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Entrevistas

Quem ouve o trovão


não morre pelo raio
Luiz Carlos Mendonça de Barros
A hora de pedir conselhos
Daniel Kahneman
É na crise que testamos
nosso caráter
revista da espm • ano 21 • edição 97 • nº2 • março/abril 2015 • R$ 28,00 Raj Sisodia
O consumo é um gesto
de esperança
Washington Olivetto

tomada de decisão
em tempos de incerteza

Artigos Artigos
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a Lógica Fuzzy Planejamento
Abordagem sistêmica metropolitano e
no processo decisório rede de cidades: o
da empresa futuro passa por aqui!
entrevista | Daniel Kahneman

Daniel Kahneman
Formação: Ph.D. em psicologia pela Universidade da Califórnia
Atuação: Prêmio Nobel de Economia de 2002 e professor emérito
de psicologia e relações públicas da Woodrow Wilson School
Carreira: na década de 1950, serviu o Exército de Israel. Em 1958,
foi estudar em Berkeley, onde seguiu a carreira acadêmica que o
conduziu até o Prêmio Nobel de Economia de 2002. Atuou como
professor de psicologia na Universidade Hebraica de Jerusalém
(1970-1978), na Universidade de British Columbia (1978-1986) e na
Universidade da Califórnia, Berkeley (1986-1994)

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A hora de pedir conselhos

D
aniel Kahneman é o líder de uma geração de psicólogos, economistas, antropó-
logos e neurocientistas que aceitaram o desafio de repensar a economia à luz
da compreensão dos processos humanos de tomada de decisões. Ele nasceu em
1934, em Tel-Aviv, quase por acaso. Seus pais eram judeus lituanos que haviam
emigrado para a França nos anos 1920 e foram ao que era então a Palestina visitar parentes
distantes. Não fosse por isso, ele teria nascido em Paris, onde sua família vivia.
Sua primeira experiência profissional se deu no Exército de Israel. De início, como com-
batente; depois, como psicólogo, até 1956. Dois anos mais tarde, Kahneman mudou-se para
a Califórnia, para estudar em Berkeley. Começava ali a brilhante carreira acadêmica que o
conduziria até o Prêmio Nobel de Economia de 2002 por seus estudos sobre o peso da condição
humana e da irracionalidade nas decisões de consumo e investimento. Foi ele quem formulou
os princípios que demonstram como emoções simples, ligadas ao instinto de sobrevivência,
explicam anomalias de mercado, como a formação de bolhas financeiras e o estouro delas
por meio de grandes fugas de capital, bastante similares a estouros de boiadas. Tais emoções
impedem os investidores de calcular direito os riscos a que estão expostos.
Kahneman acredita que tanto indivíduos quanto grupos precisam de mecanismos para re-
visar como as suas decisões são tomadas. Nunca se conformou com o fato de que companhias
que passam o tempo todo tomando decisões não mantêm um registro delas. Desse modo, não
têm como aprender com os próprios erros. Segundo ele, isso não acontece por acidente, mas
sim porque os gestores não querem se ver confrontados com seus equívocos.
Palestrante requisitado, Kahneman vem apresentando uma ideia que tomou emprestada de
Gary Klein, outro pesquisador de processos de tomada de decisões. Quando um plano estratégi-
co estiver sendo formulado, o gestor deve convocar os envolvidos para uma reunião, na qual será
apresentado o seguinte cenário: estamos um ano no futuro, implementamos o plano e o resul-
tado foi um desastre. Cada participante deve usar uma folha de papel para escrever a história do
fracasso. Em seguida, o gestor deve recolher as anotações e lê-las em voz alta. A ideia é legitimar
o dissenso. Em organizações de profissionais competitivos, os participantes do exercício vão se
esforçar para identificar buracos na estratégia e mostrar o que poderia sair errado. Nesta entre-
vista, ele fala deste e de outros truques para reduzir os vieses psicológicos na tomada de decisões.

