente antes da fendilhação, considerando os valores
característicos de pré-esforço e esforços axiais sob a combinação quase-permanente de
acções.

De facto, a verificação do estado limite de abertura de fendas deve, em geral, ser realizada
de forma directa avaliando explicitamente a abertura pela expressão II.16.

2.5. Deformação imposta em paredes laterais – efeito axial

Outros casos em que as deformações impostas geram um efeito axial são os muros de suporte
e paredes laterais de caves de edifícios. As fundações, em geral mais espessas, restringem o
livre encurtamento das paredes sob o efeito das deformações impostas, resultando no
aparecimento tracções nas paredes. Estas tensões têm uma pequena variação em altura,
tendendo para uma distribuição quase uniforme na zona central, como se pode observar na
Figura II. 23.

34
Figura II. 23 – a) geometria geral da parede; b) distribuição de tensões antes de formar a 1ªfenda; c) Resultante das
tensões longitudinais antes de formar a 1ª fenda [32]

Assim, constata-se que, o comportamento elástico da parede sujeita a deformação imposta


é semelhante ao de um tirante restringido nas extremidades. Esta semelhança fica melhor
quantificada na Figura II. 24, na qual se observa que a uniformização das tensões, na zona
central da parede lateral, é tanto mais significativa quanto maior for o seu comprimento em
relação à altura.

Figura II. 24 – Comparação de distribuição de tensão no centro das paredes com as dum tirante em função da razão
l/b [19]

Devido a estas características elásticas do comportamento das paredes laterais, a área de


armadura mínima necessária é usualmente avaliada pelo mesmo procedimento que é aplicado
para um tirante restringido nas extremidades. Assim, essa área de armadura mínima é dada

35
pela expressão II.13, em que 𝑘 = 𝑘(𝑕), sendo h a espessura das paredes laterais e 𝑘𝑐 = 1,0
para tracção pura.

Logo, a área de armadura mínima em paredes laterais é definida pela seguinte expressão:

𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓 𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓
𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 𝑘𝑐 × 𝑘 × 𝐴𝑐𝑡 × = 1,0 × 𝑘 𝑕 × 𝑕 × 𝑐𝑚2 𝑚 (II.26)
𝜍𝑠 𝑓 𝑦𝑘

Segundo Luís [26], depois da formação da primeira fenda transversal e consequente perda
de rigidez longitudinal, a resultante de tensões transversais na parede aquando da formação de
uma segunda fenda deixa de apresentar um valor aproximadamente constante ao longo desse
elemento (ver Figura II. 25). O mesmo autor verificou também que, à medida que a deformação
imposta evoluía, novas fendas eram formadas e que nas secções previamente fendilhadas o
nível de esforço axial não voltava mais a tomar o valor correspondente ao de fendilhação, mas
apenas cerca de metade desse valor.

Figura II. 25 – Características imediatamente antes da formação da 2ª fenda: a) Parede, b) Distribuição de tensões,
c) Resultantes de tensões, para um comportamento não linear [19]

Recentemente, Luís [26], através de uma análise não linear, e Teixeira [32], através de
análises lineares e um processo iterativo, estudaram a acção das deformações impostas em
paredes laterais. Em ambos os casos simulou-se uma parede com as seguintes características
geométricas (ver Figura II. 26): 30 metros de comprimento, 3 metros de altura e 0,3 metros de
espessura. A fundação da parede foi modelada com restrição total, pois o processo de
retracção da laje de fundo, no momento da betonagem da parede, encontra-se numa etapa
mais avançada e dá-se mais lentamente, devido à sua maior espessura e condições de
exposição ambiental mais desfavorável à evolução da retracção.

36
Figura II. 26 – Características geométricas da parede utilizada nas análises de Luís [26] e Teixeira [32]

Seguidamente, expõem-se os mais recentes critérios regulamentares do EC2 [17] para este
tipo de estrutura, para posteriormente se apresentar os resultados e as implicações das
conclusões de Luís [26] e Teixeira [32] sobre as características da resposta estrutural às
deformações impostas em paredes laterais.

2.5.1. Eurocódigo 2 – parte 3 [17]

Para o caso de reservatórios, o controlo da abertura de fendas apresentado pelo EC2 – parte 1
[16] é insuficiente para as exigências de estanquidade próprias à funcionalidade destas obras,
sendo necessário seguir as recomendações do EC2 – parte 3 [17], que cobrem aqueles
aspectos.

O EC2 – parte 3 [17] procede à classificação de reservatórios em função do grau de


exigência requerido em relação às fugas de água. Tal classificação encontra-se no quadro
7.105 do regulamento referido e apresenta-se na Tabela II. 3.

Classe de
Requisitos em matéria de fugas
estanquidade

0 Aceitável um certo nível de fuga, ou fuga de líquidos sem consequências.

Fugas limitadas a uma pequena quantidade. São aceitáveis algumas


1
manchas superficiais ou manchas de humidade.

2 Fugas mínimas. Aspecto não afectado por manchas.

3 Nenhuma fuga é permitida.


Tabela II. 3 – Classificação da exigência de estanquidade [17]

37
Assim, são escolhidos valores limites adequados para a fendilhação em função da
classificação do elemento estrutural. Na falta de requisitos mais específicos, a regulamentação
[17], propõe que se sigam as seguintes indicações:

 Para a Classe 0 poderão ser adoptadas as disposições de 7.3.1 do EC2 – parte 1 [16];
 Para a Classe 1 deve ser limitada a wk1 a largura de quaisquer fendas que se preveja
atravessarem a espessura total da secção ou então deve ser limitada ao estipulado em
7.3.1 [16], com um valor da altura da área comprimida de pelo menos Xmin (fissuras não
transversais, sendo recomendado o valor de 50mm), calculada para a combinação
mais desfavorável e considerando a resistência de tracção do betão como nula;
 Para a Classe 2 há que evitar fendas que possam vir a atravessar a espessura total da
secção, a não ser que venham a ser adoptadas medidas adequadas (por exemplo,
revestimentos ou perfis de estanquidade);
 Para a Classe 3 são necessárias medidas especiais, tais como, revestimentos ou pré-
esforços, com o objectivo de garantir a estanquidade à água.

O valor de wk1 a respeitar é apresentado no anexo nacional de cada país. Os valores


recomendados para as estruturas de retenção de água são definidos como uma função da
relação entre a pressão hidrostática, hD e a espessura da parede da estrutura de contenção, h,
(ver Figura II. 27) tais que: para hD/h≤5, wk1=0,2 mm, enquanto para hD/h≥35, wk1=0,05 mm.
Para valores intermédios de hD/h, poderá efectuar-se uma interpolação linear entre 0,2 e 0,05.
A limitação da largura de fendas a estes valores deverá resultar numa auto-selagem eficaz das
fendas num período de tempo relativamente curto.

Figura II. 27 – Valores recomendados para a abertura wk1

As figuras 7.103N [17] e 7.104N [17], apresentadas nas Figura II. 28 e Figura II. 29,
respectivamente, fornecem os valores máximos dos diâmetros e dos espaçamentos dos varões
para diversas larguras de cálculo das fendas, no caso de secções totalmente traccionadas.

38
Figura II. 28 – Diâmetro máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função da tensão nas armaduras [17]

Figura II. 29 – Espaçamento máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função das tensões nas armaduras
[17]

Os máximos diâmetros das armaduras dadas pelo gráfico da Figura II. 28 devem ser
modificados através da expressão seguinte:

𝑓 𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓 𝑕
∅𝑠 = ∅∗𝑠 (II.27)
2,9 10 𝑕−𝑑

Onde,

∅𝑠 é o diâmetro máximo do aço já modificado;

∅𝑠∗ é o diâmetro máximo do aço obtido a partir da Figura II. 28;

h é a espessura total da parede;

39
d é a distância do centro de gravidade da camada exterior das armaduras à face oposta do
betão.

Desta expressão é importante salientar que, sendo em geral h-d da ordem de 4 a 5 cm, para
espessuras da ordem de 0,40m a 0,50m os valores dos diâmetros de referencia do quadro não
necessitam de adaptação mas que, para menores espessuras, as exigências são
significativamente maiores.

Das Figura II. 28 e Figura II. 29 constata-se que o grau de exigência em relação à tensão
admissível nas armaduras é elevado para valores de abertura característica de fendas da
ordem de 0,05mm a 0,1mm. Refira-se, ainda, que se tem valores da mesma ordem de
grandeza para os limites de tensões na armadura, para aberturas características de 0,2mm e
0,3mm, entre os apresentados no EC2 – parte 1 [16], para o controlo indirecto da abertura de
fendas (ver Tabela II. 2) e os apresentados no EC2 – parte 3 [17] (ver Figura II. 28). No
entanto, deve-se salientar que os valores do Quadro da parte 1 do EC2 foram avaliados para
situações de flexão (k2=0,5) e têm uma expressão de correcção para a tracção (expressão
II.25) com um 8 no denominador, em vez do 10, da relação na expressão II.27.

Parece-nos que, no caso de se querer adoptar o controlo indirecto de fendilhação por


efeitos de tracção, estes últimos gráficos deviam ser preferencialmente os utilizados porque
foram directamente preparados para a tracção (k 2=1,0).

2.5.2. Comportamento de paredes laterais

Os dois estudos [26, 32] efectuados sobre o comportamento de paredes laterais apontam para
conclusões no mesmo sentido no que diz respeito à variação das tensões em altura da parede
e à evolução da tensão média nas armaduras. Nos próximos parágrafos esses resultados
serão analisados e, posteriormente, apresentar-se-ão os resultados decorrentes da análise da
tensão na zona central da parede, desenvolvida por Teixeira [32].

Luís [26] estudou a resposta das paredes laterais à acção das deformações impostas
®
efectuando uma análise não linear, com o ATENA . Simulou no modelo analítico três situações
de distribuição da armadura, indicadas na Tabela II. 4, sendo que o caso 1 corresponde à
armadura mínima regulamentar, definida pela expressão II.26, e as restantes situações
correspondem a quantidades inferiores (caso 2) e superiores (caso3) a essa.

40
Betão:
Percentagem
Casos de de
As,adoptado Ec=30,5 GPa
análise
Armadura (%)
fct= 2,35 MPa
2
1 Ø12//0,15 (2x7,54 cm /m) 0,50 A500:
2
2 Ø10//0,15 (2x5,14 cm /m) 0,35 Es=200 GPa
2
3 Ø16//0,15 (2x13,41 cm /m) 0,89 fyk=500 MPa
Tabela II. 4 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise não linear de Luís [26]

Na Figura II. 30 apresenta-se, para o caso 1, a variação da resultante das tensões


longitudinais ao longo da parede à medida que a deformação imposta aumenta e o processo
de fendilhação evolui, notando-se a simetria do sistema. Cada linha corresponde à distribuição
do esforço axial, sendo de referir que os casos intitulados 1ª fenda (linha roxa) e 2ª fenda (linha
verde) correspondem às situações imediatamente antes da formação de uma nova fenda.

Figura II. 30 – Variação das resultantes de tensões ao longo da parede para o caso 1 [26]

Pela observação da figura verifica-se que a formação das fendas ocorre das extremidades
para o centro da parede, devido a picos de tensões de tracção na proximidade da zona de
ligação parede/fundação. Pode notar-se que, à medida que se formam as fendas, o esforço
axial não se mantém constante ao longo da parede, o que constitui um comportamento distinto
do verificado no tirante sujeito a uma deformação imposta axial. Neste último caso o esforço
axial, por equilíbrio, é necessariamente o mesmo em todas as secções, ao passo que na
situação das paredes laterais tal não acontece, porque a distribuição das tensões tangenciais e
normais em altura, ao longo dessas paredes, devido à ligação inferior parede/fundação,
distingue-se da que ocorre no tirante.

41
Analisando a Figura II. 30 constata-se, como já foi mencionado, que, com o crescimento da
deformação imposta, na zona das fendas anteriormente formadas, o nível de esforço axial
nunca retoma o valor correspondente ao de fendilhação, Ncr, tomando antes valores máximos
da ordem de grandeza de metade Ncr, como indicado na Tabela II. 5. É de salientar que para
deformações impostas elevadas o esforço axial resultante, dependente da quantidade de
armadura, converge para um valor quase uniforme ao longo da parede, sendo que no caso 1
esse valor corresponde a 1000 kN.

