1 - A Diversificacao Das Fontes de Financiamento para A Cultura Um Desafio para Os Poderes Publicos PDF

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A diversificação das fontes de financiamento para a cultura: um desafio

para os poderes públicos1

Isaura Botelho

Tivemos oportunidade de ouvir, neste «Seminário sobre Modelos de Financiamento


para a Cultura numa Perspectiva Comparada», promovido pelo Ministério da Cultura,
representantes de países que, com experiências variadas, têm procurado desenvolver
legislações que estimulem a diversificação de fontes de financiamento para a cultura. Em
todos os casos, a parceria com o setor privado é o alvo mais almejado, apesar de sabermos
que a diversificação de fontes de recursos não se esgote neste aspecto.
A partir dos anos 80 verificou-se uma tendência mundial de diminuição dos
orçamentos governamentais para a cultura em função da crise econômica. Ao que parece,
somente a França é uma exceção neste quadro: com a posse do socialista François
Mitterand na presidência da República, e do midiático Jacques Lang no comando do
Ministério da Cultura, em 1981, este ministério teve seu orçamento duplicado.
Em função desta diminuição dos recursos públicos, governos que não tinham
legislação de benefícios fiscais para a cultura começaram a se utilizar deste mecanismo,
como forma de compensar o empobrecimento de um setor que, sabemos, é geralmente
periférico no conjunto das políticas governamentais.
A urgência desta busca por novos recursos pode fazer com que a discussão sobre
políticas culturais seja sobrepujada pelo debate em torno de modelos de financiamento.
Rendermo-nos a isso significaria aceitar uma inversão de valores: o financiamento da
cultura não pode ser analisado independentemente dos objetivos de uma política cultural,
pois estes é que devem determinar as metas a serem atingidas. Cada um destes objetivos
pode definir uma estratégia diferente para a injeção de recursos, que podem ser

1
In: BOTELHO, Isaura, MOISÉS, José Álvaro (Org.). Modelos de financiamento da cultura; os
casos do Brasil, França, Inglaterra, Estados Unidos e Portugal. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1997.
provenientes de fontes diversas. Ou seja, o financiamento é determinado pela política e não
seu determinante. O que quero dizer é que, sendo o financiamento um dos mais poderosos
mecanismos - e, talvez o mais poderoso deles - para a consecução de uma política pública,
ele deve ser a tradução de um objetivo que se quer alcançar. É através dele que se pode
intervir de forma direta na solução de problemas detectados ou no estímulo a determinadas
atividades, com impactos que podem ser relativamente previsíveis. Gostaria de
contextualizar minhas observações.
Até os anos 80, duas posições polarizavam o cenário desta discussão: de um lado
tínhamos aqueles - e me incluo entre eles - que acreditavam firmemente que a cultura e a
arte faziam parte indissociável da identidade e do prestígio de uma nação, razão pela qual o
apoio por parte dos poderes públicos era indiscutível. Por outro, tínhamos aqueles que viam
a cultura como um negócio entre outros devendo, portanto, se auto-financiar e se submeter
às regras de mercado.
Estas posições refletem diferentes maneiras de se ver o grau de presença do Estado
na vida da sociedade e, as traduções mais evidentes destas duas posturas são, de um lado, a
França, com sua indiscutível tradição centralizadora e, de outro, os Estados Unidos, que
privilegia o princípio da administração à distância, e onde o investimento privado nas artes
é significativamente maior do que o público. Porém, não se pode apenas ficar fascinado
com os números americanos, como se fosse um privilégio caído dos céus. Tem-se de
analisar o que levou aquele país - herdeiro de toda uma tradição anglo-saxã - a ter essa
vigorosa presença de recursos privados no financiamento das artes.
É bastante operacional usar os exemplos acima referidos, já que são experiências
opostas em vários níveis. Os estudos comparativos existentes sobre as políticas culturais de
diversos países demonstram claramente que a formação histórica de cada um deles é o fator
determinante na forma de organização e de aceitação de estruturas governamentais centrais
de apoio à cultura. No caso da França, temos um antigo estado monárquico absolutista,
onde a tradição de sustentação das artes já era vista como responsabilidade normal do
governo, legando como herança aos tempos modernos a continuidade desta suposição.
Temos então o exemplo maior de país com uma política cultural emanando do governo
central, através de um Ministério da Cultura que, embora criado só em 1959, é herdeiro
desta forte tradição histórica. Este modelo terminou sendo exportado para diversos países,
principalmente aqueles que sofreram fortes influências culturais da França, como é o caso
do Brasil.
No pólo oposto, temos os Estados Unidos, país de origem recente em termos
históricos, herdeiro de uma tradição radicalmente diferente, onde por muitos anos a opinião
pública se colocou frontalmente contra o patrocínio governamental às artes. Embora o país
tenha, a partir de 1965, uma agência federal para o subsídio às artes, esta não se configura
como uma instituição da qual emane uma política articulada para o setor em nível nacional:
ela foi concebida com o objetivo de subvencionar artistas e instituições, com a seleção
sendo feita por comitês de especialistas - renovados periodicamente -, e não por
profissionais pertencentes aos quadros da instituição.
No caso americano, o fato da presença do setor privado no apoio às artes ser
significativamente maior do que a do setor público não chega a surpreender, pois reina aí a
máxima jeffersoniana de que o melhor governo é aquele que governa menos. A
desconfiança da população - inclusive de artistas - com relação à presença do governo é tal,
que só nos anos 60, como já mencionei, foi criada uma instituição federal para a área,
depois de 17 anos de acirrados debates no Congresso. O National Endowment for the Arts
cumpre um papel apenas supletivo no subsídio direto às artes. Dados de 1994 indicam que,
nos Estados Unidos, o investimento em cultura alcançou a cifra de US$ 9 bilhões: deste
total, US$ 2,5 bilhões vieram do governo e as empresas contribuíram com US$ 2,4 bilhões.
Os US$ 4,1 bilhões restantes, ou seja, 45,5% dos recursos vieram da contribuição de
pessoas físicas.2 São números impressionantes, mas que não podem ser lidos isoladamente
do contexto histórico e cultural daquele país.
Os poderes públicos americanos têm, apesar da gritante diferença nos valores
apresentados, uma presença fundamental no chamado subsídio indireto, através de uma
diversificada política fiscal, que estimula amplamente o investimento privado: desta forma,