Por Alexandre Teixeira


Fotos: Latinstock

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entrevista | Daniel Kahneman

Alexandre — Estamos lidando com decisões tomadas por ele. Existem é controlar o otimismo em alguma
uma crise econômica no Brasil, e a diversos procedimentos para fazer medida.
ideia desta entrevista é buscar insights isso, mas o melhor, provavelmente,
da economia comportamental para é o pré-mortem [em oposição ao post Alexandre — No geral, existe algo
tomar melhores decisões de negócios. mortem, ou autópsia], que eu descre- que homens e mulheres de negócios
Uma primeira pergunta é sobre a vo no livro Rápido e devagar (Editora possam fazer para melhorar sua habi-
Teoria da perspectiva, que trata de Objetiva, 2012). Nesse procedimen- lidade de tomar decisões sob a pressão
decisões tomadas sob risco. Como a to, você cria um mecanismo para de uma crise econômica?
aversão a perdas compromete o pro- considerar os modos como uma
cesso de tomada de decisões — ainda decisão pode dar errado. É uma boa Kahneman — Na verdade, não. O
mais em tempos de incerteza? técnica para controlar o otimismo. único pensamento que me vem à
Existem outras, mas esta é a melhor. mente é o de que há situações nas
Kahneman — De muitas maneiras. quais é importante buscar aconse-
Eu não sei de que decisões você está Alexandre — A ideia é olhar para o lhamento. Isso é verdade na vida
falando, mas a aversão a perdas planejamento que estamos fazendo pessoal e funciona quando você
influencia quase tudo. Em geral, hoje como se estivéssemos um ano no tem de tomar decisões importan-
a aversão a perdas é uma força no futuro e o plano tivesse falhado. Este é tes. Existem períodos durante os
sentido da paralisia. As desvanta- o princípio? quais as pessoas sentem que sua
gens de fazer qualquer movimento tomada de decisões não é tão boa
pesam mais do que as vantagens. Kahneman — Sim, esta é a ideia. quanto desejariam, seja porque
Em situações de crise, de incerteza elas andaram perdendo, porque se
elevada, os efeitos da aversão a Alexandre — Qual é o insight por trás encontram em um estado emocio-
perdas são exacerbados. Logo, fica desse exercício? nal ruim, ou por causa da incerte-
ainda mais difícil tomar qualquer za elevada. Aqui, a ideia de pedir
decisão em um período de incerte- Kahneman — Tipicamente, à me- conselhos, de desacelerar antes
zas elevadas. dida que uma decisão é tomada, de tomar decisões, de se recolher,
instala-se a tendência de as pessoas pode não ser ruim. Conheço gente
Alexandre — Olhando para o outro se alinharem e não discutirem as que faz isso no mundo das finan-
extremo, seus estudos mostram que objeções àquela decisão. Particular- ças. Quando estão perdendo muito
líderes muito otimistas tendem a as- mente, quando é uma decisão forte- dinheiro, essas pessoas começam
sumir riscos mais elevados. Existem mente apoiada pelo líder, pelo CEO. a agir segundo regras, em vez de se-
medidas que as empresas possam Ao criar uma situação de pré-mor- guir seus instintos. Elas se tornam
tomar para evitar esse tipo de viés nas tem, você torna legítimo questionar mais conservadoras, no sentido
suas decisões em tempos de incerteza? a decisão, de um modo que frequen- de não confiar demais em sua in-
temente não ocorre quando uma de- tuição. Aceitam mais conselhos e
Kahneman — Se é de um CEO que cisão é tomada ou está prestes a ser seguem mais regras.
você está falando, então é respon- tomada. Logo, é uma legitimação da
sabilidade do conselho checar as dúvida e do dissenso. O que ela faz Alexandre — Será que essa lógica se
aplica a estrategistas corporativos?

Em geral, a aversão a perdas é uma força Kahneman — Não sei se esse é um


bom conselho de maneira geral. Eu
no sentido da paralisia. As desvantagens me refiro às situações em que a pes-
de fazer qualquer movimento pesam mais soa que toma as decisões sente que
do que as vantagens está perdendo o controle.

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Alexandre — Quando o senhor fala
em pedir conselhos, se refere, por
exemplo, a consultores?