Deformação Deformação
Casos de imposta externa imposta interna
ρ (%)
Análise
N (kN) N/Ncr N (kN) N/Ncr

1 0,50 1000 0,47 850 0,40


2 0,35 850 0,40 720 0,34
3 0,89 1250 0,60 1020 0,48
Tabela II. 5 – Valores do esforço axial estabilizado (N) para os 3 casos analisados [26]

Verifica-se também que, quanto menor a quantidade de armadura, maior é o abaixamento


dos esforços globais nas zonas previamente fendilhadas, o que é expectável pois há uma
maior diminuição da rigidez. Também se conclui que o valor da deformação imposta, para
formar o mesmo número de fendas, é maior para quantidades de armadura menores, e isto
porque a diminuição da tensão e da rigidez, aquando da formação de uma nova fenda, são
maiores.

É interessante notar também que o esforço axial estabilizado no caso de a acção ser uma
deformação imposta interna é inferior ao que se verifica no caso de essa ser externa; tal é
explicado pela existência das tensões auto-equilibradas, exactamente pela mesma razão
constatada no subcapítulo 2.3. Na Figura II. 31 apresenta-se os resultados obtidos por Luís [26]
em relação à evolução da tensão nas armaduras (corresponde à média das tensões ao longo
da altura da parede) e a abertura de fendas nas secções previamente fendilhadas.

42
Figura II. 31 – Evolução da tensão média e abertura de fendas ao longo da parede para o caso 1, para deformação
imposta externa e interna respectivamente [26]

Os resultados apresentados revelam que antes da formação da primeira fenda ocorre uma
pequena variação de tensão na armadura, a qual se deve ao comportamento elástico da
secção. Quando se forma a primeira fenda observa-se um aumento significativo da tensão,
apesar da queda do esforço axial global, conforme também ocorre no caso do tirante. Há
também uma diminuição ligeira da tensão no aço quando se forma uma nova fenda, de uma
forma semelhante ao caso do tirante. Na Figura II. 31 também se verifica que os níveis de
abertura de fendas são da ordem de 0,20mm e que esses valores são semelhantes para
ambos os casos de deformação imposta. É de notar que os níveis de tensão nas armaduras
para os dois tipos de deformação imposta (externa e interna) são inferiores aos que se
verificam no tirante e à tensão de cedência, mesmo para a situação em que se adopta uma
quantidade de armadura inferior à mínima (caso 2), aspecto realçado por Luís [26].

Estas características de comportamento devem ter repercussões no dimensionamento das


armaduras, para assegurar a satisfação das exigências funcionais para este tipo de estrutura.
Nesse sentido, e com o fim de compreender melhor estas características de comportamento,
Teixeira [32], efectuou um estudo, para uma parede com o mesmo tipo de geometria mas
®
recorrendo a uma análise linear, com o SAP2000 para a variação diferencial de temperatura
entre a parede e a base, e, procedeu à modelação da perda de rigidez da zona onde as fendas
se vão formando de uma forma simplificada. Para tal, fez actuar uma diminuição de
temperatura na parede até se atingir numa dada secção uma resultante de tensões axiais
correspondentes ao inicio da fendilhação, tendo constatado que seria na secção do meio
parede. Após atingir o valor de Ncr, Teixeira [32] teve em conta indirectamente a não
linearidade do comportamento do elemento no modelo, simulando a perda de rigidez nessa

43
zona. A avaliação da perda de rigidez baseou-se num modelo simplificado da abertura de
fendas, referido por Favre [19], onde se admite que na zona da fenda, e num comprimento de
0,35l0 para cada lado, a rigidez do elemento só depende das armaduras, rigidez em Estado II.

Na Tabela II. 6 apresentam-se as quantidades de armadura consideradas para cada caso


de parede estudada, sendo que a armadura no caso 1 corresponde à mínima regulamentar.

Betão:
Casos de
As,adoptado ρef(%) Ec=30,5 GPa
análise
fctm= 2,6 MPa
2
1 Ø10//0,10 (2x7,85 cm /m) 0,785 A500:
2
2 Ø10//0,15 (2x5,24 cm /m) 0,524 Es=200 GPa
2
3 Ø12//0,10 (2x11,31 cm /m) 1,131 fyk=500 MPa
Tabela II. 6 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise linear de Teixeira [32] para uma
parede encastrada na base e com espessura de 0,30m

Na Figura II. 32 apresenta-se, para o caso 1, a variação da resultante de tensões na secção


transversal ao longo da parede com uma deformação imposta equivalente a um abaixamento
de temperatura.

Figura II. 32 – Variação da força ao longo da parede, para o caso 1 (armadura mínima) [32]

Reconhece-se que os resultados obtidos da análise linear, com introdução, após a formação
de cada fenda, de uma redução de rigidez, são qualitativamente e mesmo quantitativamente
semelhantes aos da análise não linear. Um exemplo disso é o facto de se ter chegado a
valores de esforço axial máximo gerado nas secções anteriormente fendilhadas bastante
próximos. Teixeira [32] também conclui que quanto menor a quantidade de armadura, maior o

44
abaixamento dos esforços globais nas zonas previamente fendilhadas, pois há uma diminuição
mais expressiva da rigidez e, simultaneamente, o valor da deformação imposta para formar os
mesmos números de fendas é maior (a diminuição da tensão e de rigidez aquando da
formação de uma nova fenda, são maiores). Aquele autor verificou ainda, que quanto maior a
quantidade de armadura, mais fendas se formam.

Da análise das tensões médias nas armaduras Teixeira [32] atestou o mesmo que Luís [26],
ou seja, que mesmo para uma armadura inferior à mínima, a tensão média máxima, antes da
formação da fenda seguinte, é bastante inferior à tensão característica de cedência. No
entanto, o facto de se considerar, nesta avaliação, valores médios ao longo da altura da parede
implica que se está a desconsiderar a existência de tensões superiores nalgumas zonas da
parede. Para a avaliação da abertura máxima de fendas dever-se-ia, portanto, tomar,
eventualmente, valores de tensão superiores.

Teixeira [32] analisou a distribuição de tensões ao longo da altura da parede na secção


central da mesma, para o estados I e II e para o caso 1 de quantidade de armadura. Na Figura
II. 33 apresenta-se a variação de tensões no betão na zona central no Estado I (não
fendilhado) e a razão entre a tensão no topo e na base, σ c, com a tensão uniforme, σ0,
imediatamente antes da formação da 1ª fenda.

Figura II. 33 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da formação da 1ª fenda,
para o caso 1 [32]

Na zona de ligação entre a parede e a laje de fundo há restrição total da deformação


imposta, logo a tensão é maior nessa zona, mas a variação ao longo da altura é quase nula (da
ordem de 1,3%). O valor obtido para a razão das tensões no topo e base da parede é
concordante com o que tem sido referido por outros autores, em particular por Favre [19] (ver
Figura II. 24).

45
Na Figura II. 34 apresenta-se a distribuição de tensão nas armaduras na 1ª fenda para a
situação imediatamente antes da formação da 2ª e 3ª fenda. É de referir que nesta análise
linear por etapas a primeira fenda aparece na zona central da parede, ao contrário do que
aconteceu na análise não linear, na qual as fendas se formaram da extremidade para o centro.
Como já se aferiu, tal diferença não afecta as conclusões relativamente às características
gerais de comportamento aqui discutidas.

Figura II. 34 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da 3ª fenda, no caso 1 [32]

Como se pode constatar, ao contrário do que se verifica no modelo não fendilhado, na


secção central a distribuição de tensões nas armaduras não é uniforme, mas antes aumenta ao
longo da altura da parede. Este comportamento deve-se à restrição na base da parede, que faz
com que as aberturas tendam a ser maiores no topo (ver Figura II. 35). Assim, o modelo
utilizado por Teixeira [32], com impedimento total da deformação na base faz com que a
deformação imposta na base seja absorvida, no essencial, em tensões no betão e, na zona
superior, estando o efeito de restrição mais afastado, a deformação e tensões concentram-se
nas zonas menos rígidas e anteriormente fendilhadas. Assim, é natural que, devido às tensões
no betão, se verifiquem fendas com menos altura junto à base (ver Figura II. 36), situação que
corresponde ao encontrado na prática.

Figura II. 35 – Deformada ao longo do comprimento da parede, para a situação imediatamente antes da formação
das 4ª e 5ª fendas [32]

46
Figura II. 36 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas

Na Figura II. 37 encontram-se os gráficos da variação da tensão na secção central da


parede, juntamente com o seu valor médio, para os 3 casos de distribuição de armadura
obtidas com o modelo de Teixeira [32].

Verifica-se em todos os casos, pelos motivos mencionados anteriormente, uma considerável


variação de tensão em altura, que diminui, no entanto, com o aumento da quantidade de
armadura.

Figura II. 37 – Variação da tensão (azul) e valor médio (cinzento), na secção central da parede aquando da formação
das fendas seguintes para: a) caso 1; b) caso 2; c) caso3 [32]

Observa-se, também, que, de qualquer forma, a tensão máxima na secção central é de


cerca de 385 MPa para o caso 1 (armadura mínima) e de cerca de 445 MPa para o caso 2,
com armadura inferior à mínima. Estes valores são inferiores à tensão característica de

47
cedência mas não são aceitáveis em termos de exigência em serviço, pois os valores das
aberturas de fendas expectáveis, com tensões desta ordem de grandeza, podem tomar valores
não admissíveis em termos de durabilidade e/ou aspecto, segundo o EC2 [16]. Como se pode
constatar na Tabela II. 2, o valor limite de tensão no aço, para os diâmetros adoptados (10mm)
e abertura de fenda característica, wk, inferior a 0,40 mm, é de 360 MPa, ou seja, inferior às
tensões máximas geradas nos casos 1 e 2.

Para valores mais exigentes de abertura de fendas, com o fim de assegurar boas
características em termos de estanquidade, Teixeira [32] concluiu que eram necessárias
quantidades de armaduras superiores às do caso 3. Apesar desta constatação, o mesmo autor
admitiu que o facto de se poder ter formação de fendas com esforços axiais inferiores aos da
fórmula da armadura mínima para deformações impostas, permite assegurar, determinados
níveis de exigências, com menores quantidades de armadura.

Em ambos os estudos concluiu-se que com a formação de fendas transversais, e


consequente perda de rigidez, as tensões nas armaduras tomam valores inferiores àqueles que
teriam se de facto se tratasse de uma situação típica de tirante, na qual se baseia a expressão
base de estimativa da armadura mínima ou de avaliação do nível de tensão para o caso da
deformação imposta. Verificou-se, de facto, que o nível de tensões nas armaduras, nas
secções previamente fendilhadas é inferior à tensão de cedência do aço, mesmo para o caso
em que se adopta uma quantidade de armadura inferior à mínima definida para o caso do
tirante.

48
III. Análise de sobreposição de cargas com deformações
impostas

Neste capítulo procede-se à descrição do comportamento de um elemento de betão estrutural


sujeito à acção de deformações impostas quando sobrepostas a situações de flexão devido a
cargas verticais. Refira-se que estas são notoriamente situações correntes em que os efeitos
das deformações impostas se sobrepõem aos efeitos das acções verticais, em particular das
cargas com carácter de permanência.

3.1. Considerações Iniciais

A análise dos efeitos das acções quer sejam directas ou indirectas, não deve ser realizada de
forma separada, mas sobrepondo esses dois tipos de efeitos, pois, como se irá verificar,
também neste capítulo, o nível das tensões induzidas pelas deformações impostas dependem
da rigidez e, como os esforços introduzidos pelas acções directas provocam a fendilhação do
elemento de betão estrutural, os esforços provocados pelas deformações impostas diminuem
numa situação de sobreposição de efeitos.

Na situação de sobreposição a questão que se coloca é saber se a quantidade de armadura


necessária para verificar a segurança à rotura, considerando só as cargas, é suficiente para
garantir boas características de comportamento em serviço. Se a adopção de uma armadura
mínima tem condições para responder eficientemente, quer à pormenorização dos elementos
das secções submetidas à deformação imposta axial, quer ao dimensionamento da armadura
em elementos pouco ou nada solicitados por cargas, tal critério deixa de fazer sentido para as
situações de sobreposição de efeitos. Na regulamentação mais recente verifica-se que a
definição da armadura mínima para as deformações impostas depende exclusivamente do
nível máximo de esforço axial que se desenvolve para aquelas acções, não se discutindo
directamente a situação de sobreposição de efeitos.