2
Apesar das divergências em torno do apoio ou não do governo central às artes, a partir da 2a. Guerra Mundial
houve uma enorme expansão dos gastos públicos no setor, em quase todos os países ocidentais - inclusive nos
Estados Unidos -,com seu momento mais significativo nos anos 60 e início dos 70 SCHUSTER,
J.M.Davidson. «The search for international models: results from recent comparative research in arts policy».
In: CUMMINGS Jr., Milton C. & SCHUSTER, J.M.Davidson. Who's to pay for the arts?. The international
search for models of arts support. NY,ACA Books, 1989.
abre-se espaço para que a sociedade decida diretamente sobre a aplicação de recursos que
são, vale ressaltar, recursos públicos.
Não me deterei sobre o caso francês - exemplo predileto daqueles que acreditam
firmemente que a cultura é um «affaire d'Etat» -, país que sempre nos impressiona pelos
altos orçamentos de seu Ministério da Cultura, impraticáveis para a nossa realidade. Este
investimento, no entanto, reflete uma postura bastante coerente em um país - pólo do
cruzamento de culturas e de produção intelectual há séculos - onde a cultura sempre foi
vista como obrigação do poder público e motivo de orgulho nacional. É esta convicção,
tipicamente francesa, que dificultou a aceitação da primeira lei do mecenato naquele país,
como nos relatou Jean-Yves Kaced, neste seminário. Exemplo desta rejeição, e que faz
parte do anedotário sobre as resistências francesas ao dinheiro vindo de empresas, é a frase
de um famoso diretor de teatro, Jean-Pierre Vincent. Ele considera que, qualquer que seja a
fonte - pública ou privada - o dinheiro que subvenciona as atividades artísticas tem uma
mesma origem: é uma «extorsão de mais-valia». E que, assim sendo, entre os dois, ele
prefere aquele que é «'lavado' pela República», o que lhe parece permitir uma melhor
relação com os artistas.3
Os efeitos devastadores, principalmente no setor cultural, do desmonte do Estado
promovido por Fernando Collor, em sua passagem pela presidência da República em 1990,
me levaram a examinar com mais atenção outros modelos institucionais, na busca de
formas mais estáveis para um setor que, embora periférico na maioria dos países, tem, não
só sobrevivido em muitos deles, como também tem ganho mais legitimidade junto a seus
governos. Este é um fato positivo, pois tem valor estratégico mesmo quando este prestígio
advém apenas da descoberta, por parte dos gestores do poder, de que apoiar a cultura
demanda poucos investimentos tendo em vista o alto retorno de imagem que proporciona -
o mesmo argumento, aliás, que se usa junto às empresas.
Como já mencionei, a organização institucional brasileira se inspirou nos modelos
franceses, tanto em sua origem novecentista quanto no momento do salto institucional na
década de trinta - durante a ditadura Vargas -, quando são criadas instituições como o
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ou o Instituto Nacional do Livro, por