Kahneman — Consultores ou ami-


gos, gente que não está envolvida
diretamente nas decisões e que olha
para elas objetivamente e pode aju-
dar você a pensar. Isso geralmente
funciona bem quando as pessoas
sentem que estão correndo o risco
de tomar decisões ruins. É para isso
que servem os amigos. Para tentar
conseguir bons conselhos. Para ten-
tar pensar junto com outra pessoa
sobre os seus problemas.

shut terstock
A lexandre — Quão importante o
senhor acredita que a situação econô-
mica de um país possa ser quando se
discute esse tipo de viés e de problema No mundo das finanças, quando os investidores estão perdendo muito dinheiro,
no processo de tomada de decisões? eles começam a agir segundo regras, tornam-se mais conservadores e aceitam
Estar vivendo um momento de crise mais conselhos, em vez de seguir seus instintos
e incerteza é relevante para essa dis-
cussão? Kahneman — Não vejo isso relacio- arquivo das decisões que vão tomando
nado especificamente a períodos e, assim, não têm como aprender com
Kahneman — Em geral, a incerteza de crise. Em geral, as pessoas têm seus erros. O que há por trás dessa fal-
piora tudo. Torna todas as decisões a ilusão de que compreendem o ta de memória e o que poderia ser feito
piores. Exacerba a aversão a perdas que está acontecendo no presente para corrigi-la?
e faz com que seja mais difícil para melhor do que são capazes de fato.
as pessoas calcularem as probabili- Eu sustento que a nossa habilidade Kahneman — Eu me refiro mais a
dades e os riscos que estão corren- de entender as situações depois que empresas que tomam muitas deci-
do. Não posso falar especificamente elas acontecem — ou de acreditar sões. Por exemplo, decisões de in-
sobre crises em países, porque eco- que as compreendemos — contribui vestimento, nas quais há múltiplas
nomia não é o meu campo, mas, em para a ilusão de que podemos pre- escolhas a fazer. Em geral, é verdade
geral, a incerteza piora as coisas. ver o futuro. Mas não existe nada que as empresas não mantêm re-
que eu conheça sugerindo que esse gistros das suas deliberações. Não
Alexandre — Aprendemos em suas fenômeno interaja especificamente mantêm registros especialmen-
pesquisas que a ilusão de que compre- com a incerteza ou com períodos te das opções que consideraram
endermos o passado encoraja o exces- de crise. e rejeitaram ao fazer escolhas, o
so de confiança em nossa capacidade que torna mais difícil avaliar quão
de prever e controlar o futuro. Qual é o Alexandre — O Brasil tem um histó- bem as decisões foram tomadas no
impacto desse tipo de comportamento rico muito longo de crises financeiras, passado. É, de fato, uma questão
no processo de tomada de decisões mas, como o senhor tem dito há dé- de documentar as decisões de um
durante uma crise? cadas, as empresas não mantêm um modo que torne fácil entender, de-

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entrevista | Daniel Kahneman

latinstock
Segundo Kahneman, a incerteza piora tudo. Torna todas as decisões piores. Exacerba a aversão a perdas e faz com
que seja mais difícil para as pessoas calcularem as probabilidades e os riscos que estão correndo

pois, exatamente como elas foram temática de manter registros e de A le x a nd r e — Existe algum bom
tomadas. Um dos principais pontos aprender com as experiências. En- exercício para tentar evitar esse tipo
que todos nesse campo querem en- tão, na prática, duas coisas aconte- de viés?
fatizar é que existe uma grande di- cem: por um lado, ela não aprende
ferença entre boas decisões e bons o suficiente com as experiências, Kahneman — Isso é interessante.
resultados, e você quer ser capaz de mas, por outro lado, aprende de- Se u ma decisão é i n f luenciada
avaliar a decisão independentemen- mais com certas experiências em mu ito for temente por u m er ro
te do resultado. particular. Você pode ficar muito específ ico que foi comet ido no
impressionado com um erro que passado, por um desastre em es-
Alexandre — Pode explicar melhor cometeu e tentar, com afinco, evi- pecia l, então ser ia cer ta mente
esta ideia? tar aquele erro específico. Como útil tentar considerar categorias
resultado, pode cometer outros er- de casos similares. Talvez não na
Kahneman — De forma geral, uma ros. É algo que acontece com muita história da firma em si, mas para
firma não faz uma tentativa sis- frequência. que você possa ter o que eu chamei