As situações, que serão apresentadas nos próximos subcapítulos, são correspondentes a


situações de sobreposição de deformações impostas, com componentes essencialmente de
flexão simples e/ou composta, aos efeitos semelhantes de cargas.

49
3.2. Deformação imposta com efeito de flexão, com sobreposição de
cargas verticais

No caso em que os efeitos de flexão das deformações impostas se sobrepõem aos efeitos das
cargas (ver Figura III. 1), é indispensável saber se as armaduras calculadas para a situação
última de rotura, tendo em conta apenas as cargas, são suficientes para garantirem um
comportamento aceitável em serviço, considerando agora também as acções indirectas,
conforme apresentado no subcapítulo 1.3.

Figura III. 1 – Sobreposição do efeito de flexão de uma deformação imposta (por exemplo, assentamento diferencial
de apoio ou variação linear de temperatura) com a flexão simples devido às cargas verticais

Nesta circunstância, os esforços desenvolvidos por acção da deformação imposta na


estrutura vão depender do nível de esforços a que a mesma está previamente sujeita devido às
cargas, conforme se pode observar na Figura III. 2. Essa figura ilustra o diagrama Momento-
Curvatura na secção do apoio para o caso da sobreposição do efeito de uma deformação
imposta com o de uma carga uniformemente distribuída (ver Figura III. 1).

Figura III. 2 – Diferentes incrementos de momento devido à mesma deformação imposta dependente da rigidez
estrutural [11]

50
Nesta situação de sobreposição, os esforços desenvolvidos variam consoante o valor da
rigidez da estrutura seja maior ou menor e o facto de já ter sido iniciada ou não a fase
fendilhada. O efeito das deformações impostas manifesta-se por um acréscimo de curvatura e
por um possível aumento dos momentos flectores, estando estes dependentes do estado e do
nível de esforço em que o elemento se encontra. Se estiver em estado não fendilhado, o
incremento de esforços devido às acções indirectas, correspondem aos valores de cálculo
elástico, quanto muito tendo em conta o efeito da fluência, se a acção se desenvolver ao longo
do tempo. No entanto, se houver zonas em estado fendilhado, os incrementos de esforços não
poderão ser avaliados de forma elástica, pois esta não contempla a menor rigidez da peça
naquela situação, que faz com que os incrementos globais de esforços sejam inferiores. Este
aspecto diferencia a actuação das deformações impostas do efeito das cargas, pois para estas
o comportamento não linear interfere na distribuição de esforços entre secções da estrutura,
mas não numa redução global de esforços [12].

Na Figura III. 3 ilustra-se uma situação comum de sobreposição do efeito de uma


deformação imposta de flexão com o de cargas, em que se questiona a avaliação do
incremento de momento devido a uma variação de temperatura diferencial.

Figura III. 3 – Comportamento estrutural num caso usual de sobreposição dos efeitos de deformações impostas aos
das cargas [13]

51
Da observação da figura ressalta que, na situação de sobreposição a rigidez, para a acção
da deformação imposta, é diferente ao longo da viga. Na zona do apoio corresponde à rigidez
fendilhada, na zona de vão à rigidez de descarga e no restante à elástica. Assim, o incremento
de esforços devido à acção da deformação imposta não é independente do valor da carga
actuante pois é afectada pelo nível de esforços e sua distribuição devidas às cargas. O valor do
incremento de esforços depende das rigidezes incrementais das diferentes zonas, da extensão
das zonas fendilhadas, das percentagens de armadura e do sentido de variação dos esforços
(ver Figura III. 3), conforme Camara [13] pôde constatar.

A questão principal que se coloca é a avaliação simplificada dos efeitos da deformação


imposta que deve ter em conta o facto da estrutura se encontrar fendilhada e, portanto, deve
ser considerada a diminuição de rigidez e dos esforços gerados relativamente aos elásticos,
conforme explanado no subcapítulo 1.3.

Apresenta-se na Figura III. 4 a relação entre as rigidezes à flexão dos Estados I e II para
diferentes quantidades de armadura de uma secção de betão armado.

Figura III. 4 – Relação entre as rigidezes dos Estados I e II em flexão simples para diferentes percentagens de
armadura [13]

Observando a figura e analisando a relação de rigidezes dos Estados I e II à flexão para


diferentes percentagens de armadura, fica claro que o incremento de esforços, devido à
deformação imposta, se obtido por cálculo elástico, ou seja, em Estado I, pode ser
consideravelmente reduzido para ter em conta a existência de fendilhação em determinadas
zonas. Refira-se que para uma percentagem de armadura de 1% (valor significativo), para
acções de curto prazo a relação de rigidezes à flexão dos Estados II e I é de aproximadamente
1/3.

52
É interessante também realçar a diferença das consequências da resposta de um elemento
de betão estrutural às deformações impostas, quando dimensionado às cargas com
percentagens de armadura diferentes. Como se pode observar pela Figura III. 5, para uma
maior diferença entre o momento devido às cargas aplicadas em serviço e o momento de
cedência, maior será a capacidade do elemento para suportar eventuais acréscimos de
momento flector devido a eventuais deformações impostas, sem que este atinja a cedência.

Figura III. 5 – Importância entre a diferença de valores Mcr e My [13]

Assim, se no dimensionamento às cargas houve necessidade de adoptar uma percentagem


grande de armaduras a reserva de momento flector em serviço para além do momento das
cargas, ΔM, para se atingir a plastificação é maior, logo é maior a capacidade dessa secção
para absorver eventuais efeitos das deformações impostas, sem atingir a cedência. Portanto,
verifica-se que mesmo considerando a redução do momento elástico devido à deformação
imposta em relação ao valor elástico, o efeito negativo desta acção tem tendência a ser mais
prejudicial nas zonas em que o momento flector devido às cargas é menor, onde as
quantidades de armadura são menores e a reserva em relação à não cedência é inferior. Por
exemplo, na situação da Figura III. 1 (viga contínua), se a deformação imposta pudesse actuar
com efeitos negativos, como na figura, ou positivos, a zona onde o efeito da acção indirecta
poderia ser mais desfavorável seria a do vão, onde as armaduras, dimensionadas para o
estado limite último, seriam inferiores às do apoio (Minf << Msup na figura referida). De facto, nas
zonas dos apoios a reserva de momento entre a cedência do aço e a tensão instalada devido
às cargas verticais é, em geral, superior.

As indicações para ter, na fase de dimensionamento, como orientação, na análise destas


situações, são apresentadas no subcapítulo 4.3.

53
3.3. Deformação imposta axial, com sobreposição de cargas verticais

Numa estrutura de betão armado quando existe restrição à deformação livre nos pisos dos
edifícios a situação mais comum é a de ocorrer a sobreposição do efeito da flexão provocada
por cargas verticais com deformações impostas axiais, conforme a Figura III. 6 exemplifica. De
salientar, que os efeitos dessas acções indirectas são as mais desfavoráveis no que concerne
ao comportamento em serviço do betão estrutural.

Figura III. 6 – Sobreposição de uma deformação imposta axial com cargas verticais

O comportamento de um elemento de betão estrutural sujeito à flexão com sobreposição de


um esforço normal (flexão composta) apresenta diferenças em termos de comportamento
global consoante o esforço normal seja de compressão ou de tracção, como se pode observar
na Figura III. 7, que representa duas relações Momento-Curvatura com esforços axiais de
compressão e tracção moderados. Para um esforço normal de tracção crescente proveniente
das acções indirectas o momento flector de fendilhação diminui, assim como, a rigidez do
elemento e o momento de cedência, aumentando, para o mesmo momento flector, a curvatura
da peça.

Figura III. 7 – Comportamento à flexão simples e composta com esforço axial constante [14]

54
Assim, se, por um lado, o esforço axial de tracção afecta as características da relação M-
1/Rm, por outro lado, a presença de flexão, modifica alguns aspectos de comportamento N-ɛm,
em particular, para a situação que nos interessa neste contexto de acção de um efeito axial
devido a uma deformação imposta.

Na Figura III. 8 apresenta-se uma comparação entre o comportamento de um elemento de


betão armado à tracção (sem e com flexão sobreposta), solicitado por uma deformação
imposta crescente, de origem externa e interna.

Figura III. 8 – Deformação imposta externa e interna, sem e com sobreposição de efeitos [11]

Pode observar-se que, a sobreposição do efeito da deformação imposta à flexão devido às


cargas verticais, faz diminuir os esforços axiais que se desenvolvem, quer a deformação seja
interna ou externa ao betão. Esta diminuição do valor do esforço axial é mais significativa para
níveis mais baixos da deformação imposta.

Verifica-se que, numa análise de situações de sobreposição de efeitos de flexão com


deformação imposta axial, devido à não-linearidade do betão estrutural, o comportamento do
elemento solicitado é interdependente e não deve ser considerado como a soma de cada efeito
analisado individualmente.

As indicações para ter, na fase de dimensionamento, como orientação, na análise destas


situações, são apresentadas no subcapítulo 4.3.

55
Apresenta-se seguidamente a extensão do estudo da análise não linear apresentado no
subcapítulo 2.3 às situações de sobreposição de efeitos axiais de uma deformação imposta a
uma estrutura já carregada por acções verticais.

3.3.1. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Externa

Luís [25] com o mesmo modelo e nos mesmos casos mencionados no subcapítulo 2.3
procedeu à análise não linear da resposta estrutural para cargas verticais em sobreposição
com acções indirectas axiais. Os níveis de carga correspondentes às combinações quase
permanentes, que supostamente actuariam na estrutura, foram avaliados a partir da armadura
ordinária adoptada, obtendo-se para o caso 4 (ρ=1,04%) uma carga vertical distribuída de
11,98 kN/m. Para analisar a resposta à deformação imposta, para um nível mais baixo de
carga, definiu um segundo nível correspondente a metade das cargas quase permanentes. De
referir que a sequência de aplicação das acções foi a seguinte:

 Colocação do carregamento vertical, mobilizando o comportamento por flexão


 Actuação da deformação imposta até extensões que provocassem a cedência das
armaduras.

De seguida, apresenta-se os resultados obtidos na análise não linear no caso 4 com


sobreposição de efeitos para a deformação imposta externa e, no subcapítulo seguinte, para a
deformação imposta interna.

Na Figura III. 9 apresentam-se os resultados obtidos para a sobreposição de cargas


verticais com deformação imposta externa do caso 4, em termos da relação N-εm.

Figura III. 9 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta externa [11]

56
Como se pode observar, no caso da sobreposição de efeitos, o elemento fendilha para
extensões menores do que para a situação de deformação imposta isolada e para níveis de
esforço axial global inferiores, sendo antecipada a perda de rigidez axial devido às fendas por
flexão. O elemento também fendilha para extensões tanto menores quanto maior o momento
flector devido às cargas.

De notar que, na fendilhação estabilizada, para valores, de deformação imposta, na ordem


dos 1,0 a 1,5‰ o comportamento parece convergir, ou seja, a diferença de esforço axial é
maior após a formação das primeiras fendas, mas para valores de extensão iguais ou
superiores à fase de fendilhação estabilizada essa diferença desvanece-se. É interessante
verificar que para valores usuais de deformação imposta o esforço axial máximo resultante é
menor para maiores valores de carga vertical distribuída.

Na Figura III. 10 apresenta-se a distribuição de tensões nas armaduras superiores e


inferiores para extensões impostas de 0,30‰ e 0,50‰ para o caso 4 de distribuição de
armadura e na situação de actuação da totalidade da carga quase permanente.