3
Ver «A arte de ganhar dinheiro». Correio Braziliense. Caderno Dois, p. 3. 3/5/1997.
exemplo 4. Tal inspiração se fez também presente no momento do novo salto quando, nos
anos 70, a ditadura militar investiu na reorganização da área cultural, modernizando as
estruturas existentes e criando instituições como a FUNARTE. Esta, embora guardasse um
«lado francês» de produção própria de projetos «a serem levados» para as mais diversas
regiões, teve como novidade importante o fato de se atribuir a responsabilidade de financiar
projetos que, ao contrário, vinham de instituições de todo o país, tarefa que cumpriu de
maneira significativa, alterando o quadro das relações clientelísticas vigentes até então5.
Outro exemplo é o da criação da Fundação Nacional Pró-Memória que, incorporando
antigas instituições, as revitaliza e impõe modos diversos no trato com as políticas
públicas6. Tal criação mostra como já começava, naquele momento, um deslocamento do
eixo dos modelos inspiradores. Mas é a FUNARTE que incorpora, mais decisivamente, no
seu viés «agência de financiamento», os métodos de trabalho semelhantes aos do National
Endowment americano, menos centralizadores e mais democráticos do que aqueles
adotados até então. Foi portanto, o confronto entre as necessidades reais de um país que tem
uma enorme diversidade cultural e sócio-econômica - expresso aí por uma demanda que
não tinha sua correspondência na capacidade financiadora do órgão - que trouxe, como
questão inevitável, a busca por novas fontes de financiamento. A experiência americana era,
já então, um modelo discutido e a ser melhor conhecido. Como conseguir estabelecer um
sistema, aparentemente tão estável, onde os recursos privados tinham tanto peso? Era
mesmo o «mercado» o responsável por toda esta vitalidade?
A minha perplexidade diante da facilidade com que Fernando Collor, nos anos 90,
desmontou instituições que vinham construindo um trabalho respeitável em nível nacional,
ao mesmo tempo que alardeava que o mercado deveria ser o critério de sustentação da