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de “visão de fora” desse tipo de sobrevivência” dos políticos. Inde- Kahneman — Não estou certo. Pen-
incidente. Ver quão significativo o pendentemente das peculiaridades so que, em geral, a economia com-
incidente realmente é, para tentar da política brasileira, o senhor acha portamental, até onde eu sei, não
não enviesar um processo de de- que ele pode ter razão? tem tanto assim a dizer sobre ma-
cisão [no futuro] visando evitar o croeconomia. Essa questão sobre
mesmo tipo de erro. Kahneman — Instinto de sobrevi- como influenciar o nível geral de
vência é só uma frase popular. Não confiança soa como algo que a eco-
Alexandre — Estamos lidando com é um conceito psicológico. Tudo o nomia comportamental deveria ser
perdas pesadas na bolsa de valores nos que ele quer dizer é que os políticos capaz de abordar, mas eu realmente
últimos tempos. Sua comparação dos estão atentos para os custos de co- não sei o que dizer. Não sei se algum
resultados dos gestores de ações com meter grandes erros, que tenham economista comportamental já li-
pura sorte, para o bem ou para o mal, é grande impacto. Para o fato de que dou com essa questão sobre o nível
famosa. Uma vez que entendemos que eles serão culpados por isso. geral de confiança na economia e
não é possível “derrotar o mercado”, como ela poderia ser influenciada. É
existe algo que se possa fazer para Alexandre — Claro, mas o que estou uma questão importante.
“atrair boa sorte”, ou isso é algo real- querendo discutir é se o senhor acha
mente fora do controle dos gestores? que há alguma base científica por trás Alexandre — Warren Buffett disse
dessa ideia? certa vez: “O amanhã é sempre in-
Kahneman — Por definição, gesto- certo, não deixe que essa realidade te
res têm algum controle. Não é tudo Kahneman — Não, mas quando as assuste”. O senhor concorda com este
sorte, mas, por definição, sorte é pessoas veem um risco muito severo, tipo de declaração?
justamente aquilo que você não elas o evitam. Não há por que chamar
controla. Gente como Nassim Taleb isso de instinto de sobrevivência. Kahneman — (risos) Warren Bu-
[o ex-operador de mercado que es- É uma frase, e não uma afirmação ffett é u m sábio. Ele d iz coisas
creveu o best-seller A lógica do cisne científica. Obviamente, os políticos que são óbvias e que se tornam
negro] alega que é possível se man- querem ser reeleitos. Se você quiser interessantes só porque Warren
ter no território mais seguro se você chamar isso de sobrevivência ou de Bu f fet t a s d i sse . Q u a lquer u m
for muito conservador, pensar que sobrevivência política, tudo bem, mas poderia ter dito isso. Mas só é in-
desastres podem acontecer e se pro- não é um conceito científico. teressante porque Warren Buffett
teger contra eles. Não estou certo de é que disse. A frase quer dizer que
que isso seja sempre plausível. Alexandre — Hoje, no Brasil, o em- existe incerteza e que você não
presariado parece paralisado diante deve deixar que ela te paralise. É
Alexandre — Nosso ministro da Fa- da simples perspectiva de uma crise só uma frase que não deveria ser
zenda disse recentemente a banquei- financeira, e o governo reclama um levada tão a sério. Obviamente,
ros internacionais que está confian- bocado da falta do chamado “espírito há muita coisa por trás dela. As
te na aprovação de suas medidas de animal”, citando Keynes. A economia pessoas sabem que, se ela veio
ajuste fiscal pelo Congresso brasi- comportamental tem algo a nos ensi- de Warren Buffett, também quer
leiro porque acredita no “instinto de nar nessa matéria? d i zer que você t em de colet a r
muita informação antes de fazer
um movimento e assim por dian-
A nossa habilidade de entender as situações te. No contexto de ser uma frase
de Warren Buffett, ela tem algum
depois que elas acontecem – ou de acreditar sign ificado, mas se você toma r
que as compreendemos – contribui para apenas a sentença em si, não quer
a ilusão de que podemos prever o futuro dizer muita coisa.

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