Figura III. 10 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos – deformação imposta
externa [25]

Observa-se que a fendilhação se concentra nas secções de maior momento flector, na face
traccionada por este. Nota-se que, se para uma deformação imposta isolada a tensão máxima
é a mesma para ambos os níveis de extensão imposta (ver Figura II. 13), para a situação de
sobreposição de efeitos (apresentada na Figura III. 10) a máxima tensão depende do valor da

57
deformação imposta, bem como, da distribuição do esforço de flexão devido às cargas
verticais. As tensões máximas sobre os apoios são maiores na situação de sobreposição
devido ao efeito de flexão/tracção. Ainda referente ao caso da sobreposição de efeitos, na zona
de momentos nulos não há fissuração devido ao facto do esforço axial ser inferior ao esforço
de fendilhação, Ncr, pois o momento flector é baixo e há a mesma redução do esforço de
tracção.

Conforme se constata, pela comparação da Figura III. 10 com a Figura II. 13 (capítulo II) e
como seria de esperar, o espaçamento entre fendas na situação da sobreposição de efeitos é
inferior ao verificado para a situação da deformação imposta isolada, devido à distribuição de
tensões em regiões submetidas à flexão composta.

Na Figura III. 11 apresenta-se a variação do nível de tensões e abertura de fendas, em


algumas secções fissuradas, na face inferior e superior do elemento.

Figura III. 11 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em função da extensão média
– deformação imposta externa [11]

Observa-se que os valores de tensão e de abertura de fendas têm uma ligeira tendência
para aumentar devido à semelhante evolução da força axial. Na face superior, junto ao apoio,
devido à distribuição do momento flector verifica-se que as secções fendilham para valores de
extensão diferentes. Verifica-se que quanto mais próximas as secções estiverem do apoio,
menores serão as extensões para as quais essas fendilham, tratando-se de zonas em que o
momento é superior.

58
Luís [25] concluiu que para valores de extensão imposta na ordem de 0,3‰ a 0,5‰ os
valores de tensão e abertura de fendas registados são aceitáveis para critérios comuns de
dimensionamento em serviço.

Por comparação dos 5 casos, Luís [25] constatou que se formam um maior número de
fendas, quer no apoio, quer no vão, para quantidades de armadura maiores. No caso 1, da
armadura mínima de tracção, registou-se um comportamento estrutural menos conveniente,
tendo-se formado somente duas fendas e próximo do apoio.

3.3.2. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Interna

Na Figura III. 12 apresentam-se os resultados obtidos para a sobreposição de cargas verticais


com a deformação imposta interna do caso 4, em termos de relação N-εm

Figura III. 12 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta interna [11]

No caso de sobreposição, o máximo esforço axial resultante é evidentemente inferior ao


valor de referência de Ncr, e à medida que a deformação imposta aumenta, o seu valor tende a
decrescer. É um comportamento diferente do verificado no caso da deformação imposta ser
externa, analisado na secção anterior, pois na situação da deformação imposta interna, como
já referido no subcapítulo 2.3, geram-se tensões auto-equilibradas, as quais, por sua vez,
originam tensões de tracção no betão, diminuindo a capacidade resistente do betão à tracção e
formando-se as fendas para esforços axiais menores.

Um dos aspectos em comum com a situação de deformação imposta externa é o facto de


que para extensões maiores, o comportamento, na fase final de formação de fendas, convergir,

59
ou seja, o nível de esforço axial tender para valores semelhantes apesar de diferentes níveis
de carga.

Apresenta-se na Figura III. 13 a distribuição de tensões nas armaduras superiores e


inferiores para extensões impostas de 0,30‰ e 0,50‰ no caso 4 e na situação de actuação da
totalidade de carga quase permanente.

Figura III. 13 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos – deformação imposta
interna [25]

Verifica-se que os picos de tensão obtidos são ligeiramente menores em comparação com
os resultados obtidos para a sobreposição com a deformação imposta externa. Tal como se
verificou para a deformação imposta externa, as zonas de momento nulo não apresentam
fendas e os espaçamentos de fendas são semelhantes em ambas situações.

Na Figura III. 14 apresentam-se a variação do nível de tensões e abertura de fendas, em


algumas secções fissuradas, na face inferior e superior do elemento.

60
Figura III. 14 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em função da extensão média
– deformação imposta interna [11]

Verifica-se o mesmo tipo de comportamento enunciado para a acção isolada da deformação


imposta interna, sendo observável a transição de tensões de compressão para tensões de
tracção no momento da formação de fendas. Embora os níveis de tensão sejam menores do
que no caso da sobreposição com a deformação imposta externa, as aberturas de fendas são
da mesma ordem de grandeza.

61
IV. Critérios de dimensionamento propostos

Com base na bibliografia analisada, em particular nos trabalhados apresentados nos capítulos
anteriores, é possível resumir algumas orientações para critérios de dimensionamento no caso
da actuação isolada da deformação imposta e para situações de sobreposição de cargas com
deformações impostas. No presente capítulo proceder-se-á à descrição de alguns dos critérios
propostos, a considerar no dimensionamento estrutural, no âmbito da verificação do
comportamento em serviço, para as situações de actuação de deformações impostas
isoladamente ou em conjunto com acções directas.

4.1. Deformação imposta isolada

Para situações de deformação imposta axial actuando isoladamente, conforme se pôde


constatar nos subcapítulos 2.1 e 2.3, em geral, pode-se considerar que o esforço axial gerado
será sempre inferior ou igual ao esforço de fendilhação, ou seja:

𝑁𝑑𝑖 ≤ 𝑁𝑐𝑟 (IV.1)

Para uma melhor explicação sobre este aspecto, analisemos a título de exemplo a actuação
de uma extensão imposta com valor de 0,3‰. Conforme se observa na figura abaixo, se o
esforço normal provocado pela deformação fosse obtido por um cálculo elástico, N el, resultaria
um valor bastante acima do que realmente se verifica para aquela extensão.

Figura IV. 1 – Comparação de esforços elásticos com os esforços resultantes de uma deformação imposta

62
Por isso, visto que o início da fendilhação ocorre, para valores médios das características do
betão, com uma extensão de 0,1‰ e, tendo em conta que a deformação imposta axial
normalmente não ultrapassa o valor da ordem de 0,5 a 0,7‰, os elementos estruturais
encontram-se usualmente na fase de formação de fendas, como já referido no subcapítulo
2.1.1. Assim, e como em geral a deformação imposta actuando isoladamente não atinge a
fendilhação estabilizada, o esforço máximo gerado por essa acção corresponde ao que é
necessário para a formação de uma nova fenda e é muito inferior ao que resultaria de uma
análise elástica. Esse esforço máximo é da ordem de grandeza dos esforços de fendilhação e,
consequentemente, é independente do valor da acção imposta. Logo, para valores de extensão
imposta da ordem de 0,1‰ a 1,0‰, o esforço axial devido à actuação isolada da deformação
imposta corresponde ao esforço de fendilhação, Ncr (ver expressão IV.1), que deve portanto ser
adoptado na avaliação do comportamento em serviço.

Já no caso da retracção do betão, deformação imposta interna (ver Figura II. 9), com o fim
de garantir a não plastificação da armadura poder-se-ia utilizar um valor inferior para o esforço
axial, da ordem de 0,80 a 0,90Ncr.

Conclui-se então que na situação de deformação imposta isolada, o tipo de critério de


dimensionamento a usar consiste, desde logo, na definição de uma quantidade de armadura
que garanta a não plastificação da armadura (valor mínimo) sob o efeito do esforço
correspondente ao nível a que se verifica a fendilhação. No caso de se pretender ser mais
exigente em relação à limitação da abertura de fendas, como é o caso em particular dos
depósitos, há que para aquele nível de esforço avaliar a quantidade de armadura para
assegurar uma abertura de fendas máxima que assegure as condições de funcionalidade
exigidas.

4.2. Deformação imposta em paredes laterais

Em relação às paredes de muros de suporte ou de depósitos, como se pôde observar no


subcapítulo 2.5, se o objectivo é garantir o critério da não plastificação da armadura, os
estudos realizados, e aqui referidos, indicam poder utilizar-se quantidades de armadura
inferiores às que são obtidas pela expressão regulamentar do Eurocódigo 2 (ver expressão
II.26).

Luís [26] sugeriu, caso o objectivo seja o de limitar a abertura característica de fendas a um
determinado valor, adoptar para esforço axial o valor resultante dos índices da Tabela II. 5,
sendo que, em alternativa, e conservativamente, poder-se-á utilizar 2/3fct,effAct e 1/2fct,effAct, para
deformações impostas externas e internas, respectivamente. O mesmo autor concluiu que para
a situação de deformação imposta interna deve ser usada para o cálculo da extensão relativa
média na avaliação da abertura de fendas, a seguinte expressão:

63
𝜀𝑠𝑟𝑚 = 𝜀𝑠𝑚 − 𝜀𝑐𝑚 + 𝜀𝑐𝑠 (IV.2)

Refira-se que, o facto de se considerar o termo adicional da retracção livre do betão à


deformação relativa aço/betão devido ao estado de tensão, tem sentido físico, para além de
que, apesar das menores tensões no aço, nos casos de deformação imposta interna, se obtêm
aberturas de fendas da mesma ordem de grandeza.

4.3. Sobreposição de cargas com deformações impostas

Os esforços devidos às deformações impostas em condições de serviço, no caso da


sobreposição de efeitos, devem ser obtidos por meio de uma percentagem dos esforços
elásticos, o que pode ser descrito da seguinte forma, considerando o coeficiente de
comportamento 𝜉, tal que:

𝑎) 𝑁𝑑𝑖 = 𝜉 𝑁𝑑𝑖𝑒𝑙á𝑠𝑡 𝑒𝑙á𝑠𝑡


𝑏) 𝑀𝑑𝑖 = 𝜉 𝑀𝑑𝑖 𝑐𝑜𝑚 𝜉 < 1,0 (IV.3)

Camara [13] realçou o sentido em contabilizar este aspecto na quantificação dos efeitos das
deformações impostas com efeito de flexão, dando como exemplo o caso de uma viga bi-
encastrada submetida a uma variação diferencial de temperatura instantânea sobreposta a
uma carga distribuída, conforme se representa na Figura IV. 2.

Figura IV. 2 – Exemplo da resposta de uma viga bi-encastrada a uma variação linear de temperatura para uma
análise linear (a) e não linear (b) [13]

64
Como se pode observar, os esforços gerados são inferiores aos elásticos e a variação de
curvaturas no elemento é do tipo representado na Figura IV. 2 b. Nas zonas fendilhadas, nas
quais o aumento de esforços é do mesmo sinal do das cargas, os incrementos de curvatura
dão-se para uma rigidez aproximadamente igual à rigidez do Estado II; por sua vez, nas zonas
em descarga estes incrementos dão-se para a rigidez de descarga e no resto da estrutura para
a rigidez de Estado I. Caso se considere a rigidez de descarga igual à do Estado I obtém-se
uma distribuição de curvaturas com um andamento similar ao representado na Figura IV. 2 b.

Com base neste exemplo e noutros correspondentes a análises não lineares efectuadas,
Camara [11, 12, 13] expôs um método aproximado para a avaliação do momento devido a uma
deformação imposta, sendo que, no caso da flexão, este resulta da aplicação da expressão
anteriormente apresentada (expressão IV.3 b). Assim, com base em análises não lineares,
aquele autor, definiu que 𝜉, denominado de coeficiente de comportamento (que constitui um
coeficiente de redução do esforço elástico), poderia assumir os valores apresentados na
Tabela IV. 1, dependendo da situação de fendilhação do elemento, do nível de carga vertical
distribuída, da percentagem da armadura e do tempo de imposição da acção.

ξ
φ=0 φ=2,5
𝜌𝑓𝑙𝑒𝑥 ã𝑜
r r

≤ 1,0 1,5 2,0 ≤ 1,0 1,5 2,0

0,30 1,0 0,35 0,20 0,35 0,25 0,15

0,60 1,0 0,50 0,35 0,35 0,30 0,25

1,20 1,0 0,70 0,50 0,40 0,35 0,30


Tabela IV. 1 – Valores aproximados de 𝝃 para avaliação dos momentos devido às deformações impostas [11]
(realçam-se os valores médios para acções de curto e longo prazo)

Na qual:

𝐴𝑠
𝜌𝑓𝑙𝑒𝑥 ã𝑜 = (IV.4)
𝑏𝑑

𝑒𝑙 á𝑠𝑡
𝑀𝑔 +𝜓 2𝑞 ×𝑀𝑞 +𝑀𝑑𝑖
𝑟= (IV.5)
𝑀𝑐𝑟

Da observação da tabela anterior, conclui-se que para deformações impostas aplicadas


num período mais curto o valor do coeficiente de redução do esforço elástico, 𝜉, é
significativamente maior, para elementos pouco fendilhados. Constata-se também que para
elementos medianamente armados este coeficiente toma valores da ordem de grandeza dos
35 a 50% do valor elástico. Caso a acção indirecta seja de longo prazo o valor deste

65
coeficiente é ainda menor e menos dependente da fendilhação e quantidades de armadura,
apresentando valores em torno dos 30%.