4
Citação in: BOTELHO, Isaura. «Le mécénat culturel d'entreprise: une politique culturelle? - le rôle
d'ADMICAL». Tese de D.E.S.S. - Université de Bourgogne - Dijon/Paris - França, 1992. p.13/14.
5
No caso do Instituto Nacional do Cinema Educativo ou da Rádio Roquette Pinto valeu a inspiração advinda
do interesse do governo brasileiro nas experiências italianas sob o regime fascista. V. MORETTIN, Eduardo.
«Cinema e História: uma análise do filme Os Bandeirantes de Humberto Mauro» Tese de mestrado,
ECA/USP, 1995; e ALMEIDA, Cláudio Aguiar. «Argila, uma cena do Estado Novo». Tese de mestrado,
Departamento de História/FFLCH/USP, 1993.
6
O Canadá é um bom exemplo: embora a legislação seja exatamente a mesma em todo o país, o suporte
privado é muito mais significativo nas regiões de fala inglesa do que nas de fala francesa, e essas diferenças
não podem ser explicadas por diferentes níveis de riqueza, já que estes são equilibrados. São diferenças
culturais. SCHUSTER, J.M.Davidson. «The search for international models: results from recent comparative
produção artística, me levaram estudar mais de perto os modelos de outros países e,
naturalmente entre eles, o americano. Hoje, este último é para mim um dos melhores
exemplos para ilustrar a discussão sobre a implantação de um sistema maduro que tem,
como fator básico de sua estabilidade, uma diversificação de fontes de financiamento, que
está ancorada, e isto é fundamental, em um conjunto de políticas públicas. Três aspectos me
fazem privilegiar o modelo americano como base de discussão.
Em primeiro lugar, porque os Estados Unidos são sempre citados como prova maior
da liderança do investimento privado no financiamento das artes, o que é verdade
incontestável. No entanto, dificilmente os que se utilizam deste exemplo contextualizam os
motivos de tal sucesso.
Um segundo aspecto é aquele que desmistifica uma afirmação - considerada como
praticamente irrefutável -, segundo a qual o governo americano participa de forma
secundária no apoio às artes. Na verdade, há formas e formas de o poder público se fazer
presente e o que existe naquele país é um eficiente sistema pluralístico de fontes de
financiamento, fruto de uma política fiscal ampla, aliada a aportes financeiros vindos de
várias instâncias da administração governamental, uma vez que não existe uma legislação
específica para as artes e a cultura. O que há são diversas leis que, atendendo a necessidades
da sociedade em geral, beneficiam também o setor. O fato de existir esse leque de leis traz
um reforço indireto para a área cultural, na medida em que cria a possibilidade de alianças
com outros setores que também serão afetados por qualquer alteração que se queira fazer na
política fiscal7.
Em 1989, por exemplo, estima-se que as deduções provavelmente excederam US$
1 bilhão. Porém, ao lado de medidas fiscais que incentivam o investimento direto e indireto
através de contribuições dedutíveis, de isenções de impostos para instituições culturais e
para artistas individualmente, de isenções de impostos sobre herança ou fortuna, o governo
federal conseguiu também implantar um sistema de efetiva parceria entre os poderes
públicos. Através do mecanismo de repasse do National Endowment for the Arts para os
estados da federação (previsto na sua lei de criação), obrigatoriamente todos eles tiveram

research in arts policy». In: CUMMINGS Jr., Milton C. & SCHUSTER, J.M.Davidson. Who's to pay for the
arts?. The international search for models of arts support. NY,ACA Books, 1989. p.15.
que criar seus respectivos Conselhos, com orçamentos designados, cujos recursos vêm
sempre crescendo a partir de então8. Num efeito cascata, também os municípios criaram
seus próprios Conselhos, chegando a superar a participação estadual e federal em termos de
aportes financeiros. Em 1990, os recursos estaduais foram da ordem de US$ 285 milhões,
enquanto os do National Endowment for the Arts foram de US$ 171.2 milhões. A estes
somam-se ainda os recursos municipais ou de outras administrações locais, que excedem
US$ 300 milhões/ano. Desta forma, dizer que o governo americano não subsidia o setor,
argumento geralmente usado quando se deseja justificar a transferência de
responsabilidades para o mercado, não corresponde à verdade. O que ele tem é um eficiente
sistema de subsídio indireto através de uma legislação diversificada, que alimenta a
produção e a difusão artística, aliado a um eficiente sistema público que, efetivamente
trabalhando em parceria, consegue multiplicar os recursos em cadeia. A grande diferença
com relação aos demais países que têm um ministério é a maneira de organizar a presença
governamental. Segundo o modelo americano, o governo federal divide com os estados e
com os municípios a participação dos poderes públicos, deixando a maior responsabilidade
à própria sociedade. Embora as relações entre o governo americano e as artes seja
conturbado - principalmente durante governos conservadores - a administração pública vem
tendo um papel fundamental no setor. Dito de outra forma, foi um conjunto de políticas
governamentais o fator responsável pela constituição deste sistema.9
Além da legislação do imposto de renda, que permite dedução dos investimentos
feitos em instituições artístico-culturais, educacionais e sociais, outras legislações como o