Analisando os factores de redução conclui-se que o esforço real resultante das deformações
impostas é, desde que exista alguma fendilhação, sempre inferior a 70% do obtido por meio de
uma análise elástica linear. Com o decorrer do tempo os seus efeitos vão diminuindo até
valores da ordem dos 20 a 30% do valor elástico. Verifica-se assim que os danos causados
nas estruturas pelas deformações impostas de flexão quando sobrepostas a cargas não são
tão relevantes como uma análise elástica poderia fazer, eventualmente, supor.

Por fim, conforme apresentado por Camara [12, 13] e explicado no subcapítulo 3.2 e na
Figura III. 5, o importante é garantir que a reserva em relação à não cedência das armaduras
em situação de flexão é suficiente para acomodar o efeito da deformação imposta, ou seja, há
que cumprir, no mínimo, a seguinte condição:

∆𝑀 = 𝑀𝑦 − 𝑀𝑠𝑒𝑟𝑣 < 𝑀𝑑𝑖 (IV.6)

Salienta-se, como referido anteriormente, que para uma maior diferença entre o momento
devido às cargas aplicadas em serviço e o momento de cedência (casos de necessidade de
percentagens de armaduras maior na verificação de segurança à rotura devido às cargas),
maior será a capacidade do elemento estrutural em admitir eventuais acréscimos de momento
flector devido à acção das deformações impostas, sem que se atinja a cedência ou as
aberturas de fendas sejam mais importantes.

Em relação às deformações impostas axiais sobrepostas a cargas, para efectuar o


cálculo das tensões nas armaduras e/ou abertura de fendas, a principal variável a definir para
analisar a adequabilidade do comportamento em serviço é o valor de esforço axial a combinar
com o momento flector devido às cargas permanentes ou quase permanentes. Para este efeito,
é primeiramente necessário obter os esforços resultantes nas secções. Luís [25], depois de ter
efectuado um extenso estudo sobre esta problemática, que se encontra sintetizado no
subcapítulo 3.3.1 e 3.3.2, propôs, para a obtenção do esforço axial resultante devido à
deformação imposta, as seguintes expressões:

𝑁∆𝑇 = 𝜉∆𝑇 × 𝑁𝑐𝑟 (IV.7)

𝑁𝑐𝑠 = 𝜉𝑐𝑠 × 𝑁𝑐𝑟 (IV.8)

No entanto, há que notar que o estudo desenvolvido por Luís [25] foi restrito, não tendo
considerado toda a variabilidade possível de factores que influenciam a resposta estrutural,
sendo discutível estabelecer critérios gerais de dimensionamento. Apesar disso, o referido
autor conseguiu clarificar alguns aspectos importantes do comportamento estrutural nas
situações de sobreposição e até mesmo considerou possível fornecer indicações muito

66
credíveis para a avaliação do esforço axial devido às deformações impostas naquelas
situações de sobreposição de efeitos.

Assim, Luís [11, 24] estimou os coeficientes 𝜉∆𝑇 e 𝜉𝑐𝑠 , definidos em função da percentagem
de armadura e do nível de extensão imposta. Os valores propostos para esses coeficientes são
apresentados na tabela seguinte:

Deformação imposta externa Deformação imposta interna


𝜌 (%)
0,20‰ 0,30‰ 0,50‰ 0,20‰ 0,30‰ 0,50‰
0,50 0,40 0,55 0,65 0,40 0,45 0,50
0,80 0,50 0,60 0,70 0,40 0,40 0,45
1,00 0,55 0,60 0,80 0,35 0,35 0,40
Tabela IV. 2 – Coeficientes de redução de esforço axial de fendilhação para uma deformação imposta axial [11]
salientam-se os valores médios de referência

Como se pode observar, o coeficiente de redução não varia muito com as diferentes
percentagens de armadura e, como tal, Luís [11] propôs que os valores a considerar
correspondessem a 𝜌=0,80%. Uma aproximação suplementar seria tomar 𝜉 igual a 0,6 ou 0,4
(deformação imposta externa e interna, respectivamente) independentemente do valor da
deformação imposta. Como já mencionado no capítulo II e apresentado pelo EC2 [16], para a
verificação ao estado limite de fendilhação para deformações impostas é necessário considerar
dois critérios de dimensionamento: a garantia de não plastificação da armadura e o critério de
controlo directo ou indirecto da abertura de fendas.

Em situações de consideração simultânea dos efeitos de uma variação de temperatura e da


retracção do betão o valor de N poderia ser avaliado como um valor intermédio para 𝜉, que
seria dado por:

𝜉 = 𝑘𝜉∆𝑇 + 1 − 𝑘 𝜉𝑐𝑠 𝑐𝑜𝑚 𝑘 ∈ [0,1] (IV. 9)

Em que k é um coeficiente que leva em conta a importância relativa da variação de


temperatura e da retracção. Com 𝜉 obtido pela expressão anterior, o valor do esforço axial
seria, por sua vez, obtido pela seguinte expressão :

𝑁 = 𝜉 × 𝑁𝑐𝑟 (IV.10)

Para a avaliação directa da abertura de fendas, com sobreposição dos efeitos das cargas e
os dois tipos de deformação imposta em simultâneo, podem ser consideradas duas
alternativas, apresentadas pelo mesmo autor [11]. As alternativas são descritas pelas seguintes
equações:

𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎𝑠 +∆𝑇+𝑐𝑠
𝑤𝑚 = 𝑆𝑟 × (𝜀𝑠2 + |𝜀𝑐𝑠 |) (IV.11)

67
𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎𝑠 +∆𝑇𝑒𝑞
𝑤𝑚 = 𝑆𝑟 × (𝜀𝑠2 ) (IV.12)

Com a aplicação da expressão IV.11, o esforço axial terá de ser obtido pelas expressões
IV.10 e IV.9. Quanto à expressão IV.12, esta trata-se de uma forma equivalente mais directa de
obter a estimativa da abertura de fendas, na qual se considera ambas as extensões impostas
exteriores ao elemento, sendo o esforço axial obtido pela expressão IV.7. Assim,
∆𝑇𝑒𝑞 corresponde a uma variação de temperatura equivalente, a qual contempla também o
efeito da retracção e pode ser obtida da seguinte forma:

𝜉𝑐𝑠
∆𝑇𝑒𝑞 = ∆𝑇 + 𝑐𝑜𝑚 𝛼 = 1 × 10−5 (IV.12)
𝛼

Enveredando por esta segunda alternativa de cálculo e pelas análises apresentadas nos
capítulos anteriores obtém-se uma boa estimativa da abertura de fendas.

Uma vez avaliado o esforço axial combinado com os esforços das cargas verticais é então
possível analisar a situação em flexão composta.

Luís [25] sugeriu uma metodologia de dimensionamento estrutural para o caso da


sobreposição dos efeitos de cargas e de deformações impostas axiais. A metodologia sugerida
é sintetizada nos seguintes passos:

1. Dimensionamento corrente aos Estados Limites Últimos sem consideração das


deformações impostas;
2. Colocação de pelo menos uma armadura mínima de tracção nas zonas onde se possa
prever que o efeito de restrição às deformações impostas é importante;

Definida uma distribuição de armaduras, deve-se então efectuar a análise de tensões, tendo
em conta a sobreposição de efeitos. Para isso há que ter em linha de conta os seguintes
aspectos:

3. Para as cargas verticais considera-se, em princípio, a combinação quase permanente


de acções;
4. Para avaliar o nível de esforço axial gerado pela restrição ao livre encurtamento deve
aplicar-se, em primeiro lugar, as acções indirectas, isto é, retracção e/ou variação de
temperatura, no modelo estrutural, com um módulo de elasticidade ajustado à natureza
da acção. Os módulos de elasticidade a adoptar são definidos, tais que:
∆𝑇 𝐸𝑐,28
𝐸𝑐,𝑎𝑗𝑢𝑠𝑡 = , (considerando a acção como cíclica e anual, pode-se tomar
1+𝜒𝜑 ∆𝑇

como valor médio 𝜑 ∆𝑇 ≈ 1,0);


𝑐𝑠 𝐸𝑐,28
𝐸𝑐,𝑎𝑗𝑢𝑠𝑡 = , (considerando a acção como permanente e crescente, pode-se
1+𝜒𝜑 𝑐𝑠

tomar como valor médio 𝜑 𝑐𝑠 ≈ 2,50).

68
5. Selecciona-se o critério de análise para a definição do nível da redução de esforço
axial a considerar. Nas zonas da estrutura onde o esforço axial avaliado anteriormente
seja superior a Ncr, aquele deve ser avaliado aplicando o factor de redução, ξ (ver
Tabela IV. 2), ao valor de Ncr. Nas zonas onde o esforço axial avaliado em 4 seja
inferior a Ncr, então aplicar-se-á aquele coeficiente de redução a esse esforço axial;
6. Numa análise da flexão composta há que avaliar o nível das tensões nas armaduras
em secção fissurada, definindo a adequabilidade da percentagem de armadura
colocada de acordo com os limites do comportamento em serviço;
7. Atendendo ao resultado do passo anterior, poderá ser conveniente modificar as
quantidades de armadura definidas em 1, de forma a baixar a tensão na armadura e
limitar mais a abertura de fendas nalgumas zonas.

69
V. Situações de deformações impostas nas estruturas

Neste capítulo proceder-se-á à identificação e descrição de algumas situações em que a


consideração dos efeitos das deformações impostas é relevante e também de exemplos
práticos em que é necessário recorrer-se ao conceito da armadura mínima. Posteriormente,
apresentam-se dois casos de estudo, em que são aplicados alguns conceitos teóricos e de
dimensionamento descritos nos capítulos anteriores.

5.1. Casos práticos de deformações impostas nas estruturas

Existem dois tipos básicos de estruturas nas quais as deformações impostas se podem
desenvolver: as isostáticas e as hiperstáticas. É de salientar que, apesar de no primeiro caso,
as deformações impostas ocorrerem livremente, não se desenvolvendo esforços, é possível
haver fendilhação neste tipo de estruturas, nomeadamente se ocorrerem efeitos de
deformações impostas diferenciais nas secções. Este fenómeno ocorre no caso da retracção
térmica diferencial na secção, que pode provocar um estado de tensão auto-equilibrado com
resultante de esforços nula ao nível da secção.

O processo construtivo e a geometria dos elementos das estruturas também podem


ocasionar situações de impedimento das deformações livres particulares. Este é o caso de
muros de suporte ou depósitos. Mais adiante, analisa-se com mais detalhe os efeitos das
deformações impostas neste tipo de estruturas.

A grande maioria das estruturas são no seu conjunto hiperstáticas e, naturalmente, neste
tipo de estrutura existem várias restrições ao desenvolvimento de deformações livres que, por
sua vez, induzem o aparecimento de fendas. Por exemplo, no caso de um pórtico, um dos
efeitos importantes a considerar na concepção e dimensionamento estruturais é o das
deformações impostas aos pilares devido à deformação dos elementos horizontais das
estruturas, conforme representadas na Figura V. 1.

Figura V. 1 – Efeito das deformações impostas nas estruturas de edifício em pórtico e em pontes [13]

70
Neste caso, os esforços provocados pelo efeito da acção indirecta, nos elementos verticais
(pilares), dependem da rigidez do elemento e da distância do mesmo ao centro de rigidez da
estrutura. Assim, os momentos nos pilares são tanto maiores quanto mais afastados estiverem
do centro de rigidez, optando-se, por vezes, pela adopção de juntas estruturais com o objectivo
*
de diminuir esses efeitos.

Uma das situações que frequentemente provoca o funcionamento deficiente de estruturas


de betão armado e pré-esforçado corresponde ao caso em que os efeitos das deformações
impostas actuam em direcções ou partes das estruturas de tal forma que não se sobrepõem
aos efeitos das cargas, ou seja, a uma situação equiparavel ao de uma deformação imposta
isolada. Durante muitos anos estas situações foram desconsideradas no dimensionamento,
resultando em que as armaduras dispostas nessa direcção eram simplesmente construtivas ou
de distribuição das principais, o que se verificou em muitos casos ser claramente insuficiente
para o controlo das aberturas de fendas. Presentemente, esses efeitos estão, no essencial,
clarificados, não havendo motivo para não serem contabilizados no dimensionamento e
pormenorização de estruturas de betão armado.

Como explicado em 4.1, a deformação imposta, actuando isoladamente, não atinge, em


geral, a fendilhação estabilizada, resultando então o esforço máximo como sendo o da
fendilhação. Contudo, podem existir excepções, por exemplo, junto a aberturas, em elementos
tracionados (ver Figura V. 2) que levam a deformação imposta a concentrar-se na zona menos
resistente, ou seja, junto à abertura, podendo ai atingir-se a estabilização da fendilhação. Neste
caso, o esforço desenvolvido dependerá do valor da deformação imposta e, assim sendo, a
armadura necessária para o controlo da fendilhação não é independente da acção indirecta,
conforme explicado por Camara [13]. Na realidade, há que considerar para o dimensionamento
da armadura junto à abertura, pelo menos o esforço axial da zona mais larga, para que as
fendas se possam também formar fora das zonas mais estreitas.

Figura V. 2 – Fendilhação junto à abertura do elemento traccionado (NcrA e NcrB – esforço axial de fendilhação na
zona A e B, respectivamente)

*
Gonilha [22] estudou estas situações, no contexto da análise das necessidades de juntas estruturais em estruturas de edifícios.

71
Em edifícios são várias as situações em que é necessário considerar os efeitos das
deformações impostas, sendo a colocação de, pelo menos, uma armadura mínima de tracção a
solução conveniente. Uma dessas situações é a de uma consola que possua uma extensão
considerável ao longo da fachada de um edifício (como é o caso de varandas), conforme se
pode observar na Figura V. 3. Nesta deve colocar-se a armadura mínima necessária, disposta
segundo a direcção y, para o controlo da fendilhação devida ao efeito restritivo que a estrutura
do edifício exerce sobre a deformação livre da consola provocada pelas deformações impostas
(a laje interior constitui o impedimento ao livre encurtamento da consola). Neste tipo de
situações um bom comportamento em serviço pode ser garantido sem necessidade de juntas
de dilatação, apesar da quantidade de armadura necessária poder ser consideravelmente
maior à que seria prevista como construtiva ou de distribuição da principal.

Figura V. 3 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção na consola de um edifício [13]

Outra situação que carece da consideração do conceito da deformação imposta para efeitos
do dimensionamento em serviço é a de uma viga com uma laje suportada na parte inferior e
dimensionada para as cargas na direcção longitudinal, como representada na Figura V. 4.
Conforme constatado por Camara [13], nestes casos a armadura tradicional de distribuição a
colocar na laje na direcção y pode ser insuficiente para controlar a fendilhação nas zonas onde
a viga está submetida a momentos positivos devida à deformação imposta axial que a viga, na
sua deformação por flexão, provoca no painel da laje. Nestes casos, o controlo da fendilhação
na direcção y exige uma armadura mínima de tracção.

Este caso é especial pois trata-se de uma deformação imposta de uma parte da estrutura (a
viga) à outra (a laje) mas devido à acção de cargas verticais.

72
Figura V. 4 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção numa laje suportada na parte inferior e
dimensionada para as cargas em x [13]

Na Figura V. 5 representa-se a situação de pisos elevados de edifícios que se encontram


impedidos de se deformar livremente devido a elementos rígidos verticais (paredes estruturais
ou núcleos de elevadores e escadas) e que, como tal, ficam submetidos a um efeito axial
devido às deformações impostas da estrutura dos pisos. Esta é uma situação de sobreposição
de efeitos de deformação imposta com cargas, na qual é importante dispor, pelo menos, a
armadura mínima, com o fim de controlar a fendilhação, devendo-se, posteriormente, seguir o
processo de dimensionamento apresentado no final do capítulo anterior.

Figura V. 5 – Situação de colocação de armadura mínima na laje devido aos elementos rígidos [13]

Outra situação semelhante e corrente em edifícios de sobreposição de efeitos de tracção


devidos à deformação imposta com efeitos de flexão provocada por cargas ocorre em pisos
enterrados, conforme se representa na Figura V. 6. Este é o caso de caves de edificios e de
parques de estacionamento, onde as paredes de contenção laterais, principalmente as da
maior direcção em planta, limitam significativamente a deformação livre dos pisos estruturais
nessa direcção, provocando efeitos de tracção significativos nos elementos horizontais.

73
Figura V. 6 – Situação comum na qual o piso enterrado se encontra submetido à sobreposição do efeito das cargas
verticais com deformação imposta axial [25]

Para além da já rebatida importância de se colocar uma armadura mínima nos diferentes
elementos das secções, eventualmente sujeitas a tracções, há casos, como referido neste
trabalho, em que há necessidade de adopção de mais armadura para que as fendas sejam
limitadas de acordo com as condições de funcionalidade exigidas. Haverá, evidentemente,
formas alternativas de limitar tal fendilhação, como por exemplo a previsão de juntas de
dilatação e a aplicação de pré-esforço. Contudo, há que reconhecer que, independentemente
do método que se adopte, é muito difícil assegurar à partida a não fendilhação do betão
estrutural, mesmo sendo pré-esforçado.

No caso de muros de comprimento bastante superior à altura, como os muros de suporte,


depósitos e/ou tanques, cujas paredes se encontram encastradas na fundação ou ligadas a
uma fase anterior de betonagem, a fendilhação deve-se sobretudo ao efeito das deformações
impostas. Na figura seguinte apresenta-se a fendilhação característica duma parede de um
muro sem juntas, a qual já foi referida no capítulo II.

Figura V. 7 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas

Nestes casos, a fundação é betonada em primeiro lugar e só depois a parede do muro. O


facto de a fundação se encontrar envolvida por terra, a qual constitui um ambiente húmido que
impede o contacto directo do betão com o ambiente seco externo, faz com que a retracção
desse betão seja retardada e mesmo inferior. Por sua vez, a parede, em geral, também sofre
maiores variações de temperatura exterior existindo a restrição ao encurtamento imposta pela
fundação e, assim, dá-se azo ao desenvolvimento da fendilhação.

74
O betão da parede do muro fica sujeito a tensões de tracção horizontais, que irão provocar
fendas verticais, conforme se analisou no subcapítulo 2.5. Estas fendas verticais ou
transversais (denominadas na Figura V. 7 por fendas principais), conforme Luís [25] explica,
além de atravessarem toda a espessura do elemento, são as que condicionam a estanquidade
do mesmo. Por outro lado, fendas, essencialmente de flexão verificam-se junto a uma das
faces e não necessitam do mesmo nível de preocupação em termos de funcionalidade. O risco
da fendilhação que ocorre nestes casos pode também ser contrariado limitando a elevação de
temperatura devida à hidratação do betão, com betonagens em etapas ou, como se analisou
nesta tese, com disposições apropriadas de armadura. Outra opção, para contrariar a
fendilhação, é a execução de juntas de dilatação colocadas a distâncias apropriadas, visando
evitar a ocorrência de fendilhação significativa entre as mesmas. O EC2-parte 3 [17], no anexo
N, propõe um espaçamento máximo de 5,0 metros ou de 1,5 vezes a altura da parede (ver
Figura V. 8).

Figura V. 8 – Distância máxima entre juntas de dilatação segundo EC2-parte3 [17]

Se a solução adoptada for o recurso a juntas e, se se tratar de uma estrutura com a


finalidade de armazenar água, como tanques, é necessário prevenir as possíveis fugas de
líquido. Com o fim de garantir a estanquidade em juntas de elementos de betão podem-se usar
perfis de Waterstop (ver Figura V. 9), que são compostos de resinas de cloreto de polivinil de
alta qualidade e plastificantes seleccionados que lhe conferem a maleabilidade necessária para
assegurar a aderência eficaz aos elementos de betão, conforme explicado por Borges [8].

Figura V. 9 – Pormenor de uma junta Waterstop [36]

75
No caso concreto dos tanques, há, em geral, situações claras de sobreposição de efeitos de
uma deformação imposta axial e da acção do impulso da água nas paredes com flexão, na
mesma direcção. Este caso, típico de uma situação de sobreposição de efeitos de acções
directas e indirectas, será analisado no próximo subcapítulo no segundo exemplo de aplicação
(subcapítulo 5.2.2).

5.2. Exemplos de Aplicação

Nos dois subcapítulos seguintes apresentam-se dois casos de estudo: análise da parede de
um muro de suporte sujeito à restrição das deformações impostas e de um tanque em que
ocorre a sobreposição dos efeitos de carga com deformações impostas axiais.

5.2.1. Muro sujeito à restrição das deformações impostas

Analisa-se um muro de suporte com 5 metros de altura e com duas espessuras, sem juntas de
dilatação (ver Figura V. 10). Dimensiona-se armadura longitudinal da parede à acção das
deformações impostas, pois nessa direcção a armadura seria construtiva ou de distribuição,
caso não se considerassem estes efeitos. A parede deve ser armada horizontalmente de tal
maneira que a abertura máxima de fendas seja inferior a um determinado limite, a definir de
acordo com o grau de exigência, em termos de funcionalidade.

Figura V. 10 – Dimensões da parede do muro

76
Na tabela seguinte apresenta-se as características dos materiais adoptados.

Betão C25/30 Aço A500


Ec = 30,5 GPa Es = 200 GPa
fctm = 2,6 MPa fyk = 500 MPa
Tabela V. 1 – Características dos materiais a adoptar na parede do muro

As armaduras mínimas definidas pela expressão II.26 para valores de espessura da parede
de 0,3m e 0,6m são as indicadas na Tabela V. 2:

2
h (m) k As,min (cm /m) As,min adoptar
2
0,30 1,00 15,60 Ø10//0,10 (15,7 cm /m)
2
0,60 0,79 24,65 Ø16//0,15 (26,7 cm /m)
Tabela V. 2 – Armaduras mínimas para dois tipos de espessura da parede do muro

Assim, da base até meio da parede do muro, ao longo de 2,5m (ver Figura V. 10), a
2 2
armadura mínima a adoptar seria de 26,7 cm /m e, do meio até ao topo, 15,7 cm /m. Pode ser
discutível a avaliação destas quantidades de armaduras para o caso desta geometria, com
duas espessuras, mas considera-se a opção aceitável, até porque não seria evidente outra
alternativa.

Para garantir a não plastificação da armadura, poder-se-ia adoptar quantidades de


armadura inferiores às obtidas, conforme mencionado em 4.2, pois o esforço axial máximo na
secção fendilhada durante o processo de formação de fendas é inferior a Ncr. No entanto,
devido à necessidade de controlar a abertura de fendas opta-se por avaliar estas com aquelas
armaduras.