7
Para maiores detalhes, v. BOTELHO, Isaura. «Por artes da memória: a crônica de uma instituição -
FUNARTE». Tese de doutorado, ECA/USP, 1996.
8
Neste caso, para maiores detalhes, v. FONSECA, M.Cecília Londres. «Construções do Passado: concepções
sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional (Brasil: anos 70-80)». Tese de doutorado, Deptº
de Sociologia/UnB, 1994.
9
Esta lei tem o nome do presidente da República de então, por ser ele o autor do projeto de
lei original quando era Senador. Segundo especialistas, o projeto original era muito mal
formulado e, por isso, o Congresso o havia rejeitado por várias vezes. O projeto aprovado
foi totalmente reformulado pelo então ministro da cultura, o economista Celso Furtado.
_Nunca foi feita uma avaliação dos números concretos mas, oficiosamente, fala-se da mobilização de cerca de
US$ 450 milhões, dos quais US$ 112 milhões corresponderiam ao incentivo fiscal propriamente dito, e o
imposto sobre heranças, seguro-desemprego, obrigatoriedade do ensino público, ensino de
artes nas escolas, proteção ao direito autoral, políticas de barateamento postal (que teve, no
século XIX, influência direta no aumento da produção literária) por exemplo, têm sido
determinantes para o apoio ao setor. Outro exemplo desta variedade é a existência de uma
lei municipal cujo objetivo é a movimentação de recursos de um setor para outro
relacionado com ele, como em S.Francisco (Califórnia), onde hotéis pagam uma taxa
destinada ao apoio a atividades artísticas, estimulando assim, o turismo.10
Portanto, associado a esta política fiscal diversificada - reforçada por uma sólida
tradição anglo-saxã e protestante de benemerência - estabeleceu-se um sistema de parceria
entre as diversas esferas administrativas para o financiamento do setor artístico-cultural,
constituindo um aporte extremamente considerável de recursos públicos: ou seja, existe um
sistema misto de financiamento que se retro-alimenta. Dito de outra forma, este sucesso é
fruto de uma política fiscal diversificada, onde o governo é peça decisiva, já que falamos de
uma política pública.
Quanto ao terceiro aspecto que faz a exemplaridade do caso americano é a ativa
participação da sociedade civil. Como vimos anteriormente, o maior peso do investimento
privado nos Estados Unidos vem exatamente da contribuição de «pessoas físicas» e não das
grandes empresas. O significado desta participação individual no volume global dos
recursos se expressa também através de uma militância, saudável e permanente, em torno
de associações civis de diversos tipos, que não só promovem e publicam análises,
levantamentos estatísticos e econômicos, como também acompanham atentamente os
debates no Congresso, fazendo lobbies, quando necessário, a favor ou contra medidas que
afetam o setor. A existência destas organizações fora da tutela governamental tem permitido
a mobilização da sociedade a cada vez que o setor corre perigo de cortes orçamentários, por
exemplo, ou corre riscos de extinção sumária, como ocorreu com o National Endowment

restante ao aporte de capital de participação dos patrocinadores (V. DURAND, José Carlos. «Empresas e
Cultura no Brasil» SP, CECC/FGV, mimeo., jan. 1995. p. 16).
10
A importância de se ter a aliança de áreas com maior força política fica clara no episódio de criação da
agência federal de financiamento para as artes (hoje o National Endowment for the Arts), que era, em sua
origem, ligada à área de humanidades (National Endowment on the Arts and Humanities). As forças da área
da educação foram decisivas para a criação da agência, já que o sistema universitário naquela época contava já
com cerca de 5 milhões de estudantes, milhares de professores e universidades por todo o país. V.
for the Arts recentemente, em 1995. Desta forma, a discussão sobre as políticas culturais e
seus mecanismos de financiamento ultrapassam os limites do universo corporativo,
diferentemente do que acontece nos países onde o poder público é responsável quase
exclusivo pelo patrocínio das atividades artísticas. Com a incorporação efetiva da
sociedade, também beneficiária desse variado sistema implantado, o debate se enriquece.
De um lado, pela presença de pontos de vista variados. De outro, porque tal multiplicidade
não pode ser desconsiderada pelas instâncias do poder público, pois fica mais difícil reduzí-
la a uma mera questão de defesa de interesses corporativos.
Segundo estudos comparativos feitos entre vários países, as discrepâncias com
relação ao menor ou maior investimento de recursos se devem menos a diferenças na
legislação do que a diferenças quanto à tradição de cada país com relação ao suporte
privado e quanto à visão que se tem do papel do Estado com relação à sustentação das
atividades artísticas. Nos países onde os investimentos privados são menos significativos
isto se traduz tanto na atitude dos contribuintes quanto no das próprias instituições
culturais. Os primeiros, geralmente porque acham que a arte e a cultura são uma
responsabilidade do governo: já pagaram seus impostos e se recusam a dispender mais
recursos. No caso das instituições culturais, seu comportamento revela que, por um lado
elas não têm a tradição de busca por recursos privados, e por outro, temem que, se o
fizerem, o governo cortará proporcionalmente seu apoio.11
Sabemos, e o exemplo dos Estados Unidos também o demonstra, que a
diversificação das fontes de financiamento implica em estratégias que combinem o
comprometimento de outras instâncias do poder público - o que depende do
estabelecimento de mecanismos que forcem a participação de estados e municípios - e de
conquista da iniciativa privada, através de uma legislação fiscal. No caso de países como o
Brasil, onde existe uma fraca tradição de investimento de recursos privados na área cultural,
os poderes públicos têm de cumprir um importantíssimo papel adicional no sentido de