Estimou-se, então, a abertura característica de fenda, que ocorre para aquelas quantidades
mínimas de armadura, pela expressão II.16, com o fim de verificar se obtêm valores aceitáveis.
Para o cálculo da distância máxima entre fendas utilizou-se a expressão II.20, na qual:

 k1=0,8 (varões nervurados);


 k2=1,0 (tracção simples);
 c=0,035m (recobrimento):

Para o cálculo da extensão média relativa entre o aço e o betão utilizou-se a expressão
II.23, com kt=0,4 (acção lenta no tempo). No cálculo da percentagem de armadura na área
efectiva considerou-se:

77
 para h=0,30m,

2,5 𝑕 − 𝑑 = 2,5 × 𝑐 + 0,01 + ∅ 2 =

= 2,5 × (0,035 + 0,01 + 0,01 2) = 2,5 × 0,05 = 0,125𝑚 (V.1)

𝐴𝑐,𝑒𝑓 = 2 × 1250 = 2500𝑐𝑚2 (V.2)

 para h=0,60m,

2,5 𝑕 − 𝑑 = 2,5 × 𝑐 + 0,01 + ∅ 2 =

= 2,5 × (0,035 + 0,01 + 0,016 2) = 2,5 × 0,053 = 0,1325𝑚 (V.3)

𝐴𝑐,𝑒𝑓 = 2 × 1325 = 2650𝑐𝑚2 (V.4)

A estimativa da abertura de fenda foi efectuada para dois esforços axiais: Ncr e Ndim=0,7Ncr
(esforço axial máximo após fendilhação para uma deformação imposta interna conforme
explicado em 4.2). No cálculo do esforço axial de fendilhação, para a espessura de 0,60m, foi
considerada uma redução da resistência efectiva à tracção por meio de um factor multiplicativo
de 0,79 (ver subcapítulo 2.4 e Figura II. 18). Na Tabela V. 3 apresenta-se os resultados
obtidos.

h As,min ρef Sr,max σs wm wmáx


2 Esforço Axial εsm-εcm
(m) (cm /m) (%) (cm) (MPa) (mm) (mm)
Ncr=780kN/m 496,8 0,00162 0,63 1,07
0,30 Ø10//0,10 0,63 66,0
Ndim=546kN/m 347,8 0,00104 0,41 0,69
Ncr=1232,4kN/m 461,8 0,00176 0,68 1,16
0,60 Ø16//0,15 1,01 65,9
Ndim=862,7kN/m 323,1 0,00107 0,41 0,70
Tabela V. 3 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras mínimas adoptadas

Os resultados mostram que com a quantidade mínima de armadura as estimativas da


largura máxima das fendas são elevadas por comparação com diferentes exigências
regulamentares. Salienta-se as limitações regulamentares da abertura máxima a valores de 0,3
e 0,4 mm.

Assim, com o intuito de limitar as aberturas de fendas expectáveis, apresenta-se de seguida


a avaliação das quantidades de armadura, com e sem cálculo directo, para diferentes
objectivos.

Com o fim de limitar a abertura característica de fendas, a 0,3mm (valor regulamentar


corrente em termos de durabilidade), por controlo indirecto, pelo gráfico da Figura II. 28,
obter-se-ia, depois de aplicar o coeficiente de correcção da expressão II.27 (considerando

78
fctm=fct,ef), e admitindo, por exemplo, a tensão na armadura de 250 MPa, os seguintes valores
para os diâmetros e quantidades de armadura (no cálculo de As utilizou-se a expressão II.26 na
qual se substitui fyk por σs=250MPa):

*
h σs As ∅s ∅s
2 As,adoptar
(m) (MPa) (cm /m) (mm) (mm)
0,30 250,0 31,2 20 13,4 Ø16//0,20 + Ø12//0,20
0,60 250,0 49,3 20 23,9 Ø20//0,125
Tabela V. 4 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e Ncr

Estes resultados apontam para quantidades significativas de armaduras. No entanto, se se


admitir, como no cálculo anterior, que o esforço axial de fendilhação não ultrapassa 0,7Ncr os
resultados seriam os seguintes:

*
h σs As ∅s ∅s
2 As,adoptar
(m) (MPa) (cm /m) (mm) (mm)
0,30 250,0 21,84 20 13,4 Ø12//0,10
0,60 250,0 34,51 20 23,9 Ø20//0,30 + Ø16//0,25
Tabela V. 5 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e 0,7Ncr

Se por motivos de estanquidade, para a classe 1 (ver Tabela II. 3), pretender-se limitar a
abertura característica de fenda a wk1 (ver Figura II. 27) ter-se-ia, então:

𝑕𝐷 /𝑕 = 5/0,6 = 2,5/0,3 = 8,3 𝑤𝑘1 ≅ 0,175𝑚𝑚 (V.5)

Por controlo indirecto (ver Figura II. 28) obter-se-ia, por exemplo, depois de aplicar
também o coeficiente de correcção da expressão II.27 (considerando fctm=fct,ef), os seguintes
valores para os diâmetros e quantidades de armadura (no cálculo de As utilizou-se a expressão
II.26 na qual se substitui fyk por um nível de tensão adequado):

*
h σs As ∅s ∅s
2 As,adoptar
(m) (MPa) (cm /m) (mm) (mm)
0,30 180,0 43,33 20 13,4 Ø16//0,20 + Ø12//0,10
0,60 220,0 56,02 16 19,2 Ø20//0,10
Tabela V. 6 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e Ncr

Mais uma vez, os resultados apontam para quantidades de armaduras que se diria não
fazerem quase sentido prático. Por outro lado, se se admitir que o esforço axial nas secções
fendilhadas não ultrapassa 0,7Ncr os resultados seriam os seguintes, bastante mais razoáveis:

79
*
h σs As ∅s ∅s
2 As,adoptar
(m) (MPa) (cm /m) (mm) (mm)
0,30 180,0 30,33 20 13,4 Ø16//0,20 + Ø12//0,20
0,60 220,0 39,21 16 19,2 Ø16//0,10
Tabela V. 7 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e 0,7Ncr

Se pretender limitar a abertura característica de fenda ao mesmo valor, ou seja, 0,175mm,


efectuando um cálculo directo, com diâmetros médios de 16mm para h=0,30m e h=0,60m,
obtêm-se os valores expressos na tabela seguinte.

wk h N As σs
Sr,máx εsm-εcm 2
(mm) (mm) (kN/m) (cm /m) (MPa)
2,522 × 10−6
− 3,41 × 10−5
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
780,0 52,6 148,3
2,34 × 10−6
>
0,001442 𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
0,30 0,119 +
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚) 1,352 × 10−6
− 3,41 × 10−5
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
546,0 42,7 127,8
1,64 × 10−6
<
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
0,175
4,784 × 10−6
− 3,41 × 10−5
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
1232,4 78,3 157,5
3,70 × 10−6
>
0,001442 𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
0,60 0,119 +
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚) 2,936 × 10−6
− 3,41 × 10−5
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
862,7 57,7 149,5
2,59 × 10−6
>
𝐴𝑠 (𝑚2 /𝑚)
Tabela V. 8 – Resultados do controlo directo da fendilhação

Verifica-se que, pelo cálculo directo, as quantidades de armadura necessárias para um


dado nível de exigência são superiores às obtidas para o controlo indirecto, tendo-se
constatado, neste exemplo, uma diferença com um factor da ordem de 1,4, o que justifica que
este aspecto seja, no futuro, clarificado. De qualquer forma estes resultados vêm reforçar a
ideia de que a garantia da estanquidade por limitação da abertura de fendas a limites
apertados conduz a valores muito significativos de quantidades de armadura, mesmo tomando
para o dimensionamento um esforço axial de 0,7Ncr.

80
5.2.2. Tanque – sobreposição de cargas (acção da água) a deformação imposta
axial

Para esta análise, com sobreposição dos efeitos das cargas com deformação imposta,
considera-se um tanque com dimensões em planta de 10m por 15m, sendo a espessura da
parede constante de 0,30m e a altura de 5,0m (ver Figura V. 11). O tanque não se encontra
enterrado e no interior deverá conter água. As características dos materiais considerados são
as mesmas apresentadas para o caso anterior (ver Tabela V. 1).

Figura V. 11 – Dimensões do tanque

Nesta situação ocorre uma sobreposição de efeitos, da acção do impulso da água sobre as
paredes do tanque, que gera efeitos de flexão e tracção, com o efeito axial da deformação
imposta nas mesmas, conforme se ilustra, na direcção longitudinal, na figura seguinte.

Figura V. 12 – Representação, em planta, da sobreposição de efeitos no tanque: a) acção da água nas paredes; b)N,
esforço normal devido às deformações impostas e à acção da água e Mcp, momentos devido à acção da água

81
O esforço axial associado ao início da fendilhação por efeito axial isolado tem o seguinte
valor:

𝑁𝑐𝑟 = 𝑒 × 𝑓𝑐𝑡𝑚 = 0,3 × 2,6 × 103 = 780 𝑘𝑁/𝑚 (V.6)

As características do betão variam com o tempo, logo, na análise da estrutura considerou-


se o módulo de elasticidade ajustado (Ec,ajust), como referido no subcapítulo 4.3,
correspondente a 𝐸𝑐,28 3. Optou-se por esta redução do módulo de elasticidade visto se ter
considerado, como principal acção imposta, a retracção. Em rigor, o cálculo dos esforços e
efeitos das acções directas poderia ser efectuado com E c,28 e os efeitos das deformações
impostas com Ec,ajust, mas, por uma questão de simplificação, analisa-se ambas as acções com
o Ec,ajust.

®
As paredes e a laje de fundo foram modeladas no SAP2000 como elementos shells, sendo
que foram consideradas apoios, só com deslocamentos impedidos, na base do tanque, como
se pode observar na figura seguinte.

®
Figura V. 13 – Modelação do tanque em SAP2000

Definiu-se a deformação imposta como sendo uma variação de temperatura equivalente por
meio da aplicação da expressão IV. 12, tendo-se obtido:

0,3×10 −3
∆𝑇𝑒𝑞 = 15 + 1×10 −5
= 45℃ (V. 7)

A distribuição do esforço axial resultante, na parede com 15m de comprimento, devido à


deformação imposta, é apresentada na figura seguinte.

82
Figura V. 14 – Distribuição do esforço axial resultante, devido à deformação imposta, na parede de 15m de
comprimento

Para o Estado Limite de Utilização, aplicando a metodologia proposta por Luís [25] e
apresentada no subcapítulo 4.3, optou-se por, nas zonas da estrutura onde o esforço axial
devido à deformação imposta seja superior a Ncr, aplicar-se o factor de redução, ξ=0,6 (ver
Tabela IV. 2), ao valor de Ncr. Nas zonas onde o esforço axial seja inferior a N cr, aplicou-se
também aquele coeficiente de redução a esse esforço axial. Na Figura V. 15 apresenta-se
graficamente os valores obtidos para a zona central da parede para o esforço axial elástico
devido à deformação imposta, obtido do programa de cálculo automático, e o de
dimensionamento (para o comportamento em serviço), ou seja, com aplicação da metodologia
anterior.

1500,0
Esforço Axial (kN/m)

1250,0

1000,0 N do SAP2000

750,0 Ndim

Ncr
500,0

250,0

0,0 distância à base (m)


0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0

Figura V. 15 – Variação do esforço axial, devido à deformação imposta, na zona central da parede de 15m de
comprimento

83
Numa análise da flexão composta há que avaliar o nível das tensões nas armaduras em
secção fissurada, definindo a adequabilidade da percentagem de armadura colocada de acordo
com os limites do comportamento em serviço.

Assim, dividiu-se a parede em duas zonas iguais, a superior e a inferior, na zona central da
referida parede, sendo que os seus pontos médios se encontram a 1,25m de distância da base
(região B) e a outra a 3,75m (região A), conforme se pode observar na Figura V.16.

Figura V. 16 – Zonas a analisar

Para cada zona avaliou-se as quantidades de armadura longitudinal para os Estados


Limites Últimos, na parede com 15m de comprimento. No Anexo A apresentam-se os esforços
obtidos do programa de cálculo automático utilizados para essa avaliação. Efectuou-se o
dimensionamento à rotura, em cada zona para esforços médios conservativos, tendo-se
tomado os valores de momento e esforço axial a uma distância de 4,0m da base na zona A e a
0,5m da base na zona B. Seguidamente, apresenta-se os cálculos de dimensionamento em
ambas as zonas:

 Zona A:

Figura V. 17 – Pormenor da secção na zona A a dimensionar

𝑁𝑠𝑑 = 1,5 × 41,9 = 62,9 𝑘𝑁 𝑚 ; 𝑀𝑠𝑑 = 1,5 × 33,3 = 50,0 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 8)

𝑀 𝑁 50 62,9
𝐴𝑠1 : 𝐹𝑠1 = + = + = 240,9 𝑘𝑁 𝑚 (V. 9)
0,9𝑑 2 0,9 × 0,265 2

84
𝐹𝑠1 240,9
𝐴𝑠1 = = × 10−4 = 5,54 𝑐𝑚2 𝑚 (V. 10)
𝑓𝑦𝑑 435 × 103

Adoptou-se a armadura mínima de tracção calculado no exemplo anterior (subcapítulo


2
5.2.1), ou seja, Ø10//0,10 (2x7,85 cm /m).