CUMMINGS JR., Milton. «Government and the Arts: an overview». In: BENEDICT, Stephen (ed.). Public
Money and the Muse. Essays on government funding for the arts. NY/London, W.W.Norton & Co., 1991.
11
A lei de criação do National Endowment on the Arts and Humanities (como já foi dito, posteriormente
separadas em duas agências diferentes), obrigava o repasse de 20% de seus recursos diretamente aos estados,
na medida em que estes criassem seus próprios Conselhos. Em dois anos todos eles tinham seus Conselhos e
suas Câmaras também passaram a designar verbas para eles, complementando os recursos federais. A partir de
1990 o NEA foi obrigado a repassar 35% aos estados.
divulgar, o mais amplamente possível, as medidas legislativas implantadas. Para que os
incentivos fiscais tenham a resposta desejada é necessário criar um clima de recepção
favorável a eles na sociedade e, nesse sentido, a postura do governo com relação à cultura e
às artes é fundamental. Analisando os estudos comparativos existentes, verificamos que
todos eles apontam para a importância, junto aos potenciais financiadores privados, da
chancela dada pelo poder público a um determinado projeto ou instituição através de sua
participação financeira, maneira mais evidente dar-lhes legitimidade.
Embora no Brasil tenhamos poucos estudos sobre a matéria, o debate sobre o
financiamento das atividades culturais vem se tornando cada vez mais presente e,
acompanhando uma tendência mundial, os poderes públicos - em suas diversas instâncias
administrativas - vêm compreendendo a necessidade de diversificar as fontes de
financiamento. Até 1985 o governo federal tendia a assumir um papel preponderante no
apoio das atividades culturais e artísticas, com todas as oscilações previsíveis em um país
atingido por sucessivas crises econômicas e por mudanças políticas bruscas, ostentando
uma elite pouco propensa a participar do financiamento do setor.
A legislação brasileira sempre foi tímida com relação a incentivos fiscais que
beneficiassem a produção cultural e seus agentes. No aspecto legal, o Estado brasileiro,
além da legislação sobre o direito autoral, se restringiu às áreas patrimoniais e a leis de
reserva de mercado para o cinema, estas últimas criadas - em sua primeira versão - no
período Vargas e extintas pelo governo Collor. A primeira lei de incentivos fiscais, a lei
Sarney12, aprovada em julho de 1986, chegou a conseguir uma ativação relativa da vida
cultural, mas foi abortada em nome de malversações nunca comprovadas13, no pacote de

12
Ver artigo já citado de CUMMINGS: 1991.
13
Os incentivos existentes hoje na Europa são semelhantes aos americanos. No entanto, a existência disto, por
si só, não garante o interesse do investidor privado. Minha intenção é chamar a atenção para o fato de que as
artes não são beneficiadas apenas por uma legislação específica. Por exemplo, o auto-financiamento do
cinema francês através da taxação dos ingressos: estes recursos poderão ser reembolsados ao produtor, desde
que ele os utilize para a realização de um novo filme francês. No Brasil, a atividade cinematográfica já foi
beneficiada por legislação semelhante: nos anos 70 e 80, o imposto sobre a remessa de lucros das
distribuidoras estrangeiras era revertido em favor da produção cinematográfica nacional. Outra maneira de se
orientar uma política cultural através de uma política fiscal é se fixar impostos mais altos para atividades
culturais consideradas como bens de luxo e para as quais a demanda é inelástica, gerando maior arrecadação
(em alguns países, ICMS alto para discos, por exemplo), cujos benefícios deveriam ser revertidos para o
próprio setor. Da mesma forma pode-se desestimular o consumo de produtos pseudo-artísticos através de uma
alta taxação, como acontece na França e Inglaterra, por exemplo, para produtos pornográficos.
extinção de todos os subsídios federais, em 1990. Para substituí-la, o mesmo Collor
sancionou a Lei Rouanet (lei 8.313/92, que leva o nome do então secretário da cultura, o
embaixador Sérgio Paulo Rouanet) em 1992, na tentativa de reparar a destruição feita e
responder à pressão dos setores artísticos mais atingidos.
A partir de 1995, o Ministério da Cultura vem se dedicando prioritariamente a
estabelecer um Sistema de Financiamento da Cultura, que possa se manter independente de
mudanças conjunturais no quadro político. Este sistema deverá se traduzir na efetivação de
um sistema de parceria entre o poder público e a iniciativa privada por um lado e, por outro,
numa articulação entre as legislações de benefícios fiscais para a cultura que existem em
nível federal (Lei Rouanet e Lei do Audio-Visual) e as diversas leis estaduais e municipais.
Neste sentido, foram feitas alterações nos termos da lei com o objetivo de
desburocratizá-la - aumentando sua aceitabilidade - e tornando-a mais sedutora para o
investimento privado. Sabendo que isto só não basta para atrair este potencial investidor
privado - já que aqui estamos no terreno das arraigadas tradições culturais - o ministério
vem investindo na realização de Fóruns Empresariais em diversas regiões (foram realizados
oito em 1996), no sentido de divulgar a lei e suas modificações junto ao empresariado,
administradores e produtores culturais em parceria com o SESI e/ou governos locais.
Outro aspecto importante para a criação de um clima de aceitabilidade à lei é a
publicidade do incentivo fiscal para a «pessoa física». A previsão é de que, em 1997, uma
grande campanha publicitária seja lançada com o fito de trazer a adesão do cidadão para o
investimento em projetos culturais. Este é um público-alvo fundamental, principalmente
quando se trata de projetos de visibilidade mais restrita - entendendo-se aqui, projetos que
provavelmente não interessarão a grandes empresas - mas que podem ser extremamente
relevantes para grupos ou comunidades específicas. Este é, inclusive, o investimento que,
no caso americano, é o mais significativo. A escolha do indivíduo é por aquilo que lhe é
mais próximo, por aquilo com o qual mais se identifica e pelo qual ele se dispõe, não só a
investir, como a lutar. É exatamente neste plano que se pode falar no exercício efetivo
daquele direito universal à cultura de que falam algumas constituições nacionais, como a
brasileira.
Falta-nos ainda, no Brasil, atacar uma questão muito importante. Como vimos no
exemplo americano, foi exatamente o mecanismo de repasse de recursos - com
contrapartida obrigatória -, presente na lei de criação do National Endowment for the Arts,
que forçou a participação e que, em seguida, fez com que as demais instâncias
administrativas passassem a multiplicar os recursos iniciais. Ou seja, para o
estabelecimento de um sistema de financiamento da cultura que se queira estável e a salvo
de adversidades conjunturais, urge pensar o problema de maneira global, criando
mecanismos que forcem a divisão de responsabilidades com as demais instâncias dos
poderes públicos. Para tanto, é indispensável contrapor a nossa experiência à de outros
países, não em busca de modelos a serem aplicados mecanicamente. Há impasses
recorrentes em todos eles, sinal de que não é sem propósito aventar-se a hipótese de que
existem aí questões que advêm da peculiaridade da área da cultura, seja qual for o contexto
nacional envolvido.

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