 Zona B:

Figura V. 18 – Pormenor da secção na zona B a dimensionar

𝑁𝑠𝑑 = 1,5 × 1,6 = 2,4 𝑘𝑁 𝑚 (V. 11)

Nesta zona não se considerou a influência do esforço axial devido às cargas, pois é muito
reduzido.

𝑀𝑠𝑑 = 1,5 × 27,1 = 40,7 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 12)

𝑀 40,7
𝐴𝑠2 : 𝐹𝑠2 = = = 169,5 𝑘𝑁 𝑚 (V. 13)
0,9𝑑 0,9 × 0,265
𝐹𝑠2 169,5
𝐴𝑠2 = = × 10−4 = 3,89 𝑐𝑚2 𝑚 (V. 14)
𝑓𝑦𝑑 435 × 103

Adoptou-se a armadura mínima de tracção calculado no exemplo anterior (subcapítulo


2
5.2.1), mas neste caso optou-se por colocar Ø16//0,20 (As2=10,05cm /m) como armadura
2
interior do tanque e Ø12//0,20 (5,65cm /m) como armadura exterior.

Efectuou-se a análise ao comportamento em serviço tomando a combinação de esforços


mais desfavorável em serviço, ou seja, a uma distância de 2,5m do topo, na zona A e a 5,0m
do topo, na zona B. Seguidamente, apresenta-se a avaliação das tensões nas armaduras em
ambas as zonas:

85
 Zona A:

Figura V. 19 – Pormenor da secção na zona A a verificar o comportamento em serviço

𝑁𝑐𝑞𝑝 = 𝑁𝑑𝑖 + 𝑁𝑐𝑝 = 451,8 + 26 = 477,8 𝑘𝑁 𝑚 ; 𝑀𝑐𝑞𝑝 = 𝑀𝑐𝑝 = 18,9 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 15)

𝑀𝑐𝑞𝑝 𝑁𝑐𝑞𝑝 18,9 477,8


𝐹𝑠1 = + = + = 321,1 𝑘𝑁 𝑚 (V. 16)
𝑧 2 0,23 2

𝑀𝑐𝑞𝑝 𝑁𝑐𝑞𝑝 18,9 477,8


𝐹𝑠2 = − + =− + = 156,7 𝑘𝑁 𝑚 (V. 17)
𝑧 2 0,23 2

321,1 × 10−3 156,7 × 10−3


𝜍𝑠1 = = 409,0𝑀𝑃𝑎; 𝜍𝑠2 = = 199,6𝑀𝑃𝑎 (V. 18)
7,85 × 10−4 7,85 × 10−4

 Zona B:

Figura V. 20 – Pormenor da secção na zona B a verificar o comportamento em serviço

𝑁𝑐𝑞𝑝 = 𝑁𝑑𝑖 + 𝑁𝑐𝑝 = 468 − 6,4 = 461,6 𝑘𝑁 𝑚 ; 𝑀𝑐𝑞𝑝 = 𝑀𝑐𝑝 = 45,2 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 19)

𝑀𝑐𝑞𝑝 𝑁𝑐𝑞𝑝 45,2 461,6


𝐹𝑠1 = − + =− + = 34,28 𝑘𝑁 𝑚 (V. 20)
𝑧 2 0,23 2

𝑀𝑐𝑞𝑝 𝑁𝑐𝑞𝑝 45,2 461,6


𝐹𝑠2 = + = + = 427,3 𝑘𝑁 𝑚 (V. 21)
𝑧 2 0,23 2

34,28 × 10−3 427,3 × 10−3


𝜍𝑠1 = = 60,7𝑀𝑃𝑎; 𝜍𝑠2 = = 425,2𝑀𝑃𝑎 (V. 22)
5,65 × 10−4 10,05 × 10−4

86
Apresenta-se na tabela seguinte as tensões nas armaduras condicionantes e abertura de
fendas média e máxima (para o cálculo da distância máxima entre fendas, Sr,máx, utilizou-se a
expressão II.20, com um k2=0,7 (flexão composta)) .

As,adoptado ρef Sr,máx σsmáx wm wmáx


2 Esforços εsm-εcm
(cm /m) (%) (cm) (MPa) (mm) (mm)
7,85
Zona (Ø10//0,10) N=477,8kN/m
0,63 49,8 409,0 0,00123 0,36 0,61
A Armadura M=18,9kNm/m
exterior

10,05
Zona (Ø16//0,20) N=461,6kN/m
0,76 62,1 425,2 0,00141 0,51 0,87
B Armadura M=-45,2kNm/m
interior
Tabela V. 9 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras condicionantes

Observa-se que as aberturas de fendas para este caso não são de forma alguma
admissíveis. Assim, é necessário, para obter um melhor comportamento ao Estado Limites de
Fendilhação, dispor de outras quantidades de armadura, de forma a assegurar características
de comportamento adequadas à sua funcionalidade. Assim, optou-se por na zona A colocar
Ø16//0,15 como armadura interior e Ø16//0,10 como armadura exterior e na zona B, optou-se
pelo inverso desta disposição. Apresenta-se na Tabela V.10 as tensões e abertura de fendas
para aquelas quantidades de armadura com o fim de obter um melhor comportamento em
serviço.

As,adoptado ρef Sr,máx σsmáx wm wmáx


2 Esforços εsm-εcm
(cm /m) (%) (cm) (MPa) (mm) (mm)
20,11
Zona (Ø16//0,10) N=477,8kN/m
1,52 37,0 159,66 0,00048 0,10 0,18
A Armadura M=18,9kNm/m
exterior

20,11
Zona (Ø16//0,10) N=461,6kN/m
1,52 37,0 212,49 0,00069 0,15 0,25
B Armadura M=-45,2kNm/m
interior
Tabela V. 10 – Disposição de armaduras condicionantes para obtenção de abertura de fendas menores

Verifica-se neste exemplo que, efectuando o cálculo das armaduras para os Estados Limites
Últimos, teríamos uma quantidade de armaduras insuficiente e que, para garantir exigências de
estanquidade, de acordo com a Figura II. 27, se chega à conclusão que são necessárias
quantidades de aço ainda superiores às propostas nesta última tabela.

87
VI. Conclusões

O objectivo deste trabalho consistiu no desenvolvimento de um documento que pudesse


sintetizar a informação existente sobre os efeitos das deformações impostas nas
estruturas de betão estrutural, a partir do trabalho de investigação que tem sido desenvolvido
no Instituto Superior Técnico.

Um primeiro aspecto que se salientou é que a consideração das deformações impostas é


fundamental na verificação das condições de serviço da estrutura, sendo a sua
consideração no dimensionamento à rotura limitada aos eventuais esforços de segunda ordem
e a verificação da ductilidade disponível. Como os efeitos desfavoráveis das deformações
impostas se fazem sentir fundamentalmente no comportamento em serviço, devem ser
consideradas na verificação aos Estados Limites de Utilização, essencialmente, o controlo da
fendilhação. Assim sendo, é pressuposto a estrutura encontrar-se fendilhada e, portanto, no
cálculo dos esforços faz todo o sentido considerar a diminuição de rigidez e dos esforços
gerados relativamente aos elásticos.

Para ocorrer o processo de formação de fendas é necessário, nessa fase, evitar a


plastificação, ou seja, é fundamental verificar o critério de não plastificação da armadura. Com
este critério pretende-se garantir que os esforços de cedência da secção são superiores aos de
fendilhação, assegurando-se um comportamento dúctil, para o caso da acção de uma carga e
evitando-se a não formação de uma fenda isolada, para o caso de uma deformação imposta.

Nas situações de flexão é corrente os esforços maiores concentrarem-se em determinadas


zonas da estrutura, ao passo que na resposta estrutural para situações de deformação
imposta, com esforços de tracção, há maior tendência para a uniformidade dos efeitos das
acções ao longo do elemento.

Para situações de deformações impostas axiais afectando o betão e o aço (variação de


temperatura) global cada nova fenda forma-se para um valor de esforço axial aproximado de
Ncr, enquanto no caso da retracção do betão o esforço axial resultante para formar cada nova
fenda tem tendência a ser inferior a Ncr e menor do que o valor da anterior fenda. Tal facto é
justificado pelo efeito restritivo da acção da armadura relativamente ao livre encurtamento do
betão, gerando tensões auto-equilibradas na secção, com tracção no betão e compressão no
aço. Estas tensões no betão, que aumentam à medida que se processa o fenómeno da
retracção, é tal que diminui reserva para que se atinja de novo a tensão de resistência do betão
e, consequentemente, o valor de esforço axial na abertura de cada nova fenda. O campo auto-
equilibrado de tensões que se vai gerando no elemento faz diminuir a máxima tensão na
armadura à medida que a retracção se vai dando e as fendas formando-se.

Em situações em que se sobrepõem os efeitos de flexão de deformações impostas com


os das cargas os esforços desenvolvidos variam consoante o valor da rigidez da estrutura seja

88
maior ou menor e o facto de já ter sido iniciada ou não a fase fendilhada. O efeito das
deformações impostas manifesta-se por um acréscimo de curvatura e por um possível aumento
dos momentos flectores, estando estes dependentes do estado e do nível de esforço em que o
elemento se encontra. Constatou-se que para uma maior diferença entre o momento devido às
cargas aplicadas em serviço e o momento de cedência, maior será a capacidade do elemento
estrutural em admitir eventuais acréscimos de momento flector devido à acção das
deformações impostas, sem que se atinja a cedência ou as aberturas de fendas sejam mais
importantes.

Para situações de sobreposição de efeitos de flexão com deformação imposta axial


ocorre a diminuição dos esforços axiais que se desenvolvem, quer a deformação seja interna
ou externa ao betão. Sendo que, esta diminuição é mais significativa para níveis mais baixos
da deformação imposta. Concluiu-se, também, que as acções não devem ser consideradas
como a soma de cada efeito analisado individualmente.

Foram apresentados critérios de dimensionamento que têm sido propostos, no âmbito


da verificação do comportamento em serviço, para as situações de actuação de deformações
impostas isoladamente ou em conjunto com acções directas. Tais critérios têm como base, a
aplicação de um factor de redução aos valores dos esforços elásticos, à consideração do
esforço de fendilhação ou mesmo só a uma percentagem deste, dependendo da situação em
causa.

Dos exemplos de aplicação foi interessante verificar, no primeiro exemplo do muro sujeito
à restrição das deformações impostas, que com a quantidade mínima de armadura as
estimativas da largura máxima das fendas são elevadas, por comparação às diferentes
exigências regulamentares e que a garantia da estanquidade por limitação da abertura de
fendas a limites apertados conduz a quantidades muito significativos de armadura, mesmo
adoptando para o dimensionamento o esforço axial de 0,7Ncr. Verificou-se, ainda, que pelo
cálculo directo, as quantidades de armadura necessárias para um dado nível de exigência são
superiores às obtidas para o controlo indirecto, tendo-se constatado, uma diferença com um
factor da ordem de 1,4 entre os dois tipos de controlo, o que justifica que este aspecto seja, no
futuro, clarificado.

No segundo exemplo, o tanque com sobreposição de efeitos, verificou-se que


dimensionando as armaduras longitudinais à rotura, obtém-se um mau comportamento em
serviço, tendo que se dispor de quantidades superiores às mínimas regulamentares para ter
aberturas de fendas aceitáveis.

89
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91
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Basingstoke : Palgrave Macmillan, 1996;

[36] www.eng-tips.com

92
Anexo A

Esforço Axial (kN/m) 60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
distância à base (m)
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0
-10,0

Variação do esforço axial resultante, devido ao peso próprio e impulso da água, na zona central da parede de 15m
de comprimento

-50,0
(kN.m/m)

-40,0

-30,0

-20,0

-10,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0 Distância à base (m)


0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0

Variação do momento flector, devido ao impulso da água, na zona central da parede de 15m

93
-120,0

(kN.m/m)
-100,0

-80,0

-60,0

-40,0

-20,0

0,0

20,0

40,0
0,0 1,5 3,0 4,5 6,0 7,5 9,0 10,5 12,0 13,5 15,0 (m)

Variação do momento flector, devido ao impulso da água, ao longo do comprimento da parede de 15m de
comprimento, a uma distância de 4,0m da base

94

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